Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02997/19.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/16/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:CONTRAORDENAÇÃO; PRETERIÇÃO DA REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO;
Sumário:1 – Uma vez que, nem o arguido, nem o Ministério Público se opuseram a que a decisão controvertida viesse a ser, como foi, proferida por Despacho, não se verifica a suscitada nulidade resultante da prolação de decisão por via de Despacho, sem inquirição das testemunhas arroladas, tanto mais que a prova se mostra predominantemente documental.
Se alguma das partes entendia que se deveria realizar julgamento, só tinha de se opor à prolação da decisão por via de Despacho, não podendo em momento ulterior, verificando que a decisão lhe foi desfavorável, pretender que a normal tramitação do processo, retroaja à fase anterior á decisão.

2 - Uma decisão condenatória que não especifique e revele, ainda que de forma sumária, todos os elementos de facto que caracterizam a infração não deixará de atentar contra o direito de defesa do arguido, violando o artigo 32.º, n.º 10, da CRP, que impõe esse direito em todos os processos sancionatórios, como é o caso do processo contraordenacional.

3 - Não tendo sido alegado, e menos ainda provado, que o arguido tenha realizado quaisquer alterações estruturais no edificado, modificando, designadamente, quer a cércea, quer as fachadas, quer ainda a volumetria do controvertido prédio, não se reconhece a verificação de qualquer contraordenação suscetível de determinar a aplicação de uma qualquer coima, uma vez que, até prova em contrário, que não foi feita, as intervenções levadas a cabo terão constituído meras obras de conservação ou de alteração do interior, não consistentes com o entendimento do município de acordo com o qual, terão sido realizadas obras estruturais no edificado.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Ministério Público
Recorrido 1:H., Lda.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:N/A
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I- Relatório
H., Lda., devidamente identificado nos autos, veio junto do TAF do Porto intentar recurso da decisão da fixação da coima de 17 de setembro de 2019 proferida nos autos de contraordenação n.º 1-261-2019, do Município de (...), que lhe aplicou a coima de 1.650€, pela prática da contraordenações prevista e punível pelos artigos 4.º, n.º 2 e 98.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12 - RJUE, tendo o referido Tribunal julgado procedente o referido recurso de contraordenação, mais tendo absolvido a Recorrente da infração de que vinha acusada.

O Ministério Público veio em 15 de junho de 2020 apresentar Recurso da referida decisão, cujas conclusões delimitam o objeto do recurso, nas quais se referiu:

“1 – O MP na acusação em que apresentou os autos contraordenacionais ao juiz, referiu nada ter a opor que a decisão fosse produzida por mero despacho nos termos do artº 64º, nºs 1 e 2, do RJUE, bem como indicou como prova documental nomeadamente o referido processo contraordenacional e como prova testemunhal uma agente fiscalizadora da Divisão Municipal de Comunicações Prévias e Inspeções da Câmara Municipal de (...) (CMP) que, atento o teor do referido Processo contraordenacional, efetuou a inspeção ao local onde decorria a obra da arguida a 28.01.2019;
2 - De acordo com o referido Processo (administrativo) contraordenacional os Serviços da CMP:
a) entendem que as alterações ao projeto aprovado e licenciado foram verificadas nas inspeções ao local ocorridas nos dias 11.12.2018, 16.01.2019, 28.01.2019 e 14.02.2019; e
b) informaram que o edifício era estruturalmente constituído por paredes exteriores em alvenaria de granito e no interior por vigas de madeira (conforme fotografias obtidas no local a 16.01.2019);
3- Na douta sentença recorrida, considerou-se como não provada a seguinte factualidade:
«a) Que o prédio referido em 8) fosse estruturalmente constituído por paredes exteriores em alvenaria de granito e no interior por vigas de madeira;
b) Que os pilares suportam as vigas em betão armado, que por sua vez sustentam o peso das lajes em madeira e em betão armado executadas, ou seja, têm função estrutural;
c) Que na parede de alvenaria foi colocada uma cantoneira metálica que suporta o peso da laje de madeira;
d) A situação económica da arguida.»;
4 - Como motivação para a decisão constante do item anterior referiu-se na douta sentença recorrida que: «A convicção que permitiu dar como provados e não provados os factos acima descritos assentou na análise do teor do processo administrativo constante dos autos, de acordo com o indicado em cada um dos números e alíneas. Os factos não provados resultam de inexistência e/ou insuficiência de prova no processo administrativo sobre os mesmos. Com efeito, das fotografias em inspeções efetuadas em 2019 (já no decurso das obras) – cf. auto de notícia/facto provado n.º 1 -, não se podem retirar as características físicas do edifício anteriormente à realização das obras, além de que inexiste documento válido certificador de tais características nos autos.»;
5 - Dos quatro factos considerados não provados na douta sentença recorrida apenas o facto «situação económica da arguida» havia sido considerado não provado na decisão condenatória proferida pela entidade administrativa objeto de impugnação judicial;
6 - Atento o disposto no artº 64º, nº 2, do RGCO, para a decisão ter lugar mediante despacho, a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo ser necessária a conjugação dos fatores aí elencados, exigindo-se assim cumulativamente que: o juiz considere desnecessária a realização da audiência de julgamento e que o arguido e o Ministério Público não se oponham à decisão do recurso por despacho;
7 – É entendimento aceite para o juiz não considerar necessária a audiência de julgamento» que a decisão final não dependa da produção de prova, designadamente quando o objeto do recurso é uma questão de direito, quando o objeto for de facto mas dos autos constam já todos os elementos necessários para que seja proferida a decisão ou quando for de julgar procedente alguma exceção, dilatória ou perentória;
8 – Assim, mostra-se necessário para a decisão do recurso da entidade administrativa se poder efetuar através de despacho que a decisão final não dependa da realização de diligências de prova em sede de audiência de julgamento, pelo que apenas quando sejam considerados adquiridos os factos recolhidos em sede administrativa do processo contraordenacional não existam outras provas a produzir é que se deverá decidir através de despacho;
9 - Se a Mmª Juiz «a quo» considerava que os factos recolhidos pela entidade administrativa não iam ser por si aceites, como o não foram na douta sentença por, atentas as regras de apreciação da prova, os não considerar provados, não poderia decidir por despacho como decidiu;
10 - Teria, assim, que se proceder a audiência de julgamento a fim de inquirir as testemunhas indicadas e até solicitar à entidade administrativa documentos não integrantes do processo contraordenacional mas neste aludidos e/ou considerados;
11- Aliás, em processo contraordenacional, como em processo penal, vigoram os princípios da oficialidade e da investigação da verdade material, nos termos dos quais compete ao julgador indagar e esclarecer mesmo para além do material que lhe é trazido pelas partes com vista a alcançar uma decisão justa (v. artº 340º, nºs 1 e 2, do CPP e artº 72º do RGCO).
12 - Por isso, a decisão recorrida afrontou ainda o princípio de confiança de que a Mmª Juiz apenas decidiria por despacho, se considerasse adquiridos os factos recolhidos em sede administrativa ou de que cumpriria o exigido pelos princípios da oficialidade e da investigação da verdade material;
13 – Foi assim preterida a realização da audiência de julgamento, por, dadas as circunstâncias, se mostrar ou se ter tornado obrigatória, verificando-se, assim, omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade;
14 – Nesta conformidade, verifica-se a existência de nulidade processual, enquadrável na al. d), do n.º 2, do arº 120º do CPP, que ora, atempadamente, se suscita (v. artºs 105º, nº1, e 410.º, nº 3, do CPP e 73.º, n.º 1, al. e) do RGCO).
15 – Sucede também que a douta sentença recorrida padece de nulidade nos termos do artº 379º, nº1, al. a) do CPP, pois:
a) No que respeita à indicação das provas, expende-se na douta sentença, por um lado, que os factos não provados resultam de inexistência e/ou insuficiência de prova no processo administrativo(contraordenacional) atenta a análise (da totalidade) do seu teor, mas reduzindo, em suma, os elementos probatórios de (cópia de) o processo contraordenacional às (cópias a «preto e branco» das) fotografias que aí constam;
b Na fundamentação da douta sentença recorrida a Mmª Juiz «a quo» limitou-se a considerar não provadas as características do edifício antes das obra por essas caraterísticas não resultarem (da cópia) das fotografias que foram obtidas aquando das inspeções e por inexistir documento válido certificador das mesmas, pelo que olvida e omite o que havia sido constatado pelos técnicos se que dirigiram ao edifício e ficou plasmado em informação técnica ou similar ;
c) Do teor (da cópia) dessas fotografias ou doutros elementos probatórios não se extrai que os serviços técnicos não tivessem constatado o que por escrito foi referido que verificaram;
d) Não se alcança como apenas (da cópia) de tais fotografias (digitalizadas), a Mmª Juiz do Tribunal «a quo» logrou obter a conclusão que obteve relativamente aos três primeiros itens da factualidade não provada quando é certo que a arguida veio sequentemente a requerer o licenciamento de obra de alteração da compartimentação interior, estrutura resistente e o uso de habitação mais comércio/serviços só para habitação e que a prova em tribunal das caraterísticas físicas do edifício antes ou durante as obra, não necessita no âmbito do presente processo contraordenacional, de ser efetuada por prova documental, nada impedindo, em todo o caso, a MMª Juiz do tribunal «a quo» de relevar outros meios de prova, como a prova testemunhal e até pericial, para além de mais prova documental (como a referida nos autos de contraordenação mas não constante do mesmo);
e) A indicação das provas na formação da convicção do Tribunal «a quo», relativamente aos factos dados como não provados não resultou da análise crítica da conjugação da apreciação de todos os documentos juntos aos autos, mas de tais fotografias (ou melhor, de apenas cópias das fotografias), sem especificar sequer a ou as que relevaram para cada um dos factos não provados;
f) Não se sabe, por tal não resulta da douta sentença recorrida, qual o critério ou razões que levaram o Tribunal «a quo» apenas a dar relevância que foi dada a tais cópias de fotografias para considerar não provada os três primeiros itens da factualidade não provada, em detrimento do mais constante nesses autos contraordenacionais;
f) Verifica-se, assim, que o Tribunal «a quo» não indicou de forma plena ou completa as provas que serviram para formar a sua convicção (pois, em suma, reduziu a cópia do processo contraordenacional a cópia das fotografias do mesmo constantes), existindo ainda falta do exame crítico das provas;
16 – Em todo o caso, a falta de indagação dos factos, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo sempre constituirá o vício plasmado no artº 410º, nº2, al. a), do CPP;
17 – Foi, assim, violado o disposto nos art.º 64º, nº2 , 1ª parte, do RGCO , 340º e 374º, nº2, do CPP e 205º da CRP;
18 - Nestes termos e nos demais de Direito que Vªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar a douta decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que designe data para a realização do julgamento, com todas as devidas e legais consequências.
No entanto, Vossas Excelências, decidindo, farão, como habitualmente, JUSTIÇA!”

Em 16 de junho de 2020 foi proferido Despacho de Admissão de Recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida - [cfr. artigo 641º, nº. 5 do CPC].

Em 15 de junho de 2020 veio o Recorrido H., Lda. apresentar as suas Contra-alegações de Recurso, nas quais Concluiu:

“I. No n.º 2 do artigo 64.º estabelece-se que “o juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério não se oponham”.

II. Por isso, o juiz, antes de decidir por despacho, tem que conceder ao arguido e ao Ministério Público, em qualquer caso, um prazo, para que estes, querendo, se possam opor a essa forma de decidir o recurso.

III. Equivale isto por dizer que, se o Ministério Público ou o arguido deduzirem oposição, o juiz, mesmo que considere esta infundada ou materialmente inexistente, terá, mesmo assim, que designar dia para julgamento, ficando impedido de decidir o recurso por despacho.

IV. Da conjunção coordenada copulativa “e” utilizada neste n.º 2, resulta, inequivocamente, que estamos perante dois requisitos cumulativos a saber:

1.º O juiz não considera necessária a audiência de julgamento; 2.º O arguido e o Ministério Público não se oponham à decisão do recurso por despacho.

V. Daqui resulta que o legislador atribuiu ao arguido e ao Ministério Público o direito de submeter a acusação pública a julgamento, mesmo que este se afigure inútil ao juiz.

VI. Por isso, o juiz, no caso de não considerar necessária a audiência, deverá notificar o arguido e o Ministério Público anunciando a sua intenção de decidir por despacho, para lhes dar a oportunidade de deduzirem oposição.

VII. No caso em apreço, tanto o Recorrente como a Recorrida manifestaram a não oposição à decisão por despacho judicial.

VIII. Ora, tem sido entendido, sem divergências conhecidas, que a nulidade invocada pelo Recorrente é aplicável apenas aos casos em que a não audição prévia à decisão por simples despacho do arguido e do Ministério Público, tal como à decisão por despacho nos casos em que o arguido ou o Ministério Público se oponham a tal forma de decisão, o que não foi o caso dos autos.

IX. A este propósito António Beça Pereira entende que “Da conjugação coordenada copulativa e utilizada neste n.º 2, resulta, claramente, que estamos perante dois requisitos cumulativos, a saber: 1.º O juiz considera desnecessária a realização da audiência de julgamento; 2.º O arguido e o Ministério Público não se opõem à decisão do recurso por despacho” - conforme Regime Geral das Contraordenações e Coimas, 7.ª Edição, Almedina, pág. 134.

X. E o mesmo defende Paulo Pinto de Albuquerque: “Para a decisão por despacho são necessárias três condições cumulativas: (1) o juiz considerar desnecessária a audiência de julgamento; (2) o arguido não se opor à decisão por despacho, nem requerer produção de prova e (3) o MP não se opor à decisão por despacho. Faltando uma das condições, o juiz tem de marcar audiência de julgamento …” - conforme Comentário do Regime Geral das Contraordenações, Universidade Católica Editora, págs. 265/266.

XI. Na verdade, o Recorrente ao vir, agora, alegar que era ao julgador que competiria indagar, esclarecer para além do material que lhes é trazido pelas partes é no mínimo subverter as competências e deveres que lhe são próprias.

XII. Mais, se a Recorrente entendia que os factos e a instrução por si colhidos não eram suficientes não deveria desde logo ter manifestado a sua não oposição à decisão por mero despacho judicial.

XIII. Não pode é vir, agora, porque a decisão judicial lhe foi desfavorável vir alegar a preterição invocada, quando estava ao seu alcance promover a realização de julgamento para suprir as insuficiências da sua instrução ou inquérito.

XIV. Se é certo que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, toda as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer,

XV. Vem-se entendendo que se está, não perante um poder de exercício discricionário por parte do juiz, mas perante um poder-dever que se lhe impõe com vista ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio.

XVI. Importa ainda referir que o princípio que o Recorrente se esquece de mencionar no seu recurso é o da autorresponsabilidade das partes, pelo que os princípios da oficialidade e da investigação da verdade material alegados por aquele não podem ser invocados, de forma automática, para superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes.

XVII. A entender-se de outro modo, estava descoberta a forma de, por esta via, se colmatarem insuficiências e falhas cometidas pelas partes na instrução do processo.

XVIII. Nestas circunstâncias, em que a situação resulta tão claramente declarada:

Inexistência de cadastro/registo com a estrutura anterior do imóvel;

Inexistência de documento que ateste a estrutura anterior do imóvel;

XIX. O único princípio da confiança violado ou omissão ocorrida nestes autos são da responsabilidade do próprio Recorrente que confiou que os elementos por si carreados para os autos eram suficientes para a procedência da sua pretensão e tanto confiou que inclusivamente não se opôs a que a decisão fosse proferida por mero despacho, sem audiência de julgamento para produção de outra prova.

XX. Entende, também, o Recorrente que “Face a todo o aduzido, não tendo o tribunal indicado de forma plena ou completa as provas que serviram para formar a sua convicção (por, em suma, ter reduzido a cópia do processo contraordenacional a cópia das fotografias do mesmo constantes) e havendo falta do exame crítico das provas, existe insuficiência da fundamentação, atento o disposto no art. 374º, nº 2, do CPP, o que determina, nos termos do art. 379º, nº 1, a), do mesmo diploma legal, a nulidade da sentença.”

XXI. De acordo com o artigo 374, nº 2 do Código de Processo Penal, a fundamentação da sentença, é composta por dois grandes segmentos, um consiste na enumeração dos factos provados e não provados, outro na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.

XXII. O exame crítico deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizado na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efetuada.

XXIII. Porém, tenhamos presente que a conclusão a que o Tribunal a quo e bem chegou foi no sentido da inexistência de suporte factual da infração.

XXIV. Ora, a inexistência de elementos factuais relativos ao elemento objetivo do tipo da infração imputada à Recorrida colidiria necessariamente com os seus direitos de defesa, o que foi exaustivamente invocado nestes autos e mesmo no processo contraordenacional desde o primeiro momento.

XXV. Por conseguinte, como nada na lei permite ou autoriza a interpretação de que esses elementos podem ser levados ao conhecimento do arguido de forma remissiva ou indireta,

XXVI. Uma decisão condenatória que não especifique e revele, ainda que de forma sumária, todos os elementos de facto que caracterizam a infração não deixará de atentar contra o direito de defesa do arguido, violando o artigo 32.º, n.º 10, da CRP, que impõe esse direito em todos os processos sancionatórios.

XXVII. É ainda evidente que da sentença recorrida consta a exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do Tribunal.

XXVIII. Senão atentemos nos seguintes trechos, “Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

1. No dia 28/01/2019, pelas 16h32m, foi levantado auto de notícia contra H., Lda. por realizar operação urbanística sujeita a prévio licenciamento sem o respetivo alvará de licenciamento no sítio de Rua (...), Porto, como estabelecem os artigos 4.º, nº 2 e 98.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do RJUE, o que deu origem ao processo de contraordenação n.º 1-261-2019 (cf. fls. 1 a 4 do suporte físico do processo).

2. No dia 28/02/2019, por carta registada com aviso de receção, foi enviado à Recorrente ofício, por ela rececionado, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, relativo à instauração do procedimento contraordenacional referido no n.º anterior e para, querendo, apresentar defesa (cf. fls. 5 a 8 do suporte físico do processo).

3. A Recorrente apresentou defesa, que aqui se dá por integralmente reproduzida, pedindo a audição da testemunha N. e o envio de cópia do cadastro do imóvel em causa, pugnando pela inexistência de responsabilidade contraordenacional e arquivamento do processo (cf. fls. 9 a 13 do suporte físico do processo).

4. Na sequência da defesa apresentada, foi ouvida a testemunha indicada pela Recorrente e solicitada informação aos serviços, tendo os mesmos concluído no sentido de fls. 15 do suporte físico do processo, que aqui se dá por integralmente reproduzido, do que foi dado conhecimento à Recorrente – cf. fls. 14 a 23 do suporte físico do processo.

5. Em 23/07/2019, a arguida deu entrada de requerimento, na sequência do referido no n.º anterior em que entende inexistir prova sobre as caraterísticas físicas do edifício anteriores à intervenção da arguida que permitam um termo de comparação – cf. fls. 24 do suporte físico do processo.

6. No dia 17/9/2019, a Vereadora C. proferiu a decisão de aplicação de coima à Recorrente de 1.650€ no processo de contraordenação referido em 1), pela prática das contraordenações previstas e puníveis pelo artigo 4.º, n.º 2 e 98.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do RJUE, condenando-a no pagamento das custas do processo no montante de 52,50€, pelos fundamentos factuais e jurídicos previstos na decisão, que aqui se dá por integralmente reproduzida - cf. fls. 26 verso a 30 verso do suporte físico do processo.

7. Da decisão referida no n.º anterior foi dado conhecimento à Recorrente e à sua mandatária - cf. fls. 26 e 32 e 35 a 41 do suporte físico do processo.

8. A arguida é proprietária do prédio situado Rua do (...), , descrito na conservatória predial como casa de 2 pavimentos e fachada de alvenaria com 1 divisão em cada andar e inscrito na matriz antes do ano de 1939;

9. A arguida, no dia 1.8.2018, deu entrada junto do Município de (...) de uma comunicação, registada com o n.º P/262539/18/CMP, de início de trabalhos isentos de controlo prévio municipal, nomeadamente, conservação de fachadas e cobertura, alteração de compartimentação interior e pinturas do prédio referido no n.º anterior.

10. Para o prédio referido em 8) existe, junto do Município de (...), uma Licença de obra n.º 372/1894 - ARMAZÉM DE CEREAIS que não refere as características físicas do edifício, sendo que, no entanto, nesta data da licença não se executavam estruturas em betão armado.

11. No dia 16/01/2019, pelas 14h45, promoveu-se uma inspeção ao local e verificou-se a execução de armadura e respetiva cofragem para a realização de uma escada em betão armado e arranque de armadura para execução de pilares.

12. No dia 28/01/2019, pelas 16h32, promoveu-se nova inspeção ao local e verificou-se que a escada, referida anteriormente, já se encontrava betonada, os pilares já se encontravam betonados, tinha sido executada nova escadaria central e uma laje maciça RC/1º andar, aproximadamente em metade da área do edifício.

13. Foi determinado embargo pelo Município de (...) a 14 de Fevereiro de 2019.

14. A 16.05.2019 a arguida deu entrada do processo de licenciamento de obra de alteração da compartimentação interior, estrutura resistente e o uso de habitação mais comércio/serviços só para habitação (processo n.º P/189803/19/CMP).

15. A arguida tem antecedentes contraordenacionais - Processo 3-1584-2018, por, no dia 16 de Outubro de 2018, pelas 10:15 horas, na Rua do (...), freguesia de (...), (...), ter ocupado a via pública com um contentor que se encontrava pousado na via publica faixa de circulação, com as dimensões de 5,20 metros de comprimento por 2,50 metros de largura, totalizando 13 metros quadrados, o qual se encontrava copulado à viatura de matrícula XX-XX-XX, de marca Volvo, FL10, de cor branco, sem qualquer título que a legitimasse, pelo que foi condenada, por decisão administrativa transitada em julgado, ao pagamento de uma coima especialmente atenuada no montante de 500 euros, que liquidou.”

“Motivação: A convicção que permitiu dar como provados e não provados os factos acima descritos assentou na análise do teor do processo administrativo constante dos autos, de acordo com o indicado em cada um dos números e alíneas.

Os factos não provados resultam de inexistência e/ou insuficiência de prova no processo administrativo sobre os mesmos. Com efeito, das fotografias em inspeções efetuadas em 2019 (já no decurso das obras) – cf. auto de notícia/facto provado n.º 1 -, não se podem retirar as características físicas do edifício anteriormente à realização das obras, além de que inexiste documento válido certificador de tais características nos autos.”

“Como adiantamos, a questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se a decisão de aplicação de coima no processo de contraordenação em causa nos presentes autos é legal.

Comecemos por analisar a questão suscitada da nulidade da decisão condenatória por, na notificação da decisão de aplicação da coima à arguida, não constarem os elementos que contribuíram para a fixação da coima, sendo certo que a mesma não foi fixada no mínimo legal.

Nos termos do artigo 58.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:

a) A identificação dos arguidos;

b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;

c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;

d) A coima e as sanções acessórias.

Compulsada a decisão de aplicação da coima (cf. facto provado n.º 6), a mesma contém os elementos essenciais acima identificados, pelo que não padece de nulidade insuprível para os efeitos do artigo 58.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82.

Por outro lado, da mesma constam os elementos que contribuíram para a fixação da coima – cf. 9 últimos parágrafos da secção fundamentação da decisão de aplicação de coima (facto provado n.º 6), nos quais se explicitam os elementos que contribuíram para a aplicação da coima de 1650 €, nomeadamente gravidade da contraordenação, culpa e benefício económico do agente.

Seguidamente a Recorrente alega que foi negada a possibilidade de conhecer e analisar a cópia do cadastro do imóvel em causa nos autos, para assim poder melhor e fundamentadamente defender-se, pelo que foi violado o direito de defesa da arguida, nulidade que invocou, sendo tal documento fundamental para a descoberta da verdade material.

Conforme resulta dos factos provados n.ºs 2 a 5, a Recorrente pôde exercer o direito de defesa e o contraditório sobre os elementos apresentados pelos serviços, pelo que inexiste violação do direito de defesa da arguida e, como tal, inexiste nulidade para os efeitos do artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa.”

Vejamos o que se provou quanto à matéria factual.

Resulta da factualidade provada que:

- a arguida é proprietária do prédio situado Rua do (...), descrito na conservatória predial como casa de 2 pavimentos e fachada de alvenaria com 1 divisão em cada andar e inscrito na matriz antes do ano de 1939;

- para tal prédio existe, junto do Município de (...) uma Licença de obra n.º 372/1894 - ARMAZÉM DE CEREAIS que não refere as características físicas do edifício, sendo que, no entanto, nesta data da licença não se executavam estruturas em betão armado.

- a arguida, no dia 1.8.2018, deu entrada junto do Município de (...) de uma comunicação, registada com o n.º P/262539/18/CMP, de início de trabalhos isentos de controlo prévio municipal, nomeadamente, conservação de fachadas e cobertura, alteração de compartimentação interior e pinturas do prédio referido no n.º anterior;

- No dia 16/01/2019, pelas 14h45, promoveu-se uma inspeção ao local e verificou-se a execução de armadura e respetiva cofragem para a realização de uma escada em betão armado e arranque de armadura para execução de pilares;

- No dia 28/01/2019, pelas 16h32, promoveu-se nova inspeção ao local e verificou-se que a escada, referida anteriormente, já se encontrava betonada, os pilares já se encontravam betonados, tinha sido executada nova escadaria central e uma laje maciça RC/1º andar, aproximadamente em metade da área do edifício.

No entanto, não ficou provado:

- que o prédio em causa nos presentes autos fosse estruturalmente constituído por paredes exteriores em alvenaria de granito e no interior por vigas de madeira;

- que os pilares suportam as vigas em betão armado, que por sua vez sustentam o peso das lajes em madeira e em betão armado executadas, ou seja, têm função estrutural e que na parede de alvenaria foi colocada uma cantoneira metálica que suporta o peso da laje de madeira.

(...)

XXIX. Além dos trechos supra transcritos, o Tribunal a quo escrutinou e revisitou todos artigos/legislação usados na fundamentação da decisão condenatória à data dos factos.

XXX. É manifesto e notório que a decisão a quo não padece de qualquer nulidade, não restando qualquer dúvida sobre as provas usadas para formar a convicção do Tribunal,

XXXI. Nem tão pouco existe falta do exame crítico das provas e por isso insuficiência da fundamentação.

XXXII. Caricato ainda que o Recorrente venha impudicamente falar de prova testemunhal,

“A tal acresce que a prova testemunhal indicada na decisão administrativa e arrolada no requerimento do MP, em virtude de não ter havido audiência de julgamento, foi, como decorre do já aduzido, cabalmente omitida pelo Tribunal «a quo» por não produzida e, assim, por este desconsiderada; como foi descurado o constatado pelos serviços técnicos da CMP que a cópia (a preto e branco) das referidas fotografias não deixa vislumbrar (ou até não consagrará).”

XXXIII. Quando a mesma nem sequer serviu de base à fundamentação da decisão administrativa.

XXXIV. A indicação de prova testemunhal na decisão administrativa é meramente formal, pois como se disse, tal meio de prova não foi considerado na fundamentação que presidiu à decisão.

XXXV. Se alguma omissão ou insuficiência existe nos presentes autos é da CMP/Recorrente que foi incapaz de demonstrar a realidade do imóvel em causa nos autos anterior às intervenções da Recorrida.

XXXVI. É, pois, esta a verdadeira insuficiência dos presentes autos, não estando, nem podia estar por isso o Tribunal a quo munido de qualquer meio de prova idóneo para dar como provados os primeiros 3 itens dos factos dados como não provados.

XXXVII. Veio ainda o Recorrente invocar a insuficiência para a decisão de matéria de facto provada, pois considera que:

“…lida a sentença recorrida, verifica-se que se deixa de indagar se a factualidade considerada provada pela decisão administrativa (...) e igualmente considerada pelo MP (...) efetivamente era sustentada, evidenciado claramente ter-se limitado a nada indagar na busca da verdade material ao considerar a factualidade não provada nos três primeiros itens dessa matéria, na medida em que confinou a decidir por mero despacho.”

XXXVIII. Importará desde já referir que os vícios constantes do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, apenas podem ser conhecidos oficiosamente, por sua própria iniciativa, quando tais vícios se perfilem, que não a requerimento dos sujeitos processuais.

XXXIX. A insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. – e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena

XL. A insuficiência, da matéria de facto alínea a) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal para a decisão não se pode confundir com a insuficiência da prova.

XLI. Resulta à saciedade que o Tribunal a quo indagou clara e objetivamente sobre a factualidade dada como provada na decisão administrativa, senão vejamos:

“Para o Município de (...) aplicar a coima considerou determinante o seguinte: “Basta, para tanto, ter presente que as obras realizadas pela arguida se consubstanciaram em betonar a escada e pilares, em executar nova escadaria central e uma laje maciça RC/1º andar, aproximadamente em metade da área do edifício, sendo que os pilares suportam as vigas em betão armado, que por sua vez sustentam o peso das lajes em madeira e em betão armado executadas, ou seja, têm função estrutural. Este último elemento, uma vez que à data da licença existente para o local não se executavam estruturas em betão armado é, pois, determinante para se concluir não estarmos exclusivamente perante a mera realização de obras isentas de licença e, como tal enquadráveis no conceito de obra de escassa relevância urbanística. Como se viu, resulta evidente que a arguida não se limitou, como veio comunicar, a proceder à conservação de fachadas e cobertura, alteração de compartimentação interior e pinturas do prédio, donde estarmos perante uma obra de alteração/ampliação à licença de construção existente, sujeita a prévio licenciamento ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do art.º 4.º do RJUE. “.

“Das fotografias em inspeções efetuadas em 2019 (já no decurso das obras) – cf. auto de notícia - facto provado n.º 1 -, não se podem retirar as características físicas do edifício anteriormente à realização das obras, bem como sem um documento que atestasse as mesmas, não se poderia retirar que a arguida alterou as caraterísticas físicas da edificação, nomeadamente respetiva estrutura resistente, tanto mais que na data da licença de obras existente não se executavam estruturas em betão armado. Esse motivo não é suficiente para a verificação de uma infração, pois atualmente os métodos construtivos não usam vigas de madeira, mas antes vigas de betão armado, o que pode ser considerado um substituto contemporâneo de tais vigas, pelo que o uso de vigas de betão armado em vez de vigas de madeira não pode ser determinante para aferir da existência de infração.

Nos termos do artigo 6.º, n.º 1 do RJUE estão isentas de controlo prévio:

a) As obras de conservação;

b) As obras de alteração no interior de edifícios ou suas frações que não impliquem modificações na estrutura de estabilidade, das cérceas, da forma das fachadas, da forma dos telhados ou coberturas ou que não impliquem a remoção de azulejos de fachada, independentemente da sua confrontação com a via pública ou logradouros;

c) As obras de escassa relevância urbanística, onde nos termos do artigo B- 1/31.º, n.º 1 do Código Regulamentar do Município de (...) se integram, nomeadamente, a realização de obras que não obriguem ao redimensionamento do modelo estrutural preexistente (alínea o) ).

Não estando provada qual a estrutura do edifício anteriormente à realização das obras - cf. facto não provado a) -, não se pode concluir que as obras realizadas pela arguida introduzem modificações nas estruturas físicas da edificação, nomeadamente na respetiva estrutura resistente, pelo que não se pode concluir neste processo pela realização de obras com necessidade de licenciamento, e como tal, não se pode concluir pela existência de infração nos termos do artigo 4.º, n.º 2 e 98.º , n.º 1, al. a) e n.º 2 do RJUE.”

XLII. O Recorrente alega que nunca prescindiria da audiência de julgamento se não considerasse provada a totalidade da factualidade.

XLIII. Equivale isto por dizer que a mensagem o Recorrente quer passar é que o Tribunal a quo deverá sempre considerar provada acusação/decisão administrativa.

XLIV. O Recorrente com esta sua alegação pretende ainda fazer crer que o Tribunal a quo deveria considerar e pensar, deduzir e presumir o que vai na cabeça do mesmo, quando este adota determinadas posições durante o processo, nomeadamente no caso, a decisão de não se opor a que a decisão fosse tomada por mero despacho.

XLV. Pretendia ainda o Recorrente que o Tribunal a quo interpretasse o espírito que presidiu à junção das fotografias – provas – juntas aos autos.

XLVI. Na verdade, o que Recorrente pretendia era que o Tribunal a quo fizesse o trabalho que estava ao seu alcance fazer e era sua obrigação.

XLVII. No entanto, não deixa de ser curioso o raciocínio do Recorrente, pois que se considerava provada a totalidade da factualidade que a entidade administrativa considerou provada,

XLVIII. A verdade é que, agora e afinal, várias questões e considerações diz terem ficado por apurar relativamente à prova por si recolhida… eventualmente, permita-se dizer, porque a decisão lhe foi desfavorável.

XLIX. É óbvio que o Recorrente está a confundir a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada com a insuficiência de prova, pois que é exasperado o seu apelo nesse sentido:

“(…) tinha a MMª Juiz do tribunal «a quo» de considerar se as fotografias foram efetuadas para evidenciar as caraterísticas físicas do edifício antes da obras ou para comprovar as obras efetuadas ou em execução, o que apenas poderia ser constatado se fosse inquirido quem as tirou e, assim, quem efetuou as aludidas inspeções, ou que resultasse, relativamente a cada facto (constante nos três primeiros itens da factualidade não provada) de forma absoluta do teor das mesmas (em cópia) sendo a douta sentença omissa neste âmbito.”

L. Repete-se, é caricato que venha agora o Recorrente lamentar e censurar a não inquirição de prova testemunhal, quando tal meio de prova não foi ponderado e considerado na fundamentação que esteve nos alicerces da decisão administrativa.

LI. A Sentença recorrida não merece qualquer reparo, nem se vislumbra qualquer censura, nem violação do direito, quanto aos pontos de absolvição sobre os quais foi o recurso apresentado.

LII. Pelo que, deverá improceder totalmente o recurso apresentado pelos Recorrentes, pois o mesmo carece de fundamentos, quer de facto, quer de direito, o que desde já se requer com todos os efeitos legais.

Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente o Recurso de Apelação ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na sua totalidade o teor da douta Sentença recorrida, tudo com as devidas e legais consequências.

Assim decidindo, farão V. Exas. inteira Justiça!”

Em 2 de julho de 2020 foi proferido no Tribunal a quo despacho de sustentação da Sentença, atentas as nulidades suscitadas, nos seguintes termos:

“Da pronúncia quanto às alegadas nulidades da sentença:

O Ministério Público invoca a existência das seguintes nulidades:

“- nulidade processual por preterição indevida da realização da audiência de julgamento;

-nulidade da sentença; e

- vício do artº 410º do CPP (ex vi artº 74º, nº 4, do RGCO)”.

A primeira e a terceira são nulidades a coberto da sentença proferida, pelo que, não constituindo nulidades da sentença previstas no artigo 379.º do Código de Processo Penal, não compete ao juiz a quo apreciá-la no presente despacho. No entanto, mesmo que assim não se entendesse, as mesmas não se verificam porquanto a decisão por despacho foi proferida nos termos legais sem oposição do Ministério Público e Arguida e face aos elementos de prova documentais constantes dos autos considerados suficientes para a boa decisão da causa e que tornavam desnecessária a audiência de julgamento (cf. artigo 64.º, n.ºs 2 e 3 do RGCO).

A segunda nulidade invocada é a nulidade da sentença prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal por “não tendo o tribunal indicado de forma plena ou completa as provas que serviram para formar a sua convicção ( por , em suma, ter reduzido a cópia do processo contraordenacional a cópia das fotografias do mesmo constantes) e havendo falta do exame crítico das provas, existe insuficiência da fundamentação, atento o disposto no art. 374º, nº 2, do CPP, o que determina, nos termos do art. 379º, nº 1, a), do mesmo diploma legal, a nulidade da sentença”. Vejamos.

O artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal dispõe que é nula a sentença “[q]ue não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F”, sendo que o artigo 374.º do mesmo diploma, nos seus n.ºs 2 e 3 preceitua o seguinte:

“2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém:

a) As disposições legais aplicáveis;

b) A decisão condenatória ou absolutória;

c) A indicação do destino a dar a coisas ou objetos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicadas;

d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;

e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal.”.

O Tribunal entende que a nulidade da sentença invocada não se verifica, pois da sentença recorrida consta a respetiva fundamentação, com enumeração dos factos provados e não provados, e exposição concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, tendo sido indicadas e examinadas criticamente as provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”

O Ministério Público, devidamente notificado, emitiu parecer em 24 de setembro de 2020, no qual se limita a reafirmar “a posição já assumida pelo Ministério Público no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto”.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, que se reconduzem, no essencial e designadamente, (1) à nulidade resultante da preterição da realização da audiência de julgamento; (2) à nulidade decorrente da insuficiente fundamentação da decisão judicial, como é imperativo constitucional, atento o disposto no artº 205º, nº1, do CPP, e (3) à verificação do vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - artº 410º do CPP (ex vi artº 74º, nº 4, do RGCO) - sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto

Foi em 1ª instância fixada a seguinte factualidade provada e não provada:
1. Dos Factos
Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:
1. No dia 28/01/2019, pelas 16h32m, foi levantado auto de notícia contra H., Lda. por realizar operação urbanística sujeita a prévio licenciamento sem o respetivo alvará de licenciamento no sítio de Rua (...), (…), como estabelecem os artigos 4.º, nº 2 e 98.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do RJUE, o que deu origem ao processo de contraordenação n.º 1-261-2019 (cf. fls. 1 a 4 do suporte físico do processo).
2. No dia 28/02/2019, por carta registada com aviso de receção, foi enviado à Recorrente ofício, por ela rececionado, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, relativo à instauração do procedimento contraordenacional referido no n.º anterior e para, querendo, apresentar defesa (cf. fls. 5 a 8 do suporte físico do processo).
3. A Recorrente apresentou defesa, que aqui se dá por integralmente reproduzida, pedindo a audição da testemunha N. e o envio de cópia do cadastro do imóvel em causa, pugnando pela inexistência de responsabilidade contraordenacional e arquivamento do processo (cf. fls. 9 a 13 do suporte físico do processo).
4. Na sequência da defesa apresentada, foi ouvida a testemunha indicada pela Recorrente e solicitada informação aos serviços, tendo os mesmos concluído no sentido de fls. 15 do suporte físico do processo, que aqui se dá por integralmente reproduzido, do que foi dado conhecimento à Recorrente – cf. fls. 14 a 23 do suporte físico do processo.
5. Em 23/07/2019, a arguida deu entrada de requerimento, na sequência do referido no n.º anterior em que entende inexistir prova sobre as caraterísticas físicas do edifício anteriores à intervenção da arguida que permitam um termo de comparação – cf. fls. 24 do suporte físico do processo.
6. No dia 17/9/2019, a Vereadora C. proferiu a decisão de aplicação de coima à Recorrente de 1.650€ no processo de contraordenação referido em 1), pela prática das contraordenações previstas e puníveis pelo artigo 4.º, n.º 2 e 98.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do RJUE, condenando-a no pagamento das custas do processo no montante de 52,50€, pelos fundamentos factuais e jurídicos previstos na decisão, que aqui se dá por integralmente reproduzida - cf. fls. 26 verso a 30 verso do suporte físico do processo.
7. Da decisão referida no n.º anterior foi dado conhecimento à Recorrente e à sua mandatária - cf. fls. 26 e 32 e 35 a 41 do suporte físico do processo.
8. A arguida é proprietária do prédio situado Rua do (...), , descrito na conservatória predial como casa de 2 pavimentos e fachada de alvenaria com 1 divisão em cada andar e inscrito na matriz antes do ano de 1939;
9. A arguida, no dia 1.8.2018, deu entrada junto do Município de (...) de uma comunicação, registada com o n.º P/262539/18/CMP, de início de trabalhos isentos de controlo prévio municipal, nomeadamente, conservação de fachadas e cobertura, alteração de compartimentação interior e pinturas do prédio referido no n.º anterior.
10. Para o prédio referido em 8) existe, junto do Município de (...), uma Licença de obra n.º 372/1894 - ARMAZÉM DE CEREAIS que não refere as características físicas do edifício, sendo que, no entanto, nesta data da licença não se executavam estruturas em betão armado.
11. No dia 16/01/2019, pelas 14h45, promoveu-se uma inspeção ao local e verificou-se a execução de armadura e respetiva cofragem para a realização de uma escada em betão armado e arranque de armadura para execução de pilares.
12. No dia 28/01/2019, pelas 16h32, promoveu-se nova inspeção ao local e verificou-se que a escada, referida anteriormente, já se encontrava betonada, os pilares já se encontravam betonados, tinha sido executada nova escadaria central e uma laje maciça RC/1º andar, aproximadamente em metade da área do edifício.
13. Foi determinado embargo pelo Município de (...) a 14 de Fevereiro de 2019.
14. A 16.05.2019 a arguida deu entrada do processo de licenciamento de obra de alteração da compartimentação interior, estrutura resistente e o uso de habitação mais comércio/serviços só para habitação (processo n.º P/189803/19/CMP).
15. A arguida tem antecedentes contraordenacionais - Processo 3-1584-2018, por, no dia 16 de Outubro de 2018, pelas 10:15 horas, na Rua do (...), 44 freguesia de (...), (...), ter ocupado a via pública com um contentor que se encontrava pousado na via publica faixa de circulação, com as dimensões de 5,20 metros de comprimento por 2,50 metros de largura, totalizando 13 metros quadrados, o qual se encontrava copulado à viatura de matrícula XX-XX-XX, de marca Volvo, FL10, de cor branco, sem qualquer título que a legitimasse, pelo que foi condenada, por decisão administrativa transitada em julgado, ao pagamento de uma coima especialmente atenuada no montante de 500 euros, que liquidou.
Factos não provados:
a) Que o prédio referido em 8) fosse estruturalmente constituído por paredes exteriores em alvenaria de granito e no interior por vigas de madeira;
b) Que os pilares suportam as vigas em betão armado, que por sua vez sustentam o peso das lajes em madeira e em betão armado executadas, ou seja, têm função estrutural;
c) Que na parede de alvenaria foi colocada uma cantoneira metálica que suporta o peso da laje de madeira;
d) A situação económica da arguida.”

IV – Do Direito
No que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se na decisão recorrida o seguinte:

“(...) Nos termos do artigo 58.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
Compulsada a decisão de aplicação da coima (cf. facto provado n.º 6), a mesma contém os elementos essenciais acima identificados, pelo que não padece de nulidade insuprível para os efeitos do artigo 58.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82.
Por outro lado, da mesma constam os elementos que contribuíram para a fixação da coima - cf. 9 últimos parágrafos da secção fundamentação da decisão de aplicação de coima (facto provado n.º 6), nos quais se explicitam os elementos que contribuíram para a aplicação da coima de 1650 €, nomeadamente gravidade da contraordenação, culpa e benefício económico do agente.
Seguidamente a Recorrente alega que foi negada a possibilidade de conhecer e analisar a cópia do cadastro do imóvel em causa nos autos, para assim poder melhor e fundamentadamente defender-se, pelo que foi violado o direito de defesa da arguida, nulidade que invocou, sendo tal documento fundamental para a descoberta da verdade material.
Conforme resulta dos factos provados n.ºs 2 a 5, a Recorrente pôde exercer o direito de defesa e o contraditório sobre os elementos apresentados pelos serviços, pelo que inexiste violação do direito de defesa da arguida e, como tal, inexiste nulidade para os efeitos do artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa.
A Recorrente alega ainda que:
- os trabalhos que a arguida vinha desenvolvendo no edifício em nada interferiam com a estrutura principal do edifício, a arguida não procedeu a intervenções no imóvel com desconhecimento da Câmara Municipal de (...), tendo apresentado comunicação de obras isentas de controle administrativo, junto da Câmara Municipal de (...), para a realização dos trabalhos; a solução estrutural preconizada para o edifício em nada altera a estrutura inicial, da mesma forma que a intervenção não configurará qualquer alteração à cércea e alçados principais do edifício; a arguida, em momento algum da obra em análise, modificou as caraterísticas físicas de edificação da mesma; a este propósito requereu em sede de audição prévia que lhe fosse dada cópia do cadastro do imóvel em causa, pois só a partir do mesmo se poderiam extrair quais as caraterísticas físicas do imóvel antes da sua intervenção e ter assim um termo de comparação autêntico; este documento nunca foi fornecido; pelo exposto, a arguida entende que não violou qualquer regra urbanística;
- na sequência da tramitação do processo de contraordenação, a arguida procedeu à entrega dos projetos para licenciamento e suprimento da operação junto da Câmara Municipal de (...), pelo que não se pode conformar com a decisão aplicada e muito menos que a sua conduta tenha sido dolosa quando todos os sinais são precisamente no sentido oposto.
Vejamos o que preceituavam os artigos usados na fundamentação da decisão condenatória à data dos factos:
- No âmbito do RJUE:
“Artigo 4.º
Licença, comunicação prévia e autorização de utilização
1 - A realização de operações urbanísticas depende de licença, comunicação prévia com prazo, adiante designada abreviadamente por comunicação prévia ou comunicação, ou autorização de utilização, nos termos e com as exceções constantes da presente secção.
2 - Estão sujeitas a licença administrativa:
a) As operações de loteamento;
b) As obras de urbanização e os trabalhos de remodelação de terrenos em área não abrangida por operação de loteamento;
c) As obras de construção, de alteração ou de ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou por plano de pormenor;
(...)
Artigo 98.º
Contraordenações
1 - Sem prejuízo da responsabilidade civil, criminal ou disciplinar, são puníveis como contraordenação:
a) A realização de quaisquer operações urbanísticas sujeitas a prévio licenciamento sem o respetivo alvará de licenciamento, exceto nos casos previstos nos artigos 81.º e 113.º;
(…)
2- A contraordenação prevista nas alíneas a) e r) do número anterior é punível com coima graduada de € 500 até ao máximo de € 200000, no caso de pessoa singular, e de € 1500 até € 450000, no caso de pessoa coletiva.
(…)
9 - A tentativa e a negligência são puníveis.
(…).”
Vejamos o que se provou quanto à matéria factual.
(...)
Para o Município de (...) aplicar a coima considerou determinante o seguinte: “Basta, para tanto, ter presente que as obras realizadas pela arguida se consubstanciaram em betonar a escada e pilares, em executar nova escadaria central e uma laje maciça RC/1º andar, aproximadamente em metade da área do edifício, sendo que os pilares suportam as vigas em betão armado, que por sua vez sustentam o peso das lajes em madeira e em betão armado executadas, ou seja, têm função estrutural.
Este último elemento, uma vez que à data da licença existente para o local não se executavam estruturas em betão armado é, pois, determinante para se concluir não estarmos exclusivamente perante a mera realização de obras isentas de licença e, como tal enquadráveis no conceito de obra de escassa relevância urbanística. Como se viu, resulta evidente que a arguida não se limitou, como veio comunicar, a proceder à conservação de fachadas e cobertura, alteração de compartimentação interior e pinturas do prédio, donde estarmos perante uma obra de alteração/ampliação à licença de construção existente, sujeita a prévio licenciamento ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do art.º 4.º do RJUE. “.
Das fotografias em inspeções efetuadas em 2019 (já no decurso das obras) – cf. auto de notícia - facto provado n.º 1 -, não se podem retirar as características físicas do edifício anteriormente à realização das obras, bem como sem um documento que atestasse as mesmas, não se poderia retirar que a arguida alterou as caraterísticas físicas da edificação, nomeadamente respetiva estrutura resistente, tanto mais que na data da licença de obras existente não se executavam estruturas em betão armado. Esse motivo não é suficiente para a verificação de uma infração, pois atualmente os métodos construtivos não usam vigas de madeira, mas antes vigas de betão armado, o que pode ser considerado um substituto contemporâneo de tais vigas, pelo que o uso de vigas de betão armado em vez de vigas de madeira não pode ser determinante para aferir da existência de infração.
Nos termos do artigo 6.º, n.º 1 do RJUE estão isentas de controlo prévio:
a) As obras de conservação;
b) As obras de alteração no interior de edifícios ou suas frações que não impliquem modificações na estrutura de estabilidade, das cérceas, da forma das fachadas, da forma dos telhados ou coberturas ou que não impliquem a remoção de azulejos de fachada, independentemente da sua confrontação com a via pública ou logradouros;
c) As obras de escassa relevância urbanística, onde nos termos do artigo B-1/31.º, n.º 1 do Código Regulamentar do Município de (...) se integram, nomeadamente, a realização de obras que não obriguem ao redimensionamento do modelo estrutural preexistente (alínea o) ).
Não estando provada qual a estrutura do edifício anteriormente à realização das obras - cf. facto não provado a) -, não se pode concluir que as obras realizadas pela arguida introduzem modificações nas estruturas físicas da edificação, nomeadamente na respetiva estrutura resistente, pelo que não se pode concluir neste processo pela realização de obras com necessidade de licenciamento, e como tal, não se pode concluir pela existência de infração nos termos do artigo 4.º, n.º 2 e 98.º , n.º 1, al. a) e n.º 2 do RJUE.
Pelo exposto, deve ser absolvida a arguida por inexistência de suporte factual da infração de que vem acusada.
Em conclusão, absolve-se a arguida da infração de que vem acusada.”

Vejamos:

Vem interposto Recurso em decorrência de, alegadamente, se verificar (1) nulidade resultante da preterição da realização da audiência de julgamento; (2) nulidade decorrente da insuficiente fundamentação da decisão judicial, como é imperativo constitucional, atento o disposto no artº 205º, nº1, do CPP, e (3) vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - artº 410º do CPP (ex vi artº 74º, nº 4, do RGCO).

Da nulidade por preterição da realização da audiência de julgamento:
Resulta do n.º 2 do artigo 64.º do Regime Geral das Contraordenações que “o juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério não se oponham”.

Assim, entendendo o Juiz que está em condições desde logo de decidir, terá, no entanto, de conceder ao arguido e ao Ministério Público a prerrogativa de se pronunciarem face a essa sua intensão.

Decorre do referido, que se o arguido ou o Ministério Público se opuserem à decisão por despacho, independentemente da argumentação aduzida, tal determinará necessariamente e em qualquer caso, que o Tribunal fique impedido de decidir o recurso por despacho, oposição que se não verificou em concreto.

Para que a decisão possa legitimamente ser proferida por Despacho, terão pois de estar preenchidos cumulativamente ambos os pressupostos legalmente estabelecidos, a saber, o Tribunal não considerar necessária a audiência de julgamento e o arguido e o Ministério Público não se oporem a tal desiderato.

Deste modo, o arguido e o Ministério Público têm, por assim dizer, poder de veto relativamente à prolação de decisão por mero despacho.

Em concreto, como se viu já, nem o arguido, nem o Ministério Público se opuseram a que a decisão controvertida viesse a ser, como foi, proferida por Despacho, em face do que se não reconhece a verificação da suscitada nulidade resultante da prolação de decisão por via de Despacho, sem inquirição das testemunhas arroladas, tanto mais que a prova se mostra predominantemente documental.

Como refere António Beça Pereira, em citação trazida pelo Recorrido, “Da conjugação coordenada copulativa e utilizada neste n.º 2, resulta, claramente, que estamos perante dois requisitos cumulativos, a saber:
1.º O juiz considera desnecessária a realização da audiência de julgamento; 2.º O arguido e o Ministério Público não se opõem à decisão do recurso por despacho” - conforme Regime Geral das Contraordenações e Coimas, 7.ª Edição, Almedina, pág. 134.

No mesmo sentido aponta Paulo Pinto de Albuquerque ao afirmar que “Para a decisão por despacho são necessárias três condições cumulativas: (1) o juiz considerar desnecessária a audiência de julgamento; (2) o arguido não se opor à decisão por despacho, nem requerer produção de prova e (3) o MP não se opor à decisão por despacho. Faltando uma das condições, o juiz tem de marcar audiência de julgamento …” - conforme Comentário do Regime Geral das Contra – Ordenações, Universidade Católica Editora, págs. 265/266.

De facto, o Recorrente só se poderá queixar de si próprio, pois que se entendia que se deveria realizar julgamento, só tinha de se opor à prolação da decisão por via de Despacho, não podendo agora, simplesmente por a decisão proferida lhe ter sido desfavorável, pretender que a normal tramitação do processo, retroaja à fase anterior á decisão.

Em face do que precede, não se reconhece a verificação de qualquer preterição indevida resultante da não realização de audiência de julgamento, em face do que se não verificou a suscitada nulidade.

Da nulidade da decisão recorrida:

Entende ainda o Recorrente que “Face a todo o aduzido, não tendo o tribunal indicado de forma plena ou completa as provas que serviram para formar a sua convicção (por, em suma, ter reduzido a cópia do processo contraordenacional a cópia das fotografias do mesmo constantes) e havendo falta do exame crítico das provas, existe insuficiência da fundamentação, atento o disposto no art. 374º, nº 2, do CPP, o que determina, nos termos do art. 379º, nº 1, a), do mesmo diploma legal , a nulidade da sentença.”

Nos termos do Artº 374, nº 2 do Código de Processo Penal, a fundamentação da sentença, é composta por dois principais segmentos; um consistente na enumeração dos factos provados e não provados, outro na exposição, concisa dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.

Com efeito, resulta do Artº 379.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal que é nula a sentença “[q]ue não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F”, sendo que o artigo aludido Artº 374.º do mesmo CPP refere, o seguinte, nos seus nºs 2 e 3:
“2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém:
a) As disposições legais aplicáveis;
b) A decisão condenatória ou absolutória;
c) A indicação do destino a dar a coisas ou objetos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicadas;
d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;
e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal.”

O exame crítico consiste na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizado na indicação das razões pelas quais os meios de prova disponíveis foram valorados num determinado sentido, mais se objetivando quais as razões que determinaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis.

Em qualquer caso, e em concreto, o Tribunal a quo suportou predominantemente a sua decisão no facto de inexistir suporte factual para a decisão objeto de recurso.

Sublinha-se que uma decisão condenatória que não especifique e revele, ainda que de forma sumária, todos os elementos de facto que caracterizam a infração não deixará de atentar contra o direito de defesa do arguido, violando o artigo 32.º, n.º 10, da CRP, que impõe esse direito em todos os processos sancionatórios, como é o caso do processo contraordenacional.

Aqui chegados, é manifesto que da sentença recorrida constam os necessários e suficientes factos provados e não provados, para além de exposição da motivação, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação das provas que contribuíram para a formação da convicção do Tribunal.

Contribuíram para suportar a decisão recorrida, para além dos factos provados e não provados, as seguintes passagens e segmentos da mesma, sistematizadas pelo próprio Recorrido:

“Motivação: A convicção que permitiu dar como provados e não provados os factos acima descritos assentou na análise do teor do processo administrativo constante dos autos, de acordo com o indicado em cada um dos números e alíneas.
Os factos não provados resultam de inexistência e/ou insuficiência de prova no processo administrativo sobre os mesmos. Com efeito, das fotografias em inspeções efetuadas em 2019 (já no decurso das obras) – cf. auto de notícia/facto provado n.º 1 -, não se podem retirar as características físicas do edifício anteriormente à realização das obras, além de que inexiste documento válido certificador de tais características nos autos.”
“Como adiantamos, a questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se a decisão de aplicação de coima no processo de contraordenação em causa nos presentes autos é legal.
Comecemos por analisar a questão suscitada da nulidade da decisão condenatória por, na notificação da decisão de aplicação da coima à arguida, não constarem os elementos que contribuíram para a fixação da coima, sendo certo que a mesma não foi fixada no mínimo legal.
Nos termos do artigo 58.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
Compulsada a decisão de aplicação da coima (cf. facto provado n.º 6), a mesma contém os elementos essenciais acima identificados, pelo que não padece de nulidade insuprível para os efeitos do artigo 58.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82.
Por outro lado, da mesma constam os elementos que contribuíram para a fixação da coima, nomeadamente gravidade da contraordenação, culpa e benefício económico do agente.
Seguidamente a Recorrente alega que foi negada a possibilidade de conhecer e analisar a cópia do cadastro do imóvel em causa nos autos, para assim poder melhor e fundamentadamente defender-se, pelo que foi violado o direito de defesa da arguida, nulidade que invocou, sendo tal documento fundamental para a descoberta da verdade material.
Conforme resulta dos factos provados n.ºs 2 a 5, a Recorrente pôde exercer o direito de defesa e o contraditório sobre os elementos apresentados pelos serviços, pelo que inexiste violação do direito de defesa da arguida e, como tal, inexiste nulidade para os efeitos do artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa.”

Quanto à matéria factual, importa reafirmar que resulta da factualidade provada que:
- a arguida é proprietária do prédio situado Rua do (...), , descrito na conservatória predial como casa de 2 pavimentos e fachada de alvenaria com 1 divisão em cada andar e inscrito na matriz antes do ano de 1939;
- para tal prédio existe, junto do Município de (...) uma Licença de obra n.º 372/1894 - ARMAZÉM DE CEREAIS que não refere as características físicas do edifício, sendo que, no entanto, nesta data da licença não se executavam estruturas em betão armado.
- a arguida, no dia 1.8.2018, deu entrada junto do Município de (...) de uma comunicação, registada com o n.º P/262539/18/CMP, de início de trabalhos isentos de controlo prévio municipal, nomeadamente, conservação de fachadas e cobertura, alteração de compartimentação interior e pinturas do prédio referido no n.º anterior;
- No dia 16/01/2019, pelas 14h45, promoveu-se uma inspeção ao local e verificou-se a execução de armadura e respetiva cofragem para a realização de uma escada em betão armado e arranque de armadura para execução de pilares;
- No dia 28/01/2019, pelas 16h32, promoveu-se nova inspeção ao local e verificou-se que a escada, referida anteriormente, já se encontrava betonada, os pilares já se encontravam betonados, tinha sido executada nova escadaria central e uma laje maciça RC/1º andar, aproximadamente em metade da área do edifício.
No entanto, não ficou provado:
- que o prédio em causa nos presentes autos fosse estruturalmente constituído por paredes exteriores em alvenaria de granito e no interior por vigas de madeira;
- que os pilares suportam as vigas em betão armado, que por sua vez sustentam o peso das lajes em madeira e em betão armado executadas, ou seja, têm função estrutural e que na parede de alvenaria foi colocada uma cantoneira metálica que suporta o peso da laje de madeira.
“Para o Município de (...) aplicar a coima considerou determinante o seguinte: “Basta, para tanto, ter presente que as obras realizadas pela arguida se consubstanciaram em betonar a escada e pilares, em executar nova escadaria central e uma laje maciça RC/1º andar, aproximadamente em metade da área do edifício, sendo que os pilares suportam as vigas em betão armado, que por sua vez sustentam o peso das lajes em madeira e em betão armado executadas, ou seja, têm função estrutural.
Este último elemento, uma vez que à data da licença existente para o local não se executavam estruturas em betão armado é, pois, determinante para se concluir não estarmos exclusivamente perante a mera realização de obras isentas de licença e, como tal enquadráveis no conceito de obra de escassa relevância urbanística.”
“Das fotografias em inspeções efetuadas em 2019 (já no decurso das obras) – cf. auto de notícia - facto provado n.º 1 -, não se podem retirar as características físicas do edifício anteriormente à realização das obras, bem como sem um documento que atestasse as mesmas, não se poderia retirar que a arguida alterou as caraterísticas físicas da edificação, nomeadamente respetiva estrutura resistente, tanto mais que na data da licença de obras existente não se executavam estruturas em betão armado. Esse motivo não é suficiente para a verificação de uma infração, pois atualmente os métodos construtivos não usam vigas de madeira, mas antes vigas de betão armado, o que pode ser considerado um substituto contemporâneo de tais vigas, pelo que o uso de vigas de betão armado em vez de vigas de madeira não pode ser determinante para aferir da existência de infração.”
“Não estando provada qual a estrutura do edifício anteriormente à realização das obras - cf. facto não provado a) -, não se pode concluir que as obras realizadas pela arguida introduzem modificações nas estruturas físicas da edificação, nomeadamente na respetiva estrutura resistente, pelo que não se pode concluir neste processo pela realização de obras com necessidade de licenciamento, e como tal, não se pode concluir pela existência de infração nos termos do artigo 4.º, n.º 2 e 98.º , n.º 1, al. a) e n.º 2 do RJUE.”

Decorre de tudo quanto precedentemente se expendeu, que a decisão recorrida não padece de qualquer nulidade, mormente no que concerne à prova produzida, tendente à formação da convicção do Tribunal.

Acresce que igualmente se não vislumbra falta do exame crítico relativamente à prova disponível, o que determina a inverificação da suscitada insuficiência da fundamentação.

Sublinha-se ainda que sendo a prova necessária, predominantemente documental, a eventual prova testemunhal não teria a virtualidade de alterar o sentido da decisão proferida ou a aqui proferir.

Refira-se finalmente, à guisa de conclusão, retomando alguma da argumentação determinante da decisão proferida e aqui recorrida, que os trabalhos que a arguida vinha desenvolvendo no edifício em nada terão interferido com a estrutura principal do edifício, tanto mais que as intervenções foram dadas a conhecer ao Município, por via de comunicação de realização de obras, sendo que está por provar que a intervenção levada a cabo bulisse, quer com cércea do edificado, quer com os seus alçados principais, sendo que não terão sido alteradas as características físicas do prédio.

Acresce que, sendo atualmente os métodos de construção diferentes daqueles que determinaram a edificação original, não se poderá considerar, designadamente, que a substituição do vigamento de madeira, por vigas de betão armado, deixem de consistir em obras de conservação ou de alteração do interior de edifícios, que não determinam modificações na estrutura de estabilidade, das cérceas, da forma das fachadas, da forma dos telhados ou coberturas, à luz do Artº 6.º, n.º 1 do RJUE.

Não tendo sido alegado, e menos ainda provado, que o arguido tenha realizado quaisquer alterações estruturais no edificado, modificando, designadamente, quer a cércea, quer as fachadas, quer ainda a volumetria do controvertido prédio, não se reconhece a verificação de qualquer contraordenação suscetível de determinar a aplicação de uma qualquer coima, uma vez que, até prova em contrário, que não foi feita, as intervenções levadas a cabo terão constituído meras obras de conservação ou de alteração do interior, não consistentes com o entendimento do município de acordo com o qual, terão sido realizadas obras estruturais no edificado.

Não se reconhece pois a verificação das suscitadas nulidades.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso Jurisdicional apresentado, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas pelo Ministério Público, sem prejuízo da isenção aplicável.
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Porto, 16 de outubro de 2020


Frederico Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa