Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02366/14.6BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/08/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:APROVEITAMENTO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS; AJUSTE DIRETO;
PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL
Sumário:1 – Não se mostrando verificados os pressupostos para a adoção do ajuste direto quanto à adjudicação da prestação de serviços concursada, importará verificar se a irregularidade se mostrará suscetível de ser “sanável” por recurso ao princípio do aproveitamento dos atos administrativos.
Efetivamente, o princípio do aproveitamento do ato administrativo, vem sendo reconhecido quanto à sua existência e relevância, admitindo-se operar em determinadas circunstâncias.
Tal princípio permite negar relevância anulatória ao erro da Administração, mesmo no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar-se, com segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa.
Não está em causa sanar os vícios detetados, mas tão-só tornar inoperante a força invalidante dos mesmos, em resultado da verificada inutilidade da anulação resultante do juízo de evidência quanto à conformidade material do ato com a ordem jurídica, uma vez que a anulação do ato não traduz vantagem real ou alcance prático para o impugnante.
Na realidade, se não obstante a verificação de vício anulatório do ato recorrido, se concluir que tal anulação não traria qualquer vantagem para o recorrente, deixando-o na mesma posição, a existência de tal vício não deve conduzir à anulação, por aplicação do princípio da inoperância dos vícios ou utile per inutile non vitiatur.
2 - Em concreto, se perante uma eventual decisão de anulação do ato de adjudicação quanto aos lotes controvertidos, por terem indevidamente sido concursados por ajuste direto, atento o valor conjunto dos lotes, e se se concluir que a emergente execução do julgado já poderá ser efetuada por ajuste direto, por o valor do contrato a celebrar permitir a adoção desse procedimento, em conformidade com o disposto nos arts. 20.º, n.º 1, al. a) e 22.º, n.º 1 al. a) do CCP, tal obstará à anulação do procedimento pré-contratual por daí não advir qualquer utilidade ou vantagem para quem quer que fosse.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A... Portugal – Transportes Lda
Recorrido 1:Município de Guimarães
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
A A... Portugal – Transportes Lda, no âmbito do identificado Processo de Contencioso Pré-Contratual intentado contra o Município de Guimarães, tendente, em síntese, à “anulação dos atos de adjudicação dos lotes 7 e 8 praticados no âmbito do ajuste direto nº 23/14, (aquisição de serviços de transporte escolar de alunos em carreira pública para o ano letivo de 2014/2015) e a condenação do R. a excluir as propostas apresentadas pelas 1ª e 2ª contrainteressadas”, não se conformando com a decisão proferida no TAF de Braga, em 19 de Março de 2015, que veio a julgar a ação “totalmente improcedente”, veio em 8 de Abril de 2015, recorrer jurisdicionalmente da mesmo (Cfr. Fls. 707 a 726 Procº físico).

Formulou a aqui Recorrente/A... nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 720 a 726 Procº físico):

“I. O Tribunal a quo, não obstante reconhecer a invalidade do ato de adjudicação impugnado, negou provimento à pretensão impugnatória da Recorrente, invocando, por apelo ao princípio do aproveitamento dos atos administrativos, que “(…) a anulação parcial do ato de adjudicação não obstaria, em sede de execução de julgado, à adjudicação às contra interessadas dos lotes 7 e 8 mediante procedimento de ajuste direto. Daí que se verifique que, claramente, inexiste em concreto qualquer utilidade prática e efetiva para a impugnante em operar a anulação, pois dessa anulação não resultaria qualquer sentido ou alcance em virtude de o vício não obstar à prática, em sede de execução, de um ato com igual conteúdo”.

II. Tal decisão carece de total fundamentação e sentido.

III. Nos termos do artigo 283, n.º 4 do CCP “o efeito anulatório no n.º 2 pode ser afastado por decisão judicial ou arbitral (…) quando se demonstre inequivocamente que o vício não implicaria uma modificação subjetiva no contrato celebrado nem uma alteração do seu conteúdo essencial”.

IV. Do acórdão recorrido, ou dos próprios autos, não resulta inequivocamente demonstrado que o vício “não implicaria uma modificação subjetiva no contrato celebrado nem uma alteração do seu conteúdo essencial”.

V. O aproveitamento judicial dos atos administrativos inválidos obedece a requisitos estreitos e apenas pode ser determinado quando não resultem prejudicados os princípios que, com tal procedimento, se visam prosseguir – o que, no caso, não ocorre, só podendo o mesmo aproveitamento ser determinado se, à luz da lei aplicável, o conteúdo de ato válido que pudesse vir a substituir o ato impugnado fosse necessariamente igual ao deste.

VI. A verificação dos pressupostos para o aproveitamento dos atos inválidos depende de um juízo judicial de natureza semelhante ao que determina o comando de condenação à prática de um ato devido, no tipo de ação com o mesmo nome.

VII. No caso concreto do acórdão recorrido, o Tribunal a quo errou na formulação de tal juízo assentando a sua decisão num pressuposto não verificado nem demonstrado.

VIII. Neste contexto, e tendo sido – e bem – decidido pelo Tribunal a quo estar o procedimento pré-contratual inquinado de ilegalidade quanto à escolha de procedimento de ajuste direto para adjudicação dos lotes 7 e 8, pelo que não há qualquer obstáculo à anulação do ato de adjudicação praticado pela Câmara Municipal de Guimarães em apenas na parte em que adjudicou o lote 7 à Dp... por €8.200,40 e o lote 8 à Dx... por €48.807,20, deverá, em conformidade, ser determinada a anulação do referido ato de adjudicação.

IX. Sem prescindir, a emissão de títulos de transporte, nomeadamente os designados bilhetes de assinatura (passes escolares), está estritamente limitada às sociedades concessionárias de carreiras de transporte público de passageiros.

X. As contrainteressadas Dp..., Ensino, Técnica de Educação, Lda. e Dx... – Cooperativa de Ensino CRL são estabelecimentos de ensino que não são detentores de alvará/licença de concessão de serviço público de transporte rodoviário de passageiros, não se encontrando, portanto, habilitadas legalmente para emitir bilhetes de assinatura (passes escolares).

XI. Não obstante tal facto, a verdade é que, no caso em apreço, o Réu, ora Recorrido, fez constar no Caderno de Encargos que “(…) o preço do serviço prestado corresponderá ao produto do preço do passe de linha mensal para número ilimitado de viagens pela quantidade de passes requisitados para cada um dos itinerários constantes do Anexo A1 para o período de setembro a dezembro de 2014 e de janeiro a julho de 2015 (…)” – cláusula 5º , n.º 1 do Caderno de Encargos, constando expressamente do referido Anexo A1 a “Previsão do Número de Passes Escolares a Requisitar para o Ensino Básico e Secundário” .

XII. Resulta, assim, inequivocamente do Caderno de Encargos que a entidade adjudicante estabeleceu como critério decisivo na fixação do preço contratual a requisição de passes escolares, tendo ficado tal expressamente plasmado no respetivo Caderno de Encargos.

XIII. Tendo optado por tal critério (e não outro, como poderia ter feito) e tendo dirigido um convite às contrainteressadas Dp..., Ensino, Técnica de Educação, Lda. e Dx... – Cooperativa de Ensino CRL para a celebração do contrato, violou a Lei (artigo 11º do DL 299/84, de 5 de Setembro) e a cláusula 5.ª do Caderno de Encargos.

XIV. Em sede de interpretação da ratio da cláusula 5ª, n.º 1 do Caderno de Encargos, não pode deixar de considerar-se o que está efetiva e expressamente previsto no seu próprio texto, ainda mais sendo certo que a estipulação da entidade adjudicante poderia ter sido outra diferente, mas não foi.

XV. Não poderá fazer-se uma interpretação da cláusula 5ª do Caderno de Encargos apoiada na “unidade do sistema jurídico e na consagração das soluções mais acertadas”, conforme é referido no acórdão recorrido, em manifesta contradição com a letra e o texto da própria cláusula do Caderno de Encargos.

XVI. O douto acórdão recorrido invoca uma forçada e injustificada “(…) necessidade de se interpretar devidamente a cláusula 5ª do Caderno de Encargos”, o que faz por considerar ser a natural consequência da “inexigibilidade de emissão e concessão de bilhetes de assinatura no âmbito da realização dos circuitos especiais a que se refere o artigo 6.º, n.º 3 do DL 299/84, designadamente por transporte particular ou por conta própria (artigo 2º, n.º 1, alínea f) do DL 3/2001), no pressuposto, patente na fundamentação apresentada e expressamente referido na decisão em crise, de que “(…) não faria sentido que a Entidade Demandada ignorasse que no caso da realização dos circuitos especiais não há lugar à emissão de passes escolares e, consequentemente, fizesse depender o preço unicamente do preço e requisição de passe “.

XVII. Ora, no caso dos autos, - e por mais sem sentido que tal se revele, como efetivamente revela – a verdade é que o Réu, ora Recorrido, o ignorou, tendo desconsiderado totalmente as disposições legais supra identificadas, fazendo depender o preço unicamente do preço e requisição de passes.

XVIII. A requisição de passes escolares não é – em abstrato – decisiva na fixação do preço contratual, nem o poderia ser, aliás.

XIX. Mas foi o que ocorreu, no caso em concreto, sem qualquer margem para dúvida e não obstante o quão sem sentido tal possa resultar, revelando-se - com todo o respeito - forçada e injustificada a interpretação apresentada para a ratio da cláusula 5.ª, n.º 1 do Caderno de Encargos e o invocado apoio da mesma na “unidade do sistema jurídico e na consagração das soluções mais acertadas” .

XX. Os estabelecimentos de ensino, aqui contrainteressadas, apresentam preços para a emissão e concessão do número de passes constantes das suas propostas, - como se para tal estivessem habilitadas - constando das listagens dos anexos B para os Lotes 7 e 8, para além da previsão do número de passes a requisitar, a previsão unitária do passe, o seu valor mensal e o total mensal por itinerário.

XXI. Por outro lado, em nenhum ponto o Caderno de Encargos se reporta às hipóteses em que não há lugar à emissão de passes escolares.

XXII. O estatuído na cláusula 5ª, n.º 1 do Caderno de Encargos e do Anexo 1 – designadamente a “previsão do número de passes escolares a requisitar” – sublinhado nosso - não pode, de forma alguma, deixar de considerar-se condição contratual, expressa, clara e inequívoca.

XXIII. Inexiste razão válida ou objetiva que justifique o enquadramento de tal condição de contratar como se de um mero critério de referência se tratasse, como, salvo o devido respeito, parece ser o entendimento que resulta da decisão posta em causa.

XXIV. Tanto assim é que, na efetiva execução do contrato, o que tem acontecido é a requisição de passes escolares por parte das contrainteressadas adjudicatárias, numa clara, manifesta e reiterada violação da lei.

XXV. A execução do contrato tem-se pautado pela conduta das contrainteressadas, no que à requisição de passes escolares diz respeito, como se de sociedades concessionárias de carreiras de transporte público de passageiros se tratassem.

XXVI. A manutenção da decisão de adjudicação colocada em crise significaria, na prática, a reiteração da violação da lei por parte das contrainteressadas, que – suportadas nas condições contratuais previstas no Caderno de Encargos do procedimento de Ajuste Direto n.º 23/14 no qual foram adjudicatárias dos lotes 7 e 8 -, têm vindo a proceder à requisição/emissão de passes escolares, o que fazem de forma abusiva e em clara violação da lei.

XXVII. A realização dos circuitos especiais a que se reportam os artigos 6, n.º 3 e 15º a 17º do DL 299/84, de 5 de setembro, obedece a determinados requisitos, designadamente, relativos a trajetos, pontos de paragem, horários, distâncias e tarifas aprovadas – o que não sucedeu no caso dos autos.

XXVIII. O Município de Guimarães, ora Recorrido, em estrito cumprimento dos requisitos supra mencionados - e ao invés do que fez no caso da adjudicação dos Lotes 7 e 8 a que os presentes autos se referem -, abriu para o corrente ano letivo (2014/2015) o concurso público n.º 8/14, para aquisição de serviços de transporte dos alunos provenientes de outros estabelecimentos de ensino.

TERMOS EM QUE concedendo provimento ao recurso e revogando a decisão recorrida nas partes postas em crise farão V. Exas. Venerandos Desembargadores a habitual e sempre esperada JUSTIÇA!

O Recurso Jurisdicional veio a ser admitido por despacho de 9 de Abril de 2015 (Cfr. Fls. 731 Procº físico).

A aqui Contrainteressada/Dp... veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 24 de Abril de 2015, concluindo do seguinte modo (Cfr. fls. 742 a 744 Procº físico):

“1. Pronunciou-se o Tribunal a quo pela total improcedência da ação, julgando improcedentes todos os vícios apontados aos atos de adjudicação em causa nos autos e pela irrelevância do efeito anulatório quanto à ilegalidade da decisão da escolha do ajuste direto para adjudicação dos lotes 7 e 8.

2. Sustentou o acórdão recorrido que o que estava enfermado de ilegalidade era o ato de decisão de contratar do procedimento pré-contratual e não, como sustenta a Rec.te, o ato de adjudicação do mesmo procedimento.

3. Ora, caso o Tribunal houvesse proferido acórdão de anulação do ato de adjudicação apenas quanto aos lotes 6 e 7, como pretende a Rec.te, em sede de execução de julgado, quer os pressupostos, quer o resultado final que se viesse a verificar num eventual novo procedimento de contratação pública se reconduziriam aos mesmos resultados do procedimento colocado em crise pela Rec.te.

4. Como sustenta o douto acórdão recorrido, o princípio do afastamento de efeito anulatório deve operar porquanto objetivamente nada obsta, obstará ou obstaria a que, reiniciando-se todos os procedimentos necessários, em virtude dos efeitos retractivos ínsitos à anulação, o resultado do procedimento pré-contratual de contratação pública culminasse com os mesmos contraentes, com a mesma forma de execução e com o mesmo preço contratual.

5. Não merece qualquer censura o douto acórdão recorrido ao decidir pela inoperância da ilegalidade verificada na escolha do procedimento do ajuste direto.

6. Sendo certo que, a Recorrente não logrou provar qualquer impedimento legal que obstasse a entidade adjudicante de recorrer aos transportes oferecidos pela contrainteressada Dp....

7. Igualmente, não provou estarem cumpridos os imperativos legais constantes do DL 299/84, de 5 de Setembro, determinantes para a exclusão da adjudicação do lote 7 à Rec.da.

8. Acresce que, nas suas alegações, sustenta a Rec.da que o princípio do aproveitamento judicial dos atos administrativos obedece a requisitos estreitos, mas

9. nada dizendo quanto aos requisitos a que alegadamente se refere, nem quais os que terão sido violados pela douta decisão.

10. O douto acórdão recorrido faz correta interpretação dos conceitos utilizados no DL 299/84, de 5 de Setembro, relativamente à obrigatoriedade de emissão de títulos de transporte.

11. O artigo 5º do caderno de encargos a que a Rec.te tanto relevo dá, terá necessariamente de ser conjugado com outros elementos, designadamente, com a informação constante do convite enviado, no qual, se define claramente que o critério de adjudicação do contrato será o critério do mais baixo preço.

12. A aqui Rec.da apresentou proposta em que, para determinação do preço a cobrar pelo serviço que a Entidade Adjudicante pretendia contratar, utilizou, por referência, o custo do passe escolar,

13. não tendo sido a emissão de passes escolares utilizada como fundamento ou requisito para a contratualização do serviço,

14. pelo que igualmente andou bem o acórdão recorrido no que toca à questão da emissão de títulos de transporte.

15. Não merece censura o despacho recorrido.

TERMOS EM QUE pelo exposto, pelo mérito dos autos e pelo que doutamente será suprido deve ao presente recurso ser negado provimento, assim se fazendo JUSTIÇA!”

A aqui Contrainteressada/DX… veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso e Recurso Subordinado, em 30 de Abril de 2015, concluindo do seguinte modo (Cfr. fls. 742 a 744 Procº físico):

“A.- Ao contrário do decidido no douto Acórdão a Autora não tem legitimidade ativa.

B.- A Autora não alegou e não provou qualquer prejuízo patrimonial na sua esfera jurídica.

C.- A Autora apenas alegou um eventual interesse em participar no procedimento relativo à aquisição dos lotes 7 e 8 ou num outro concurso público para o efeito.

D.- O interesse de participar num eventual concurso não é suficiente para lhe conferir legitimidade ativa por não ser atual e imediato.

E.- Daí que, a Autora não retiraria da anulação do ato vantagens diretas e pessoais: a mera exclusão (ou não adjudicação) das contrainteressadas não assegura à Autora qualquer posição na graduação final do concurso. O interesse invocado pela Autora é um interesse meramente longínquo, eventual ou hipotético.

