Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03538/15.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/27/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO DO ESTACIONAMENTO NAS ZONAS CONCESSIONÁRIAS- DEC.LEI N.º 146/2014
Sumário:I-O Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro, veio regular as condições em que as empresas privadas concessionárias de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa em vias sob jurisdição municipal podem exercer a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhes estão concessionadas.

II- Compete à Administração Municipal decidir, de acordo com a avaliação que faça do interesse público, dentro da margem de livre decisão de que dispõe na condução dos superiores interesses coletivos dos seus munícipes, se a gestão e fiscalização do estacionamento no âmbito do contrato de concessão em causa, deve continuar a ser desenvolvida diretamente por uma entidade pública -Câmara Municipal ou Empresa Municipal, com a fiscalização a cargo, eventualmente, da Polícia Municipal- ou se a mesma deve ser entregue à concessionária, como claramente se aponta no preâmbulo do Decreto-lei n.º Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro
Sumário (elaborado pela relatora – artigo 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.RELATÓRIO
1.1. AA---, S.A., moveu a presente ação administrativa de condenação à prática de ato devido, nos termos do art.º 50.º e seguintes do CPTA, contra o MUNICÍPIO (...), na qual impugnou a deliberação que indeferiu o pedido de transferência da competência da atividade de fiscalização da esfera do MUNICÍPIO (...) para a Autora, no âmbito do contrato de constituição do direito de superfície para conceção, construção e exploração de dois parques de estacionamento subterrâneos para viaturas e atribuição da concessão de exploração de lugares de estacionamento pagos na via pública, tendo formulado, a final, o pedido nos seguintes termos: “(...) i) Deverá ser anulada/declarada a nulidade da deliberação da Câmara Municipal de (...), tomada em reunião ordinária em 06.07.2015, na qual se proferiu decisão final de indeferimento do pedido formulado pela Autora em 04.11.2014 (permitir que a Autora, na qualidade de empresa privada concessionária de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa em vias sob jurisdição municipal, no âmbito do “contrato de concessão de exploração de lugares de estacionamento pago na via pública, em (...)”, pudesse exercer, através dos seus trabalhadores com funções de fiscalização, a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhe estão concessionadas, devidamente delimitadas e sinalizadas, nos termos do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro), pelos fundamentos invocados na presente p.i.; ii) E, em consequência, ser o MUNICÍPIO (...) condenado na prática do ato devido, concretamente a proferir deliberações no sentido de alterar o regime de fiscalização do estacionamento sujeito ao pagamento de taxa em zonas sob jurisdição municipal, concessionadas à aqui Autora, na qualidade de empresa privada concessionária do referido estacionamento, por efeito do “contrato de concessão de exploração de lugares de estacionamento pago na via pública, em (...)”, passando esta a poder exercer, através dos seus trabalhadores com funções de fiscalização, a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhe estão concessionadas, devidamente delimitadas e sinalizadas, nos termos do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro.”
Para tanto, alega, em suma, que a deliberação camarária sindicada, padece dos vícios de: (i) violação de lei, por conflituar com a disciplina regulada no Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9.10 estabelece as condições em que as empresas privadas concessionárias de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa em vias sob jurisdição municipal podem exercer a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhes estão concessionadas, e assentar em errónea subsunção dos factos ao bloco normativo aplicável; ii) vício de lei por violação dos princípios da boa-fé, da legalidade, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade; iii) vício de forma, por falta de fundamentação; e, bem assim, iv) o vício de desvio de poder.
Ao contrário do entendimento da Entidade Demandada, o pedido apresentado não viola o Contrato de Concessão, nem qualquer diploma legal, na medida em se rege pelo Decreto-Lei n.º 146/2014 e o facto do contrato de concessão e o referido Regulamento não contemplarem o novo regime legal traçado pelo Decreto-Lei n.º 146/2014, não impede que o mesmo seja concretizado, referindo-se no parecer jurídico anexo à notificação do ato que se admite que inexistem limitações legais à aplicabilidade do regime referenciado no Decreto-Lei n.º 146/2014, aos contratos de concessão já em vigor.
A colocação de avisos de incumprimento nos automóveis dos utentes que não pagam os serviços, constitui uma interpelação cominatória no âmbito da ação de vigilância da Autora, não se tratando de qualquer ação de fiscalização para aplicação de coimas.
Mais alega que a Entidade Demandada não podia ignorar que o Regulamento sempre previu a acumulação da sanção contraordenacional com o valor devido pela ocupação indevida, desconhecendo a ocorrência de situações de cumulação efetiva a partir de dezembro de 2013.
Do ato impugnado não constam os fundamentos de facto e de direito que justificam que o pedido apresentado viola o Contrato de Concessão e o Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento, não se fazendo qualquer menção às normas violadas.
Não vem fundamentada a razão pela qual o procedimento de colocação de avisos de incumprimento constitui um obstáculo à transferência da competência de fiscalização requerida, é contraditória a fundamentação que revela, atento que no parecer se confessa que o pedido não violou os elementos contratuais e regulamentares, ao invés do que decorre da deliberação.
.O ato impugnado não atendeu aos fins/ interesses públicos associados ao regime legal estatuído pelo Decreto-Lei n.º 146/2014, não contendo qualquer esclarecimento relativo ao modo como o interesse municipal, a proteção dos direitos e interesses dos cidadãos e os princípios gerais são colocados em causa.
A Entidade Demandada não pode sustentar o indeferimento do requerido com base no “descontentamento generalizado”, pois os argumentos de inconveniência política não se podem sobrepor ao princípio da legalidade a que o Município está adstrito, não se podendo desvincular das normas regulamentares que ela própria criou de acordo com o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos.
Por isso, a Entidade Demandada, ao indeferir o requerido pela Autora com fundamento no “descontentamento” dos utentes, deu prevalência aos interesses destes ao invés de atender ao interesse contratual da Autora, não teve em consideração os fins legais constantes do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 146/2014, nem fez qualquer ponderação dos fins visados pelo referido diploma legal.
Por outro lado, atento o número de avisos por incumprimento colocados, fica demonstrado que os fins previstos no preâmbulo do referido diploma legal estariam melhor acautelados se a competência de fiscalização fosse transferida para a Autora.
Concluiu pugnando pela procedência da ação.
1.2 Citada, a Entidade Demandada contestou a ação, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Na defesa por exceção, invocou a caducidade do direito de ação, por à data em que a presente ação foi intentada, já terem decorrido mais de três meses sobre o conhecimento/ notificação da deliberação impugnada (art.º 58.º, n.º 2, al. b) conjugado com o art.º 59.º, ambos do CPTA).
Na defesa por impugnação, alegou, em síntese, que a Autora tem vindo a realizar efetivos atos de fiscalização no decurso da sua atividade de “vigilância”;
Que a Entidade Demandada não está legalmente habilitada a proceder à cobrança das quantias resultantes do valor das ocupações não pagas pelos utilizadores.
Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 146/2014, resulta que a possibilidade nele configurada “fica dependente da vontade de cada município”.
A Entidade Demandada fundamentou a sua decisão em razões de interesse público tendo por referência o facto de a atuação da Autora gerar um “descontentamento coletivo generalizado” e prevaleceu o interesse em não pactuar com uma sociedade que desrespeita o pedido de se abster de praticar atos de fiscalização que estão legalmente confiados à Entidade Demandada, o que prejudica a imagem do MUNICÍPIO (...) junto dos munícipes.
Os funcionários da Autora passaram a usar uniformes com os dizeres “Fiscalização”, gerando confusão nos utentes do estacionamento.
Face aos poderes discricionários da Administração nesta matéria, a Entidade Demandada decidiu, orientando-se por critérios de conveniência, oportunidade e justiça e ponderando todos os interesses em presença.
