Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00561/14.7BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/18/2018
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL. JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO. GERÊNCIA DE FACTO.
Sumário:
I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 662º do C. Proc. Civil, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
II) A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
III) A segunda aventura do Recorrente nesta sede não trouxe qualquer novidade neste âmbito, impondo-se notar que existia uma relação laboral e, nesta medida, uma óbvia relação de dependência que, naturalmente, facilitou a decisão do ora Recorrente em aceder ao pedido do seu empregador, subscrevendo os documentos que este lhe apresentava para assinar, mas sem qualquer intenção/consciência de participar na vida da sociedade, ou seja, sem o necessário animus no sentido de ter voz activa na vida da sociedade, a não ser porventura na preservação do seu posto de trabalho.
IV) A partir daqui, analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte do ora Recorrido, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Fazenda Pública, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:AMTP
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença recorrida
Julgar procedente a oposição
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
AMTP, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 13-04-2018, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzida na presente instância de OPOSIÇÃO relacionada com a execução originariamente instaurada contra a sociedadeIMTHS, Lda.”, e contra ele revertida, por dívidas relativas a IRS (Retenção na Fonte) e IVA de 2013, no valor global de € 1.252,52.
Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 355-364), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1 - Dos documentos assinados pelo Oponente mencionados na, aliás, douta sentença recorrida, 3 (uma procuração a favor de AMCC e fichas de abertura de conta em dois bancos) referem-se a período de gerência anterior ao que aqui está em causa.
2 - Quanto aos documentos assinados pelo Oponente a partir de 3.4.2013, os mesmos resumem-se, tanto quanto consta do processo, a dois contratos de arrendamento celebrados no mesmo dia (referentes a duas frações autónomas do mesmo prédio), dois documentos de registo automóvel relativos ao mesmo veículo (um para extinção da reserva de propriedade e outro para a sua venda) e uma adenda a um contrato de compra e venda de carteira de clientes, ou seja, no fundo, a mais três intervenções...
3 - Por outro lado, da prova testemunhal produzida resulta claramente que quem, de facto, era dono e gerente da sociedade devedora originária era a testemunha AMCC, o qual conduzia sozinho os destinos da sociedade solicitando a intervenção das pessoas que foram figurando no registo como gerentes da sociedade quando tal se revelava indispensável, sendo que estas pessoas assinavam sem ver o que este lhes dava para assinar.
4 - Isso mesmo consta em parte da, aliás, douta sentença recorrida e, de forma inequívoca, resulta do depoimento das testemunhas inquiridas na audiência de 18.1.2017 LFAM (cf. minutos 6:45, 9:00, 11:00, 13:30 e 14:30 da gravação da audiência), MJOA (cf. minuto 27:20 da gravação da audiência), AMCC (cf. minutos 35:50, 39:15, 44:00, 45:00, 47:50, 49:00, 50:00, 51:00, 1:08:15 e 1:22:00 da gravação da audiência), SMAO (cf. minutos 1:30:30, 1:36:45, 1:37:30 e 1:39:40 da gravação da audiência) e SANFN (cf. minutos 1:47:00, 1:48:20 e 1:49:40 da gravação da audiência).
5 - Como exemplarmente se diz no douto Acórdão do TCA Norte de 2.2.2012 in proc. 00273/09.3BEPNF disponível em www.dgsi.pt, "para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de atos isolados praticados pelo Oponente" (no mesmo sentido, o douto Acórdão do TCA Norte de 20.12.2011 in proc. 00639/04.5BEVIS também disponível em www.dgsi.pt).
6 - Daí que, no caso concreto, a gerência de facto apenas tenha sido exercida pelo Senhor AC, como, aliás, ele assume plenamente.
7 - O Oponente sempre foi comercial da sociedade devedora originária, tendo-se os seus atos de gerência limitado a assinar cegamente os escassos documentos que aquele Senhor AC lhe dava a assinar, não se podendo daí extrair que foi, de facto, gerente da sociedade devedora originária.
8 - Por outro lado, é inaceitável falar-se, no caso dos autos, de uma gerência por procuração.
9 - A procuração em apreço foi outorgada pelo Oponente e por SSD em 10.11.2009, altura em que ambos eram gerentes da sociedade devedora originária e esta se obrigava com a assinatura de ambos os gerentes.
10 - Entretanto, em 1.9.2010, o Oponente e a S… deixaram de ser gerentes da sociedade devedora originária, passando a ocupar tal cargo MFBC, cuja assinatura obrigava a sociedade.
11 - Daí, que a procuração em apreço se extinguiu por ter cessado a relação jurídica que lhe servia de base (art. 265º nº 1 CC).
12 - Ficção, pois, o "renascimento" da procuração quando o Oponente volta, desta feita sozinho, a ser nomeado gerente da sociedade em 3.4.2013.