F.- Se Autora pretendia participar no procedimento relativo à aquisição dos lotes 7 e 8 nada a impedia. Conforme consta da matéria de facto provada:

“8. A A. foi convidada a apresentar proposta ao procedimento de ajuste direto nº 23/14”

9. A A. apresentou proposta ao lote 1”

G.- Acresce que, do procedimento concursal, consta o caderno de encargos referente aos lotes 7 e 8 a cláusula 1ª que define o objeto do contrato como a aquisição de serviço de transporte particular de alunos em autocarros dos estabelecimentos de ensino (cfr. ponto 6 dos factos provados). No entanto, a adjudicação aos lotes 7 e 8 que foi impugnada pela Autora não foi acompanhada de qualquer impugnação das normas do caderno de encargos.

H.- Como consequência, mesmo que seja procedente do pedido da Autora de anulação da adjudicação efetuada aos lotes 7 e 8 (o que não se concede), a norma da cláusula 1ª não permite que seja adjudicado à Autora aos serviços de transporte escolar, porque estes lotes foram previstos para o transporte particular de alunos em autocarros do estabelecimento de ensino.

NESTES TERMOS, deverá ser revogado o Acórdão em apreço quanto à questão da ilegitimidade ativa.”

A aqui Recorrente/A... veio apresentar as suas contra-alegações relativas ao Recurso Subordinado, em 27 de Maio de 2015, concluindo do seguinte modo (Cfr. fls. 790 e 791 Procº físico):

“I. O tribunal a quo concluiu, e bem, pela legitimidade ativa da Autora, ora recorrida, quanto aos pedidos impugnatório e de condenação à prática de ato devido.

II. Tem legitimidade para impugnar um ato administrativo quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, o que é manifestamente o caso da autora, aqui recorrida, nos presentes autos.

III. A aqui recorrida tem a qualidade de interessada em tal procedimento pois tem um interesse legal protegido que é o de que o procedimento em causa se processe de uma forma legal (vide Freitas do Amaral, Direito Administrativo II, 1988, págs. 80 e ss.).

IV. A ora recorrida é parte do procedimento de ajuste direto nº 23/14,

V. Foi, nessa qualidade, convidada a apresentar uma proposta, o que fez.

VI. A recorrida foi notificada da intenção de adjudicação e do relatório preliminar elaborado,

VII. na sequência do que se pronunciou, ao abrigo do direito de audiência prévia, expressamente quanto aos lotes 7 e 8,

VIII. tendo sido pelo Município de Guimarães notificada do Relatório Final e Decisão de Adjudicação.

IX. O interesse da recorrida na demanda é inequívoco e perfeitamente objetivado.

X. A douta decisão proferida fundamentou-se na prova produzida, na ponderação de todos os elementos carreados para os autos e na sua correta valoração segundo o direito vigente.

XI. Verifica-se a legitimidade ativa da autora, ora recorrida.

TERMOS EM QUE deve ao presente recurso subordinado ser negado provimento, assim se fazendo a habitual e sempre esperada JUSTIÇA!”

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 8 de Maio de 2015, nada veio dizer, requerer ou promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto dos Recursos se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita, designadamente, a insuficiente fundamentação da decisão Recorrida e a título subordinado a questão da legitimidade da Autora, a qual já foi decidida definitivamente pelo Colendo STA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade:
1. Em 11.3.2014 o Presidente da Câmara Municipal de Guimarães Apôs despacho de “Concordo” sob informação da qual consta,
(Dão-se por reproduzidos os documentos constantes da decisão do tribunal a quo)
cfr. doc. de fls. 360 dos autos.
2. Em 11.3.2014 o Presidente da Câmara Municipal de Guimarães apôs despacho de “Concordo, à próxima reunião de Câmara, para ulterior aprovação pela Assembleia Municipal” sob informação da qual consta,
(Dão-se por reproduzidos os documentos constantes da decisão do tribunal a quo)
- cfr. doc. de fls. 364 e ss. dos autos.
3. Em reunião da Assembleia Municipal de Guimarães de 29.4.2014 foi deliberado aprovar a deliberação de 17.4.2014 da Câmara Municipal de Guimarães de abertura de procedimento de ajuste direto para a aquisição de serviços de transporte escolar de alunos em carreira pública para o ano letivo de 2014/2015 – a que foi atribuído o n.º 23/14 - e, bem assim, o respetivo convite e caderno de encargos. – cfr. docs. de fls. 381 e ss. do pa apenso aos autos.
4. Consta do “Convite” referente ao procedimento referido em 1., entre o mais, o seguinte,
(Dão-se por reproduzidos os documentos constantes da decisão do tribunal a quo)
- cfr. Convite a fls. 18 e ss. autos.
5. Consta do “Caderno de Encargos” referente ao procedimento referido em 1. e quanto aos lotes 1 a 6, entre o mais, o seguinte, […] Clausula 1.ª Objeto 1. O objeto do contrato consiste na aquisição de serviço de transporte escolar de alunos dos ensinos básico e secundário em carreira pública, conforme itinerários constantes do Anexo 1 deste Caderno de Encargos. […]
(Dão-se por reproduzidos os documentos constantes da decisão do tribunal a quo)
- cfr. Caderno de Encargos a fls. 26 e ss. dos autos.
6. Consta do “Caderno de Encargos” referente ao procedimento referido em 1. e quanto aos lotes 7 a 8, entre o mais, o seguinte, […]
(Dão-se por reproduzidos os documentos constantes da decisão do tribunal a quo)
7. Constituem anexos ao Caderno de Encargos, entre o mais, o Anexo A1, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, além do mais,
(Dão-se por reproduzidos os documentos constantes da decisão do tribunal a quo)
8. A A. foi convidada a apresentar proposta ao procedimento de ajuste direto n.º 23/14, nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos. – cfr. doc. de fls. 18 e ss. dos autos.
9. A A. apresentou proposta ao Lote 1. - cfr. Proposta A... constante do CD apenso aos autos.
10. A Dx... apresentou proposta nos seguintes termos,
(Dão-se por reproduzidos os documentos constantes da decisão do tribunal a quo)
- cfr. Proposta Dx... constante do CD apenso aos autos.
11. A Dp... apresentou proposta nos seguintes termos, Anexo B Declaração de indicação do preço contratual Dp..., Ensino, Técnica e Educação Lda., com sede na Rua das Pombinhas 4765 -909 Riba de Ave, pessoa coletiva nº 500084025, com certidão permanente emitida em Vila Nova de Famalicão sob o nº 500084025, com o capital social de 303.750,00€, obriga-se a executar todos os trabalhos que constituem da aquisição de serviços de transporte particular de alunos dos ensinos básico e secundários, residentes nas freguesias de Guardizela e Serzedelo, no prazo de execução de 8 de Setembro de 2014 a 30 de Junho de 2015, em conformidade com o caderno de encargos, pelo preço contratual de 11514€ (Onze Mil quinhentos e catorze euros), nos termos do disposto nos artigos 60.º e 97.º do código dos contratos públicos, o qual não inclui o imposto sobre o valor acrescentado. Mais declara que no preço contratual indicado estão incluídos todos os suprimentos de erros e omissões que tenham sido identificados e depois aceites pela CAMARA MUNICIPAL DE GUIMARÃES, nos termos do disposto nºs 5 e 7 do art. 61.º do código dos contratos públicos. Os valores por itinerário são os discriminados na listagem em anexo, que faz parte integrante da proposta. À quantia supra mencionada incidirá o imposto sobre o valor acrescentado à taxa legal em vigor. Riba de Ave, 11 de Julho de 2014
(Dão-se por reproduzidos os documentos constantes da decisão do tribunal a quo)
- cfr. docs. de fls. 288 e ss. do pa apenso aos autos.
12. Na sequência de pedido de esclarecimentos da Entidade Demandada, a Dp... veio apresentar listagem do lote 7, sem IVA incluído, nos seguintes termos,
(Dão-se por reproduzidos os documentos constantes da decisão do tribunal a quo)
- cfr. docs. de fls. 285 e ss. do p.a. apenso aos autos.
13. Em 12.8.2014 o júri do procedimento elaborou relatório preliminar do qual consta,
(Dão-se por reproduzidos os documentos constantes da decisão do tribunal a quo)
. – cfr. docs. de fls. 246 e ss. do p.a. apenso aos autos.
14. A A. exerceu o direito de audição prévia ao relatório preliminar, nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos. – cfr. docs. de fls. 241 e ss. do p.a. apenso aos autos.
15. Em 26.8.2014 o júri elaborou relatório final do qual consta, entre o mais, o seguinte,
(Dão-se por reproduzidos os documentos constantes da decisão do tribunal a quo)
- cfr. doc. de fls. 611 e ss. do p.a. apenso aos autos
16. Em reunião da Câmara Municipal de Guimarães de 4.9.2014 foi deliberado aprovar o relatório final e, além do mais, adjudicar o lote 1 à A. por € 800.618,80, o lote 7 à Dp... por € 8.200,40 e o lote 8 à Dx... por € 48.807,20.– cfr. doc. de fls. 225 do p.a. apenso aos autos. 1
7. A decisão de adjudicação e relatório referidos em 15. e 16. supra foram notificados em 23.9.2014. – cfr. docs. de fls. 166 do p.a. apenso aos autos.
18. A presente ação foi remetida a este Tribunal em 23.10.2014. – cfr. doc. de fls. 2 dos autos.
Mais se provou que,
19. A A. é titular do alvará de concessão de carreiras de serviço público n.º 7597, emitido em 27.10.2005, para a carreira regular de passageiros entre Caldas das Taipas – Riba D’Ave, do qual consta
– cfr. doc. de fls. 105 e ss. dos autos.
20. A A. é titular do alvará de concessão de carreiras de serviço público n.º 7601 e 863, emitido para a carreira regular de passageiros entre Guimarães – Póvoa de Varzim (p/ Riba d’Ave), com o seguinte percurso
(Dão-se por reproduzidos os documentos constantes da decisão do tribunal a quo)
- cfr. doc. de fls. 461 e 551 e ss. dos autos.
21. Encontra-se concessionada à Auto M..., Lda. a carreira regular de passageiros entre Guimarães (Est) – Riba d’Ave, cujo percurso aqui se dá por reproduzido. – cfr. doc. de fls. 554 e ss. dos autos.
22. A Dp... é titular de: - “licença de veículo para transporte coletivo de crianças” e “certificado emitido para os transportes nacionais rodoviários por conta própria efetuados por autocarro”, relativos ao veículo com a matrícula xx-GL-xx, com validades de 18.9.2012 a 17.9.2015, emitidas pelo IMTT; - “licença de veículo para transporte coletivo de crianças” e “certificado emitido para os transportes nacionais rodoviários por conta própria efetuados por autocarro”, relativos ao veículo com a matrícula xx-EG-xx, com validades de 19.4.2013 a 18.4.2015, emitidas pelo IMTT; – cfr. docs. de fls. 202 e ss. dos autos.
23. A Dx... é titular de - “licença de veículo para transporte coletivo de crianças” e “certificado emitido para os transportes nacionais rodoviários por conta própria efetuados por autocarro”, relativos ao veiculo com a matricula xx-GD-xx, com validades, respetivamente, de 8.1.2013 a 7.1.2015 e 8.10.2012 a 8.10.2014, emitidas pelo IMTT; - “licença de veículo para transporte coletivo de crianças” e “certificado emitido para os transportes nacionais rodoviários por conta própria efetuados por autocarro”, relativos ao veiculo com a matricula xx-GI-xx, com validades, respetivamente, de 8.1.2013 a 7.1.2015 e 14.11.2012 a 14.11.2014, emitidas pelo IMTT; - cfr. docs. de fls. 206 e ss, dos autos.