A Autora não é titular da competência para gerir a exploração do estacionamento no que concerne ao modo como realiza a vigilância/fiscalização desse estacionamento.
A deliberação encontra-se devidamente fundamentada, apenas a Autora discorda do seu teor.
A deliberação não padece de desvio de poder, atento que os interesses públicos que a mesma procurou salvaguardar ficaram enunciados no articulado da contestação.
Quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade, os interesses públicos que o Decreto-Lei n.º 146/2014, visa salvaguardar não se coadunam com a pretensão da Autora em deter poderes de fiscalização, pelo que a Entidade Demandada decidiu sacrificar o interesse particular da Autora em detrimento do superior interesse público resultante da necessidade de conservar a sua imagem de autoridade.
1.3. A Autora pronunciou-se sobre a exceção suscitada pela Entidade Demandada na contestação, pugnando pela sua improcedência.
1.4. Proferiu-se despacho saneador no qual se julgou improcedente a invocada exceção da caducidade do direito de ação, indeferiu-se a produção de prova testemunhal por manifesta desnecessidade e, ordenou-se a notificação das partes para, querendo, apresentarem alegações escritas.
1.5. A Autora apresentou alegações escritas, nas quais reafirma que a deliberação da Câmara Municipal de (...) que indeferiu o pedido de transferência da competência da atividade de fiscalização da sua esfera jurídica para a empresa concessionária está ferida de uma série de ilegalidades, reiterando o argumentário alegado na p.i..
1.6. Em 25/06/2021, foi proferida sentença, contendo essa sentença o julgamento de facto e de direito, onde se julgou improcedente a presente ação, a qual consta da seguinte parte dispositiva:
«Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a presente ação, com a consequente absolvição da Entidade Demandada dos pedidos.
Custas pela Autora.
Registe e notifique.»

1.7. Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes Conclusões:
«1. O objeto do presente recurso prende-se com a verificação dos pressupostos de facto e de direito que permitem à Recorrente exercer as competências de fiscalização do estacionamento nas zonas concessionadas sob a jurisdição municipal de (...), conforme previsto no DL 146/2014, de 09 de outubro, e, nessa medida, colocar o Município na obrigação legal de praticar o ato de atribuição da competência de fiscalização.
2. Os presentes autos são de plena jurisdição, nos termos dos quais recai sobre a Recorrente o ónus de demonstrar estarem verificados os pressupostos de facto e de direito para lhe poder ser atribuída a competência de fiscalização do estacionamento, nos exatos termos previstos no DL 146/2014, de 09 de outubro, e que, a decisão proferida não contém qualquer fundamento válido ao abrigo da discricionariedade técnica da Administração.
3. A decisão proferida pelo Tribunal a quo é objeto de recurso em dois dos seus segmentos, por serem desfavoráveis à pretensão da Recorrente, e por impedirem a condenação da prática do ato devido, em concreto:
i) a decisão proferida quanto ao não preenchimento do requisito: licenciamento dos agentes de fiscalização, entenda-se, equiparação dos seus trabalhadores a agentes de autoridade administrativa, e bem assim, a falta da previsão de tal competência no objeto do contrato – conforme decidido nas p. 26 a 35 da sentença recorrida.
ii) o segmento decisório que considera a decisão proferida, relativa ao descontentamento generalizado, como sendo de discricionariedade técnica da Administração.
4. O Tribunal a quo entendeu que a decisão do Município não se encontrava ferida de legalidade, e que, portanto, a Autora não poderia exercer as competências de fiscalização, porque a mesma não fez prova de ter obtido a autorização da equiparação dos trabalhadores a agentes de Autoridade, conforme exigido pelo DL 146/2014 — p. 33 da sentença recorrida.
5. Sucede que, a equiparação dos trabalhadores da concessionária apenas poderá ocorrer após autorização/deliberação tomada pela Assembleia, e não em data anterior, conforme concluiu o Tribunal a quo, ao exigir a verificação de tal requisito em momento anterior à atribuição municipal — tal entendimento consubstancia um manifesto Erro de Julgamento, por violação do disposto nos art.ºs 9.º, 10.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro.
6. Mais entendeu o Tribunal a quo que a alteração a efetuar ao contrato de concessão, que terá que passar a prever no respetivo objeto, a atividade de fiscalização — nos termos exigidos no artigo 3.º do DL 146/2014, de 9 de outubro —, também não se verifica.
7. A alteração do objeto do contrato de concessão, tal como a equiparação dos trabalhadores, apenas poderá ocorrer após atribuição do exercício das competências de fiscalização — e nunca em momento anterior -, por se tratarem de atos de execução do ato de autorização, cuja condenação se peticiona.
8. Nesta medida, a decisão recorrida padece de Erro de Julgamento, por violação do disposto nos artigos 3.º, 9.º e 10.º do DL 146/2014, de 09 de outubro.
9. Mais entendeu o Tribunal a quo que a decisão recorrida, na parte em que se funda no descontentamento generalizado, enquadra-se na discricionariedade técnica da Administração — o que não é verdade.
10. O alegado “descontentamento generalizado” está fundado, pelo Município, no facto de entender que a cobrança feita pela Autora/concessionária, além das contraordenações, não tem fundamento no Regulamento, nem no contrato de concessão – o que não é verdade, pois, e conforme se demonstrou, tal direito de cobrança encontra-se previsto no Regulamento (artigo 17.º, conforme decidido pelo Tribunal a quo), assim como, também decorre da lei geral, por se tratar de um direito de crédito – neste sentido, Acórdão deste TCAN, no âmbito do processo cautelar 1161/14.7BEBRG.
11. Padece de erro de julgamento a decisão proferida que qualifica tal decisão no âmbito da discricionariedade técnica da administração, pois, sempre existirá erro grosseiro na respetiva apreciação, em violação do princípio da legalidade e da separação de poderes.
12. Finalmente, e com relevo para a decisão a proferir, diga-se que, a decisão proferida, e em sentido favorável à pretensão da Recorrente, constante da p. 24 da sentença, o qual afasta o fundamento invocado pelo Município para indeferir a atribuição da fiscalização à Autora:
“Antes de mais, importa salientar que nos presentes autos não releva a questão de saber se a Entidade Demandada procedeu ou não à fiscalização dos parques de estacionamento e as consequências daí advenientes, designadamente em termos económicos, para a ora Autora, uma vez que esta questão foi objeto de processo próprio conforme consta do probatório. Do mesmo modo, afigura-se irrelevante apurar se os avisos de incumprimento que a Autora colocou nos automóveis que utilizaram o estacionamento sem proceder ao respetivo pagamento, constituem ou não a atividade de fiscalização em termos de se traduzirem na aplicação de contraordenações.”
13. Pelo que antecede, terá que se concluir, que os demais fundamentos invocados pelo recorrido para afastar a atribuição da competência de fiscalização carecem de sustentação legal, para obviar à atribuição da competência, pelo que, deverá a ação ser julgada procedente, e a Recorrida condenada à prática do ato devido.
14. Tendo em conta o decidido a p. 33 da sentença recorrida: “Atento o citado quadro normativo, concluiu-se que o pedido formulado pela Autora, em termos abstratos e a ser deferido, não afronta o quadro legal e o Regulamento, que como se viu prevê a possibilidade de fiscalização por parte da empresa concessionária, desde que observe o requisito prévio da equiparação dos seus trabalhadores a agentes de autoridade administrativa.”
15. Conclui-se que não soçobra qualquer impedimento legalmente admissível à condenação à prática do ato devido.
Termos em que,
E nos melhores de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deverá o presente recurso jurisdicional ser admitido, julgado provado e procedente, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se a mesma por outra que julgue a ação de condenação à prática do ato devido, totalmente procedente.