13 - De qualquer modo, a existência da procuração em apreço, emitida, como foi neste caso, sem o propósito do Oponente controlar ou condicionar a atividade do procurador (o inequívoco gerente de facto, AC), joga, até, em sentido contrário ao considerado pelo Mmo. Juiz a quo, antes devendo conduzir à desresponsabilização do Oponente - neste sentido, v.g., o douto Acórdão do TCA Norte de 27.11.2014 in proc. 00824/06.5BEPRT (e doutrina aí mencionada) e o douto Acórdão do STA de 8.7.2015 in proc. 01659/13, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
14 - Assim sendo, como se afigura ser, deverá ser alterada a decisão da matéria de facto por forma a dar como não provado que o Oponente exerceu, de facto, a gerência da executada originária de 01/09/2009 a 01/09/2010 e a partir de 03/04/2013 e a dar como provado que este não exerceu, de facto, essa gerência da executada originária enquanto foi seu gerente de direito.
15 - Consequentemente, deverá o Oponente ser considerado parte ilegítima na execução e a oposição proceder.
16 - Entendendo diferentemente, a, aliás, douta sentença recorrida violou o disposto nos arts. 24º nº1 LGT, 204 nº 1 al. b) CPPT e 265º nº 1 CC, pelo que deve ser revogada.
AS RAZÕES INVOCADAS E AS DOUTAMENTE SUPRIDAS CONDUZIRÃO À PROCEDENCIA DO PRESENTE RECURSO, ASSIM SE FAZENDO INTEIRA E SÃ JUSTIÇA”
Não houve contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.
Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar o invocado erro de julgamento ao nível da matéria de facto e em saber se o Recorrente exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) Em 16-21-24/10/2013, o Serviço de Finanças de V… instaurou contra a executada originária os processos de execução fiscal n.ºs 1899201301049950, 1899201301050613, 1899201301051920 e 1899201301052063, para execução das dívidas de, respetivamente, IRS, retenção na fonte, de julho de 2013, IRS, retenção na fonte, de agosto de 2013, juros de mora de IVA, de abril de 2013, e juros de mora de IVA, de maio de 2013, no valor de €433,98, €760,82, €26,21 e €31,51, com data limite de pagamento voluntário em 20/08/2013, 20/09/2013, 02/09/2013 e 30/09/2013, que reverteu contra o oponente, nos termos do art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT (fls. 12 a 55).
B) O oponente foi sócio gerente da executada originária e exerceu a sua gerência de 01/09/2009 a 01/09/2010 e a partir de 03/04/2013 (fls. 20 a 27, 47 a 51, 136 a 145, 152 a 155 verso, 158 a 166, 187 a 215 e 292 a 294, a confissão feita pelo oponente na resposta à contestação, na parte em que confessa em que assinava os documentos em representação da executada originária e depoimento das testemunhas, em particular de AMCC na parte em declara que o oponente assinava os documentos da executada originária que fossem necessários).
C) Entre 01/09/2009 e 01/09/2010, a executada originária vinculava-se com a assinatura conjunta do oponente e de SSD, que eram os únicos gerentes da executada originária e a partir de 03/04/2013 vinculava-se com a assinatura do gerente, sendo o oponente o único gerente nomeado (fls. 20 a 28).
D) O oponente, na qualidade de gerente da executada originária e em sua representação, assinou: uma procuração a favor de AMCC, outorgada em 10/11/2009; a ficha de abertura de conta no BCP que se manteve válida de 09/12/2009 até 13/10/2010 e que obrigava à assinatura dos dois gerentes; as fichas de abertura da conta bancária no Banco P… em 05/01/2010; dois contratos de arrendamento celebrados em 01/08/2013; a requisição do registo de extinção da reserva do direito de propriedade e da aquisição do veículo com a matrícula …-…-ZE, em 11/10/2013; o contrato de compra e venda e requisição do registo do veículo com a matrícula …-…-ZE, celebrado em 22/10/2013; uma adenda ao contrato de compra e venda de carteira de clientes em 26/02/2014 (fls. 136 a 143 e 152 a 155 verso, 166, 187 a 208, 211 a 215 e 292 a 294).
E) A gerência da executada originária também era assegurada pela intervenção de AMCC como gerente de facto (fls. 20 a 27, 47 a 51, 136 a 145, 152 a 155 verso, 158 a 166, 187 a 215 e 292 a 294 e o depoimento das testemunhas e em particular de AMCC que confessa que participava na gestão da executada originária, tomando decisões na sua gestão corrente).
Com relevância para a decisão da causa, julga-se não provado:
1 - O oponente não exerceu a gerência da executada originária enquanto foi seu gerente (fls. 20 a 27, 47 a 51, 136 a 145, 152 a 155 verso, 158 a 166, 187 a 215 e 292 a 294, a confissão feita pelo oponente na resposta à contestação, na parte em que confessa em que assinava os documentos em representação da executada originária e depoimento das testemunhas, em particular de AMCC na parte em declara que o oponente assinava os documentos da executada originária que fossem necessários).

3.1.1 – Motivação.
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos, conjugados com as regras da experiência e atendendo ao depoimento das testemunhas inquiridas em audiência contraditória.
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos” (art. 341.º do Código Civil (CC)).
A prova da gerência da executada originária é da administração tributária e da Fazenda Pública e compulsados os factos alegados e toda a prova produzida, quer a do oponente quer a da administração tributária e Fazenda Pública, o tribunal ficou convencido que o oponente foi gerente da executada originária desde 01/09/2009 a 01/09/2010 e a partir de 03/04/2013 e exerceu a sua gerência nesses períodos, motivo pelo qual julgou provada a matéria de facto da alínea B) e não provada a matéria de facto do ponto 1.