FACTOS NÃO PROVADOS
Dos factos com interesse para a decisão da causa não se provaram os que constam dos pontos acima expostos, designadamente os seguintes:
1. Os pontos de paragem das carreiras regulares de passageiros referidas em 19. a 21. dos Factos Provados situam-se a distância não superior a 3 km da residência dos alunos e dos estabelecimentos de ensino da Dx... e da Dp....
2. As carreiras regulares de passageiros referidas em 19. a 21. dos Factos Provados não obrigam os estudantes a tempos de espera superiores a 45 minutos, ou a tempos de deslocação superiores a 60 minutos, em cada viagem simples.

IV – Do Direito
Decidiu-se no pretérito Acórdão deste Tribunal de 2 de Julho pp o seguinte:
“a) Conceder Provimento ao Recurso Subordinado da DIDAXIS;
b) Julgar prejudicado o Recurso da A...;
c) Revogar o Acórdão proferido em 1ª Instância, julgando a Autora/Recorrente parte ilegítima na presente Ação, mais declarando a absolvição do Réu/Município da instância”

No seguimento de Recurso Jurisdicional para o STA decidiu esse Colendo Tribunal, em Acórdão de 25 de Novembro de 2015, pelas razões constantes do mesmo, considerar a Autora A... Portugal como parte legitima o que implicará necessariamente a análise material do seu recurso.

Efetivamente, a presente ação intentada pela A... Portugal visava a anulação dos atos de adjudicação dos Lotes 7 e 8, no âmbito do Ajuste Direto 23/14, em virtude da referida adjudicação violar alegadamente os artigos 6º e 11º do DL 299/84 de 5 de Setembro, por entender que os serviços adjudicados às contrainteressadas teriam de ser objeto de concurso público.

No âmbito da presente Ação, decidiu o Tribunal de Primeira Instância:
a) julgar improcedente a ação,
b) julgar improcedentes os vícios imputados aos atos de adjudicação e
c) julgar irrelevante o efeito anulatório quanto à ilegalidade da decisão de escolha de procedimento de ajuste direto quanto aos lotes 7 e 8.

Assente que está a questão da legitimidade da A... Portugal, naturalmente que não será a mesma reapreciada.

Refere assim a Recorrente/A... que o Tribunal a quo negou provimento à sua pretensão impugnatória invocando que “(…) a anulação parcial do ato de adjudicação não obstaria, em sede de execução de julgado, à adjudicação às contra interessadas dos lotes 7 e 8 mediante procedimento de ajuste direto, dque se verifique que, claramente, inexiste em concreto qualquer utilidade prática e efetiva para a impugnante em operar a anulação, pois dessa anulação não resultaria qualquer sentido ou alcance em virtude de o vício não obstar à prática, em sede de execução, de um ato com igual conteúdo”.

No seguimento do que precede, entende a Recorrente que tal decisão carece de total fundamentação e sentido, pois que, “nos termos do artigo 283, n.º 4 do CCP “o efeito anulatório no n.º 2 pode ser afastado por decisão judicial ou arbitral (…) quando se demonstre inequivocamente que o vício não implicaria uma modificação subjetiva no contrato celebrado nem uma alteração do seu conteúdo essencial”.

Alega pois a Recorrente que no “acórdão recorrido, o Tribunal a quo errou na formulação de tal juízo assentando a sua decisão num pressuposto não verificado nem demonstrado.”

Insiste ainda a Recorrente no facto da emissão de títulos de transporte, nomeadamente os designados bilhetes de assinatura estar limitada às sociedades concessionárias de carreiras de transporte público de passageiros, pelo que o transporte relativo aos lotes 7 e 8 postos a concurso, não poderia ter sido adjudicado às aqui contrainteressadas não detentoras do necessário alvará.

Vejamos:
Assentando o Recurso interposto, no essencial, no retomar da argumentação esgrimida em 1ª instância, acompanhar-se-á infra sequencialmente o entendimento adotado na decisão recorrida, até para que não fiquem por apreciar quaisquer questões constantes da decisão recorrida.

Da abertura do procedimento pré-contratual em violação do disposto no art. 6.º do Decreto-Lei n.º 299/84, de 5 de SetembroEfetivamente, entende a Recorrente que se terá verificado a violação do disposto no art. 6.º do Decreto-Lei n.º 299/84, de 5 de Setembro uma vez que os meios de transporte coletivos existentes servem os locais dos estabelecimentos de ensino e residência dos alunos (Serzedelo e Guardizela) satisfazendo as necessidades de transporte escolar determinadas por este normativo, em face do que o município não poderia recorrer a outros transportes.

Em bom rigor, o que é invocado, consubstancia-se num vício que afeta a decisão de abertura do procedimento pré-contratual quanto aos lotes 7 e 8, uma vez que está em causa apurar se podiam ou não ter sido adjudicados tais lotes atenta a suposta existência de transporte escolar que serve e satisfaz as necessidades pretendidas suprir com a celebração do contrato.

O transporte escolar é regulado predominantemente pelo Decreto-Lei n.º 299/84, de 5 de setembro, a Portaria n.º 766/84, de 27 de setembro, e a Lei n.º 13/2006 de 17 de abril.