Assim se fazendo justiça»

1.8. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.9. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou sobre o mérito do recurso.
1.10. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se ao seguinte:
(i)saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito por violação do disposto nos artigos 3.º, 9.º e 10.º do D.L. 146/2014, de 09 de outubro.
(ii) saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento quando qualifica a decisão impugnada no âmbito da discricionariedade técnica da administração, e se enferma de erro grosseiro na respetiva apreciação, em violação do princípio da legalidade e da separação de poderes.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DE FACTO
3.1.Com interesse para a apreciação da causa, o Tribunal a quo julgou provada a seguinte facticidade:
«1) Em 9/08/2006, foi publicado no Diário da República, 2.ª Série, o aviso de abertura do concurso público para a “constituição do direito de superfície tendo por objeto a Conceção/ Construção e exploração de 2 (dois) parques públicos de estacionamento subterrâneo para viaturas, com recolha pública e personalizada, incluindo arranjos exteriores (...) e a concessão da exploração de lugares de estacionamento pago na via pública, através de parcómetros coletivos, incluindo fornecimento e instalação de equipamento” – cfr. ponto 1 do caderno de encargos – doc. n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.
2) Em 18/09/2007, foi outorgado entre a sociedade “CC---, S.A.” e o MUNICÍPIO (...), um acordo escrito com a designação “Constituição do direito de superfície para conceção, construção e exploração de dois parques públicos de estacionamento subterrâneo para viaturas e atribuição da concessão de exploração de lugares de estacionamento pago na via pública, em (...)” – cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.
3) Em 12/05/2008, através de escritura pública, a sociedade “CC---, S.A” cedeu a sua posição contratual à ora Autora – cfr. doc. n.º 5 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.
4) A Entidade Demandada fez aprovar o “Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de (...), no âmbito da constituição do direito de superfície para a conceção, construção e exploração de dois parques públicos de estacionamento subterrâneo para viaturas e da concessão de exploração de lugares de estacionamento pago na via pública, em (...)” que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e que integra o doc. Nº7 junto com a p.i.
5) A aqui Autora intentou contra a ora Entidade Demandada, providência cautelar - Processo n.º 319/10.2BEBRG-A – apensa aos autos principais – Ação administrativa comum nº 319/10.2BEBRG, na qual se discute, entre o mais, a eventual omissão da ora Demandada do exercício do dever de fiscalização do estacionamento no espaço concessionado- peticionando na ação cautelar a condenação do MUNICÍPIO (...) a implementar de imediato os meios de fiscalização a que estava obrigado, ação que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, e no qual foi proferida sentença em 29/2/2012 na qual foi decidido “Nestes termos, dado se verificarem os pressupostos de que a lei faz depender a adoção de providências cautelares, defere-se parcialmente a presente providência intimando-se o município requerido a afetar, de forma permanente e sem interrupções motivadas por períodos de férias e ausências justificadas e injustificadas, dois fiscais à fiscalização do estacionamento de superfície na área concessionada pelo Município, devendo ainda tal fiscalização ser exercida, pelo referido número de fiscais, durante todo o período em que o estacionamento é pago na área do MUNICÍPIO (...), com exceção dos períodos compreendidos entre as 8h30 e as 9H e as 18h30 e as 19 h, bem como na pausa diária dos referidos fiscais – que deverá ser gozada pelos mesmos de forma não simultânea - períodos nos quais tal fiscalização poderá ser exercida por apenas um fiscal para tal afeto pelo município requerido” – cfr. doc. n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.
6) A Autora colocou avisos de incumprimento nos automóveis que utilizaram sem proceder ao pagamento devido pela utilização do estacionamento nos parques mencionados no ponto 2 – facto assente por acordo.
7) Em maio de 2014, a ora Entidade Demandada intentou contra a aqui Autora, providência cautelar, com vista à condenação da Autora a “abster-se de colocar quaisquer “avisos de incumprimento”, ou notificações de idêntico teor, nos veículos potencialmente infratores do Regulamento Geral (...) abster-se de qualquer tipo de atividade de fiscalização, não mais fazer envergar fardas ou uniformes aos seus funcionários que de alguma forma os identifique como elementos de uma qualquer “fiscalização”, ação que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, UO I, Processo n.º 1161/14.7BEBRG, na qual foi decidido em 22/12/2015 julgar improcedente a ação – cfr. doc. n.º 1 junto com a contestação, cujo teor se dá por reproduzido.
8) Em 4/11/2014, a Autora remeteu ao Presidente da Câmara Municipal de (...) missiva da qual se extrai o seguinte: Assunto: Alteração do regime de fiscalização no âmbito do contrato de “Concessão de Constituição do Direito de Superfície para Conceção, Construção e Exploração de Dois Parques Públicos de Estacionamento Subterrâneo para Viaturas, e Atribuição da Concessão de Exploração de Lugares de Estacionamento Pago na Via Pública”, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de Outubro. (...) A “AA---, SA.” na qualidade de entidade concessionária no âmbito do contrato de “Concessão de Constituição do Direito de Superfície para Conceção, Construção e Exploração de Dois Parques Públicos de Estacionamento Subterrâneo para Viaturas, e Atribuição da Concessão de Exploração de Lugares de Estacionamento Pago na Via Pública”, em (...), Vem pelo presente requerer que no âmbito do recente Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de Outubro, (que traduz um importante impacto na conformação e modelação da relação contratual entre concedentes e concessionárias de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa, e com aplicação ao contrato existente entre o Município e a AA---), seja deliberado pelos órgãos próprios do Município a atribuição da atividade de fiscalização do estacionamento, nas zonas sob jurisdição municipal que lhe estão concessionadas, à “AA---, SA”. O requerido pelo presente surge ainda na sequência de anteriores contratos entre o Município e a AA---, que visavam criar condições para a transferência da fiscalização para a competência da empresa concessionária (tendo-se mesmo cogitado a alteração do Regulamento Geral de zonas de estacionamento de duração limitada de (...) nesse sentido, nomeadamente os artigos 15.º e 17.º) que, infelizmente, como é de V/ conhecimento não chegou a concluir-se de forma satisfatória para ambas as partes. Para o efeito, está se em crer que face a esta alteração legal introduzida pelo referenciado diploma, colhendo os benefícios comuns e salvaguardado o interesse público ali reconhecido, se poderá retomar o caminho já percorrido, assim como as negociações anteriormente levadas a cabo, de maneira a ser possível transferir a atividade de fiscalização para a “AA---, SA”, sem que o Município possa invocar qualquer risco relativamente à legalidade da solução. Com efeito, o Decreto Lei n.º 146/2014, de 9 de Outubro, que entrará em vigor em 9 de Dezembro de 2014, nos termos do seu artigo 21.º, vem, em termos sintéticos, conferir a faculdade de os Municípios, através de deliberação favorável nesse sentido, atribuírem a atividade de fiscalização do estacionamento às empresas privadas concessionarias de estacionamento nas zonas cuja exploração lhes foram contratualmente concessionadas, com a prerrogativa de aplicação das contraordenações previstas no artigo 71.º do Código da Estrada. Deste modo, o Decreto-lei n.º 146/2014, tal como vem expressamente explanado no seu preâmbulo, além de estabelecer a faculdade legal de os Municípios deliberarem que as empresas privadas concessionárias de estacionamento sujeito ao pagamento de uma taxa possam exercer a atividade de fiscalização do estacionamento, disciplina um conjunto de requisitos necessários para que a dita fiscalização se proceda de forma legal, com respeito pelos direitos dos particulares, como sejam a publicidade dos contratos de concessão (artigo 4.