A convicção do tribunal está sustentada na prova documental junta aos autos que comprova que o oponente assinava documentos em representação da executada originária e na qualidade de seu gerente, o que comprova a prática de atos de gestão corrente da executada originária, designadamente contratos (contratos de arrendamento, contrato de cessão posição contratual em contrato de compra e venda de carteira de clientes, contratos de compra e venda de veículos automóveis), documentos bancários (abertura das contas em nome da executada originária que permitiu que posteriormente fossem utilizadas pela empresa e que no caso do Banco P… fosse movimentada por AMCC por procuração, conforme documentos juntos aos autos e depoimento da testemunha MJOA) e procuração (na qualidade de gerente da executada originária) a conferir poderes de representação a AMCC, conforme documentos juntos aos autos.
Além desses documentos do registo comercial resulta que entre 01/09/2009 e 01/09/2010 a executada originária vinculava-se com a intervenção conjunta dos dois gerentes nomeados à executada originária, isto é, com a assinatura do oponente e de SSD que eram, os únicos gerentes da executada originária.
A partir de 03/04/2013, a executada originária passou vincular-se com a assinatura do gerente e o oponente era o seu único gerente nomeado a partir dessa data (“Levando em consideração que o opoente era o único gerente da empresa e que a sua assinatura obrigava a mesma, legítimo será presumir (presunção judicial baseada nas regras da experiência - artº.351, do C.Civil) o exercício continuado dos poderes de administração e representação de que era titular face à mesma sociedade.” – Acórdão do Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, de 31/10/2013, processo n.º 06732/13, disponível em www.dgsi.pt).
Logo, quer naquele período, quer a partir de 03/04/2013, a intervenção do oponente era absolutamente indispensável para vincular a executada originária pelo que a sua intervenção na gestão da executada originária era indispensável para a obrigar.
Estes factos corroboram a constatação que a oponente participava na gestão efetiva da executada originária quando assinava os documentos que a vinculavam, factos que são corroborados pelos documentos juntos aos autos e pelos depoimentos de LFAM e, em particular, de AMCC (que declarou que os gerentes da executada originária assinavam os documentos que ele pedia e que eram necessários para vincular a empresa) e pela própria confissão (arts. 352.º, 358.º, n.º 1, 360.º e 361.º do CC) do oponente na resposta à contestação.
Apesar do oponente alegar que não participava na gestão da executada originária que era assegurada por AMCC, que era o dono e gerente efetivo da empresa, e que só aceitou ser gerente da executada originária por razões de mera conveniência, acedendo a um pedido daquele seu ex-patrão para figurar como gerente da sociedade, o tribunal não considerou tal facto suficiente para excluir o oponente da gerência da executada originária.
Desde logo, porque o oponente sabe e tem consciência dos efeitos da sua nomeação como gerente da executada originária, não podendo alegar que era totalmente alheio à tomada de decisões da executada originária, porque sabia que enquanto seu gerente recaía sobre si a responsabilidade pelos destinos da sociedade, sobretudo sabendo que assinava documentos que a vinculavam e que eram essenciais à sua atividade.
Por outro lado, a gerência da executada originária era assegurada pelo oponente e pela gerência de facto de AMCC, conforme resulta do seu depoimento e das restantes testemunhas e dos documentos juntos aos autos, que demonstram que a intervenção do oponente era imprescindível para vincular a sociedade (porque a partir de 03/04/2013 era o seu único gerente e a pessoa com poderes para a vincular) e porque teve intervenção direta em diversos atos de gestão da executada originária (quando assinou os contratos e demais documentos legais em representação da sociedade, vinculando-a com a sua intervenção, mesmo que a pedido de AMCC, porquanto não deixam de ser atos de gestão na medida em que representam uma ratificação da decisão tomada pelo gerente de facto, já que sendo o oponente o único gerente da executada originária a sua intervenção é obrigatória para vincular a sociedade).
Este tribunal entende que a gestão de facto assegurada por AMCC não é bastante para excluir a gerência do oponente. Por um lado, porque a sua intervenção era imprescindível para vincular a sociedade. Por outro lado, porque há diversos atos de gestão da executada originária realizados pelo oponente quando assina contratos e demais documentos em representação da executada originária e que a vinculam, participando assim nos destinos efetivos da sociedade a par de outras decisões e atos praticados por AMCC.
O tribunal poderia ponderar a eventual falta do exercício efetivo da gerência da executada originária pelo oponente se este apesar de ter sido nomeado seu gerente não tivesse efetivamente participado em qualquer ato de gestão da executada originária. A partir do momento em que o oponente é gerente da executada originária e participa em atos de gestão da executada originária quando a vincula em contratos outorgados por si em representação da executada originária e na qualidade de seu gerente, o oponente está a exercer a gerência da executada originária.
Não obstante a gerência da executada originária também ser assegurada, de facto, pela intervenção ativa de AMCC, a gerência deste gerente de facto não afasta, impede ou exclui a gerência do oponente, tanto mais que sendo a sua intervenção indispensável para vincular a executada originária os atos e decisões de AMCC tinham de ser ratificadas e tomadas também pelo oponente, sob pena de não a vincular.