O DL 299/84 atribuiu competências aos municípios para gerir “a oferta de serviço de transporte entre o local da sua residência e o local dos estabelecimentos de ensino que frequentam a todos os alunos dos ensinos primário, preparatório TV, preparatório direto e secundário, oficial ou particular e cooperativo com contrato de associação e paralelismo pedagógico quando residam a mais de 3 km ou 4 km dos estabelecimentos de ensino, respetivamente sem ou com refeitório.”
Com efeito, refere-se no aludido diploma:
“artigo 6º
“(Meio de transporte a utilizar)
1 - Na efetivação do transporte da população escolar serão utilizados, em princípio, os meios de transporte coletivo (rodoviário, ferroviário ou fluvial) que sirvam os locais dos estabelecimentos de ensino e de residência dos alunos, nos termos dos artigos 11.º a 14.º deste diploma.
2 - Para os efeitos referidos no número anterior, serão considerados os meios de transporte coletivo cujos terminais ou pontos de paragem se situem a distância não superior a 3 km da residência dos alunos ou do estabelecimento de ensino e, bem assim, os que não obriguem os estudantes a tempos de espera superiores a 45 minutos, ou a tempos de deslocação superiores a 60 minutos, em cada viagem simples.
3 - Sempre que os meios de transporte coletivo não preencham as condições fixadas nos números anteriores ou, preenchendo-as, não satisfaçam regularmente as necessidades do transporte escolar no que se refere quer ao cumprimento dos horários quer à realização dos desdobramentos que se revelem necessários, poderão ser utilizados veículos em regime de aluguer ou de propriedade dos municípios para a realização de circuitos especiais, de acordo com o disposto nos artigos 15.º a 17.º.

Artigo 11.º
(Bilhetes de assinatura)
1 - As empresas de transportes coletivos de passageiros concederão obrigatoriamente bilhetes de assinatura (passe escolar) aos estudantes abrangidos por este diploma.
2 - Os bilhetes de assinatura terão validade mensal, a utilizar somente em duas viagens nos dias letivos e para os troços das carreiras que ligam o local do estabelecimento de ensino ao local de residência do aluno.

Artigo 12.º
(Ocupação de lugar)
1 - Os estudantes portadores de bilhete de assinatura têm direito à ocupação de um lugar sentado, nos termos da legislação geral.
2 – [revogado]

Artigo 13.º
(Preço e pagamento dos bilhetes de assinatura)
1 - Os cartões para os passes escolares serão requisitados anualmente às empresas transportadoras pelas câmaras municipais.
2 - Mediante protocolo a estabelecer entre a câmara municipal e os estabelecimentos de ensino, poderão estes requisitar, mensalmente, as vinhetas para os respetivos alunos.
3 - O preço dos bilhetes de assinatura para estudantes terá a redução a fixar em portaria conjunta dos Ministérios da Administração Interna, da Educação e do Equipamento Social.
4 - As empresas faturarão, mensalmente, às câmaras municipais os bilhetes de assinatura que lhes tiverem sido requisitados para o mês seguinte, recebendo das mesmas o correspondente pagamento até ao dia 20 do mês da sua utilização.

Artigo 14.º
(Garantia de execução do transporte)
1 - As empresas são obrigadas a assegurar o transporte de todos os estudantes portadores de bilhetes de assinatura, realizando para o efeito os indispensáveis desdobramentos que regularmente se justifiquem, não se aplicando, neste caso, o condicionalismo referido no artigo 128.º do Regulamento de Transportes em Automóveis.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, poderá a empresa requerer o licenciamento de veículos ligeiros de passageiros de aluguer sempre que o número excedentário de utentes da carreira não justifique a utilização de um veículo pesado.
3 - A não realização dos desdobramentos a que se refere o n.º 1 do presente artigo é passível de multa, a aplicar nos termos do artigo 211.º do Regulamento de Transportes em Automóveis.”

O transporte de passageiros encontra-se ainda regulado pelo Decreto-Lei n.º 3/2001, o qual, estabelecendo o regime legal do transporte público rodoviário de passageiros, define o conceito de transporte rodoviário de passageiros “para efeitos do disposto no presente diploma e legislação complementar”.

Assim, o transporte escolar – regulado no DL 299/84 - constitui nos termos do art. 1.º, al. h) do DL 3/2001, um serviço regular especializado sendo que o art. 6.º, n.º 3 do DL 299/84 estabelece que “poderão ser utilizados veículos em regime de aluguer ou de propriedade dos municípios para a realização de circuitos especiais”, o que incluirá o transporte particular ou por conta própria a que se reporta o art. 2.º, n.º 1, al. f) do DL 3/2001.

Nos termos do art. 6.º n.ºs 1 e 2 do DL 299/84, o transporte escolar será realizado, tendencial e preferencialmente, pelos meios de transporte coletivo que sirvam os locais dos estabelecimentos de ensino e de residência dos alunos, nos seguintes termos:
a) Serão considerados os meios de transporte coletivo cujos terminais ou pontos de paragem se situem a distância não superior a 3 km da residência dos alunos ou do estabelecimento de ensino e, bem assim, os que não obriguem os estudantes a tempos de espera superiores a 45 minutos, ou a tempos de deslocação superiores a 60 minutos, em cada viagem simples;
b) Deve ser concedido passe escolar, conforme art. 11.º;
c) Devem ser cumpridas as regras de transporte coletivo de crianças previstas na Lei 13/2006, designadamente quanto à presença de vigilantes (art. 8.º) e regras de segurança no transporte (art.ºs 10.º e ss.) (art. 12.º do DL 299/84);
d) Deve ser garantida a execução do transporte nos termos do art. 14.º;

Quando os meios de transporte coletivo não preencham estas condições, ou não satisfaçam regularmente as necessidades do transporte escolar no que se refere quer ao cumprimento dos horários quer à realização dos desdobramentos que se revelem necessários, os municípios podem recorrer a outros veículos para a realização de circuitos especiais.

A Recorrente invoca, sem que o demonstre, que os transportes públicos existentes nas controvertidas zonas se mostram adequados e suficientes para as necessidades da população escolar.

Como se refere na decisão de 1ª instância, importaria que a Recorrente demonstrasse circunstancial e detalhadamente que os transportes públicos existentes:
a) Tinham terminais ou pontos de paragem situados a distância não superior a 3 km da residência dos alunos ou do estabelecimento de ensino e
b) Não obrigassem os estudantes a tempos de espera superiores a 45 minutos, ou a tempos de deslocação superiores a 60 minutos, em cada viagem simples.

A ausência de demonstração do invocado, determinou que no probatório da decisão recorrida se tenha considerado como não provado que os pontos de paragem da carreira regular de passageiros entre Caldas das Taipas – Riba D’Ave concessionada à Recorrente se situava a distância não superior a 3 km da residência dos alunos e dos estabelecimentos de ensino em questão.

Não logrou pois a Recorrente demonstrar que estivessem garantidas as necessidades de transporte escolar objeto do procedimento contratual quanto aos lotes 7 e 8, pelo que, correspondentemente não ficou provado estar cumprido o estatuído nos n.ºs 1 a 3 do art. 6.º do DL 299/84, impeditivos da entidade adjudicante recorrer a outros transportes, que não os transportes coletivos.

Não merece pois censura o entendimento adotado em 1ª instância segundo o qual, à luz do art. 6.º, n.º 3 do DL 299/84, podia o município recorrer a transporte particular para a realização dos circuitos objeto dos lotes 7 e 8.

Da decisão de escolha por ajuste direto
Alega a Recorrente que os serviços adjudicados às contrainteressadas teriam que ser objeto de concurso público, nos termos do art. 15.º do Decreto-Lei n.º 299/84, de 5 de Setembro e não mero ajuste direto.
Vejamos:
Os itinerários objeto dos lotes 7 e 8 correspondem, ao abrigo do art. 6.º, n.º 3 do DL 299/84, a circuitos especiais.

Correspondentemente, dispõe o art. 15.º deste diploma que,
(Circuitos especiais)
1 - Os circuitos especiais podem ser efetuados diretamente pelos municípios através de veículos próprios ou adjudicados mediante concurso.
2 - O concurso a que se refere o número anterior será promovido pelas câmaras municipais até ao dia 20 de Abril e reger-se-á por normas específicas, a fixar em portaria dos Ministérios da Administração Interna e do Equipamento Social, ouvida a Associação Nacional dos Município s Portugueses.
3 - A adjudicação dos circuitos especiais será efetuada até 31 de Maio.
[…]”
Já a Portaria n.º 766/84, de 27 de setembro, estabelece no seu ponto 1.1. que, “A adjudicação de circuitos especiais para o transporte de alunos será efetuada mediante a prévia realização de concurso, público ou limitado, conforme deliberação das câmaras municipais ou dos órgãos executivos das associações e federações de municípios, que o promoverão até ao dia 20 de Abril de cada ano.”

Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, que aprovou o Código dos Contratos Públicos, estabeleceu no seu art. 14.º, n.º 2 a revogação “de toda a legislação relativa às matérias reguladas pelo Código dos Contratos Públicos, seja ou não com ele incompatível”.

A este respeito referem Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira (in Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, p. 87), que para determinar se a legislação extravagante não especificada no n.º 1 do art. 14.º do DL 18/2008 foi, ou não revogada nos termos do n.º 2, ter-se-á que determinar se há coincidência entre a matéria regulada no Código e a lei extravagantes, ou seja, se os diplomas são relativos a matérias reguladas pelo Código, dando-se como tacitamente revogados.
Como resulta do disposto nos arts. 1.º, n.º 1 e 6, 6.º, n.º 1, al. e) e 2.º, n.º 1, al. c) o CCP regula o procedimento de contratação pública tendente à formação de contratos que têm por objeto a aquisição de serviços, quando sejam entidades adjudicantes autarquias locais. E nos arts. 16.º e ss do CCP prevêem-se normas relativas aos tipos e à escolha do procedimento a adotar pelas entidades adjudicantes e nos arts. 34.º e ss. regula-se a tramitação do procedimento de formação do contrato.
Assim, é manifesto que o CCP abrange a matéria regulada pelo art. 15.º do DL 299/84 e Portaria 766/84, designadamente, e no que aos autos importa, quanto à escolha do procedimento pré-contratual pela entidade adjudicante.
Tal como expendido na decisão recorrida, não se poderá afirmar que a adjudicação dos lotes 7 e 8 ao ter sido feita por ajuste direto, e não por concurso, público ou limitado, tenha violado o disposto nos art. 6.º, n.º 3 e 15.º, n.º 1 do DL 299/84 e 1.1. da Portaria 766/84, pela singela razão que tais normativos na parte em que determinam o procedimento pré-contratual a adotar se encontravam revogados pelo art. 14.º, n.º 2 do DL 18/2008.

O referido não obstará, naturalmente que tenha de se verificar se a escolha do ajuste direto quanto à adjudicação destes lotes 7 e 8 obedeceu às disposições do CCP.
Nos termos do art. 16.º, n.º 2, al. e) do CCP, quando o objeto do contrato seja a aquisição de serviços, poderá ser adotado um dos procedimentos constantes das alíneas do n.º1 do art. 16.º do CCP.
Nos termos do art. 18.º do CCP, a escolha do procedimento está condicionada pelo valor do contrato a celebrar, entendendo-se como tal o valor máximo do benefício económico que pode ser obtido pelo adjudicatário com a execução de todas as prestações que constituem o seu objeto (art. 17.º, n.º 1).

Dispõe o art. 20.º, n.º 1 do CPP que “No caso de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis e de contratos de aquisição de serviços:
a) A escolha do ajuste direto só permite a celebração de contratos de valor inferior a €75.000;
b) A escolha do concurso público ou do concurso limitado por prévia qualificação permite a celebração de contratos de qualquer valor, exceto quando os respetivos anúncios não sejam publicados no Jornal Oficial da União Europeia, caso em que só permite a celebração de contratos de valor inferior ao referido na alínea b) do artigo 7.º da Diretiva n.º 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março.

Por outro lado, refere o Artº 22º, sob a epigrafe “Divisão em lotes”,
1 - Quando prestações do mesmo tipo, suscetíveis de constituírem objeto de um único contrato, sejam divididas em vários lotes, correspondendo cada um deles a um contrato separado, a escolha, nos termos do disposto nos artigos anteriores, do ajuste direto, do concurso público ou do concurso limitado por prévia qualificação cujo anúncio não seja publicado no Jornal Oficial da União Europeia, só permite a celebração do contrato relativo a cada lote desde que:
a) O somatório dos preços base dos procedimentos de formação de todos os contratos a celebrar, quando essa formação ocorra em simultâneo, seja inferior aos valores mencionados, respetivamente e consoante os casos, nos artigos 19.º, 20.º e 21.º; ou
b) O somatório dos preços contratuais relativos a todos os contratos já celebrados e dos preços base de todos os procedimentos ainda em curso, quando a formação desses contratos ocorra ao longo do período de um ano a contar do início do primeiro procedimento, seja inferior aos valores mencionados, respetivamente e consoante os casos, nos artigos 19.º, 20.º e 21.º
[…]
3 - No caso de contratos de empreitadas de obras públicas, de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis ou de contratos de aquisição de serviços, a escolha, nos termos do disposto nos artigos anteriores, do ajuste direto, bem como do concurso público ou do concurso limitado por prévia qualificação cujo anúncio não seja publicado no Jornal Oficial da União Europeia, permite a celebração dos contratos relativos a lotes em que o preço base fixado no caderno de encargos seja inferior a €1 000 000, no caso de empreitadas de obras públicas, ou a (euro) 80.000, no caso de bens móveis ou serviços, ainda que os somatórios referidos nos números anteriores sejam iguais ou superiores aos valores mencionados, respetivamente e consoante os casos, nos artigos 19.º e 20.º, desde que o valor cumulado dos preços base dos procedimentos de formação dos contratos relativos a lotes cuja celebração é permitida neste número não exceda 20 daqueles somatórios.

Como decorre do probatório o valor dos contratos a celebrar no âmbito do procedimento de ajuste direto era de,
- Lote 1: € 803.410,85;
- Lote 2: € 437.446,70;
- Lote 3: € 327.984,90;
- Lote 4: € 77.518,87;
- Lote 5: € 77.493,87;
- Lote 6: € 88.783,49;
- Lote 7: € 8.200,47;
- Lote 8: € 49.134,90.
Sendo que o somatório dos lotes corresponde a € 1.869.974,05.

Assim, e tal como concluiu o tribunal a quo, atento o disposto nos arts. 20.º, n.º 1, al. a) e 22.º, n.º 1, al. b) do CCP, não se poderia ter recorrido a procedimento de ajuste direto, mas antes a concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação.

Aqui chegados, importa verificar a aceitabilidade da justificação avançada pela Entidade Demandada para ter recorrido a Ajuste Direto.

Efetivamente e como resulta do probatório o Município invocou para o efeito, o disposto no art. 24.º, n.º 1, al. e) do CCP, segundo o qual independentemente do valor e do objeto do contrato a celebrar, pode ser adotado o ajuste direto, designadamente, quando “Por motivos técnicos, artísticos ou relacionados com a proteção de direitos exclusivos, a prestação objeto do contrato só possa ser confiada a uma entidade determinada”.

Avançou o Município no que aqui releva, quanto aos lotes 7 e 8, a necessidade de dar continuidade ao transporte dos alunos residentes nas freguesias de Serzedelo e Guardizela para o Externato Df... e Dx..., em autocarros próprios dos estabelecimentos de ensino.

Face ao art. 24.º, n.º 1, al. e) do CCP escrevem Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira (in ob. cit., p. 757 e ss.) que este normativo pressupõe “a existência de uma só entidade técnica, artística ou juridicamente habilitada a realizar a prestação pretendida pela Entidade Demandada. Consistindo as razões técnicas em “só haver nesse espaço uma empresa com a expertise ou o know-how necessário para a execução a obra ou serviço em causa ou que disponha do bem cuja prestação a entidade adjudicante pretende”, as razões artísticas “prendem-se com a aquisição de obras de arte […] a uma pessoa determinada quando não haja “alternativa razoável” à sua escolha” e os motivos jurídicos resultam da detenção de um exclusivo legal que reserva à entidade o exercício ou produção de uma certa atividade ou bem ou da titularidade de direitos de propriedade industrial ou intelectual.”

Quanto aos lotes 7 e 8 está em causa a aquisição de serviço de transporte particular de alunos dos ensinos básico e secundário, residentes nas freguesias de Guardizela e de Serzedelo em autocarros do estabelecimento de ensino, para os itinerários constantes do Anexo A1 ao Caderno de Encargos, pelo que o Município entendeu que estes circuitos especiais poderiam ser objeto de ajuste direto em razão da necessidade de dar continuidade ao transporte dos alunos residentes naquelas freguesias, em autocarros próprios dos respetivos estabelecimentos de ensino.

Em qualquer caso, e tal como sublinhado pelo tribunal a quo, estas circunstâncias não constituem qualquer motivo técnico, artístico ou jurídico que justifique que a prestação daquele serviço de transportes escolar corresponda a um circuito especial que só possa ser realizado pelos indicados estabelecimentos de ensino.

Efetivamente, a circunstância dos indicados estabelecimentos de ensino possuírem veículos próprios não lhes pode garantir qualquer privilégio contratual antecipado tendente a que lhes seja assegurado um qualquer exclusivo na realização do transporte escolar dos seus alunos.

Por outro lado, a necessidade de dar continuidade a estes serviços não integra os conceitos de “motivos técnicos, artísticos ou relacionados com a proteção de direitos exclusivos” que pudessem justificar que aqueles circuitos especiais pudessem ser objeto de ajuste direto.

Assim, e tal como concluído pelo tribunal a quo, não se mostra verificado o invocado fundamento para a adoção do ajuste direto quanto à adjudicação dos lotes 7 e 8, (O lote 7 à Dp... por € 8.200,40 e o lote 8 à Dx... por € 48.807,20).

Importa agora verificar se a irregularidade verificada se mostrará suscetível de ser “sanável” por recurso ao princípio do aproveitamento dos atos administrativos.

A esse respeito, refere-se entre muitos outros, no Acórdão deste TCAN nº 02171/09.1BEPRT de 05-12-2014 que:
“O princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, princípio que também tem merecido outras formulações e designações (como a de princípio da inoperância dos vícios, a de princípio anti formalista, a de princípio da economia dos atos públicos e a de princípio do aproveitamento do ato administrativo), vem sendo reconhecido quanto à sua existência e valia/relevância pela doutrina e pela jurisprudência nacionais, admitindo-se o seu operar em certas e determinadas circunstâncias.
Tal princípio habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração [seja por ilegalidades formais ou materiais], mesmo no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa, nomeadamente, ou porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas (efetuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário, ou porque subsistem fundamentos exatos bastantes para suportar a validade do ato [v.g., derivados da natureza vinculada dos atos praticados conforme à lei], ou seja ainda porque inexiste em concreto utilidade prática e efetiva para o impugnante do operar daquela anulação visto os vícios existentes não inquinarem a substância do conteúdo da decisão administrativa em questão não possuindo a anulação qualquer sentido ou alcance.

Não está em causa sanar os vícios detetados, mas tão-só tornar inoperante a força invalidante dos mesmos, em resultado da verificada inutilidade da anulação resultante do juízo de evidência quanto à conformidade material do ato com a ordem jurídica, uma vez que a anulação do ato não traduz vantagem real ou alcance prático para o impugnante (cfr. Acórdão do TCAN, de 22/06/2011, proferido no processo n.º 00462/2000-Coimbra).

Como resulta, igualmente, dos acórdãos do Colendo STA nº 0888/06, de 22.11.2006 e nº 249/03 de 12.3.03 «Se, não obstante a verificação de vício anulatório do ato recorrido, se concluir que tal anulação não traria qualquer vantagem para o recorrente, deixando-o na mesma posição …, a existência de tal vício não deve conduzir à anulação, por aplicação do princípio da inoperância dos vícios ou utile per inutile non vitiatur».

Mais se refere no acórdão do Pleno do Colendo STA, de 12.11.03, no recurso nº 41291, com relevância para a questão aqui em apreciação, que «... nos casos em que se apura, em concreto, com segurança, atentas as específicas circunstâncias do caso, que não ocorreu uma lesão efetiva dos direitos dos interessados, não se justificará a anulação do ato mesmo que se esteja perante qualquer erro de apreciação da lei» …”.

Estamos pois, como se disse já, em presença da aplicação do princípio sintetizado no brocardo latino “utile per inutile non vitiatur”.

Conforme bem se ponderou no acórdão do Pleno da 1.ª Secção do Colendo STA, de 17.12.99, no recurso n.º 37 901, «(…) ao recusar relevância anulatória a determinado desvio na interpretação ou aplicação da lei pela Administração, o tribunal não está senão a exercer, na dimensão negativa, o poder de declarar ou decretar a invalidade do ato administrativo recorrido. Limita-se a verificar que o bem da vida jurídica que o recorrente procura -o id quod interest que o legitima a agir em juízo - não lhe poderá ser adjudicado pela procedência da causa de pedir invocada. Quando o tribunal faz uso v.g. do princípio do aproveitamento do ato administrativo ou da degradação das ilegalidades em meras irregularidades para recusar a anulação de atos que patenteiam algum desvio ao padrão normativo, por ter verificado que a esfera jurídica do interessado não resultaria ampliada ou descomprimida pela decisão contrária, o fenómeno é, somente, o da repercussão da função subjetiva do recurso contencioso na conformação da decisão judicial. E o ponto de equilíbrio entre a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados e o princípio da conservação dos atos públicos, refração do princípio geral de direito utile per inutile non vitiatur. O recurso contencioso não é constitucionalmente garantido aos particulares contra atos ilegais tout court, mas contra atos ilegais que os lesem, ou seja, na medida em que lesem situações (materiais ou procedimentais) juridicamente protegidas» …”.

Idêntica posição foi adotada no Acórdão do Colendo STA de 22.11.2006, no Proc. n.º 0888/06, onde se afirma “… para a operacionalidade concreta de um vício, tem que existir correspondência entre a pretensão do recorrente no sentido de alcançar uma determinada posição jurídica e a ilegalidade imputada ao ato recorrido, de tal modo que possa dizer-se que a anulação com fundamento naquela ilegalidade satisfaz plenamente tal pretensão. Assim, contrariamente ao referido pelo recorrido, no plano objetivo, a ilegalidade cometida não é grave, e no plano subjetivo, não acarretou quaisquer consequências para os seus interesses. De resto, esta tem sido a jurisprudência mais recente deste STA, como pode ver-se, entre muitos outros, no acórdão de 12.3.03, no recurso 349/03, em cujo sumário se vê que «Se, não obstante a verificação de vício anulatório do ato recorrido, se concluir que tal anulação não traria qualquer vantagem para o recorrente, deixando-o na mesma posição classificativa, a existência de tal vício não deve conduzir à anulação, por aplicação do princípio da inoperância dos vícios ou utile per inutile non vitiatur». Jurisprudência reafirmada no acórdão do Pleno de 12.11.03, no recurso 41291, e em cujo sumário também se afirma que «... nos casos em que se apura, em concreto, com segurança, atentas as específicas circunstâncias do caso, que não ocorreu uma lesão efetiva dos direitos dos interessados, não se justificará a anulação do ato mesmo que se esteja perante qualquer erro de apreciação da lei»
A decisão anulatória de um ato administrativo tem, além de um efeito constitutivo, que, em regra, consiste na invalidação do ato impugnado, pressupõe um efeito conformativo, que exclui, “(…) a possibilidade de a Administração reproduzir o ato com os mesmos vícios individualizados e condenados pelo juiz administrativo” (Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, pág. 227) devendo ser reconstituída a situação que existiria se não tivesse sido praticado o ato ilegal ou se o ato tivesse sido praticado sem a ilegalidade.

Em concreto, uma eventual decisão de anulação do ato de adjudicação quanto aos lotes 7 e 8, determinaria a execução do julgado, por forma a que o Município retomasse o procedimento concursal, determinando a sua reabertura, no respeito pelos normativos aplicáveis, podendo já recorrer ao procedimento de ajuste direto.
Com efeito, correspondendo o valor do lote 7 a €8.200,47 e do lote 8 a €49.134,90, optando o Município por adjudicar os circuitos especiais correspondentes aos lotes 7 e 8 num único procedimento pré-contratual ou através da abertura de dois distintos procedimentos, o valor do contrato a celebrar permitiria a adoção do procedimento de ajuste direto em conformidade com o disposto nos arts. 20.º, n.º 1, al. a) e 22.º, n.º 1 al. a) do CCP, o que determinaria a legitimação de um procedimento pré-contratual entretanto anulado, sem qualquer utilidade ou vantagem para quem quer que fosse.

Acresce ao referido a circunstância da Recorrente, tendo sido convidada, não ter apresentado propostas para os Lotes 7 e 8, uma vez que o seu interesse não é manifestamente concorrer aos referidos lotes, mas sim que não haja qualquer procedimento.

Verifica-se assim, e tal como decidido em 1ª Instância, que inexiste em concreto qualquer utilidade prática para a Recorrente na anulação do concurso por ter sido realizado por ajuste direto, pois que em termos de procedimento daí não retiraria qualquer vantagem, qualquer que fosse o tipo de procedimento a adotar.
Em face de todo quanto precedentemente ficou expendido, não merece censura o decidido em 1ª Instância, ao ter concluído pela inoperância do vicio verificado na escolha do procedimento de ajuste direto para a adjudicação dos serviços de transporte escolar correspondentes aos lotes 7 e 8, mantendo-se a decisão de escolha do tipo de procedimento e de abertura do mesmo e, consequentemente, o ato de adjudicação praticado pela Câmara Municipal de Guimarães em 4.9.2014, à luz do principio do aproveitamento dos atos administrativos – consubstanciado no brocardo latino “utile per inutile non vitiatur”,

Da violação do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 299/84 e Anexo 1 e cláusula 5.ª do Caderno de Encargos
Entendeu o aqui Recorrente que o ato de adjudicação terá violado o disposto no art. 11.º do Decreto-Lei n.º 299/84, de 5 de Setembro, o Anexo 1 e a cláusula 5.ª do Caderno de Encargos, em virtude de as contrainteressadas não estarem supostamente habilitadas para o transporte coletivo de passageiros e, consequentemente, não poderem emitir ou conceder bilhetes de assinatura, não cumprindo pois as condições contratuais que determinam que o preço contratual corresponde ao produto do preço do passe pela quantidade de passes requisitados.

Efetivamente, dispõe o art. 11.º, n.º 1 do DL 299/84 que “As empresas de transportes coletivos de passageiros concederão obrigatoriamente bilhetes de assinatura (passe escolar) aos estudantes abrangidos por este diploma.”

Em qualquer caso é manifesto que a obrigatoriedade de concessão de bilhetes de assinatura apenas se aplicará às “empresas de transportes coletivos de passageiros”, como resulta do elemento literal do normativo e da conjugação com o disposto no art. 6.º, n.º 1 do DL 299/84.

Já não será assim quando estiver em causa a realização de circuitos especiais, por o art. 11.º o não referir, mas principalmente por o art. 6.º, n.º 3 do DL 299/84 apenas determinar a aplicação a estes do disposto nos artigos 15.º a 17.º do mesmo diploma, e já não a obrigatoriedade de concessão de bilhetes de assinatura a que se reporta o art. 11.º.

Nos circuitos especiais, como é o caso dos Lotes 7 e 8 postos a concurso, a que se refere o art. 6.º, n.º 3 do DL 299/84, “poderão ser utilizados veículos em regime de aluguer ou de propriedade dos municípios para a realização de circuitos especiais”, onde se incluirá potencialmente o transporte particular ou por conta própria, a que se reporta o art. 2.º, n.º 1, al. f) do DL 3/2001, a saber, “o transporte efetuado sem fins lucrativos ou comerciais por uma pessoa singular ou coletiva, desde que:
O transporte constitua apenas uma atividade acessória;
Os veículos sejam da propriedade dessa pessoa singular ou coletiva, ou por ela tenham sido adquiridos em regime de locação financeira ou de contrato de locação a longo prazo, e sejam conduzidos por um elemento do pessoal dessa pessoa singular ou coletiva ou pelo próprio, quando se tratar de pessoa singular“.

É exigido, em qualquer caso, que “as pessoas singulares ou coletivas que pretendam efetuar transportes nacionais particulares ou por conta própria devem estar munidas de um certificado a emitir pela DGTT, cujo prazo de validade não pode ser superior a cinco anos” (art. 17.º do DL 3/2001) e que os veículos utilizados no transporte de crianças possuam licença para o transporte coletivo de crianças (arts. 2.º, n.º 1 e 2, 5.º da Lei n.º 13/2006, de 17 de Abril).

Resulta pois demonstrado, e tal como decidido em 1ª Instância, não se verificar qualquer violação do art. 11.º do DL 299/84 pela singela razão que o mesmo não é aplicável à realização dos circuitos especiais referidos no art. 6.º, n.º 3 do mesmo diploma.

Por outro lado, e em qualquer caso, resultou provado que as contrainteressadas são titulares de certificados, emitido para os transportes nacionais rodoviários por conta própria, efetuados por autocarro nos termos do art. 17.º do DL 3/2001 e de licenças de veículo para transporte coletivo de crianças conforme art. 5.º da Lei n.º 13/2006, de 17 de Abril, estando assim habilitadas para o transporte de crianças.
Aqui chegados, importará interpretar a cláusula 5ª do caderno de Encargos à luz da inexigibilidade de emissão e concessão de bilhetes de assinatura no âmbito da realização dos circuitos especiais a que se refere o art. 6.º, n.º 3 do DL 299/84.

Como resulta dos elementos documentais disponibilizados às partes, o critério de adjudicação é o do preço mais baixo, como único requisito a atender.
Refere-se na cláusula 5.ª do Caderno de Encargos:
“1 – O preço do serviço prestado corresponderá ao produto do preço do passe de linha mensal para número ilimitado de viagens pela quantidade de passes requisitados para cada um dos itinerários constantes do Anexo A1 para o período de setembro a dezembro de 2014 e de janeiro a julho de 2015.
2 – Na apresentação da proposta deverá considerar-se o despacho n.º 1755/2012, de 7 de fevereiro e o despacho normativo n.º 10-A/2013, de 20 de dezembro.
3 - Pela prestação do serviço de transporte objeto do contrato, bem como pelo cumprimento das demais obrigações constantes do presente Caderno de Encargos, o Município de Guimarães pagará ao adjudicatário o preço constante da proposta adjudicada, ao qual acresce o valor do IVA à taxa legal em vigor.
4 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, o preço contratual não poderá exceder:
4.1. Lote 7: 8.200,47 € (oito mil e duzentos euros e quarenta e sete cêntimos)
4.2. Lote 8: 49.134,90 € (quarenta e nove mil cento e trinta e quatro euros e noventa cêntimos).
[…]”
Refere a clausula 6.ª do Caderno de Encargos estabelece que,
“1 – A previsão do número de alunos dos ensinos básico (3.º ciclo) e secundário a transportar, é a constante do Anexo A1.
1.1.Sem prejuízo do número anterior a previsão de alunos a transportar poderá ser objeto de alteração, em função das situações de retenção que possam vir a ocorrer.”

O clausulado aplicável aponta para que o preço do serviço corresponda ao produto do preço do passe de linha mensal para número ilimitado de viagens pela quantidade de passes requisitados para cada um dos itinerários.
Assim, atender-se-á ao resultado da multiplicação do preço dos passes de linha mensais para número ilimitado de viagens, pelo número de alunos a transportar em cada um dos serviços, respeitando os parâmetros base fixados como limites máximos ao preço fixado no supra transcrito número 4 da cláusula 5.ª.
O preço do passe escolar encontrava-se previsto nos Despachos Normativos n.º 1755/2012 e 10-A/2013 a que se reporta o número 2 da cláusula 5.ª pelo que, independentemente de não serem efetivamente emitidos passes escolares, nada obstará a que o correspondente valor seja utilizado como referência para encontrar o preço por aluno do serviço.
No que respeita à fixação do preço contratual em função do número de passes requisitados, importa, do mesmo modo, imputar indexadamente o preço ao número de passageiros servidos.

Nada obsta pois a que a cláusula 5.ª, n.º 1 do Caderno de Encargos seja interpretada no sentido de abranger a situação do preço ser realizada pela multiplicação do preço do passe de linha mensal para número ilimitado de viagens, pelo número de passageiros para cada um dos itinerários, pois que não há passes relativamente aos circuitos especiais.

Em face do que precede, não merece igualmente censura a decisão dotada em 1ª Instância, ao não reconhecer qualquer violação da cláusula 5.ª do Caderno de Encargos e Anexo 1 e a cláusula 5.ª do Caderno de Encargos.

* * *
Em jeito de síntese e conclusão refira-se o seguinte:
Em função de tudo quanto supra ficou esplendido, importa reafirmar que mesmo que fosse proferido acórdão de anulação do ato de adjudicação apenas quanto aos lotes 7 e 8, como pretende a Recorrente, sempre o resultado viria a ser o mesmo.
Com efeito, não logrou a Recorrente demonstrar estar o Município impedido legalmente de recorrer aos transportes disponibilizados contratualmente pelas contrainteressadas.
Com efeito, mesmo que fosse anulado o ato de adjudicação dos lotes 7 e 8 às contrainteressadas, por vício no procedimento adotado, sempre estariam reunidos os requisitos para que o Município renovasse, já de modo regular, idêntico procedimento, sem que a Recorrente daí pudesse retirar qualquer utilidade.

Não merece pois qualquer censura a decisão recorrida ao concluir pela inoperância do vício verificado na escolha do procedimento por ajuste direto.
Com efeito, o princípio do afastamento de efeito anulatório deve operar quando objetivamente se verifique que reiniciado o procedimento, em resultado de eventual anulação, o resultado do procedimento pré-contratual de contratação pública culmine de modo idêntico, sem que o recorrente daí possa retirar qualquer vantagem ou utilidade.
Por outro lado, e no mesmo sentido, entende-se que a decisão recorrida fez adequada interpretação dos conceitos utilizados no DL 299/84, de 5 de Setembro.
No que concerne à emissão de títulos de transporte, reitera-se que o artigo 5º do caderno de encargos sempre terá de ser lido e interpretado conjugadamente com todos os elementos disponibilizados e aplicáveis, mormente com a informação constante do convite enviado, no qual, se define expressamente que o critério de adjudicação do contrato era o critério do mais baixo preço, sendo que o passe escolar foi indicado como mera referência de preço e não como pressuposto de candidatura.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte em julgar improcedente o Recurso.
Custas pela Recorrente A....

Porto, 8 de Janeiro de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luís Migueis Garcia