º), densificação de um conjunto de deveres para a concessionária (artigo 5.º), inclusive, e com minúcia, a relação laboral com os trabalhadores que exercem(ão) as funções de fiscalização (artigos 6.º e 7.º) e a definição do exercício da atividade de fiscalização (artigo 9.º), com a intervenção obrigatória do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (artigos 10.º e 11.º). Note-se ainda que, a acrescer ao controlo do acesso das empresas particulares de concessão à atividade fiscalizadora, (prevendo-se para salvaguarda dos interesses aqui envolvidos a intervenção de uma entidade administrativa (ANSR), que supervisiona a equiparação do funcionários a agente administrativo com as garantias de independência e idoneidade inerentes), em abono do princípio da transparência e da defesa dos direitos dos particulares, o regime jurídico estatuído neste diploma proíbe inclusivamente a atribuição de qualquer percentagem à concessionária ou aos seus trabalhadores na repartição do produto das coimas – sem prejuízo do direito de crédito assegurado às empresas concessionárias nos termos gerais resultantes da utilização do serviço prestado pelos munícipes, que constituem receita própria das concessionárias. No decorrer dessa observação facilmente se consta que a AA--- não sairá, de modo algum, diretamente beneficiada através da arrecadação das receitas decorrentes da aplicação das contraordenações que são, e continuarão a ser, caso se opte pelo modelo aqui proposto, da exclusiva repartição das entidades públicas (artigo 1.º do Decreto Lei n.º 369/99). Face ao exposto, o Decreto-Lei n.º 146/2004 encontra um equilíbrio saudável entre os direitos dos particulares, através das injunções que discriminam o modo de aceder e operacionalização da atividade de fiscalização, com a consciência inabalável que as empresas privadas podem usar a sua especialização, melhor saber (Know How) e meios já disponíveis (economia de escala) na função de fiscalização do estacionamento, em complemento ao seu core business (ou objeto social) que constitui a exploração de estacionamento, com ganhos de eficácia na verificação do cumprimento (fiscalização) das normas legais, cuja violação constitui contra ordenação nos termos regulados pelo código da estrada. (...) De tal modo que vimos, assim, requerer que, no âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de Outubro, V. Exa. proponha a deliberação dos órgãos próprios, a possibilidade legal de a função de fiscalização ser acometida à empresa concessionária no âmbito do contrato de “concessão de construção do direito de superfície para conceção, construção e exploração de dois parques públicos de estacionamento subterrâneo para viaturas, e atribuição da concessão de exploração de lugares de estacionamento pago na via pública”, a “AA---, SA”, com as necessárias adaptações e alterações a introduzir ao Regulamento Geral de zonas de estacionamento de duração limitada de (...). (...)” – cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.
9) Em 19/02/2015, o MUNICÍPIO (...) remeteu à Autora ofício com a referência S /2433/2015/ MUNICÍPIO (...), no qual informava que o pedido mencionado no ponto antecedente propendia para o indeferimento e que poderia exercer o direito de audiência prévia sobre o projeto de indeferimento – cfr. doc. n.º 10 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.
10) Em anexo ao ofício mencionado no ponto antecedente, foi remetida à Autora uma informação prestada em 27/1/2015 pelos Serviços da Divisão Jurídica, da qual se extrai o seguinte: “Em cumprimento do solicitado pelo Exmº Senhor Vereador do Pelouro do Ambiente, Desporto e Atividades Económicas, mediante despacho exarado em 12 de novembro de 2014, ESCLARECEMOS O SEGUINTE Através do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 09 de outubro, o legislador abriu a possibilidade aos órgãos dos municípios de deliberarem no sentido de permitir que as empresas privadas concessionárias de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa, em vias sob jurisdição municipal, exerçam a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhes estão concessionadas, devidamente delimitadas e sinalizadas (...) 3.2 Analisado o contrato de concessão firmado entre o MUNICÍPIO (...) e a (...) concessionária, bem como as peças do procedimento concursal (...) verificamos, como era de esperar, que o mesmo não dispõe, de forma expressa, sobre o regime de fiscalização, dado tratar-se de uma competência que, até à data da publicação do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 09 de outubro era apenas do Município, isso sem prejuízo das demais entidades fiscalizadoras, designadamente PSP e GNR. 3.3 Da leitura dos referidos diplomas não vislumbramos nenhuma limitação legal a aplicabilidade do mesmo aos contratos de concessão já em vigor, ao contrário do previsto em sede de projeto de decreto lei (...) 3.4 Assim, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 146/2014, poderá o MUNICÍPIO (...) transferir a competência relativa a fiscalização do estacionamento nas zonas concessionadas à identificada empresa, devendo, para o efeito, promover as alterações do contrato de concessão nos termos e para cumprimento do citado diploma e do regulamento Geral das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de (...), este último sob proposta da concessionária (...)” – cfr. doc. n.º 10 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.
11) Em 16/03/2015, a Autora exerceu o direito de audiência prévia, nos termos e com os fundamentos que constam do doc. n.º 11 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.
12) Em 12/05/2015, a Entidade Demandada remeteu ofício à Autora, com a referência S/4595/2015/MUNICÍPIO (...), do qual se extrai o seguinte: “(...) na sequência do alegado pela sua representada em sede de audiência prévia, procede-se à repetição da formalidade essencial de audição prévia, tendo em consideração a informação prestada pelos Serviços da Divisão Jurídica, que segue em anexo (...)” – cfr. doc. n.º 12 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.
13) Em 29/05/2015, a Autora exerceu o direito de audiência prévia, nos termos e com os fundamentos que constam do doc. n.º 13 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.
14) Em 16/07/2015, o MUNICÍPIO (...) remeteu à Autora ofício com a referência S/6555/2015/ MUNICÍPIO (...), no qual se informa que, por deliberação da Câmara Municipal de (...) tomada em 6/07/2015, foi indeferido o pedido formulado pela Autora, tendo anexado a deliberação e a informação jurídica de 23/6/2015 que precedeu a deliberação, da qual consta o seguinte: Uma informação subscrita pela Jurista Dr.ª DD..., relacionada com o exercício do direito de audiência prévia, atento o projeto de decisão de indeferimento do pedido de alteração do regime de fiscalização do estacionamento nas zonas concessionadas à Empresa `AA---” (Anexo 6) DELIBERAÇÃO: 1) Através da deliberação camarária de 28/04/2008 foi autorizada a cessão da posição contratual à AA---, S.A., por parte da sociedade `CC---, S.A” (ACF), empresa esta que havia celebrado com o Município o contrato de constituição do direito de superfície para a conceção, construção e exploração de dois parques públicos de estacionamento e atribuição da concessão da exploração de lugares de estacionamento pago na via pública, em (...). 2) Nestes termos, foi transmitida pela empresa ACF a posição contratual decorrente da celebração do referido contrato à AA---, S.A., sendo certo que a cessão apenas abrange o direito de exploração, com a obrigação de gerir, em nome próprio e sob a sua responsabilidade, um serviço público, durante um determinado período, com observância das normas regulamentares em vigor. 3) Assim sendo, o pedido apresentado, agora, pela referida AA---, no sentido de assumir o poder de fiscalização, nos precisos termos do respetivo requerimento, viola frontalmente quer o Contrato de Concessão, quer o Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de (...), no Âmbito da Constituição do Direito de Superfície para a Conceção, Construção e Exploração de Dois Parques Públicos de Estacionamento Subterrâneo de Viaturas e da Concessão de Exploração de Lugares de Estacionamento Pago na Via Pública. 4) Importará ter presente, ainda, que na sequência do procedimento adotado em 11 de dezembro de 2013, pela referida sociedade, consistente na afixação nas viaturas estacionadas na via pública, nas zonas abrangidas pela referida exploração, de papeis com o título de “aviso de incumprimento”, o MUNICÍPIO (...) diligenciou pela notificação da mesma AA--- para suspender de imediato o mencionado procedimento em ofício de 18 de Dezembro de 2013, tendo posteriormente reiterado a suspensão desta “fiscalização” em 28 de Fevereiro de 2014. 5) Não obstante as notificações devidamente efetuadas, a AA--- não alterou o seu procedimento, no que respeita à afixação dos “avisos de incumprimento”, razão pela qual o MUNICÍPIO (...) veio a instaurar contra a mesma, como preliminar de Ação Administrativa Comum de Condenação, uma Providência Cautelar de Intimação para a Abstenção de uma Conduta por parte da Sociedade. 6) Atento o que antecede e considerando, igualmente, que: A atividade das Autarquias deve pautar-se por princípios de interesse geral, nomeadamente, da prossecução do interesse público, da igualdade, da proporcionalidade, da transparência, da justiça, da imparcialidade e da boa administração; Se impõe aos Municípios a salvaguarda do interesse municipal, como interesse relevante não só para estas Autarquias, mas também para os respetivos munícipes; O intervencionismo público municipal não implica a execução direta de todo e qualquer interesse público, mas apenas aquele que representa um interesse próprio, comum e específico da população do respetivo Município; O princípio do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos constitui parâmetro fundamental de enquadramento da atividade administrativa; A conduta adotada pela empresa concessionária não respeita as normas de interesse e ordem públicos constantes do citado instrumento normativo de natureza regulamentar e do próprio Código da Estrada e legislação conexa, porquanto, encontra-se a exercer a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhe estão concessionadas, que, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro, estava cometida, exclusivamente, aos Municípios, sem prejuízo das demais entidades fiscalizadoras; As receitas obtidas com o procedimento, entretanto, adotado não se destinam à satisfação dos encargos públicos; O referido comportamento em nada melhorou a concessão para os utilizadores dos lugares de estacionamento pago, visto que, para além da contraordenação, é-lhes também devido o pagamento de uma quantia à empresa concessionária, a qual não encontra sustentação legal, quer no contrato de concessão, quer no identificado Regulamento Municipal, gerando um descontentamento coletivo generalizado. Neste contexto, o Órgão Executivo delibera, por unanimidade, no sentido do indeferimento do pedido, por considerar que ele manifestamente é contrário ao interesse da população e do Município. Mais delibera que, como ato prévio, seja dado cumprimento ao princípio da audiência dos interessados, consagrado no Código do Procedimento Administrativo, concedendo-se, para o efeito, o prazo de dez dias à Sociedade requerente”cfr. doc. n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.
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Nada mais se provou com interesse para a decisão.»
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III.B.DE DIREITO
Com a instauração da presente ação, a Autora pretendia obter do Tribunal a quo a anulação da deliberação proferida pela Câmara Municipal de (...) (doravante CM) que indeferiu o pedido formulado pela Autora, no sentido de exercer a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas devidamente delimitadas e sinalizadas, em conformidade com o regime legal previsto Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro, e que o Réu fosse condenado à prática do ato legalmente devido, consubstanciado na emanação de uma deliberação pela CM respetiva, nos termos da qual se lhe atribua, na qualidade de empresa privada concessionária de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa em vias sob jurisdição municipal, no âmbito do “contrato de concessão de exploração de lugares de estacionamento pago na via pública, em (...)”, o exercício da atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhe estão concessionadas, devidamente delimitadas e sinalização, tudo nos termos do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro.
A sentença recorrida julgou improcedente a ação de condenação à prática de ato devido, e, em consequência absolveu o Apelado dos pedidos formulados.
A Apelante não se conforma com a sentença recorrida, assacando-lhe erro de julgamento sobre a matéria de direito.
Em primeiro lugar, insurge-se contra a sentença recorrida no segmento em que o Tribunal a quo considerou não preenchido o requisito relativo ao licenciamento dos agentes de fiscalização da Apelante, ou seja, da equiparação dos seus trabalhadores a agentes de autoridade administrativa, e bem assim, por considerar existir falta da previsão dessa competência no objeto do contrato.
Em segundo lugar, discorda da sentença recorrida quando nela se considera que a transferência dos poderes de fiscalização do estacionamento para a concessionária se insere no âmbito da discricionariedade técnica da Administração, e que no caso, a melhor salvaguarda do interesse público recomenda que os poderes de fiscalização relativos à concessão permaneçam na Administração.
Vejamos.
b.1. Do erro de julgamento decorrente da violação do disposto nos artigos 3.º, 9.º e 10.º do DL 146/2014, de 09 de outubro.
A este respeito, a Apelante afirma que o Tribunal a quo considerou que não poderia exercer as competências de fiscalização, porque não fez prova de ter obtido a autorização da equiparação dos seus trabalhadores a “agentes de autoridade”, conforme exigido pelo DL 146/2014, quando a seu ver, a equiparação dos trabalhadores da concessionária apenas poderá ocorrer após autorização/deliberação a conferir o exercício desses poderes à concessionária, e não em data anterior.
E errou, ainda, ao considerar que para o deferimento da pretensão da concessionária era necessário alterar o contrato de concessão de modo a que o mesmo passe a prever no respetivo objeto, que a atividade de fiscalização possa ser exercida pela concessionária, uma vez que, a alteração do objeto do contrato de concessão, tal como a equiparação dos trabalhadores, apenas poderá ocorrer após atribuição do exercício das competências de fiscalização — e nunca em momento anterior -, por se tratarem de atos de execução do ato de autorização, cuja condenação se peticiona.
Conclui que, por isso, a decisão recorrida padece de erro de julgamento, por violação do disposto nos artigos 3.º, 9.º e 10.º do DL 146/2014, de 09 de outubro.
Vejamos.
Na sequência do procedimento prévio de concurso público aberto por aviso publicitado no D.R., em 9/08/2006, foi outorgado entre sociedade “CC---, S.A.” e o MUNICÍPIO (...), contrato de concessão, com a designação “Constituição do direito de superfície para conceção, construção e exploração de dois parques públicos de estacionamento subterrâneo para viaturas e atribuição da concessão de exploração de lugares de estacionamento pago na via pública, em (...)”, tendo a sociedade “CC---, S.A”, em 12/05/2008, cedido a sua posição contratual à ora Autora.
Em 4/11/2014, a Apelante requereu ao Presidente da Câmara Municipal de (...) a alteração do regime de fiscalização no âmbito do contrato de “Concessão de Constituição do Direito de Superfície para Conceção, Construção e Exploração de Dois Parques Públicos de Estacionamento Subterrâneo para Viaturas, e Atribuição da Concessão de Exploração de Lugares de Estacionamento Pago na Via Pública”, tendo em conta a publicação do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de Outubro, no sentido de a função de fiscalização ser acometida à empresa concessionária no âmbito do referido contrato de concessão com as necessárias adaptações e alterações a introduzir ao Regulamento Geral de zonas de estacionamento de duração limitada de (...).
Após audiência prévia da concessionária, por deliberação da Câmara Municipal de (...) tomada em 06/07/2015, foi indeferido o pedido formulado pela Autora.
Como fundamento para esse indeferimento, lê-se na informação jurídica para que remete a fundamentação da deliberação que a cessão da posição contratual à AA---, S.A., «apenas abrange o direito de exploração, com a obrigação de gerir, em nome próprio e sob a sua responsabilidade, um serviço público, durante um determinado período, com observância das normas regulamentares em vigor. 3) Assim sendo, o pedido apresentado, agora, pela referida AA---, no sentido de assumir o poder de fiscalização, nos precisos termos do respetivo requerimento, viola frontalmente quer o Contrato de Concessão, quer o Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de (...), no Âmbito da Constituição do Direito de Superfície para a Conceção, Construção e Exploração de Dois Parques Públicos de Estacionamento Subterrâneo de Viaturas e da Concessão de Exploração de Lugares de Estacionamento Pago na Via Pública. 4) Importará ter presente, ainda, que na sequência do procedimento adotado em 11 de dezembro de 2013, pela referida sociedade, consistente na afixação nas viaturas estacionadas na via pública, nas zonas abrangidas pela referida exploração, de papeis com o título de “aviso de incumprimento”, o MUNICÍPIO (...) diligenciou pela notificação da mesma AA--- para suspender de imediato o mencionado procedimento em ofício de 18 de Dezembro de 2013, tendo posteriormente reiterado a suspensão desta “fiscalização” em 28 de Fevereiro de 2014. 5) Não obstante as notificações devidamente efetuadas, a AA--- não alterou o seu procedimento, no que respeita à afixação dos “avisos de incumprimento”, razão pela qual o MUNICÍPIO (...) veio a instaurar contra a mesma, como preliminar de Ação Administrativa Comum de Condenação, uma Providência Cautelar de Intimação para a Abstenção de uma Conduta por parte da Sociedade. 6) Atento o que antecede e considerando, igualmente, que: A atividade das Autarquias deve pautar-se por princípios de interesse geral, nomeadamente, da prossecução do interesse público, da igualdade, da proporcionalidade, da transparência, da justiça, da imparcialidade e da boa administração; Se impõe aos Municípios a salvaguarda do interesse municipal, como interesse relevante não só para estas Autarquias, mas também para os respetivos munícipes; O intervencionismo público municipal não implica a execução direta de todo e qualquer interesse público, mas apenas aquele que representa um interesse próprio, comum e específico da população do respetivo Município; O princípio do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos constitui parâmetro fundamental de enquadramento da atividade administrativa; A conduta adotada pela empresa concessionária não respeita as normas de interesse e ordem públicos constantes do citado instrumento normativo de natureza regulamentar e do próprio Código da Estrada e legislação conexa, porquanto, encontra-se a exercer a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhe estão concessionadas, que, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro, estava cometida, exclusivamente, aos Municípios, sem prejuízo das demais entidades fiscalizadoras; As receitas obtidas com o procedimento, entretanto, adotado não se destinam à satisfação dos encargos públicos; O referido comportamento em nada melhorou a concessão para os utilizadores dos lugares de estacionamento pago, visto que, para além da contraordenação, é-lhes também devido o pagamento de uma quantia à empresa concessionária, a qual não encontra sustentação legal, quer no contrato de concessão, quer no identificado Regulamento Municipal, gerando um descontentamento coletivo generalizado. Neste contexto, o Órgão Executivo delibera, por unanimidade, no sentido do indeferimento do pedido, por considerar que ele manifestamente é contrário ao interesse da população e do Município. Mais delibera que, como ato prévio, seja dado cumprimento ao princípio da audiência dos interessados, consagrado no Código do Procedimento Administrativo, concedendo-se, para o efeito, o prazo de dez dias à Sociedade requerente”
É incontornável que na data da celebração do contrato de concessão em apreço não se encontrava ainda em vigor o Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro, que veio a regular as condições em que as empresas privadas concessionárias de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa em vias sob jurisdição municipal podem exercer a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhes estão concessionadas.
Como bem alega a Apelante, tal não significa que o regime jurídico estabelecido nesse diploma não possa aplicar-se ao contrato aqui em análise.
O que acontece é que a possibilidade de as empresas privadas concessionárias de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa em vias sob jurisdição municipal poderem exercer a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhes estão concessionadas, depende prima facie da vontade da Administração em transferir para essas entidades essa competência, não decorrendo essa possibilidade como efeito automático da sua previsão no diploma referido.
Nesse sentido, é bem elucidativo o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro, no qual se refere expressamente que: Em alguns casos, o estacionamento é objeto de contratos de concessão, celebrados pelos municípios com empresas privadas que, nos termos estabelecidos nos respetivos regulamentos municipais, fazem a exploração de áreas delimitadas do espaço público para estacionamento por períodos de tempo limitados. Com o presente decreto-lei, estabelecem-se regras que abrem a possibilidade aos órgãos próprios dos municípios de deliberarem no sentido de permitir que as empresas privadas concessionárias de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa, em vias sob jurisdição municipal que lhes estão concessionadas, possam exercer a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas devidamente delimitadas e sinalizadas, a qual será restrita à aplicação das contraordenações previstas no artigo 71.º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de maio, isto é, as relativas a estacionamento proibido. Ou seja, a concretização efetiva deste novo regime fica dependente da vontade de cada município, no respeito pelo princípio da autonomia das autarquias locais. Este novo regime jurídico estabelece ainda, nestes casos, a obrigação de utilização exclusiva do Sistema de Contraordenações de Trânsito, sistema eletrónico de levantamento dos autos e de encaminhamento dos mesmos para a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, e futuramente para as câmaras municipais, introduzindo ganhos de eficiência no sistema, com vantagem para as entidades envolvidas, a que acrescem também as vantagens que resultam da perceção do desvalor da infração e da consequente alteração do comportamento em consequência do encurtamento do tempo decorrido entre a verificação da contraordenação e a aplicação da correspondente sanção. Importa referir, por fim, que este novo regime jurídico assegura o princípio da transparência e a defesa dos direitos dos particulares, proibindo-se expressamente a atribuição de qualquer percentagem à concessionária ou aos seus trabalhadores do produto da aplicação das coimas, bem como a participação direta ou indireta da empresa concessionária e dos seus trabalhadores na repartição do produto das coimas. Também fica impedido que a atividade de fiscalização exercida pela empresa concessionária possa ser remunerada autonomamente” (negrito da nossa autoria).
Coligida a fundamentação de facto constante da sentença recorrida, resulta provado que a Apelada indeferiu o pedido formulado pela Autora em 04/11/2014 - na qualidade de empresa privada concessionária de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa em vias sob jurisdição municipal, no âmbito do “contrato de concessão de exploração de lugares de estacionamento pago na via pública, em (...)”-, no sentido de obter autorização para exercer, através dos seus trabalhadores com funções de fiscalização, a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhe estão concessionadas, o que equivalia à transferência da competência da atividade de fiscalização da esfera do MUNICÍPIO (...) para a Autora.
A Apelada sustentou a decisão de indeferimento na seguinte ordem de razões: (i) violação do Contrato de Concessão, do Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de (...), no Âmbito da Constituição do Direito de Superfície para a Conceção, Construção e Exploração de Dois Parques Públicos de Estacionamento Subterrâneo de Viaturas e da Concessão de Exploração de Lugares de Estacionamento Pago na Via Pública; (ü) conduta adotada pela empresa concessionária não respeitar as normas de interesse e ordem pública constantes do citado instrumento normativo de natureza regulamentar e do próprio Código da Estrada e legislação conexa, porquanto, encontra-se a exercer a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhe estão concessionadas, que, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro, estava cometida, exclusivamente, aos Municípios, sem prejuízo das demais entidades fiscalizadoras; (iii) por considerar que a colocação de avisos de incumprimento por parte da Autora em nada melhorou a concessão para os utilizadores dos lugares de estacionamento pago, visto que, para além da contraordenação, é-lhes também devido o pagamento de uma quantia à empresa concessionária, a qual não encontra sustentação legal, quer no contrato de concessão, quer no identificado Regulamento Municipal, gerando um descontentamento coletivo generalizado.
No que concerne ao fundamento de recurso em análise, o Tribunal a quo, não obstante frisar que na data de celebração do contrato de concessão em apreço, não se encontrava em vigor o Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro, diploma que veio a regular as condições em que as empresas privadas concessionárias de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa em vias sob jurisdição municipal podem exercer a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhes estão concessionadas, não deixou de considerar que, pese embora esse facto, o artigo 15.º do Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de (...), no âmbito da constituição do direito de superfície para a conceção, construção e exploração de dois parques públicos de estacionamento subterrâneo de viaturas e da concessão de exploração de lugares de estacionamento pago na via pública, em (...), já previa expressamente no seu nº2 que a competência para a fiscalização do cumprimento das disposições do Regulamento pudesse vir a competir ao corpo de fiscalização da empresa concessionária, desde que devidamente licenciado e identificado.
Entendeu, contudo, que: «(…), in casu essa condição não resulta como verificada e, apesar disso a Autora exerceu de facto algumas tarefas da atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhe foram concessionadas.
Nesta medida, ainda que o pedido formulado pela Autora tenha algum enquadramento na previsão do contrato celebrado e, por si só não afronta os seus termos nem tão pouco o Regulamento aprovado, certo é que a actividade de fiscalização que a Autora pretende exercer nos espaços concessionados tem que ser, efetivamente, autorizada pelo Município, o que implica uma alteração dos termos em que o contrato foi celebrado que, como já se referiu prevê a possibilidade de vir a ser a concessionária a exercer funções fiscalizadoras, o que não significa que tal previsão dê, desde logo, a necessária cobertura ao exercício dessa função que depende, ainda, entre o mais, do licenciamento dos agentes da fiscalização nos termos já referidos.»
Conforme expendeu o Tribunal a quo na sentença recorrida «a atividade fiscalização pode ser exercida pelos trabalhadores das empresas concessionárias desde que cada um dos trabalhadores seja para o efeito equiparado a agente de autoridade administrativa, por decisão do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, mediante proposta da empresa concessionária, instruída com o parecer não vinculativo da Câmara Municipal concedente e com a declaração de concordância do trabalhador quanto à equiparação. O procedimento de equiparação culmina com a emissão, pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária do cartão de identificação do trabalhador cuja validade é de cinco anos, sem prejuízo da sua eventual renovação – cf. artºs 9º, 10º e 11º do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro
A Apelante afirma que o Tribunal a quo considerou que a mesma não poderia exercer as competências de fiscalização, porque não fez prova de ter obtido a autorização da equiparação dos seus trabalhadores a agentes de Autoridade, conforme exigido pelo DL 146/2014, quando a seu ver, a equiparação dos trabalhadores da concessionária apenas poderá ocorrer após autorização/deliberação tomada pela Assembleia, e não em data anterior.
Acontece que o Tribunal a quo fez as referidas considerações mas por referência ao exercício dos poderes de fiscalização que foram desenvolvidos pela Apelante no âmbito do referido contrato de concessão, para deixar bem claro que no quadro em que foi levada a cabo essa atividade pela concessionária a mesma não lhe era legalmente consentida, e isso, porque, conforme claramente explicitou, para tal, era necessário, primo, que lhe estivessem atribuídos poderes de fiscalização e secundo, que os trabalhadores a afetar ao desempenho dessas funções estivessem credenciados pela ANSR, ou seja, equiparados a “agentes de autoridade”.
É inequívoco que para o Tribunal a quo, a necessidade de previsão/alteração do contrato de concessão da atribuição de poderes de gestão e de fiscalização dos parques de estacionamento concessionados é condição sine qua non e prévia para que a concessionária possa exercer poderes de fiscalização e, consequentemente, para que tenha legitimidade para requerer junto da ANSR a credenciação como “agentes de autoridade” dos trabalhadores que pretenda afetar ao exercício dessas funções.
Daí que, naturalmente, a alteração do objeto do contrato de concessão, tal como a equiparação dos trabalhadores da concessionária a agentes de fiscalização, apenas poderá ocorrer após atribuição do exercício das competências de fiscalização, e nunca em momento anterior, o que também não é contrariado mas antes confirmado pela sentença recorrida.
Perante o exposto, não assiste razão à Apelante quando pretende que o Tribunal a quo errou ao exigir a verificação de tal requisito em momento anterior à atribuição municipal, violando-se os artigos 9.º, 10.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro, uma vez que tal não corresponde ao que foi decidido.
Termos em que se impõe julgar totalmente improcedente o invocado fundamento de recurso.
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b.2. Do erro de julgamento da sentença recorrida ao considerar que “ o descontentamento generalizado” se enquadra na discricionariedade técnica e erro grosseiro na respetiva apreciação, em violação do princípio da legalidade e da separação de poderes.
A Apelante assaca à sentença recorrida erro de julgamento quanto ao mérito, decorrente de o Tribunal a quo ter considerado que o alegado “descontentamento generalizado” invocado pela Apelada para indeferir o pedido de atribuição de poderes de fiscalização se enquadra na discricionariedade técnica da entidade pública.
Na compreensão da Apelante, o alegado “descontentamento generalizado” está fundado, pelo Município, no facto de entender que a cobrança feita pela Autora/concessionária, além das contraordenações, não tem fundamento no Regulamento, nem no contrato de concessão – o que não é verdade, pois, e conforme se demonstrou, tal direito de cobrança encontra-se previsto no Regulamento (artigo 17.º, conforme decidido pelo Tribunal a quo), assim como, também decorre da lei geral, por se tratar de um direito de crédito – neste sentido, Acórdão deste TCAN, no âmbito do processo cautelar 1161/14.7BEBRG.
Entende que os demais fundamentos invocados pelo recorrido para afastar a atribuição da competência de fiscalização carecem de sustentação legal, para obviar à atribuição da competência de fiscalização à Apelante, apontando nesse sentido o seguinte segmento da sentença recorrida: “Atento o citado quadro normativo, concluiu-se que o pedido formulado pela Autora, em termos abstratos e a ser deferido, não afronta o quadro legal e o Regulamento, que como se viu prevê a possibilidade de fiscalização por parte da empresa concessionária, desde que observe o requisito prévio da equiparação dos seus trabalhadores a agentes de autoridade administrativa.
Sobre esta questão, o Tribunal a quo pronunciou-se nos seguintes moldes:
«A Autora assaca ao ato que indeferiu o pedido de transferência da competência da atividade de fiscalização, o vício de violação do princípio da legalidade e da justiça, alicerçando a sua argumentação no facto de a Entidade Demandada não poder sustentar o indeferimento do requerido com base no “descontentamento generalizado” dos utentes por terem de pagar um serviço que usufruem, pois os argumentos de inconveniência política não se podem sobrepor ao princípio da legalidade a que o Município está adstrito. Alegou que a Administração não se pode desvincular das normas regulamentares que ela própria criou de acordo com o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos.
A Entidade Demandada, por sua vez, sustentou que do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 146/2014, resulta que a possibilidade nele configurada “fica dependente da vontade de cada município” e que fundamentou a sua decisão em razões de interesse público tendo por referência o facto de a atuação da Autora gerar um “descontentamento coletivo generalizado” e prevaleceu o interesse em não pactuar com uma sociedade que desrespeita o pedido de se abster de praticar atos de fiscalização que estão legalmente confiados à Entidade Demandada, o que prejudica a imagem do MUNICÍPIO (...) junto dos munícipes.
Cumpre apreciar e decidir.
Antes de mais, importa lembrar que o princípio da legalidade, enquanto princípio geral do Direito Administrativo encontra-se formulado no art.º 3.º n.º 1, do CPA, bem como no art.º 266.º, n.º 2, da CRP, e tem como características fundamentais a exigência de os órgãos da Administração Pública atuarem em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes foram conferidos e em conformidade com os respetivos fins.
Assim, a Administração deve conformar a sua atuação no estrito cumprimento das normas em vigor e não praticar atos desconformes ao bloco legal vigente. Para além disso, a atuação administrativa depende de lei prévia habilitante e que delimite o seu âmbito de atuação.
O conteúdo do princípio da legalidade, abrange, assim, o respeito da lei, mas também a subordinação da administração pública à Constituição, à lei ordinária, aos regulamentos, aos direitos oriundos dos contratos administrativos e de direito privado ou de ato administrativo constitutivo de direitos, bem como os princípios gerais de Direito e o Direito Internacional que vigore na ordem jurídica portuguesa. O desrespeito por qualquer destas categorias de normas ou atos representa a violação do princípio da legalidade. Neste sentido, Diogo Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 3.ª Ed. Almedina, 2016, p. 48 e seguintes.
Por seu turno, encontramos referências ao princípio da justiça no art.º 266.º, n.º 2, da CRP, e no art.º 8.º do CPA, ao abrigo dos quais é possível extrair que a Administração Pública deve tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação, e rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa.
Com efeito, é possível concluir-se que a justiça é algo que está para além da legalidade, impõe-se à Administração o dever de atuar com justiça, sendo que a referência no art.º 266.º, n.º 2, da CRP, ao princípio da igualdade, proporcionalidade e boa-fé são um desdobramento da ideia de justiça, nomeadamente a ideia de proporcionalidade e igualdade, pois ser justo é tratar de modo igual o que é igual e agir na medida adequada. Cfr. Diogo Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 3.ª Ed. Almedina, 2016, p. 107.
No que particularmente respeita ao referido princípio da legalidade, conforme resulta do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro, conjugado com o Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de (...), como já se referiu, cabe ao Município a decisão de autorizar ou não a transferência da competência de fiscalização, sendo que inexiste qualquer limitação à atribuição da referida competência, no entanto, o Município pode optar por não o fazer, sem que tal decisão se mostre desconforme com o bloco de legalidade, pois não existe qualquer norma jurídica que preveja critérios vinculativos que determinem o sentido da decisão.
Significa isto que, no que concerne a esta matéria, a Administração goza de margem de apreciação ou discricionariedade.»
A questão a decidir é a de saber se a deliberação impugnada, que indeferiu o pedido formulado pela Apelante para atribuição das competências de fiscalização do estacionamento nas zonas concessionadas sob a jurisdição municipal de (...), nos termos regulados no Decreto-Lei n.º 146/2014, de 09 de outubro, contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, que enquadrou a decisão proferida no âmbito do exercício dos poderes discricionários da entidade pública, deve ser anulada por estarem verificados os pressupostos de facto e de direito que no caso constituem a Apelada na obrigação legal de praticar o ato de atribuição da competência de fiscalização à concessionária.
Antecipamos que não assiste razão á Apelante, tendo o Tribunal a quo decidido corretamente a questão em análise, cujos fundamentos subscrevemos.
Se é certo que com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro, se « abrem a possibilidade aos órgãos próprios dos municípios de deliberarem no sentido de permitir que as empresas privadas concessionárias de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa, em vias sob jurisdição municipal que lhes estão concessionadas, possam exercer a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas devidamente delimitadas e sinalizadas, a qual será restrita à aplicação das contraordenações previstas no artigo 71.º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de maio, isto é, as relativas a estacionamento proibido», como se escreve no respetivo preâmbulo, também aí se refere expressamente que « a concretização efetiva deste novo regime fica dependente da vontade de cada município, no respeito pelo princípio da autonomia das autarquias locais.».
A decisão da Apelada de atribuir ou não o exercício dos poderes de fiscalização à Apelante enquanto empresa privada concessionária de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa em causa nesta ação, conforme foi requerido pela Apelante junto daquela, depende de uma opção politica da entidade pública, cuja oportunidade não cabe aos tribunais sindicar.
Trata-se de uma decisão claramente situada no âmbito dos poderes discricionários da Apelada, ou seja, de uma decisão que depende da avaliação/ponderação que a entidade pública faça quanto às vantagens e desvantagens resultantes dessa opção para o que considere ser a melhor via para garantir a satisfação do interesse público envolvido.
Lê-se na deliberação impugnada que indeferiu a requerida atribuição de poderes de fiscalização à concessionária Apelante, designadamente que: « (…)A atividade das Autarquias deve pautar-se por princípios de interesse geral, nomeadamente, da prossecução do interesse público, da igualdade, da proporcionalidade, da transparência, da justiça, da imparcialidade e da boa administração; Se impõe aos Municípios a salvaguarda do interesse municipal, como interesse relevante não só para estas Autarquias, mas também para os respetivos munícipes; O intervencionismo público municipal não implica a execução direta de todo e qualquer interesse público, mas apenas aquele que representa um interesse próprio, comum e específico da população do respetivo Município; O princípio do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos constitui parâmetro fundamental de enquadramento da atividade administrativa; A conduta adotada pela empresa concessionária não respeita as normas de interesse e ordem públicos constantes do citado instrumento normativo de natureza regulamentar e do próprio Código da Estrada e legislação conexa, porquanto, encontra-se a exercer a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhe estão concessionadas, que, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro, estava cometida, exclusivamente, aos Municípios, sem prejuízo das demais entidades fiscalizadoras; As receitas obtidas com o procedimento, entretanto, adotado não se destinam à satisfação dos encargos públicos; O referido comportamento em nada melhorou a concessão para os utilizadores dos lugares de estacionamento pago, visto que, para além da contraordenação, é-lhes também devido o pagamento de uma quantia à empresa concessionária, a qual não encontra sustentação legal, quer no contrato de concessão, quer no identificado Regulamento Municipal, gerando um descontentamento coletivo generalizado. Neste contexto, o Órgão Executivo delibera, por unanimidade, no sentido do indeferimento do pedido, por considerar que ele manifestamente é contrário ao interesse da população e do Município…».
Compete à Administração Municipal decidir, de acordo com a avaliação que faça do interesse público, dentro da margem de livre decisão de que dispõe na condução dos superiores interesses coletivos dos seus munícipes, se a gestão e fiscalização do estacionamento no âmbito do contrato de concessão em causa, deve continuar a ser desenvolvida diretamente por uma entidade pública -Câmara Municipal ou Empresa Municipal, com a fiscalização a cargo, eventualmente, da Polícia Municipal- ou se a mesma deve ser entregue à concessionária, como claramente se aponta no preâmbulo do Decreto-lei n.º Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro.
Pode perspetivar-se que neste tipo de situação, a entidade pública receie que com a concessão da fiscalização à empresa privada concessionária que o serviço a prestar deixe de assegurar o direito de todos, nos termos pretendidos, a estacionar no espaço público, e que a atividade a desenvolver pela concessionária se passe a centrar essencialmente numa finalidade privada, como seja a de proporcionar o maior lucro possível à empresa concessionária, pondo-se assim em causa, quiçá, o objetivo de contribuir para um melhor ordenamento do espaço público e para a defesa do interesse real das populações. A que acresce, quiçá, uma gestão mais difícil de escrutinar, pois quem passa a deliberar é o Conselho de Administração de uma entidade privada que presta contas apenas aos seus acionistas. E as populações quando quiserem manifestar a sua opinião relativamente ao serviço, contestar o mesmo, poderão deixar de ter um interlocutor na esfera pública, perdendo a entidade pública capacidade de intervenção ao nível da implementação de medidas mais amigas do utilizador.
Em suma, nesta matéria, parece-nos claro que são vários os interesses que podem estar em jogo em cada uma das opções que o Município tome e que a decisão a proferir é uma decisão política do Município, proferida no exercício dos seus poderes de livre decisão.
Termos em que se impõe julgar improcedentes os invocados fundamentos de recurso, e confirmar integralmente a sentença recorrida.
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IV- DECISÃO

Nesta conformidade,
os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte, acordam em conferência, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela apelante ( Art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC)
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Notifique
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Porto, 27 de maio de 2022

Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
Paulo Ferreira de Magalhães, em substituição