A intervenção de AMCC na gerência de facto da executada originária, não exclui a gerência efetiva do oponente. A gerência de facto de AMCC responsabiliza-o, a par do oponente, pela gestão da executada originária e faz com que a sua gestão fosse assegurada por ambos e não apenas por AMCC.
Do depoimento de LFAM resulta que apesar de contactar com AMCC para tratar dos assuntos da executada originária que a representava de facto, reconhece que tinha de haver de certeza atos de gerência praticados pelo oponente enquanto gerente da sociedade para a vincular, o que corrobora os documentos assinados pelo oponente na qualidade de gerente da executada originária e em sua representação, bem como o depoimento de AMCC na parte em que afirma que havia documentos da empresa que eram assinados pelo oponente na qualidade de gerente e em sua representação e mesmo que a seu pedido consubstanciam atos de gerência da executada originária.
O depoimento das restantes testemunhas na parte em que afirmam que o oponente não participava na gerência da executada originária é infirmado quer pelos documentos assinados pelo oponente na qualidade de gerente e em representação da executada originária, quer pelo depoimento de AMCC que afirma o contrário.
Mesmo no caso de MJOA apesar de dizer que AMCC movimentava a conta do Banco P… como procurador da sociedade, a ficha de assinaturas da conta bancária estava assinada pelo oponente, enquanto gerente da executada originária, pelo que a movimentação dessa conta estava dependente desse ato prévio.
Daqui resulta que o tribunal ficou convencido que ainda que com a intervenção e participação de AMCC, o oponente exerceu a gerência da executada originária de 01/09/2009 a 01/09/2010 e a partir de 03/04/2013, motivo pelo qual julgou provada a matéria de facto da alínea B) e a contrario não provada a matéria de facto constante do ponto 1, porquanto a prova produzida revela que o oponente exerceu de facto a gerência da executada originária naqueles períodos e infirma os factos contrários, alegados pelo oponente, que constam da matéria de facto julgada não provada, por ter sido feito prova do contrário.
Para além desta prova coloca-se ainda a questão da gerência por procuração.
O oponente e SSD outorgaram uma procuração a AMCC em 10/11/2009 a quem conferiram os poderes de representação da gerência da executada originária.
AMCC utilizou essa procuração, entre outros atos, para movimentação da conta do Banco P… conforme resulta dos documentos juntos aos autos e das declarações dele próprio e da testemunha MJOA.
Essa procuração tendo sido passada em novembro de 2009, no período em que a sociedade vinculava-se com a assinatura conjunta do oponente e SSD pelo que a procuração é válida para esse período de gerência que se estendeu até setembro de 2010.
No entanto, se se entender que a procuração é válida para além desse período e no período em que algum dos outorgantes é gerente da executada originária e a assinatura de um deles é suficiente para vincular a sociedade, como sucede com o oponente a partir de 07/05/2013, os atos praticados por AMCC têm de ser considerados como atos de gestão praticados pelo oponente.
Apesar desta questão ser discutida na jurisprudência, este tribunal entende que a gestão realizada por procuração tem de ser considerada como gerência realizada pelo mandante, isto é, pelo oponente, sobretudo porque em situações como a dos autos em que a sociedade para vincular-se precisa necessariamente da assinatura e intervenção do gerente nomeado, não se vislumbra como é que o gerente sabendo que é a única pessoa com poderes para vincular a sociedade e sabendo que ela está em pleno exercício da sua atividade, como é que ele pode, na qualidade de gerente, constituir um procurador a quem confere os seus poderes de gerência e depois vir dizer que não tem qualquer intervenção na gerência da sociedade porque constitui um procurador, quando também sabe que pela procuração o ato ou negócio jurídico realizado pelo representante em seu nome, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na sua esfera jurídica (art. 258.º do CC).
Por isso este tribunal adere aos fundamentos da doutrina e da jurisprudência que entende que a gerência exercida por procuração consubstancia uma verdadeira gerência de facto e donde não pode deixar de salientar-se o acórdão do Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, de 31/10/2013, proferido no processo n.º 06732/13, disponível em www.dgsi.pt, que considerou:
Não se olvida que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13).
Analisando, agora, a matéria de facto provada e aditada ao probatório (cfr.nºs.14 e 15 da factualidade provada), deve constatar-se que foi produzida prova da gerência de facto por parte do opoente. Assim é, porquanto, da factualidade provada se retira que o opoente praticou actos de representação (cfr.passagem de procuração a favor de terceiro; entrega de declaração junto da A. Fiscal), da sociedade “C…….. - Empresa ……………….. L.da.”, fazendo apelo à distinção doutrinária mencionada supra.
A juntar ao acabado de mencionar, dois outros vectores se sublinham e que corroboram no mesmo sentido:
1-A jurisprudência e doutrina, com a qual concordamos, tem vindo a ser uniforme no sentido de que, na situação existente nos presentes autos (presença de procuração passada a favor de terceiro), deve entender-se que o administrador ou gerente exerceu a gerência de facto, mesmo que não tenha tido qualquer intervenção pessoal na vida da empresa, para além de nomeação de um procurador para o substituir (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/3/1995, rec.18448; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/2/1997, rec.20946; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/7/1997, rec.21502; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/5/1998, rec.19698; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 21/5/2013, proc.6620/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.473);
2-Por outro lado, levando em consideração que o opoente era o único gerente da empresa e que a sua assinatura obrigava a mesma, legítimo será presumir (presunção judicial baseada nas regras da experiência - artº.351, do C.Civil) o exercício continuado dos poderes de administração e representação de que era titular face à mesma sociedade (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13).
Aqui chegados, deve concluir-se que, no caso concreto, a Fazenda Pública estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente, ao abrigo do artº.24, nº.1, da L.G.T., perante a verificação da gerência de facto, ou seja, do exercício real e efectivo do cargo por parte do mesmo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/3/2009, rec.709/08; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12).”.
Também não pode deixar de salientar-se, mais recentemente, o douto acórdão do Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, de 11/10/2017, proferido no processo n.º 02830/11.9 BEPRT, disponível em www.dgsi.pt, que considerou: “A gerência realizada através de procuração dos gerentes a terceiro, porque os actos praticados pelo mandatário se reflectem na esfera jurídica do mandante, tem de considerar-se gerência de facto, verificando-se que o Recorrente admite que a sociedade terá desenvolvido o seu giro normal em função da actividade do identificado mandatário, tendo como pano de fundo a procuração outorgada pelo Recorrente, o que significa que os elementos presentes nos autos permitem a conclusão de que o ora Recorrente foi gerente de facto da sociedade, sendo que os elementos que o mesmo aponta no sentido de afastar a sua ligação à sociedade não apresentam qualquer valor na medida em que existia um terceiro por si mandatado para o efeito e que protagonizava todos esses actos, além de que o entendimento de que a mera emissão de procuração desresponsabilizaria o oponente conduziria ao afastamento deliberado e unilateral da responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores de empresas ou sociedades de responsabilidade limitada pois, continuando embora gerentes ou administradores de direito, facilmente afastariam a responsabilidade subsidiária outorgando procuração para o exercício de tais funções, ou seja, estava assim encontrada a fórmula legal para beneficiar de uma actividade sem ter de arcar com os correspondentes riscos.”.
O exercício da gerência por procurador não pode por isso afastar o exercício da gerência do representado, sobretudo em situações como a dos autos em que ele é o único gerente com poderes para representar a sociedade.
Ao invés, o exercício da gerência por procuração serve para responsabilizar o procurador enquanto gerente de facto da executada originária, a par do seu representado.
Por isso, este tribunal entende também que os atos praticados por AMCC como procurador do oponente são atos de exercício da gerência de facto do oponente.
Sem prejuízo, o exercício da gerência do oponente decorre ainda dos restantes atos invocados praticados por si próprio, nos termos acima referidos.
A restante matéria de facto alegada pelas partes, o tribunal não a julgou provada ou não provada, por constituir alegação conclusiva ou de direito ou por ser irrelevante para a decisão da causa, conforme resultará da fundamentação de direito.”
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que a questão sucitada pelo Recorrente resume-se, em suma, em em saber se o mesmo exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.
Na sentença recorrida, foi entendido, além do mais, que:
“…
A administração tributária demonstrou que o oponente participava na gerência da executada originaria quando assinava documentos que a vinculava e sendo ele, no período em causa nestes autos o único gerente da executada originaria, a sua intervenção era imprescindível para a atividade da sociedade ainda que a par e conjuntamente com AMCC que também exercia a gerência de facto e tomava decisões de gestão da empresa que também eram subscritas pelo oponente quando assinava os documentos em sua representação e que a vinculavam.
Apesar de haver decisões de AMCC que podiam não ser ratificadas ou subscritas pelo oponente, ainda assim não pode dizer-se que o oponente não participava na gerência da executada originária, porque há atos de gestão praticados por si e sendo ele o único gerente da executada originária no período de pagamento das dívidas revertidas não pode dizer-se que ele não exercia a gerência até porque há documentos assinados por si na qualidade de gerente da executada originária e em sua representação contemporâneos desse período e depois dele: agosto e outubro de 2013 e fevereiro de 2014 (matéria de facto julgada provada em D)).
O oponente só teria razão se tivesse demonstrado que apesar de ter sido nomeado gerente efetivamente não participou em nenhum ato de gestão da sociedade.
Como a administração tributária e a Fazenda Pública demonstraram que o oponente era gerente e exercia a gerência da executada originária na data de constituição das dívidas revertidas e na data do seu pagamento ou entrega, o órgão de execução fiscal podia reverter os processos de execução fiscal contra ele por se verificar tal pressuposto legal da reversão (arts. 23.º e 24.º, nº 1, alínea b), da LGT). …”.
Nas suas alegações, o Recorrente aponta que dos documentos assinados pelo Oponente mencionados na, aliás, douta sentença recorrida, 3 (uma procuração a favor de AMCC e fichas de abertura de conta em dois bancos) referem-se a período de gerência anterior ao que aqui está em causa e quanto aos documentos assinados pelo Oponente a partir de 3.4.2013, os mesmos resumem-se, tanto quanto consta do processo, a dois contratos de arrendamento celebrados no mesmo dia (referentes a duas fracções autónomas do mesmo prédio), dois documentos de registo automóvel relativos ao mesmo veículo (um para extinção da reserva de propriedade e outro para a sua venda) e uma adenda a um contrato de compra e venda de carteira de clientes, ou seja, no fundo, a mais três intervenções.
Por outro lado, da prova testemunhal produzida resulta claramente que quem, de facto, era dono e gerente da sociedade devedora originária era a testemunha AMCC, o qual conduzia sozinho os destinos da sociedade solicitando a intervenção das pessoas que foram figurando no registo como gerentes da sociedade quando tal se revelava indispensável, sendo que estas pessoas assinavam sem ver o que este lhes dava para assinar e isso mesmo consta em parte da, aliás, douta sentença recorrida e, de forma inequívoca, resulta do depoimento das testemunhas inquiridas na audiência de 18.1.2017 LFAM (cf. minutos 6:45, 9:00, 11:00, 13:30 e 14:30 da gravação da audiência), MJOA (cf. minuto 27:20 da gravação da audiência), AMCC (cf. minutos 35:50, 39:15, 44:00, 45:00, 47:50, 49:00, 50:00, 51:00, 1:08:15 e 1:22:00 da gravação da audiência), SMAO (cf. minutos 1:30:30, 1:36:45, 1:37:30 e 1:39:40 da gravação da audiência) e SANFN (cf. minutos 1:47:00, 1:48:20 e 1:49:40 da gravação da audiência).
Daí que, no caso concreto, a gerência de facto apenas tenha sido exercida pelo Senhor AC, como, aliás, ele assume plenamente e o Oponente sempre foi comercial da sociedade devedora originária, tendo-se os seus actos de gerência limitado a assinar cegamente os escassos documentos que aquele Senhor AC lhe dava a assinar, não se podendo daí extrair que foi, de facto, gerente da sociedade devedora originária.
Por outro lado, é inaceitável falar-se, no caso dos autos, de uma gerência por procuração, dado que, a procuração em apreço foi outorgada pelo Oponente e por SSD em 10.11.2009, altura em que ambos eram gerentes da sociedade devedora originária e esta se obrigava com a assinatura de ambos os gerentes e, entretanto, em 1.9.2010, o Oponente e a S… deixaram de ser gerentes da sociedade devedora originária, passando a ocupar tal cargo MFBC, cuja assinatura obrigava a sociedade, ou seja, a procuração em apreço extinguiu-se por ter cessado a relação jurídica que lhe servia de base (art. 265º nº 1 CC).
De qualquer modo, a existência da procuração em apreço, emitida, como foi neste caso, sem o propósito do Oponente controlar ou condicionar a actividade do procurador (o inequívoco gerente de facto, AC), joga, até, em sentido contrário ao considerado pelo Mmo. Juiz a quo, antes devendo conduzir à desresponsabilização do Oponente, pelo que, deverá ser alterada a decisão da matéria de facto por forma a dar como não provado que o Oponente exerceu, de facto, a gerência da executada originária de 01/09/2009 a 01/09/2010 e a partir de 03/04/2013 e a dar como provado que este não exerceu, de facto, essa gerência da executada originária enquanto foi seu gerente de direito.
Com referência a este último elementos, cremos que a forma de o Recorrente questionar a decisão do Tribunal a quo em sede de matéria de facto não é a mais feliz, estando a sua pretensão nesta sede está condenada ao insucesso, na medida em que aquilo que se reclama é a consagração da sua análise da situação em apreço, o que comporta matéria essencialmente conclusiva em função dos elementos constantes dos autos e, como tal, insusceptível de ser integrada no probatório, pois que é evidente o carácter conclusivo da alegação, que de algum modo acompanha a técnica também pouco feliz utilizada pelo Tribunal a quo ao nível do exposto no probatório bem como ao nível da motivação (não se vislumbra a pertinência de citações jurisprudenciais para que determinado facto seja considerado como provado ou não provado), o que significa que neste domínio teremos de considerar os vários elementos valorizados pelo Tribunal a quo e proceder à sua integração em função da crítica dirigida à decisão recorrida.
A partir daqui, importa voltar a nossa atenção para a questão essencial apontada nos autos, sendo que nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.
Ora, sendo as dívidas exequendas provenientes de dívidas de, respectivamente, IRS, retenção na fonte, de Julho de 2013, IRS, retenção na fonte, de Agosto de 2013, juros de mora de IVA, de Abril de 2013, e juros de mora de IVA, de Maio de 2013, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
Ora, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.
Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.
Perante o que fica exposto, e que traduz o real enquadramento da matéria em apreço, é ponto assente que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.
Aliás, como se aponta no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 16-10-2013, Proc. nº 0458/13, www.dgsi.pt, onde se ponderou que: “… De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
E sendo um acto administrativo tributário, aquele despacho está sujeito a fundamentação, dado até o princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (nº 3 do art. 268º da CRP) densificado, no caso, no nº 4 do art. 23º e nº 1 do art. 77º da LGT. Daí que, enquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (De acordo com o disposto neste nº 4 do art. 23º da LGT «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).
Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
É que, como se exara no acórdão de 31/10/2012, da Secção do Contencioso Tributário deste STA, processo nº 0580/12, «não … parece, porém, … que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário» (No mesmo sentido ver também o acórdão de 23/1/2013, processo nº 0953/12.) sendo que, em caso de discordância, o revertido sempre poderá exercer o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT); (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT). …”.
Ora, como se colhe do aresto agora descrito, não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, o que significa que, no caso de reacção do visado (leia-se oposição), a AT terá então, no desenvolvimento do processo, de afirmar esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efectivo exercício da gerência.
Como já ficou dito, o Tribunal a quo entendeu que a administração tributária demonstrou que o oponente participava na gerência da executada originaria quando assinava documentos que a vinculava e sendo ele, no período em causa nestes autos o único gerente da executada originaria, a sua intervenção era imprescindível para a atividade da sociedade ainda que a par e conjuntamente com AMCC que também exercia a gerência de facto e tomava decisões de gestão da empresa que também eram subscritas pelo oponente quando assinava os documentos em sua representação e que a vinculavam.
Será assim?
Neste âmbito, o estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa, verificando-se que a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos arts. 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (Ac. deste Tribunal de 08-05-2012, Proc. nº 5392/12).
É no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).
Naturalmente, não se olvida que tal matéria deixou de ser suficiente para o preenchimento desse fundamento da gerência efectiva ou de facto, pelo que só fundada nessa nomeação não poderia haver lugar à reversão da execução contra o ora Recorrido ao abrigo do disposto no art. 24º da LGT, antes tendo a mesma de ter praticado em nome e por conta dessa sociedade alguns dos actos típicos que normalmente por eles são praticados, em que se consubstanciam os poderes de representação e de exteriorização da vontade do ente colectivo - cfr. arts. 390º e segs do CSC.
Nesta sequência, considerando a realidade vertida no probatório e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável atrás definido, pode dizer-se que os elementos relevados pelo Tribunal a quo não permitem a conclusão de que o ora Recorrente foi gerente de facto da sociedade.
Desde logo, o facto de o ora Recorrente ser o único gerente da sociedade executada, não constitui um argumento assim tão decisivo, na medida em que, se bem que se afigure compreensível que se postule a necessidade da respectiva intervenção no que concerne ao giro comercial normal da executada originária, tal apenas é legítimo, no entanto, à luz do enquadramento legal aplicável, nada impedindo, de facto, que ela exerça a actividade para que se constituiu, negociando com clientes e fornecedores, sem o acatamento da aludida prescrição estipulada no pacto e que, como é sabido, inúmeras vezes é desconhecida daqueles que entram em relações comerciais com as empresas que assim operam.
Ou seja e dito de outra forma, a circunstância do pacto estipular a necessidade da assinatura de um ou mais sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, sendo certo que tal conduta apenas se reflecte ao nível da sua responsabilidade perante aqueles e, por consequência, se e na medida em que não cumpra os acordos e transacções comerciais que tenha celebrado, ou seja, nada garante que a situação se tenha desenvolvido nos termos sugeridos pela decisão recorrida, de modo que, apesar do exposto, não se pode concluir decorrer uma qualquer presunção natural de que o ora Recorrente exerceu a gerência da sociedade executada.
Isto porque a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139.
Com este pano de fundo, quando se analisam as intervenções relevadas pelo Tribunal a quo, avolumam-se as razões para colocar em crise o exposto na decisão recorrida, pois que, sendo o objecto da empresa inspecção médica, medicina do trabalho, higiene e segurança, deparamos com dois contratos de arrendamento celebrados no mesmo dia (referentes a duas fracções autónomas do mesmo prédio), em que o arrendatário é o várias vezes nomeado AMCC, dois documentos de registo automóvel relativos ao mesmo veículo (um para extinção da reserva de propriedade e outro para a sua venda) em que está em causa a transmissão de um veículo para uma sociedade com sede na mesma morada e cujo sugestivo nome (CCFIMT - SST, Lda.) indicia que se trata de empresa com o mesmo objecto social e em que a sua representante (AMBC) é filha do AMCC e uma adenda a um contrato de compra e venda de carteira de clientes, em que está em causa uma cessão da posição contratual a favor da mesma CCFIMT, mais uma vez representada pela filha do AMCC.
Nesta sequência, e quando se analisa o discurso da decisão recorrida - o oponente participava na gerência da executada originaria quando assinava documentos que a vinculava e sendo ele, no período em causa nestes autos o único gerente da executada originaria, a sua intervenção era imprescindível para a atividade da sociedade ainda que a par e conjuntamente com AMCC que também exercia a gerência de facto e tomava decisões de gestão da empresa que também eram subscritas pelo oponente quando assinava os documentos em sua representação e que a vinculavam - temos por adquirido que algo não se enquadra em todo este processo.
Pois bem, já sabemos que o Tribunal a quo valorizou de forma particular o depoimento do AMCC que, para além daquilo que é destacado na decisão recorrida, também apontou que a sociedade devedora originária "é a minha empresa, foi criada por mim"; que por ser seu gerente de facto, todas as suas dívidas foram revertidas contra si, facto que ele não contestou; que sempre foi ele quem mandou na empresa, que "a gestão foi sempre só minha"; que pediu a pessoas mais próximas para fazerem o favor de figurarem como gerentes da sociedade pelo facto de ele ter tido um problema pessoal que impedia a sociedade de ter financiamentos bancários e que perante um pedido destes as pessoas em questão não tinham como lhe dizer que não; que em alguns documentos teve que haver a assinatura dos gerentes que constavam do registo e que estes assinavam o que pedia sem fazer perguntas porque havia total confiança; que o Oponente era comercial da empresa e nunca decidiu nada”.
Pois bem, quando se analisa este depoimento, na sua globalidade, crê-se que, finalmente, se encontra o fio condutor para todo este processo, nomeadamente com referência às intervenções protagonizadas pelo Recorrente e que constam do probatório.
Na verdade, é possível agora, sem colocar em crise o valor que o Tribunal a quo conferiu ao depoimento de AMCC apreender a razão de ser do aparecimento do ora Recorrente neste processo, impondo-se sublinhar que o mesmo era comercial da empresa e assinou os documentos que o AC determinou.
Deste modo, é manifesto que o ora Recorrente limitou-se, na sequência da gerência nominal, a habilitar o seu empregador, sempre que este o solicitava, a subscrever os documentos presentes nos autos e porventura outros sem qualquer intenção/consciência de participar na vida da sociedade, ou seja, sem o necessário animus no sentido da afirmação de algo susceptível de ser integrado no exposto no parágrafo anterior.
Aliás, só assim se compreende que os actos apurados nos autos se traduzam apenas numa óbvia tentativa de salvaguardar elementos do património da sociedade devedora aparentemente afectada pelo tal problema pessoal que envolvia o AMCC que, nessa sequência, se servia de pessoas próximas para prosseguir a sua actividade, sendo muito significativo que os actos ligados ao Recorrente não tenham qualquer relação com aquilo que é objecto social da empresa mas com matéria em que se sugere uma tentativa de salvaguardar património da sociedade devedora originária de forma controlada através da intervenção do próprio AMCC e de uma empresa representada por uma sua filha.
Mas mais.
Quando se percorre a decisão recorrida, verifica-se que na sua motivação se alude à matéria da gerência por procuração, tendo em conta que o ora Recorrente e SSD outorgaram uma procuração a AMCC em 10/11/2009 a quem conferiram os poderes de representação da gerência da executada originária, colocando o Tribunal a quo a possibilidade de a procuração ser válida para além de um primeiro período em que o ora Recorrente figurou como gerente da sociedade devedora originária e que se estendeu até Setembro de 2010.
Ora, mais do que se limitar a considerar esta hipótese (que o art. 265º nº1 claramente afasta), o Tribunal a quo deveria ter ponderado o seu teor em termos globais, nomeadamente quando os seus subscritores começam por conceder ao AMCC todos os poderes necessários para ceder, pelo preço e condições que entender convenientes, as quotas no valor nominal de vinte e cinco mil euros, cada uma, titulada em nome de cada um, na sociedade devedora originária, seguindo-se então os poderes valorizados pela decisão recorrida.
Pois bem, independentemente de este elemento ser irrelevante para a matéria dos autos, dado que, a aludida procuração tem de considerar-se extinta nos termos do art. 265º nº1 do C. Civil no momento em que o Recorrente deixou de ser sócio da sociedade (a quota passou para a filha do AC - MFBC, que também assumiu a gerência) e cessou as funções de gerente, não podendo ser utilizada nesta altura em que está em causa a actividade do Recorrente como gerente a partir de Maio de 2013, não pode deixar de notar-se o modus operandi do AMCC que, serviu-se do Recorrente e de outra pessoa para lograr os seus objectivos de conduzir os destinos da empresa, nunca abdicando desta situação, instrumentalizando o Recorrente na consecução do seu objectivo.
Assim sendo, a segunda aventura do Recorrente nesta sede não trouxe qualquer novidade neste âmbito, impondo-se notar que existia uma relação laboral e, nesta medida, uma óbvia relação de dependência que, naturalmente, facilitou a decisão do ora Recorrente em aceder ao pedido do seu empregador, subscrevendo os documentos que este lhe apresentava para assinar, mas sem qualquer intenção/consciência de participar na vida da sociedade, ou seja, sem o necessário animus no sentido de ter voz activa na vida da sociedade, a não ser porventura na preservação do seu posto de trabalho.
A partir daqui, analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte do ora Recorrente, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a Fazenda Pública, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.
Na realidade, ainda que assim não tenha sucedido, temos por inexorável a ilação de que, pelo menos, fica uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte do ora Recorrente, de modo que, competindo à AT o ónus probatório do exercício efectivo da administração por parte do ora Recorrido, a tal título, como responsável subsidiário, e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente de facto ou judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a AT, havendo assim que conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a oposição à execução fiscal.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, nesta sequência, julgar procedente a presente oposição à execução fiscal e, deste modo, extinta a execução no que concerne às dívidas apontadas (dívidas de, respectivamente, IRS, retenção na fonte, de Julho de 2013, IRS, retenção na fonte, de Agosto de 2013, juros de mora de IVA, de Abril de 2013, e juros de mora de IVA, de Maio de 2013, no valor de €433,98, €760,82, €26,21 e €31,51).
Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
Notifique-se. D.N..
Porto, 18 de Outubro de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos