Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00829/13.0BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/30/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:LEI DO JOGO (DECRETO-LEI N.º 422/89, DE 02.12); IMPORTÂNCIA EXISTENTE NA “CAIXA COMPRADORA”; SALA DIVERSA; N.º 3 DO ARTIGO 64.º DA LEI DO JOGO.
Sumário:1. Impondo no n.º 3 do artigo 64.º da Lei do Jogo (Decreto-Lei n.º 422/89, de 02.12) a observância pela concessionária da existência de determinada importância em cofre da “caixa compradora” duma qualquer sala de jogos, é ilegal e constitui contraordenação que mesma concessionária do jogo, não cumpra tal obrigação legal, não detendo em cofre da “caixa compradora” daquela sala de jogos a verba superiormente fixada e apenas disponha de verba inferior.

2. Também não satisfaz esta exigência legal a existência dessa importância numa qualquer outra sala, ainda que próxima.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:S., S.A.
Recorrido 1:Turismo de Portugal, I.P.
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

S., S.A. veio interpor o presente recurso jurisdicional, da sentença proferida, em 30.05.2014, na presente acção administrativa especial que a Recorrente move contra o Réu, Turismo de Portugal, I.P., pela qual foi julgada improcedente a presente acção e, em consequência, absolvida a Entidade Demandada do pedido com vista â impugnação da deliberação nº 4-10/2013/CJ, proferida em 22.03.2013, pela Comissão de Jogos da Entidade Demandada, notificada no dia 27.05.2013, nos termos da qual foi aplicada à Autora uma multa no montante de 1.000,00€, com fundamento na violação do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 64º e do nº 2 do artigo 130º do Decreto-Lei nº 422/89, de 02.12 (Lei do Jogo), na redacção actual e republicada em anexo ao Decreto-Lei nº 114/2011, de 30.11.

Invocou, em síntese, e para tanto, que a decisão recorrida incorreu em vícios de violação de lei, por desrespeito ao disposto no artigo 44º, nº 1, alínea d), do Código de Procedimento Administrativo (de 1991) e o artigo 64º, nºs 1 e 3, e 2 do artigo 130º, ambos da Lei do Jogo.

Turismo de Portugal, I.P. apresentou contra-alegações em que pugna pela manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

I - Invocada expressa, e devidamente delimitada a questão em sede de alegações apresentadas no âmbito do artigo 91.º n.º 4 do CPTA, exercido o contraditório pela parte contrária, mostram-se devidamente assegurados os seus direitos de defesa que, pelo que face ao disposto no artigo 95.º n.º 2 do CPTA, o Tribunal deve pronunciar-se sobre a causa de invalidade aí suscitada pela ora Recorrente.

II - Com feito, ao contrário da posição adoptada na sentença recorrida, a identificação em juízo de um novo vicio. não implica uma ampliação da causa de pedir (Cfr. anotação ao artigo 95º do CPTA. in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos - Mário Aroso de Almeida - Carlos Alberto Fernandes Cadilha).

III - Um dos argumentos invocados pelo Recorrente, que a douta sentença recorrida não aceitou, prende-se com o facto de entender que não existe qualquer disposição legal que imponha que o cofre tenha de se localizar. exactamente, na caixa compradora ou na área de jogo, e, que estando os quantias em cousa guardadas no cofre forte no piso -l, estava cumprida a exigência prescrita no artigo 64º, n.º 3 da Lei de Jogo, que dispõe que “A caixa compradora deve ter sempre em cofre, no início de cada sessão a importância que for determinada pela Inspecção-Geral de Jogas, ouvidas as concessionários e tendo em conta o movimento dos casinos.", o que constituiu

IV - Ao contrário do concluído na sentença recorrida, o artigo 64.º n.º 3 da Lei do Jogo que o Cofre não impõe que Cofre esteja situado numa sala específica, apenas impondo que quantia fixada apela IGJ esteja, sempre, em cofre, o que constitui o seu desiderato.

