Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02551/18.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/05/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:RECURSO; CONTRAORDENAÇÃO; TEMPESTIVIDADE;
Sumário:I. O prazo fixado para a dedução da ação, porque aparece como extintivo do respetivo direito (subjetivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, é um prazo de caducidade.

II. A caducidade do direito de ação é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria que se encontra excluída da disponibilidade das partes (cfr. artigo 333.º do C.Civil). É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma exceção perentória que, nos termos do artigo 576.º, n.º 3, do C.P.Civil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento de meritis e a consequente absolvição oficiosa do pedido.

III. O requerimento de interposição de recurso deve ser apresentado no Serviço de Finanças onde tiver sido instaurado o processo de contraordenação, no prazo de vinte (20) dias contados da data de notificação da decisão de aplicação de coima, atento o disposto no artigo 80.º, n.º 1, do RGIT.

IV. A contagem do prazo de vinte dias de que o arguido dispõe para interpor recurso (artigo 80.º, n.º, 1 do RGIT) faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.

V. Terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no artigo 279.º, alínea e), do CC. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:R., Lda
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

1.1. R., Lda, devidamente identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 19.10.2018, que rejeitou liminarmente o recurso de contraordenação, com fundamento na respetiva intempestividade.

A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«1.ª A Recorrente foi notificada da decisão de aplicação da coima no processo de contra ordenação n.º (…), no dia 20-07-2018.
2.ª No dia 11-09-2018 a Recorrente interpôs recurso da decisão e aplicação a coima no referido processo, e da decisão de aplicação de 63 coimas relativas a outros processos instaurados contra a arguida relativos à mesma infração.
3.ª Pese embora a Recorrente tenha sido notificada da decisão de aplicação de coima referente aos processos de contra ordenação e de que dispunha do prazo de 20 dias contados da notificação, para efetuar o pagamento ou recorrer da mesma, a verdade é que a legal representante da mesma estava convicta que o prazo se suspendia em férias judiciais e terminava o prazo de interposição dos recursos no dia 28-09-2018;
4.ª Isto porque, a Autoridade Administrativa incorreu em erro ao informar a legal representante da arguida/Recorrente que deveria interpor o recurso até ao dia 28-09-2018, conforme o doc. 2 que ora se junta.
5.ª A Recorrente junta com o presente recurso o referido documento por se ter apercebido da necessidade da apresentação do mesmo após a prolação da douta sentença proferida nos autos;
6.ª Sendo que, da leitura da douta sentença proferida a fls…, resulta patente que o prazo de recurso não se suspendia em férias judiciais.
7.ª A errada indicação do termo do prazo para recorrer judicialmente impossibilitou a arguida/Recorrente de reagir contenciosamente contra uma decisão sancionatória da Autoridade Administrativa;
8.ª Tal impossibilidade constitui, pois, uma violação do direito à tutela jurisdicional, consagrada no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa;
9.ª Assim, entende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por não ter sido relevado o doc. 2, que ora se junta.
10.ª Acresce que, no dia 11-09-2018 a arguida/Recorrente interpôs recurso contra 64 processos de contraordenação instaurados contra a mesma com base na mesma infração e encontravam-se na mesma fase administrativa (Doc. 3, já junto ao autos).
11.ª Nos recursos interpostos, a arguida fez referência há pendência dos referidos processos de contraordenação.
12.ª Ora, a falta de aplicação do regime concurso obstava ao conhecimento do mérito do recurso por não ter sido realizada a apensação dos processos de contraordenação que correm contra a mesma arguida e que estão na mesma fase processual nos termos do artigo 25.º do RGIT, para a fixação de uma coima única.
13.ª Face a este meio de prova, a sentença impugnada deveria ter decidido em sentido diverso do que o fez.
14.ª Por tudo, ao decidir como decidiu, o Insigne Tribunal Recorrido violou as normas previstas nos artigos 32.º, n.º 10 da CRP, 25.º, 63.º e 79.º todos do RGCO.».

1.3. Não foram apresentadas contra alegações.

1.4. Os autos foram com vista ao DMMP que emitiu douto parecer, concluindo pela improcedência do presente recurso.


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Nos termos do artigo 75º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS), aplicável ex vi, da alínea b), do artigo 3.º, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.
Não obstante, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP), aplicável por força do artigo 74.º, n.º 4 do RGIMOS), exceto quanto aos vícios de conhecimento oficioso.
No caso, a questão suscitada pela Recorrente consiste em saber se ocorre o invocado erro de julgamento na decisão que julgou caducado o direito de ação e rejeitou liminarmente o recurso de contraordenação.
Previamente, porém, cumprirá apreciar a admissibilidade da prova documental apresentada com as alegações de recurso.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO

A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«1) A ora Recorrente foi notificada da decisão de aplicação da coima no processo de contraordenação n.º (…) por transmissão eletrónica de dados, tendo a entrega do documento na sua caixa postal eletrónica ocorrido em 20/07/2018, considerando-se a Recorrente notificada no dia 25/07/2018 – (cfr. informação do Serviço de Finanças a fls. 18 e doc. de fls. 23, ambos do suporte físico dos autos e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos).
2) O presente recurso deu entrada no Serviço de Finanças de (...) 3 em 11/09/2018 – cfr. fls. 7 a 17 do suporte físico dos autos e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos).».

3.2. De Direito

3.2.1. Dispõe o n.º 1, do artigo 627.º que “as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos”, ou seja, o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais e, nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in Recurso no Novo Código de Processo Civil, 2.ª ed., 2014, Almedina, pp. 92 “(…) A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão, determina uma importante limitação ao objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal a quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar as decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo se quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…)“ (destacado nosso).
Assim, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas e não sobre questões novas, salvaguardando-se sempre as questões de conhecimento oficioso.
A conjugação do n.º 1 artigo 640.º e do n.º 1 do art.º 662.º do CPC afasta também a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efetuar um novo julgamento ao fazer recair sobre o recorrente o ónus de indicar, primeiro, os concretos pontos de facto que pretende ver modificados e, segundo, os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre aqueles pontos de facto.
Dito isto, importará conhecer o regime legal que se aplica à junção de documentos, em sede de recurso.
Nos termos do disposto no artigo 425.º do Código de Processo Civil (CPC) “depois de encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.”
Determina, por sua vez, o nº 1 do artigo 651.º do citado normativo que ”as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º do CPC ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.”
Em sede de recurso e de acordo com os normativos acima citados, a junção de documentos assume carácter excecional, só devendo ser consentida nos casos especiais previstos na lei (artigo 651.º, n.º 1, CPC).
Será assim possível, em sede de recurso, as partes juntarem documentos com as alegações, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, em virtude de ter ocorrido superveniência objetiva [documento formado depois de ter sido proferida a decisão] ou subjetiva [documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido]. Vide, entre outros, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 191 e segs.
Como referido supra, a Recorrente juntou documentos com as respetivas alegações de recurso, constituídos por correspondência remetida por correio eletrónico dirigido à legal representante da arguida, acompanhados de listagens de processos, com as seguintes menções:
Junto remeto a listagem dos processos extintos por extracção de dívida em condições de recurso, sendo que por força das férias judiciais tem de interpor até 28/09/2018.
Acho que são 26 e convêm entregar antes dos que estão activos, já para a semana.”.

Junto remeto a listagem dos processos activos em condições de recurso, sendo que por força das férias judiciais tem de interpor até 28/09/2018.
Quanto aos extintos nem deu para consultar, tal é a quantidade de processos.
Da notificação nos termos do artº. 79º, diz que é possível o acesso aos documentos de origem no Portal das Finanças.”.
A decisão recorrida nestes autos foi proferida em 23.10.2018 e os documentos juntos com as alegações têm datas anteriores à da sentença, concretamente 06/07/2018 (a declaração anual IES, junta como doc. 1) e 28.08.2018 (as mensagens de correio eletrónico, juntas como docs. 2 e 3).
Do confronto destas datas resulta que os documentos cuja junção se peticiona foram produzidos em data anterior à decisão recorrida, não sendo, por isso, objetivamente supervenientes.
Haverá, então, que apreciar se se verifica a sua superveniência subjetiva, ou seja, se conhecimento ou apresentação dos documentos apenas se tornou possível depois da decisão ou se a respetiva junção apenas se revelou necessária em virtude do julgamento proferido.
Conforme afirmam Antunes Varela. J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, a lei não abrange, neste último caso, a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da ação (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser preterida (vide Manual de Processo Civil. 2ª ed., pags. 533 e 534).
O advérbio ”apenas”, usado naquela disposição legal, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª instância.
Assim a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam (vide Antunes Varela, RLJ, ano 115.º, pág. 95).
No caso vertente, uma vez que a decisão a quo rejeitou o recurso de contra-ordenação por caducidade do direito de ação, almeja a Recorrente fazer vingar a tese de que cumpriu indicações dadas pela Autoridade Administrativa no que concerne ao termo do prazo para interpor o competente recurso, pelo que não podia contar com a relevância da factualidade que subjazia a tais documentos para a decisão que veio a ser proferida nos autos.
Assim sendo e por considerarmos que a necessidade de apresentação dos documentos em causa resulta da decisão proferida em 1.ª instância, admitimos a junção aos autos dos doc. n.º 2 e 3 que acompanham as alegações de recurso.
Já o doc. 1, por não assumir qualquer relevo para a apreciação da tempestividade do recurso de contraordenação, nem estar demonstrado que apenas se tornou relevante a sua apresentação na sequência da decisão recorrida, não pode o mesmo ser admitido.

3.2.2. Está em causa a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que rejeitou liminarmente o presente Recurso de contraordenação intentado pela arguida, com fundamento na caducidade do direito de ação.
Ora, é contra esta de entendimento que a Recorrente se insurge, alegando, em suma, que “Pese embora Recorrente tenha sido notificada da decisão de aplicação de coima referente aos processos de contra-ordenação e de que dispunha do prazo de 20 dias contados da notificação, para efectuar o pagamento ou recorrer da mesma, a verdade é que a legal representante da mesma estava convicta que o prazo se suspendia em férias judiciais e terminava o prazo de interposição dos recursos no dia 28.09.2018. (...) Se a Recorrente tivesse sido informada pela Autoridade Tributária que o referido prazo terminava no dia 3-09-2018, a Recorrente teria interposto o recurso no prazo indicado. (...)a errada indicação quanto ao termo do prazo para recorrer judicialmente impossibilitou a arguida/Recorrente de reagir contenciosamente contra a decisão sancionatória da Autoridade Administrativa.(...)no dia 11-10-2018 a Recorrente deu entrada no Serviço de Finanças de (...) 3 – de 64 recursos.(...)A falta de aplicação do regime do concurso obstava ao conhecimento do mérito do recurso por não ter sido realizada a apensação dos processos de contraordenação que correm contra a mesma arguida e que estão na mesma fase processual nos termos do artigo 25º do RGIT, para fixação de uma coima única.(...)»
Se bem aquilatamos o alcance das alegações/conclusões de recurso, brande a recorrente contra a sentença a quo o erro de julgamento ancorada na alegação de que, mau grado a entidade recorrida a ter notificado da decisão definitiva de aplicação da coima posta em crise nos autos, a posterior troca de correspondência com os serviços induziram-na em erro quanto ao termo final do prazo para interposição de recurso da decisão de aplicação de coima, pelo que não pode ser por ela prejudicada no seu direito de defesa.
A recorrente dissente, assim, do julgado alegando que apesar de devidamente notificada da decisão de aplicação de coima, na troca de correspondência com a Autoridade Administrativa foi informada de que o prazo terminaria a 28.09.2018, pelo que errou o Tribunal recorrido ao rejeitar o recurso interposto por considerar esgotado o prazo legal para o efeito.
Vejamos.
O prazo fixado para a dedução da acção, porque aparece como extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, é um prazo de caducidade. A caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria (prazos para o exercício do direito de sindicar judicialmente a legalidade do acto tributário) que se encontra excluída da disponibilidade das partes (cfr.artº.333, do C.Civil). É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma excepção peremptória que, nos termos do artº.576, nº.3, do C.P.Civil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento “de meritis” e a consequente absolvição oficiosa do pedido” (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/1/2013, proc.6038/12).
No que concerne, especificamente, ao recurso das decisões administrativas de aplicação de coimas, o requerimento de interposição de recurso visando decisão administrativa de aplicação de coima deve ser apresentado no Serviço de Finanças onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação, no prazo de vinte (20) dias após a data de notificação da decisão de aplicação de coima, atento o disposto no artº.80, nº.1, do R.G.I.Tributárias, sendo o cômputo do referido prazo calculado nos termos do disposto no artº.60, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (aplicável “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.Tributárias), e não sendo tal prazo de natureza judicial, que não se lhe aplicam as regras privativas dos prazos judiciais, como são as constantes dos artºs.138, nº.1, e 139, nº.5, do C.P.Civil, embora se suspendendo aos sábados, domingos e feriados. Por outro lado, terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se o seu termo final para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no artº.279, al.e), do C.Civil (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 1/6/2011, rec.312/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/5/2014, rec.311/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.5770/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2015, proc.8459/15; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.535 e seg.; Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, nº.5, 3ª. edição, 2010, Almedina, pág.145).”
Do probatório resulta que a decisão de aplicação de coima foi notificada à Recorrente através de entrega do documento na sua caixa postal eletrónica no dia 20.07.2018.
Ora nos termos do artigo 39.º, n.º 10, do CPPT, as notificações efetuadas para o domicílio fiscal eletrónico consideram-se efetuadas no 5.º dia posterior ao registo de disponibilização daquelas na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar, estabelecendo o n.º 11 do citado normativo que esta presunção só pode ser ilidida pelo notificado quando, por facto que não lhe seja imputável, a notificação ocorrer em data posterior à presumida e nos casos em que se comprove que o contribuinte comunicou a alteração da sua caixa postal eletrónica.
In casu, do exame da factualidade constante das alíneas 1. e 2. do probatório resulta que a Recorrente foi notificada da decisão de aplicação de coima por transmissão electrónica de dados, em 25/07/2018 (5.º dia posterior ao registo de disponibilização daquelas na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar), sendo que a petição do presente recurso apenas foi remetida o Serviço de Finanças de (...) 3 em 11/09/2018.
Ora, efetuado o cômputo do prazo para interposição do recurso nos termos supra expostos, temos que a data limite para a respetiva interposição, de acordo com as datas de notificação e apresentação supra indicadas, seria o dia 23/08/2018; contudo, porque coincidente com as férias judiciais, o termo final do prazo transferiu-se para o dia 03/09/2018, primeiro dia útil após férias, conforme o preceitua o artigo 279.º al. e) do Código Civil, (neste sentido vide o Acórdão do STA de 28/05/2014 lavrado in rec 0311/14 disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf.)
Resulta, assim, manifesto que o requerimento de recurso é intempestivo, uma vez que na data em que foi apresentado há muito que se esgotara o prazo legalmente fixado para o efeito.
Insiste, ainda assim, a Recorrente na tempestividade do recurso da decisão de aplicação de coima, ancorada na alegação da sua convicção de que tal prazo se suspendia em férias uma vez que a Autoridade Administrativa a induziu em erro ao indicar que o prazo para interposição de recurso terminaria em 28.09.2018.
Todavia, esta alegação não merece acolhimento porquanto se, por um lado, o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém, por outro, os documentos juntos não são admissíveis. Mas ainda que o fossem, sempre se mostrariam imprestáveis para fazer vingar a tese da Recorrente, dado que as menções ali constantes são de natureza genérica, reportam-se a várias listagens extensas de processos que se encontram em distintos estádios, não sendo possível descortinar o objeto e função do pedido que a arguida fizera para que lhe fossem facultados tais elementos e a que processos se destinavam especificamente aquelas menções (controlo do número de processos? controlo das notificações? esclarecimentos quanto a prazos em curso? que prazos e relativos a que processos, 43? 26? ).
Ainda que assim não fosse, certo é que não podia a Recorrente alhear-se do teor da notificação da decisão de aplicação de coima que lhe fora feita no âmbito do processo de contraordenação a que se reporta o recurso em apreço, pois foi ela que definiu e determinou o quadro fáctico-jurídico em que a arguida se tinha que mover na defesa dos seus direitos, concretamente, ali se identificou expressamente o processo de contraordenação a que se reporta, se esclareceu o objeto e função da notificação, se identificou o infrator, se descreveram os factos, se indicaram as normas violadas e punitivas, se fixou a coima, se indicou o montante das custas, os meios e prazos de defesa, bem como, foi feita a advertência de que a arguida deveria efetuar o pagamento ou recorrer da decisão no prazo de 20 dias, sob pena de se proceder à cobrança coerciva.
Por último, alega a Recorrente que tendo interposto recurso em 64 processos de contraordenação instaurados contra a arguida pela prática da mesma infração e que se encontram na mesma fase administrativa a falta de aplicação do regime do concurso obstava ao conhecimento do mérito do recurso por não ter sido realizada a apensação dos processos nos termos do artigo 25.º do RGIT.
Permitimo-nos adiantar que, também neste conspecto, carece a Recorrente de razão porquanto o recurso interposto pela Recorrente contra a decisão de aplicação de coima foi rejeitado liminarmente por extemporâneo. Logo, o recurso não chegou a ser conhecido, ou seja, não foi proferida qualquer decisão de mérito pelo que não faz sentido suscitar a questão concernente à apensação do presente processo a outros que eventualmente estejam em curso.
Finalmente, como se refere no acórdão desta secção de 30.04.2019, proc. 2634/18.8BEPRT, em moldes que merecem a nossa inteira concordância e, por comodidade de exposição, aqui transcrevemos na parte a considerar, «(…) no que tange à impossibilidade de reagir contenciosamente contra uma decisão sancionatória da Autoridade Administrativa constituir uma violação do direito à tutela jurisdicional, consagrada no artigo 32.°, n.° 10, da Constituição da República Portuguesa (CRP), a alegação da Recorrente também não pode proceder.
Na verdade, esse princípio está consagrado na CRP, mas a sua efectivação não é anárquica, está sujeita a regras a estabelecer pelo legislador ordinário, tais como, por exemplo, a do uso do meio processual adequado, do estabelecimento de prazos para esse exercício, ou da necessidade de prévia utilização de meios graciosos.
Posição contrária contenderia com o incumprimento de mais um princípio basilar do nosso contencioso administrativo e tributário - a existência de prazos para fazer uso do processo - com o que se pretende alcançar a segurança jurídica.
O prazo fixado para a dedução da acção, porque extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, é um prazo de caducidade.
O circunstancialismo descrito nos autos não altera a importância do cumprimento desse prazo, uma vez que, como vimos, a menor diligência da Recorrente implicou a ultrapassagem de um prazo de caducidade, sendo-lhe, por isso, imputável. Não esqueçamos que a Recorrente não podia alhear-se do teor da notificação da decisão de aplicação de coima que lhe fora feita no âmbito do processo de contra ordenação a que se reporta o recurso em apreço [cfr. ponto 3 do probatório]. Logo, não podemos falar em violação da tutela jurisdicional efectiva se a Recorrente não procedeu com o cuidado que se impunha, em desrespeito das regras estabelecidas pelo legislador ordinário.».
Na improcedência da totalidade das conclusões de recurso, não merece censura a decisão recorrida.

4. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente e manter a decisão recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Porto, 5 de março de 2020


Maria do Rosário Pais
Ana Patrocínio
António Patkoczy