Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00693/08.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/18/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:IVA
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
CORRECÇÃO À MATÉRIA COLECTÁVEL
ARTIGO 19º Nº 3 DO CIVA
Sumário:I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos, desde que estejam em causa factos com interesse para a decisão de causa que não tenham sido contemplados na decisão posto em crise.
II) O artigo 19º nº 3 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado só exclui o direito à dedução do imposto que resulte de operação simulada.
III) Sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
IV) No caso, estando demonstrado que a recorrida adquiriu a mercadoria em causa, teria a administração tributária que recolher indícios bastantes de que a recorrida sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a pessoa que figurava nas facturas.
V) E não tendo tal acontecido, concluímos que a administração tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar as liquidações impugnadas.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério Público
Recorrido 1:A..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
O Ministério Público veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 15-02-2010, que julgou procedente a pretensão deduzida por “A... - Materiais de Construção, Lda.” na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com as liquidações adicionais de IVA do ano de 2003 e 2004 e juros compensatórios, no montante global de 18.114,16€.

Formulou nas respectivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
I - A M.ma Juiz a quo considerou provados os factos enunciados sob os nºs 1 a 14 do probatório da douta sentença recorrida, considerando ainda não provado que a impugnante tivesse conhecimento que o vendedor era M…, sendo o F... e a L... - Construção Civil, Lda. meros emitentes de facturas;
II - Com base nesses factos, considerou não existirem operações simuladas por as facturas emitidas por F... e a L... - Construção Civil, Lda. corresponderem a efectivas transacções comerciais. Ou seja, concluiu que as facturas em questão nos autos correspondem a fornecimentos de cimento de origem espanhola à impugnante;
III - Concluiu ainda que a impugnante desconhecia que o verdadeiro fornecedor do cimento fosse o M…, considerando que as facturas emitidas pelos sujeitos passivos atrás referidos preenchiam todos os requisitos previstos no art.º 35.º do CIVA e, consequentemente, considerou que a impugnante tinha direito à dedução do IVA mencionado nessas facturas, nos termos do artº 19.º, n.º 2 do CIVA;
IV - Por isso, a questão essencial a decidir no presente recurso é apenas a de saber se a impugnante tem direito à dedução do IVA mencionado nas facturas emitidas pelos sujeitos passivos F... e a L... - Construção Civil, Lda., com base nas quais a impugnante deduziu o IVA mencionado nas mesmas;
VI - Salvo o devido respeito, parece-nos que a M.ma Juiz a quo não apreciou nem valorizou correctamente a prova produzida nos autos, dando como provados factos contraditórios entre si ou com algumas imprecisões, designadamente os factos indicados sob os nºs 3, 4, 6, 9 e 10 do probatório da douta sentença recorrida, dando como provados factos que não se mostram devidamente comprovados nos autos e dando como não provado um facto que nos parece provado;
VII - Assim, de modo a harmonizar os factos atrás referidos, os factos indicados sob os n.ºs 3, 9 e 10 deverão ser alterados nos termos seguintes:
3. Entre 12.09.2007 a 09.102007, a impugnante foi submetida a uma inspecção tributária, a qual foi motivada pela emissão de uma ficha de fiscalização emitida pela Direcção de Finanças do Porto, que constatou que os sujeitos passivos F... e L..., Construção Civil, Lda. emitiram diversas facturas de cimento de origem espanhola, cujo verdadeiro vendedor era o sujeito passivo M… - (cf. relatório de inspecção);
9. A impugnante foi abordada por A... e por M..., que lhe propuseram a venda de cimento de origem espanhola a preços muito inferiores aos praticados no mercado;
10. Nos anos de 2003 e 2004, a impugnante adquiriu ao sujeito passivo M... as quantidades de cimento indicadas no relatório de inspecção, sendo os contactos efectuados ora com o M... ora com o A... e sendo essas transacções comerciais formalizadas com facturas emitidas por F... e/ou L..., Construção Civil, Lda.;
VIII - Os factos considerados provados sob os n.ºs 12 e 14 devem considerar-se antes como não provados, uma vez que uma boa parte das facturas emitidas por F... e a L... - Construção Civil, Lda., não foram pagas pela impugnante mas sim por M… e porque o verdadeiro dono do negócio subjacente àquelas facturas era M... - (cf. relatório de inspecção e facto provado n.º 6);
IX - O facto considerado como não provado deverá antes ser considerado provado;
X - A impugnante conhecia, ou pelo menos não podia ignorar, todo o esquema de aquisição de cimento de origem espanhola, quer porque recebia encomendas acompanhadas dos certificados de transporte (CMR’s) emitidos em nome de F... e/ou de L... - Construção Civil, Lda., quer porque os preços de aquisição eram substancialmente inferiores aos praticados pelos outros operadores económicos, quer ainda porque sabia que os emitentes das facturas não dispunham de estruturas mínimas que lhes permitissem suportar essas transacções, conforme o disposto no n.º 4 do art.º 19.º do CIVA;
XI - Assim, analisada a prova produzida nos autos de acordo com os critérios da experiência comum, parece-nos que a administração fiscal fez prova, como lhe competia, de que as facturas emitidas pelos sujeitos passivos F... e a L... - Construção Civil, Lda. não respeitam a verdadeiras transacções comerciais havidas entre estes sujeitos passivos e a impugnante. Ou seja, fez prova de que as facturas aqui em causa não contêm os elementos identificativos referidos no art.º 35.º do IVA, isto é, os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicilio dos fornecedores dos bens não correspondem aos sujeitos passivos que efectuaram, de facto, essas transacções comerciais, havendo simulação quanto aos intervenientes nelas indicados, razão pela qual não conferem direito à dedução do IVA mencionado nas mesmas, de acordo com o disposto no n.º 3 do artº 19.º do CIVA;
XII - Decidindo como decidiu, a M.ma Juiz a quo não apreciou correctamente a prova produzida nos autos e fez errada aplicação das normas legais referidas nestas conclusões.
Pelo que, revogando a douta sentença recorrida e julgando a impugnação totalmente improcedente, Vossas Excelências farão, agora como sempre, a costumada Justiça.”