V - Aliás. compulsada a sentença recorrida. não se alcança como é que a colocação de parte do valor referente a fichas ausentes no cofre-forte do Casino situado no Piso l, implique ou determine a violação do disposto no artigo 64 0 n' 3 da Lei do Jogo.

VI - Com efeito, não está demonstrado que tal facto diminua a capacidade, ou margem de segurança de satisfação das necessidades correntes do casino ou que seja posto em causa o seu regular funcionamento, nomeadamente. os pagamentos a que haja de proceder-se em consequência directa da prática dos jogos em exploração.

TERMOS EM QUE. NOS MELHORES DE DIREITO, DOUTAMENTE SUPRIDOS POR V. EXCIAS, REQUER-SE A PROCEDENCIA DO RECURSO, COM A CONSEQUENTE SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE DETERMINE A REVOGAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA.
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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

A. O Réu Turismo de Portugal lP é um instituto púbico de regime especial, dotado de capacidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e património próprio – cfr. artigo 1 do Decreto-Lei n.º 141/2007 de 27 de Abril.

B. A Comissão de jogos é um órgão que integra os serviços da Entidade Demandada, que é responsável pela orientação, acompanhamento e supervisão da actividade do Serviço de Inspecção de Jogos (SIJ), assegurando a ligação com o seu Conselho Directivo – cfr. artigo 9 n.º 1 do Decreto-Lei n.º 141/2007 de 27 de Abril.

C. Nos termos do artigo 9.º n.º 3.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 141/2007, de 27 de Abril, à comissão de jogos compete determinar a instauração de processos e aplicação de penalidades por prática de infracções à legislação que disciplina a actividade de jogo, sob proposta do Director do Serviço de Inspecção de Jogos.

D. A Autora é uma sociedade comercial, que no âmbito da sua actividade se dedica à exploração de Casinos, designadamente do Zona de Jogo do (...), onde se insere o Casino de (...).

E. No dia 31 de Outubro de 2010 foi realizada por inspectores da Entidade Demandada acção de inspecção no Casino de (...), de balanço aos fundos e valores da Caixa de Jogos Tradicionais na partida de 31 de Outubro de 2010 conforme Relatório do balanço aos caixas da sala mista, por aqueles assinado, a folhas 39 a 44 do processo administrativo.

F. Em 29 de Novembro de 2010, o Coordenador da Área Sul da Inspecção de Jogos, J., proferiu o seguinte despacho:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– cfr. folhas 2 e 3 do processo administrativo.

G. No dia 8 de Dezembro de 2010 foi elaborado “auto de notícia”, no dia do qual se extrai o seguinte:

“(…) no exercício das suas funções e em total respeito pelo determinado no despacho de 20.11.2010 do Exmo. Coordenador da Área Sul da Inspecção de Jogos, J., dão notícia dos seguintes factos:

“Na partida de trinta e um do mês de Outubro do ano de dois mil e dez, cerca das 23h50, em cumprimento do determinado na escala mensal pelo substituto do Coordenador da Área de Inspecção de Jogos (...) após ter sido dado cumprimento aos procedimentos informáticos considerados adequados para se dar início a um balanço aos fundos e valores dos caixas dos Jogos Tradicionais, foi o mesmo efectuado.

Foi posteriormente constatado que a S., S.A. (...) concessionária da Zona de Jogo do (...), tinha transportado do cofre existente no Piso -1 do casino de (...), para a caixa única da sala mista do mesmo casino a importância de 40 000,00€, pertencente ao total de 41 318,50€, apresentando para conferência e referente ao valor das fichas ausentes do dia 2010.10.30, nos termos do comunicado na sua carta AD/193/10, de 27.10.

Ao retirar da Caixa Única da Sala Mista do Casino de (...) parte do numerário respeitante às fichas ausentes dos ficheiros americano e europeu, como o fez, sem a competente autorização do Serviço de Inspecção de Jogos a S., S.A. incorreu em infracção administrativa prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos nºs 1 e 3 do artº 64º e do nº 2 do artº 130º do Decreto-Lei nº 422/89 (…)

(...)
Juntam os seguintes documentos:
(...)
– Despacho de 29.11.2919 do Coordenador da Área de Inspecção de Jogos do Sul (...)
– Nota de balanço à caixa compradora (...) ”

– cfr. folhas 4 e 5 do processo administrativo.

H. Em anexo ao referido auto de notícias foi elaborado pelos inspectores intervenientes na referida acção de fiscalização e em cumprimento do determinado por Despacho de 29 de Novembro de 2010, do Sr. Coordenador da Área Sul da Inspecção de Jogos, J., um Aditamento ao Relatório do Balanço aos Caixas da sala Mista no qual estes atestam que em cumprimento do referido Despacho rectificaram os impressos do balanço realizado na Sala Mista do casino de (...) (...) no sector de jogo tradicionais, que devidamente autorizada funciona como caixa única aos valores existentes na Caixa Compradora referente à importância das fichas ausentes apresentadas para conferência e que trazidas do Piso-1 do casino, na paridade 31 de Outubro de 2010.

Apresentando a caixa compradora a seguinte situação:

FICHAS AUSENTES À ABERTURA 41 318,00€

Valor em numerário de trazido do Piso-1 do casino 40 000,00€

Existência 1 318,50€

Saldo para a conferência no AS/400 41 318,00€

Diferença 40 000,00€ “

– cfr. folhas 5 e 6 do processo administrativo.

I. Extrai-se do relatório do balanço junto aos autos a folhas 39 e seguintes do processo administrativo que o valor do fundo de maneio estabelecido à data processo administrativo para a caixa em questão era de € 250.000,00 (€ 175.000,00 em numerário e € 75.000,00 em cheques) – fl. 41 – e que os valores registados pelo sistema informático no início do balanço eram (...) os seguintes; Fundo de maneio € 250.000,00; Fichas ausentes à abertura € 41 318,00; Saldo à abertura € 291 318.50 – fl. 42 – e que “Os valores de fichas ausentes é o constante do impresso "vale de fichas ausentes" n.º 303 (...) – fl. 44. (cfr. folhas 39 e seguintes do processo administrativo).

J. Remetido o auto de notícias ao Director do Serviço de Inspecção de Jogos o mesmo determinou por despacho de 14.12.2010 a instauração de Processo Administrativo contra a Autora – cfr. folhas 9 e seguintes do processo administrativo.

K. No dia 28 de Novembro de 2010 foi elaborada um documento designado de “Nota de responsabilização” da qual se extrai o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– cfr. folhas 9 e seguintes do processo administrativo.

L. A Autora apresentou resposta à referida nota de responsabilização – cfr. folhas 22 e seguintes do processo administrativo.

M. No dia 29 de Abril de 2012 foi elaborado “relatório” do qual se extrai o seguinte:

“ (…)
VI – FACTOS PROVADOS
Das diligências efectuadas, dos documentos juntos, da nota de responsabilização e das alegações de defesa, e dos depoimentos obtidos, resulta provada toda a matéria da Nota de Responsabilização que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

VII – DISPOSIÇÕES LEGAIS INFRINGIDAS
Ao retirar, como ficou provado da Caixa Única da Sala Mista do Casino de (...) parte do numerário respeitante às fichas ausentes dos ficheiros americano e europeu, como o fez, sem a competente autorização do Serviço de Inspecção de Jogos consubstancia uma infracção administrativa prevista e punida nos termos das disposições conjugadas dos nºs 1 e 3 do artº 64º e do nº 2 do artº 130º do Decreto-Lei nº 422/89 (….) punida com multa até € 2.992,79 euros. (...)

X – PROPOSTA
Tudo visto e ponderado, tendo em vista a sua dimensão económica, a gravidade da infracção, proponho que a multa aplicada à “S., S.A.”, seja graduada em um terço da medida máxima aplicável, ou seja, no valor de 1.000 euros”
– cfr. folhas 49/50 do processo administrativo.

N. Foi elaborado em 15 de Março de 2013, o parecer n.º 50/2013, no qual é proposto que a ora Autora seja sancionada com a multa de 1000 € e que se transcreve em parte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– cfr. folhas 103 e seguintes dos autos.

O. Em 15 de Março de 2013, a Vice-Presidente do Conselho Directivo da Entidade Demandada profere a seguinte proposta:

“Concordo com o anexo Parecer n.º 50/2013 de 15 de Março, que aqui dou como reproduzido para os devidos efeitos legais.

Assim, nos termos e com fundamentos de facto e de direito ali expressos, proponho ao abrigo do disposto na alínea h) do n.º 3 do Decreto-Lei n.º 129/2012, de 22 de Junho, e no uso da competência que me foi delegada pelo Conselho Diretivo do Turismo de Portugal através da deliberação n.º INTA/2013/1386, DE 2013.01.30 que à S., S.A., concessionária da exploração o casino de (...), seja aplicada, nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos nºs 1 e 3 do art. 64.º e do nº 2 do art. 130.º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro (vulgo Lei do Jogo) na redacção actual e republicada em anexo aos DL 114/2011, de 30 de Novembro a multa no montante de € 1.00,00 (mil euros) – cfr. folhas 108 dos autos.

P. No dia 22 de Março de 2013, a Comissão de Jogos da Entidade Demandada, proferiu deliberação – deliberação n.º 4-10/2013/CJ – com o seguinte teor:

“1. Considerando o teor da Proposta de 2012.3.15, da Vice-Presidente do Conselho Directivo do Turismo de Portugal, que se junta em anexo e se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais (...);

2. Considerando que no processo não existem excepções, questões prévias ou incidentais, nulidades ou irregularidades de que cumpra conhecer;

3. Considerando ainda os fundamentos de facto e de direito constantes do Parecer n.º 50/2013 (...) no qual se funda a referida proposta e a esta anexo, designadamente os factos ocorridos no dia 31-10-2010 na sala de jogo do casino de (...):

– A Comissão delibera:

– Aplicar à empresa concessionária S., S.A., concessionária da exploração o casino de (...), nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos nºs 1 e 3 do art. 64.º e do nº 2 do art. 130.º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro (vulgo Lei do Jogo) na redacção actual e republicada em anexo aos DL 114/2011, de 30 de Novembro, a multa no montante de € 1.00,00 (mil euros)” – cfr. folhas 109 dos autos.

Q. Por ofício datado de 15.05.2013, a Directora do Departamento de Regulamentação do Jogo, notificou a Autora da Deliberação n.º 4-10/2013/CJ nos termos constantes de folhas 110 dos autos.
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III - Enquadramento jurídico.

1. A violação do disposto no artigo 44º, nº 1, alínea d) do Código de Procedimento Administrativo (de 1991).

Na petição inicial, a Autora pede a anulação do acto impugnado com fundamento na nulidade do acto que o sustenta e na violação do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 64º do Decreto-Lei nº 422/89, de 02.12.

Nas alegações na 1ª Instância invoca novo fundamento de invalidade do acto impugnado, correspondente à violação do disposto no artigo 44º, nº 1, alínea d), do Código de Procedimento Administrativo (de 1991).

Esta causa de invalidade do acto impugnado podia ter sido logo alegada na petição inicial, porque ocorreu antes da interposição da acção.

A consequência dessa invalidade é a anulabilidade da deliberação – artigo 135º do Código de Procedimento Administrativo de 1991.

Permite o nº 1 do artigo 86º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2002) que, em articulado superveniente, as partes possam possa alegar factos constitutivos, modificativos ou extintivos supervenientes e no nº 5 do artigo 91º do mesmo Código de Processo nos Tribunais Administrativos que nas alegações pode o Autora invocar novos fundamentos do pedido, de conhecimento superveniente, ou restringi-los expressamente (…).

Como já referido, a nova causa de pedir apresentada em sede de alegações no presente recurso jurisdicional não é superveniente, como tal não pode ser invocada nesta em sede.