A recorrida “A... - Materiais de Construção, Lda.” não apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, impondo-se apreciar o descrito erro quanto ao julgamento da matéria de facto e bem assim a pertinência da correcção à matéria colectável em sede de IVA com referência ao disposto no artigo 19º do CIVA.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. A Impugnante foi submetida a inspecção tributária, credenciada pela ordem de serviço nº OI20070013, (ano de 2003) e OI200700714 (ano de 2004) de 12.09.2007, tendo sido ordenada por Manuel…, Chefe de Divisão, por delegação D.R. II Série, n.° 128, de 05.07.2008;
2. Em 25.10.2007 no relatório da inspecção tributária, foi aposto do despacho “Sanciono as conclusões do presente relatório, bem como as correcções propostas. Procedimentos necessários.” Manuel…, Chefe de Divisão, por delegação D.R. II Série, n.° 128, de 05.07.2008;
3. Entre 12.09.2007 a 09.10.2007, a Impugnante foi submetida a uma inspecção tributária, a qual foi motivada pela emissão de uma ficha de fiscalização emitida pela Direcção de Finanças do Porto, que constatou que o sujeito passivo F..., e L..., Construção Civil, Lda, como emitentes de facturas referentes à compra de cimentos de origem espanhola, as quais não foram emitidas pelo efectivo vendedor, mas sim por M…;
4. Com efeito, a inspecção tributária detectou na contabilidade da Impugnante a existência de várias facturas emitidas por F... e L..., Construção Civil, Lda., durante os anos de 2003 e 2004, relativas a venda cimento, com origem espanhola;
5. A Impugnante dedica-se à actividade de comércio, por grosso de materiais de construção - CAE 051532;
6. A Inspecção Tributário procedeu à analise da contabilidade tendo elaborado o Relatório de Inspecção, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta;
(...) Análise contabilística:
Foi efectuada uma análise às compras de cimento efectuadas aos sujeitos passivos L... e F…, as quais se apresentam em Anexo a este relatório (Anexo 1);
Foram recolhidas cópias das facturas, recibos e documentos de transporte (CMR) dos documentos relacionados e que ficam a fazer parte do processo individual;
Quanto aos pagamentos das referidas facturas, a maior parte foi através de cheques emitidos pelo próprio.
Foi também efectuada uma análise de quantidades ao artigo Cimento (tipo I/II), a qual se resume no quadro seguinte:

Ano
2003
2004
Exist. Inicial
62
40
Compras
92.784
75.696
Exist. Final
40
18
CMV
92.806
75.718
Vendas
94.703
75.622
Diferença
-1.897
96
%
-2,00
0,13

unidade: saco de cimento Tipo I/II
Da análise do quadro anterior verificam-se pequenas diferenças, que se podem atribuir a erros de inventariação e/ou quebras, pelo que, dada a pequena margem de erro verificada, se aceitam como normais para a actividade exercida, de onde se pode concluir, que na generalidade, as vendas efectuadas encontram suporte nas compras contabilizadas.
De acordo com as informações da análise aos sujeitos passivos L... e F..., recebidas nesta Direcção de Finanças, os serviços de inspecção concluíram o seguinte:
“Pelos factos expostos, conclui-se, que muito embora os emissores das facturas sejam “F...”, “L... - Construção Civil, Lda”: todo o processo de compra e venda do cimento era controlado pelo Sr. M..., pelo que, o verdadeiro vendedor terá sido ele.
Considera-se assim, que nos termos do art° 19º n° 3 do CIVA, o imposto relativo àquelas facturas não é dedutível.”
Face ao exposto anteriormente, não é aceite como dedutível o imposto relativo às facturas emitidas pelos sujeitos passivos L... e F. Ribeiro, nos termos do n.° 3 do art.° 19° do CIVA Apresenta-se em anexo a este relatório (Anexo 2), um quadro referente às correcções por período de imposto, do qual se apresenta de seguida um resumo:
PERÍODO
IVA
0304 1.377,44
0305 1.719,41
0306 2.393,55
0307 1.372,72
0308 1.348,62
0309 1.685,78
0310 1.685,78
0311 L348,62
0312 1.348,62
0401 1,348,62
TOTAL 15.629,16

(...) constante de fls. 25 a 42 dos autos.
7. A presente impugnação tem por base a liquidação adicionais de IVA e juros compensatórios, constantes de fls. 28 a 47 dos autos, relativas ao ano de 2003 e 2004, todas com data limite de pagamento em 31.01.2008, que perfaz o valor global de 18.114,16 €.
8. A Secil e Cimpor, fornecedoras habituais, não forneciam cimento em quantidade que Impugnante pretendia, pelo que teve que arranjar mercado alternativo;
9. A Impugnante foi abordada pelo A... e por M..., que se apresentaram como vendedores de F...;
10. O Impugnante comprou a partir de 2003 até 2004 diversos sacos de cimento, de origem espanhola a F... por intermédio A... e M... e à L...;
11. Todas as encomendas chegavam através de transportadoras nacionais ou espanhola, acompanhadas do certificado de transporte (CMR’s) emitidos em nome de F... e mais tarde na L... - Construções, Lda
12. O Impugnante pagou todas as facturas emitidas por F..., e L..., construções, Lda., através de cheques nominativos, emitidos à sua ordem;
13. O Impugnante deduziu o IVA constante das facturas emitidas por F... e pela L... - Construções, Lda;
14. As facturas emitidas pelo F... e pela L... reúnem os requisitos no art. 35° do CIVA;
15. A presente impugnação foi intentada em 29.04.2008.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não ficou provado que o Impugnante tivesse conhecimento que o vendedor de cimento era M... sendo o F... um mero emitente de facturas bem como em relação a L... - Construções Civil, Lda.
Resultou a convicção do tribunal da análise do documento dos autos e dos documentos constantes do processo de administrativo apenso e do depoimento das testemunhas inquiridas.
Sendo ainda que o Relatório da Inspecção não coloca em causa o fornecimento do cimento, e efectivas transacções comerciais. Foram juntas aos autos, CMR emitidos em nome de F... e da Impugnante e documentos de confirmação de mercadorias, documentos constantes de fls. 67/153 dos autos. Constam dos autos, facturas emitidos por F... e recibos e extractos bancários com a conferência do desconto do pagamento constantes de fls. 154 /297 dos autos.
Foram ainda junto aos autos, cópias de cheques emitidos pela Impugnante, e M…, a favor da L... e de F... constante de fls. 337 a 358 dos autos.
Os depoimentos das testemunhas formam prestados com seriedade, dando informações relativas ao negócio e ao modo de funcionamento da actividade da Impugnante pelo que mereceram credibilidade. A testemunha P…, Inspector Tributário, prestou o seu depoimento de uma forma seria e credível, fornecendo pormenores e detalhes, com precisão. Disse que não existia qualquer dúvida quanta às transacções efectuadas e toda parte documental estava correcta e que as facturas e recibos eram emitidas por F... e L... e os cheques, eram nominativos.
A testemunha Maria…, escriturária da Impugnante, confirmou que foram abordados por A... e M.... E que as facturas e os recibos eram emitidos em nome de F... e os cheques eram nominativos eram emitidos em seu nome e mais tarde a favor de L....
A testemunha C… e A…, empregado de escritório e motorista da Impugnante, disseram que o cimento era entregue acompanhado pelas guias e pelos CMRS e as facturas eram emitidas em nome daquele bem como e recibos e os cheques.
A testemunha, Fernando…, refere o procedimentos na área e que avisou a Impugnante das dúvidas sobre os fornecimentos de F... tendo esta deixado de comprar.”
3.2 DE DIREITO
Na matéria das suas conclusões do recurso, o recorrente refere que a douta sentença recorrida enferma de insuficiência, quanto à decisão sobre a matéria de facto, pois que não apreciou nem valorizou correctamente a prova produzida nos autos, dando como provados factos contraditórios entre si ou com algumas imprecisões, designadamente os factos indicados sob os nºs 3, 4, 6, 9 e 10 do probatório da douta sentença recorrida, dando como provados factos que não se mostram devidamente comprovados nos autos e dando como não provado um facto deve ser dado como provado.
Ora, constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Na óptica do recorrente, os factos indicados sob os n.ºs 3, 9 e 10 deverão ser alterados nos termos seguintes:
3. Entre 12.09.2007 a 09.102007, a impugnante foi submetida a uma inspecção tributária, a qual foi motivada pela emissão de uma ficha de fiscalização emitida pela Direcção de Finanças do Porto, que constatou que os sujeitos passivos F... e L..., Construção Civil, Lda. emitiram diversas facturas de cimento de origem espanhola, cujo verdadeiro vendedor era o sujeito passivo M... - (cf. relatório de inspecção);
9. A impugnante foi abordada por A... e por M..., que lhe propuseram a venda de cimento de origem espanhola a preços muito inferiores aos praticados no mercado;
10. Nos anos de 2003 e 2004, a impugnante adquiriu ao sujeito passivo M... as quantidades de cimento indicadas no relatório de inspecção, sendo os contactos efectuados ora com o M... ora com o A... e sendo essas transacções comerciais formalizadas com facturas emitidas por F... e/ou L..., Construção Civil, Lda..
Para o efeito, aponta que “No facto provado sob o n.° 3 diz-se que «a Direcção de Finanças do Porto constatou que sujeito passivo F... e a L..., Construção Civil, Lda., como emitentes de facturas referentes à compra de cimentos de origem espanhola, as quais não foram emitidas pelo efectivo vendedor, mas sim por M....» Ou seja, fica-se com a ideia que as facturas foram emitidas por M..., quando o efectivo vendedor foi F... e/ou a L..., Construção Civil, Lda.
Mas, logo de seguida, o facto provado sob o n.° 4 contraria tal conclusão, pois que «... a inspecção tributária detectou na contabilidade da Impugnante a existência de várias facturas emitidas por F... e L..., Construção Civil, Lda., durante os anos de 2003 e 2004, relativas a venda cimento, com origem espanhola»
No facto provado sob o n.° 6, em que se descrevem as conclusões dos serviços de inspecção, refere-se a dado passo o seguinte: “Pelos/actos expostos, concluis que muito embora os emissores das facturas sejam “F...”, “L... - Construção Civil, Lda., lodo o processo de compra e venda do cimento era controlado pelo Sr. M..., pelo que, o verdadeiro vendedor terá sido ele.”
Parece resultar deste facto que as facturas eram emitidas por “F...” e “L... - Construção Civil, Lda. “, mas o verdadeiro dono do negócio era o Sr. M..., o que, aliás, confere com a tese da administração fiscal.
Já nos factos provados sob os n°s 5, 9 e 10, o M..., e também A..., surgem como vendedores por conta de “F...” e “L... - Construção Civil, Lda.”
No que se refere ao facto provado sob o n.° 11, a situação é deveras curiosa e estranha, já que dele resulta que a impugnante recebia encomendas de cimento, através de transportadoras nacionais ou espanholas, acompanhadas dos certificados de transporte (CMR’s) emitidos em nome de “F...” e “L... - Construção Civil, Lda. Ou seja, os documentos de transporte indicavam como destinatários ora um ora outro destes sujeitos passivos, ambos com sede em Santo Tirso, mas o cimento era destinado à impugnante. Tal facto é claramente revelador de que a impugnante estava por dentro de todo o «esquema» de aquisição de cimento de origem espanhola. - (cfr. fls. 67/90, 95/106, 111/153).
Pois bem, no que concerne ao facto 3., e na medida em que pretende expressar o exposto no RIT, não se afigura que a leitura do Recorrente seja mais adequada daquela que está descrita no probatório, além de que na parte “diferenciada”, a realidade descrita no probatório transcreve o que consta do RIT, o que significa que não existe qualquer motivo para acolher a alteração reclamada.
Diga-se ainda que o exposto em 4. e que já aponta para a matéria detectada pela acção de fiscalização não entra em contradição com o exposto em 3., na medida em que estão em causa afirmações que têm o seu respectivo enquadramento e que não podem ser confundidas tal como o faz o Recorrente, não tendo qualquer virtualidade o exposto neste domínio.
Quanto ao facto 6º, o mesmo respeita à transcrição do RIT na parte respeitante à Análise Contabilística, em que se integram as conclusões dos serviços de inspecção, sendo que a leitura que o Recorrente pretende fazer para a leitura deste elemento em conjunto com os demais (tal como acontece com o facto 11º) remete-nos para o erro de julgamento que será abordado mais à frente.

A partir daqui, e com referência aos factos 9. e 10. entramos já num outro domínio e que está relacionado com a situação de facto apreciada pelo Tribunal, sendo que neste âmbito, pode dizer-se que o Recorrente nem sequer motiva a pretendida alteração dos facto em apreço, a não ser que para o Recorrente seja suficiente o enquadramento da acção de fiscalização e as conclusões do RIT para a afirmação de uma realidade que, afinal, é só tudo aquilo que se pretende discutir nos autos.
Ora, independentemente da apreciação vertida no RIT, o que é certo é que o Tribunal apurou a factualidade descrita, sendo que motivou a mesma, de modo que, não estando em crise o processo racional da própria decisão, não pode colher abrigo o exposto pelo Recorrente nesta sede.

O Recorrente refere depois que os factos considerados provados sob os n.ºs 12 e 14 devem considerar-se antes como não provados, uma vez que uma boa parte das facturas emitidas por F... e a L... - Construção Civil, Lda., não foram pagas pela impugnante mas sim por Maria Cardoso e porque o verdadeiro dono do negócio subjacente àquelas facturas era M....
Neste ponto, e mais uma vez, o Recorrente alude a elementos que o probatório não comporta, não podendo naturalmente dar-se cobertura a tal pretensão, pois que no facto 12. o que é referido é que as facturas foram pagas pelo Impugnante através de cheques nominativos, emitidos à ordem de F... e a L... - Construção Civil, Lda., nada se dizendo sobre o titular da conta sobre a qual foram sacados os aludidos cheques, de modo que a observação do Recorrente não tem qualquer razão de ser.

Finalmente, o Recorrente reclama que o facto considerado como não provado deverá antes ser considerado provado, quer porque existe alguma contradição entre esse facto e os factos provados sob os nºs 10 e 11, quer porque os factos descritos no relatório de inspecção permitem concluir que a impugnante conhecia que o verdadeiro fornecedor de cimento era M..., desde logo porque nunca contactou com o F... nem com qualquer gerente da L... - Construção Civil, fria., quer ainda porque nem sequer conhecia as instalações destes.
Neste ponto, para além de não existir qualquer contradição nos termos preconizados pela Recorrente, é manifesto que a sua alegação não comporta elementos que permitam colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que o Tribunal recorrido não deixou de ponderar os elementos disponíveis - documentos presentes nos autos e depoimentos -, de modo que, e como ficou exposto, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção, o que tal acarreta é que o julgamento da matéria de facto levado a cabo pela decisão recorrida, se tenha de ter por inalterado, sendo, pois, à sua luz que caberá indagar se o julgamento de direito consequente, no que diz respeita à matéria em crise.

No mais, o Recorrente insiste que a impugnante conhecia, ou pelo menos não podia ignorar, todo o esquema de aquisição de cimento de origem espanhola, quer porque recebia encomendas acompanhadas dos certificados de transporte (CMR’s) emitidos em nome de F... e/ou de L... - Construção Civil, Lda., quer porque os preços de aquisição eram substancialmente inferiores aos praticados pelos outros operadores económicos, quer ainda porque sabia que os emitentes das facturas não dispunham de estruturas mínimas que lhes permitissem suportar essas transacções, conforme o disposto no n.º 4 do art.º 19.º do CIVA, de modo que, analisada a prova produzida nos autos de acordo com os critérios da experiência comum, parece-nos que a administração fiscal fez prova, como lhe competia, de que as facturas emitidas pelos sujeitos passivos F... e a L... - Construção Civil, Lda. não respeitam a verdadeiras transacções comerciais havidas entre estes sujeitos passivos e a impugnante. Ou seja, fez prova de que as facturas aqui em causa não contêm os elementos identificativos referidos no art.º 35.º do IVA, isto é, os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicilio dos fornecedores dos bens não correspondem aos sujeitos passivos que efectuaram, de facto, essas transacções comerciais, havendo simulação quanto aos intervenientes nelas indicados, razão pela qual não conferem direito à dedução do IVA mencionado nas mesmas, de acordo com o disposto no n.º 3 do artº 19.º do CIVA, o que significa que a M.ma Juiz a quo não apreciou correctamente a prova produzida nos autos e fez errada aplicação das normas legais referidas nestas conclusões.
Que dizer?

Neste domínio, cabe referir que o Imposto sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 394-B/84, de 26/12, pode definir-se como um imposto indirecto tanto de um ponto de vista jurídico (como tal é classificado no Orçamento do Estado), como de um ponto de vista económico, dado que recai sobre a despesa, é repercutível (o encargo fiscal é transferível para o consumidor final) e o respectivo facto tributário apresenta um carácter transitório ou acidental. É um imposto geral sobre o consumo, na medida em que incide, em princípio, sobre todas as transmissões de bens e prestações de serviços com características onerosas (cfr.artº.1, do C.I.V.A.). O I.V.A. caracteriza-se, igualmente, como um imposto plurifásico porque incide sobre todas as fases do circuito económico, desde a produção ao consumidor final, e não cumulativo, na medida em que em cada fase do circuito económico tributa apenas o valor acrescentado, isto é, o acréscimo de valor que os bens ou serviços passam a ter na fase em que se encontram, evitando, assim, o efeito cumulativo de imposto sobre imposto. Além das características apontadas, o I.V.A. apresenta ainda a da neutralidade, dado que, mercê do mecanismo das deduções, o imposto virá a ser suportado, na totalidade, pelo consumidor final, tornando fiscalmente irrelevante o número de fases que integrem o circuito económico. Por último, refira-se que a liquidação do imposto é feita pelos operadores económicos que procedem a autoliquidação e repercutem para o cliente o imposto liquidado a montante, devendo utilizar o método subtractivo indirecto na determinação do valor acrescentado de acordo com o disposto no artº.19, do C.I.V.A. (cfr. Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.240 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.618 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.24 e seg. e 411 e seg.).
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas a incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição "sine qua non" da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada. No que diz respeito ao imposto sobre o valor acrescentado, o facto tributário que lhe é fundamento consubstancia-se em qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, a título oneroso, que seja efectuada no território nacional (cfr.artº.1, do C.I.V.A.).

Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do IVA e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
Ainda no que diz respeito ao específico regime do I.V.A., igualmente se dirá que o legislador se socorre de presunções que estabelecem a prova legal para alguns factos particulares, as quais implicam uma verdadeira inversão do ónus da prova e se explicam pela natureza deste tributo (cfr.artº.80, do C.I.V.A.; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª.edição, Lex, 2000, pág.314 e seg.). Por último, atendendo mais uma vez à especificidade do I.V.A., mais se refere que não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 26/11/97, rec.21676, Ap.Dr., 30/3/2001, pág.3108 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/10/98, rec.20568, Ap. Dr., 21/1/2002, pág.2964 e seg.; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 16/3/1999, proc.280/97, Antologia de Acórdãos, ano II, nº.2, pág.288 e seg.).

A sentença recorrida ponderou que:
“…
Determina art. 19º do CIVA que; “1- Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;
b) (...)
2- Só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas, e documentos equivalentes passados em forma legal, bem como no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, em nome e na posse do sujeito passivo.
3 - Não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.(...)”
Resulta da matéria assente que a inspecção tributário detectou na contabilidade do Impugnante a existência de várias facturas emitidas por F... e L... durante o ano de 2003 e 2004, relativas a venda de cimento de origem espanhola. A Impugnante é uma sociedade e dedica-se ao comércio, por grosso, de materiais de construção.
E sua contabilidade estava documentada com facturas de aquisição de mercadorias (cimento) emitidas por F... e L... e guias de remessas e CMRS e por cheques nominativos.
Pelos elementos colhidos pelo Serviço de Inspecção Tributário o verdadeiro fornecedor não era o F... mas sim M….
Do controlo das quantidades, efectuado pela Inspecção Tributária efectuado constata-se que as facturas emitidas em nome de F…, correspondem a efectivas transmissões de bens.
Decorre do trabalho desenvolvido pela Administração Fiscal, com à análise do circuito que as mercadorias eram fornecidas por M... e não por F....
Resulta da matéria assente que verificaram-se entregas efectivas de cimento e efectivas transacções comerciais.
No entanto resulta provado que o Impugnante, desconhecia que o verdadeiro fornecedor da mercadoria era M... e que não entregava o IVA ao Estado.
O n° 3 do art. 19° determina que não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada.
No caso dos autos não se pode falar em operação simulada, pois a transacção comercial de mercadoria (cimentos) foi efectuada e pago o preço pela Impugnante, através de cheques emitidos em nome da pessoa que era conhecida como fornecedor.
Em situações idênticas tem o Tribunal da Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) vindo-se pronunciar sobre as operações de IVA, em casos semelhantes em vários países da União Europeia, nas quais vem interpretando a 6 Directiva do IVA. Tem entendido que o contribuinte que efectivamente compra uma mercadoria e nada tem a ver com os agentes que, noutras fases do circuito (carrossel) realizaram operações não verdadeiras, não pode ser penalizado, tem o direito de deduzir o IVA constante das facturas por si liquidadas. CFR. Nos processos C-354/03, c 439/04; C-355/03 C-484/03 e 440704 do TJCE

Resulta dos autos que a entregas de cimento foram feitas ao Impugnante que contratou de boa-fé, na ignorância de outros negócios e intenções, não pode ser prejudicado por tal facto, pelo que a liquidação em causa enferma de vicio de violação de lei por erro de pressupostos de facto e de direito. …”.

Neste particular, é sabido que, como tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal Central Administrativo Norte, quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção - cfr. entre outros, Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.
De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

No entanto, no caso presente, a AT envereda por outro tipo de análise, afirmando a materialidade das operações, questionando antes os termos em que tais operações decorreram, destacando a presença de um terceiro que, como o Recorrente não se cansou de sublinhar, era o verdadeiro fornecedor do cimento.

A partir daqui, os indícios referentes aos emitentes das facturas vão no sentido de que não foram eles a fornecer a mercadoria, existindo assim indícios da falsidade das facturas.

Contudo, tal circunstância não permite, por si só, que se conclua pela existência de simulação.

Para haver simulação seria necessário que a administração fiscal tivesse reunido elementos que relacionassem a utilizadora das facturas com o esquema de fraude, ou seja, que tivesse reunido indícios de que a utilizadora das facturas participou ou que sabia ou devia saber que os emitentes das facturas não são os verdadeiros fornecedores da mercadoria em apreço, na medida em que pode acontecer que a utilizadora de facturas falsas não saiba nem tenha possibilidades de saber da falsidade.

Com efeito, basta que um operador, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se desloque às instalações de um outro revendedor, ofereça as mercadorias, acorde um preço e desconte o cheque usado como meio de pagamento.

A aceitar-se que o ónus da Fazenda Pública se basta com a recolha de indícios de falsidade relativamente aos emitentes das facturas levaria a que os utilizadores das facturas falsas, que não sabem que são falsas, não pudessem deduzir custos que efectivamente suportaram, sem que tivessem participado em qualquer esquema fraudulento.

Dir-se-á que, sempre tais utilizadores inocentes poderiam fazer prova da veracidade das transacções - na aplicação do quadro probatório acima fixado: à administração tributária cabe o ónus de demonstrar indícios da falsidade; cumprido tal ónus passa a caber ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das transacções.

Mas facilmente se percebe que tal prova, nestas circunstâncias, de fraude a montante, que desconhece, será impossível para o utilizador das facturas provar o que quer que seja para além do que resulta da sua contabilidade, e que, não se deve esquecer, goza de presunção de veracidade. Se houve fraude e o utilizador das facturas desconhece não pode provar que as mercadorias foram adquiridos aos emitentes das facturas, porque não foram; nem pode provar que os adquiriu a outrem, porque para este utilizador de facturas a mercadoria foi comprada ao emitente, desconhecendo o real vendedor.

O que pode fazer o utilizador das facturas nestas circunstâncias é tão-só esclarecer como é que as negociações se desenvolveram e com quem se desenvolveram.

No caso dos autos, não se mostra indiciado e não ficou provado que o Impugnante tivesse conhecimento que o vendedor de cimento era M... sendo o F... um mero emitente de facturas bem como em relação a L... - Construções Civil Lda.

Ora a descrição da forma como as negociações decorreram com aqueles emitentes, identificadas que foram as pessoas que se apresentavam a negociar, não mereceu qualquer reparo pela administração tributária no sentido de mostrar que era desajustada de acordo com os usos naquele ramo de negócio, nem foi apontado nenhum pormenor demonstrativo de que a recorrente sabia da fraude que existia até a mercadoria chegar a si.

Ora, havendo indícios de que os emitentes das facturas não forneceram a mercadoria mencionada nas facturas, impunha-se que a administração fiscal indagasse da participação da recorrida no esquema simulatório.

Ora, a administração tributária não diz que a recorrente sabia ou devia saber que estava a comprar a pessoa diferente da que figura na factura e o utilizador da factura não está obrigado a saber a situação empresarial ou fiscal do emitente da factura que lhe entrega a mercadoria.

Tal desconhecimento só releva em sede de IVA, a partir de 2005, com a introdução do n.º 4 do artigo 19.º do Código do IVA, que veio estabelecer que não é possível deduzir o IVA resultante de operações em que o transmitente dos bens ou o prestador de serviços não entrega o imposto liquidado ao Estado «quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços não dispõe de adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada».

Aceitar-se que um utilizador de facturas veja os custos desconsiderados sem que de alguma forma a administração tributária o ligue ao esquema fraudulento, seria violador do princípio da justiça. E poria em causa a confiança nas relações comerciais.

Este entendimento vai de encontro ao do Tribunal de Justiça que no Acórdão de 31 de Janeiro de 2013, processo C-642/11 - que tratava de uma questão de dedutibilidade de IVA, reportando-se aos casos em que as irregularidades se verificam na esfera dos emitentes, pronunciou-se assim:

«47 Assim, cabe às autoridades e aos tribunais nacionais recusar o direito a dedução, se se demonstrar, face a elementos objectivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (v., neste sentido, acórdão de 6 de Julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, Colet., p.I-6161; e acórdãos, já referidos, Mahagében e David, n.º 42, e Bonik, n.º 37).

48 Contudo, também segundo jurisprudência bem assente, não é compatível com o regime do direito a dedução prevista pela Diretiva 2006/112 sancionar, com a recusa desse direito, um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA (v., especialmente, acórdão de 12 de Janeiro de 2006, Optigen e o., C-354/03, C-355/03 e C-484/03, Colet., p. I-483, n.ºs 52 e 55; e acórdãos, já referidos, Kittel e Recolta Recycling, n.ºs 45, 46, e 60, Mahagében e Dávid, n.º 47, e Bonik, n.º 41).

49 Além disso, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.ºs 61 a 65 do acórdão Mahagében e David, já referido, que a Administração Fiscal não pode exigir de maneira geral que o sujeito passivo que pretenda exercer o direito a dedução do IVA, por um lado, verifique que o emitente da fatura referente aos bens e aos serviços em função dos quais o exercício deste direito é pedido dispõe da qualidade de sujeito passivo, possui os bens em causa e está em condições de os entregar e cumpre as suas obrigações de declaração e de pagamento do IVA, a fim de se certificar de que não há irregularidades ou fraude ao nível dos operadores a montante, ou, por outro, possua documentos a este respeito.

50 Daqui decorre que o tribunal nacional que deva decidir se, num determinado caso, existe operação tributável, tendo a Administração Fiscal alegado no processo que a existência de irregularidades cometidas pelo emitente da fatura ou por um dos seus fornecedores, como omissões contabilísticas, deve zelar por a apreciação da prova não conduza a esvaziar de sentido a jurisprudência recordada no n.º 48 do presente acórdão, obrigando de forma indireta o destinatário da fatura a proceder a verificações junto do seu contratante que, em principio, não lhe incumbem.»

E a final declarou:

«(…)

2- Os princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da confiança legitima devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que seja o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante seja recusado ao destinatário de uma factura, por inexistência de uma operação tributável efectiva, quando, no aviso retificativo de tributação enviado ao emitente da fatura, o imposto sobre o valor acrescentado declarado pelo emitente não tiver sido corrigido. Contudo, se, por causa de fraudes ou irregularidades cometidas pelo emitente ou a montante da operação invocada como base do direito a dedução, se considerar que essa operação não foi efectivamente realizada, deve provar-se, perante elementos objectivos e sem exigir ao destinatário da fatura verificações que lhe não incumbem, que o mesmo destinatário sabia ou tinha obrigação de saber que a operação estava implicada numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.» (sublinhado nosso).

No caso, repete-se, estando demonstrado que a recorrida adquiriu a mercadoria em causa, teria a administração tributária que recolher indícios bastantes de que a recorrida sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a pessoa que figurava nas facturas.

E não tendo tal acontecido, concluímos que a administração tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar as liquidações impugnadas, as quais estão, assim, feridas de ilegalidade, impondo-se assim acompanhar a decisão recorrida quando determinou a anulação das liquidações impugnadas.

Daí que na improcedência das conclusões da alegação do recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Sem custas.
Notifique-se. D.N..

Porto, 18 de Dezembro de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Cristina da Nova