Neste sentido se pronuncia o Tribunal Central Administrativo Norte, de 19.10.2006. no processo nº 01197/04.6 PRT (sumário):

“I. Do regime legal decorrente dos arts. 78.º, n.º 2, als. g) e h), 86.º, 91.º, n.ºs 5 e 6 e 95.º, n.º 2 todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ressuma que nas acções administrativas especiais impende sobre o autor o ónus de alegar na petição inicial toda a matéria relativa à acção, expondo articuladamente “os factos e as razões de direito que fundamentam a acção” que constituem a sua causa ou causas de pedir e, bem assim, formular em função da(s) mesma(s) pretensão/pedido sob pena de ininteligibilidade.

II. O autor deve arguir logo no articulado inicial todas as ilegalidades de que padeça em seu entendimento o acto produzido ou a omissão ocorrida, articulando, em conformidade, toda a factualidade que corporiza tal arguição, sendo que tal invocação deve dizer respeito não apenas às ilegalidades sancionadas com o desvalor da anulabilidade mas também às geradoras de inexistência jurídica ou nulidade.

III. De harmonia com o disposto no art. 91.º, n.º 5 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos o autor, em sede das alegações de direito, pode apresentar novos fundamentos do pedido, novas causas de pedir, mas exige-se, todavia, como condição legal e legítima de tal invocação, que o conhecimento daqueles novos fundamentos seja superveniente.

IV. Com o art. 95.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e deveres nele impostos visou-se potenciar a resolução global do litígio que se criou com a emissão dum acto administrativo, já que, por um lado, impõe ao juiz que se pronuncie sobre todas as causas de invalidade suscitadas nos autos pelo autor (na petição inicial, em articulado superveniente – art. 86.º -, e nas alegações de direito uma vez respeitado o comando do n.º 5 do art. 91.º) e pelo MºPº e, por outro, impõe ao juiz que exercite “ex officio” o seu dever de identificação e de pronúncia quanto a novas causas de ilegalidade do acto e independentemente do desvalor que delas decorre, dever esse que se coloca a cada juiz em qualquer instância.

V. O referido preceito diz respeito ao exercício dum poder-dever do tribunal, o qual não confere faculdade/direito às partes de suscitar novas ilegalidades para além das peças/articulados e dos momentos processuais definidos e segundo o regime previsto nos referidos arts. 78.º, 86.º e 91.º todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

VI. O facto de todas as ilegalidades assacáveis a um acto administrativo, no fundo, terem passado a ser de conhecimento oficioso não gera que o não conhecimento de ilegalidades que se evidenciem por parte do tribunal ao abrigo do poder-dever vertido no art. 95.º, n.º 2 constitua nulidade por omissão de pronúncia [arts. 660.º, n.º 2 1ª parte e 668.º, n.º 1, al. d) ambos do CPC].

VII. O tribunal não está onerado com dever de pronúncia nos termos do art. 95.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto a ilegalidades que o autor venha a suscitar fora dos locais e momentos próprios já que tal constituiria um atropelo, um entorse ao poder-dever oficioso do juiz em termos dele, de “motu proprio” e no uso dos seus deveres legais, identificar a existência de causas de invalidade diversas daquelas que haviam sido alegadas.

Tendo o Autor alegado uma causa de anulabilidade do acto impugnado em momento tardio, ou seja, nas alegações da 1ª Instância, não pode a mesma ser decidida nem pelo Juiz da 1ª Instância, nem em sede do presente recurso jurisdicional, pelo que, com o fundamento invocado, não pode proceder o presente recurso jurisdicional.

2. A violação do disposto no artigo 64º, nº 3, da Lei do Jogo – Decreto-Lei nº 422/89, de 02.12.

Determina este artigo 64.º, sob a epígrafe “Caixa compradora”:

1 - Nas salas de jogos haverá uma caixa compradora de fichas, destinada à troca por dinheiro das fichas na posse dos jogadores, das que hajam sido por estes dadas, a título de gratificação, aos empregados das mesmas salas e daquelas que se destinarem à assistência.

2 - As concessionárias podem trocar por cheques seus as fichas na posse dos jogadores ou com elas inutilizar cheques destes.

3 - A caixa compradora deve ter sempre em cofre, no início de cada sessão, a importância que for determinada pela Inspecção-Geral de Jogos, ouvidas as concessionárias e tendo em conta o movimento dos casinos.

4 - A Inspecção-Geral de Jogos pode autorizar que parte da importância referida no número anterior se encontre em depósito bancário imediatamente mobilizável.

5 - Na caixa compradora poderá ainda funcionar o serviço destinado à realização de operações cambiais a que alude o artigo anterior.

Dispõe o artigo 130.º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Outras infracções”:

“1 - Constitui infracção punível com multa até 2.000.000$00:

a) A violação do disposto no artigo 16.º;
b) A violação do disposto nos n.os 4 a 6 do artigo 27.º;
c) A realização das afectações previstas nos n.os 1 e 3 do artigo 30.º, quando as mesmas não hajam sido autorizadas pela Inspecção-Geral de Jogos;
d) A exploração de jogos nos termos previstos no n.º 2 do artigo 32.º, quando não autorizada pela Inspecção-Geral de Jogos;
e) A violação do disposto no n.º 1 do artigo 50.º;
f) A violação do disposto nos n.os 1, 4 e 6 do artigo 52.º;
g) O incumprimento de obrigações estabelecidas no artigo 73.º;
h) A violação do disposto no n.º 3 do artigo 77.º, quando reconhecida nos termos previstos no n.º 5 desse artigo.

2 - A violação pelas concessionárias de normas constantes do presente diploma que não se encontrem sancionadas nos preceitos anteriores, dos regulamentos emitidos pela Inspecção-Geral de Jogos, nos termos do n.º 2 do artigo 95.º, bem como a inobservância de prazos fixados para o cumprimento de obrigações legais e contratuais, é passível de multa até 600.000$00, por cada infracção”.

O nº 3 do artigo 64º, acima transcrito – fundamento jurídico base da deliberação impugnada -, refere-se à importância que a caixa compradora deve ter em cofre, no início de cada sessão, como a “importância que for determinada pela Inspecção-Geral de Jogos, ouvidas as concessionárias e tendo em conta o movimento dos Casinos”.

Esta disposição legal foi violada na partida do dia 31.10.2010, já que tal norma não delimita os valores que devem estar em cofre por referência a fundo de maneio ou expressão similar, como foi feito, mas sim por referência à “importância que for determinada pela Inspecção-Geral de Jogos”.

Quanto à expressão “sala de jogos” utilizada na norma em causa terá de englobar todas as salas onde se procede à prática do jogo, sejam elas “salas de jogos tradicionais”, sejam “salas de máquinas automáticas”, sejam “salas mistas”, nas quais se praticam ambas as modalidades de jogos.

Neste sentido foi feita a interpretação dessa norma legal no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 20.12.2013, no processo nº 00452/11.3 VIS, cujo sumário se reproduz:

“I. A atividade de jogo de fortuna e de azar exige e mostra-se sujeita uma especial tutela de fiscalização e de intervenção por parte do Estado já que, pelo facto de envolver transferências vultuosas e imediatas, com correspetivos ganhos e perdas, se impõe acautelar e refrear intentos possíveis de comportamentos ilícitos, bem como prevenir situações de grande prejuízo moral e social.

II. Nessa medida, os diplomas que se vêem produzindo neste domínio comportam e trazem um claro e sempre presente aporte publicístico, o qual marca, desde logo, os próprios termos dos contratos de concessão e, a seguir, a disciplina da sua própria execução e do seu desenvolvimento, mormente, quanto aos limites de frequência, às regras dos jogos e daqueles que trabalham ou operam nos locais onde os mesmos se praticam, já para não falar nos poderes de fiscalização, de organização e controlo, mormente, das salas de jogo.

III. Extrai-se do n.º 3 do art. 64.º da Lei do Jogo que a “caixa compradora” deverá estar dotada e ter em cofre no início de cada sessão de jogo um fundo de maneio de valor certo que se reputa como adequado às necessidades diárias de cada casino.

IV. Com tal regime visa-se assegurar que o fundo de maneio da “caixa compradora” existente responda, num juízo de normalidade, face a todos os possíveis ganhos dos jogadores pelo que o mesmo deve corresponder a um valor global mínimo correspondente à soma do capital em giro inicial das bancas sem que exista um limite máximo legal para tal fundo.

V. A determinação e fixação do valor daquele fundo de maneio mostra-se enquanto competência legalmente conferida ao atual Serviço de Inspeção de Jogos, sendo que uma vez fixado tal valor para uma sessão ou partida de jogo o mesmo considera-se tacitamente fixado para as situações subsequentes até à constatação ou previsão de novas circunstâncias que suscitem a necessidade da sua alteração.

VI. A expressão “salas de jogos” utilizada no n.º 1 do art. 64.º da referida Lei do Jogo reporta-se ou terá de englobar todas as salas onde se procede à prática do jogo, sejam elas “salas de jogos tradicionais”, sejam “salas de máquinas automáticas”, sejam ainda “salas mistas” nas quais se praticam ambas as modalidades de jogos.

VII. Impondo no n.º 3 do art. 64.º da referida Lei a observância pela concessionária da existência de determinada importância em cofre da “caixa compradora” duma qualquer sala de jogos e que a mesma verba, aliás, carece de ser fixada e autorizada pelo atual Serviço de Inspeção de Jogos, então, não será legítimo, nem legal, que mesma concessionária do jogo, sem a necessária autorização daquele organismo, não cumpra tal obrigação legal, não detendo em cofre da “caixa compradora” daquela sala de jogos a verba superiormente fixada e apenas disponha de verba inferior.

Termos em que, exigindo o nº 3 do artigo 64º da referida Lei do Jogo a existência de determinada importância em cofre da “caixa compradora” de uma qualquer sala de jogos, que tem de ser previamente fixada e autorizada pelo Serviço de Inspecção de Jogos, então a Autora, enquanto concessionária do jogo, ao não deter em cofre da “caixa compradora” daquela sala de jogos em causa, o valor correspondente à importância fixada, dispondo de valor inferior, sem autorização daquele Serviço, violou aquela norma legal.

Julga-se, pois, improcedente a alegação pela Autora de que não praticou a dita contraordenação porque detinha tal valor em cofre e que não existe qualquer disposição legal que imponha que tal cofre se tenha de localizar exactamente na caixa compradora ou na área de jogo.

Mais alega que tal valor estava e sempre esteve efectivamente num cofre, dentro das instalações do Casino (…), à disposição permanente dos caixas e na esfera da supervisão directa dos Serviços de Inspecção de Jogos do Réu, fazendo-se o acesso ao cofre-forte vindo da Sala Mista, em menos de um minuto, bastando descer um lanço de escadas que separa o piso 1 do piso 0.

Ora, o nº 3 do artigo 64º acima citado é claríssimo quando exige que a importância determinada pela Inspecção-Geral de Jogos esteja na caixa compradora, no caso do Casino (…), esta caixa compradora situa-se na “sala mista” desse Casino e não em qualquer outra sala ou em qualquer outro lugar.

E percebe-se que assim seja, justificando-se esta exigência pela necessidade de disponibilização na sala de jogo de um “valor amplamente suficiente para garantir com toda a margem de segurança as necessidades correntes do Casino, sem que seja posto em causa o seu regular funcionamento, nomeadamente os pagamentos a que haja de proceder-se em consequência directa da prática de jogos em exploração”, como bem o invoca a decisão recorrida.

Pelo que improcede o recurso, impondo-se manter a decisão recorrida, nos seus precisos termos.
*
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.
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Porto, 30.04.2020


Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco