Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00082/14.8BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/04/2019
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC. RETENÇÕES NA FONTE. NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA, FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO E POR FALTA DE ASSINATURA DA SENTENÇA. CORRECÇÕES À MATÉRIA COLECTÁVEL.
CORRECÇÕES ARITMÉTICAS. MÉTODOS INDIRECTOS. NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO IMPUGNADA.
Sumário:
I) A sentença é nula quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer” e, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
II) No que concerne à invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação, é preciso distinguir a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
III) Quanto à nulidade por falta de assinatura da sentença prevista no artigo 125° nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, cabe ter presente que a decisão recorrida foi assinada digitalmente tal como se retira da página 1 da sentença, exibindo a data e a hora em que tal sucedeu, pelo que, não pode proceder a nulidade invocada neste âmbito.
IV) Ora, a análise conjugada de todos estes elementos, suportados nos documentos anexos ao relatório de fiscalização, indiciam fortemente que a Impugnante não contabilizou (nem declarou) as vendas referidas pela AT e cujo pagamento era efectuado através dos TPA´s.
V) Deste modo, tendo a administração tributária demonstrado os pressupostos que lhe permitiram proceder às correcções efectuadas, ilidindo a presunção de veracidade de que beneficiava a contabilidade do contribuinte, passou a recair sobre este o ónus de provar que correspondem à realidade os proveitos declarados.
VI) Sempre que esteja em causa, apenas a qualificação jurídica dos factos fiscalmente relevantes, na medida em que estes sejam efectivamente do domínio da AT, porque incontroversos, desde logo porque revelados pelos contribuintes ou porque cheguem ao seu conhecimento através de terceiros, o Fisco, concluindo pela falta de aderência à realidade dos elementos declarados pelo contribuinte, apenas os poderá corrigir através de meras correcções técnicas/aritméticas.
VII) Quando a AT parte da análise da contabilidade do próprio contribuinte, tal significa que as correcções feitas não podem deixar de se considerar correcções técnicas e não correcções por via da aplicação de métodos indirectos, pois que, face aos elementos de facto e contabilísticos recolhidos pela AT, a mesma não estava impedida de, de forma directa, proceder às correcções que levou a efeito, sendo que tais correcções não se basearam em presunções ou indícios, não se partiu de uma realidade desconhecida para se chegar a um concreto valor de imposto a pagar, antes se procedeu a correcções face aos elementos contabilísticos e documentais recolhidos na contabilidade da Recorrente, o que significa que a AT não estava sequer autorizada a socorrer-se dos métodos indirectos para proceder a correcções, uma vez que dispunha de elementos documentais para poder efectuar tais correcções.
VIII) No que diz respeito às retenções na fonte, se de um lado se diz que não houve retenção e do outro se procede como tendo havido, a questão terá que ser resolvida através da prova e das regras que a enformam, sendo que os documentos identificados pelo MMº juiz como relevantes para a prova da retenção não têm idoneidade probatória para tanto e também não há nos autos qualquer outra prova que nos permita com segurança saber se as retenções foram ou não efectuadas, pelo que os autos deverão baixar à 1ª instância para a necessária averiguação, situação que também se verifica ao exercício de 2009.
IX) Como resulta do probatório (e esse julgamento de facto não vem impugnado no recurso), a ora Recorrente foi notificada para o exercício do direito de audição prévia antes da liquidação e, posteriormente, a liquidação emitida foi - lhe notificada por meio de carta registada. Ou seja, não foi preterida qualquer formalidade legal na notificação da liquidação impugnada *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:JS Unipessoal, Ldª
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
“JS Unipessoal, Ldª”, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 02-05-2018, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com a liquidação de IRC do ano de 2009, no valor de 19.646,22 €.
Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. 305-312 dos autos) nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
1) É principio estruturante do processo judicial tributário o princípio do Inquisitório pleno previsto nos artigos 13° do C.P.P.T. e 99° da L.G.T., nos termos do qual o Juiz deve ordenar as diligências necessárias para a descoberta da verdade material.
2) O Meritissimo Juiz "a quo", não apreciou todas as questões postas em crise pelos impugnardes, ora recorrentes, e aquelas que apreciou, fê-lo, salvo o devido respeito, de forma não fundamentada, sem conseguir dar respostas através dos factos e fundamentos de direito.
3) Para o efeito, o Tribunal "a quo" atendeu somente aos factos alegados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, designadamente aos constantes do Relatório elaborado pela Inspecção Tributária que promoveu a ação inspetiva, transcrevendo partes, na Douta Sentença, do Relatório da Inspeção Tributária (Páginas 4 a 8 da Sentença recorrida).
4) Acresce que, a Douta Sentença recorrida não contém a data e assinatura do Juiz que proferiu a Sentença, o que constitui nulidade da Sentença, nos termos do n° 1 do artigo 125° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
5) É notório que as correções propostas que estiveram na origem da liquidação aqui impugnada carecem de fundamentação, nos termos do artigo 77°, n° 1 e 2, da Lei Geral Tributária.
6) A fundamentação do acto tributário de liquidação tem de externar-se mediante um discurso contextuai, formal, acessível, congruente e suficiente, para permitir ao contribuinte entre conformar-se ou atacá-lo graciosa ou contenciosamente.
7) Mais, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões porque foi tomada a decisão, no caso, porque foram efectuadas as correcções (Nesse sentido, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 3' Edição, nota 6, artigo 77°, página 384).
8) Com efeito, na falta de relevação das operações na contabilidade do sujeito passivo, cabia à Autoridade Tributária e Aduaneira a demonstração da real existência das operações tributáveis a partir dos recebimentos via TPA e, por isso mesmo, se e porque seriam ou não operações sujeitas a imposto em termos de IRC.
9) Porém, a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez tal demonstração, preferindo antes, muito comodamente, presumir a existência das referidas operações na sua totalidade a partir dos dados fornecidos pelos TPAs.
10) Mas se assim procedeu a Inspecção Tributária, então haveria necessariamente de ter presumido a existência de tais operações, procedendo à respectiva determinação por métodos indirectos, nos termos do n° 2 do artigo 83° da Lei Geral Tributária, o que não fez, procedendo ao apuramento do imposto por métodos directos — correcções meramente aritméticas.
11) Por outro lado, existe um manifesto excesso na proposta da matéria colectável quantificada, e face aos elementos existentes no Relatório da Inspeção Tributária, conforme se verifica na página 20, onde se converte um lucro de 393,40 C, num lucro tributável corrigido de 60.954,26 C.
12) Assim, como se verifica na página 20 do Relatório Final, o que se constata, de facto, é que a conversão do lucro declarado no exercício de 2009 no valor de 393,40 € para o lucro tributável corrigido de 60.954,26 C, representa um afastamento da matéria colectável superior a 30%, na mais completa violação do artigo 87°, n° 1, alínea c) da Lei Geral Tributária e artigo 104°, n° 2 da Constituição.
13) Ao proceder à determinação do imposto devido por métodos directos, numa situação em que só lhe era permitido o apuramento através de métodos indirectos, a Autoridade Tributária e Aduaneira preteriu formalidade legal essencial do processo de liquidação, o qual deverá conduzir à sua anulação.
14) O absoluto desconhecimento a que a Sentença recorrida vota, substancialmente, os factos alegados pela impugnaste, ora recorrente, menospreza os princípios do inquisitório e do contraditório, contido no artigos 58° da Lei Geral Tributária.
15) Como resulta do Relatório da Inspecção Tributária, a liquidação impugnada foi efetuada mediante correcções meramente aritméticas, mas apenas e só, a partir dos dados recolhidos nos extratos bancários dos terminais de Pagamento Automático — TPA.
16) Verifica-se, assim, que os factos tributários que estiveram na origem da liquidação adicional, provêm de meros extratos bancários - TPA e que a Autoridade Tributária e Aduaneira os considerou na totalidade como proveitos/vendas.
17) Ora, a verdade é que, tais extratos bancários nunca poderão fundamentar directamente qualquer liquidação pelo que quaisquer liquidações que tenham apenas e só como fonte directa os extratos bancários dos TPA, são ilegais.
18) Com efeito, na falta de relevação das operações tributáveis na escrita da sujeito passivo, cabia à Autoridade Tributária e Aduaneira a demonstração da real existência das operações, já que lhe cabia o respectivo ónus probatório, ou não se estivesse em sede de correcções meramente aritméticas.
19) Porém, a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez tal demonstração, preferindo antes, muito comodamente, presumir a existência de proveitos/vendas a partir dos extratos bancários.
20) Mas se assim foi, então haveria a Autoridade Tributária e Aduaneira necessariamente de ter presumido a existência de tais proveitos/vendas, procedendo à respectiva determinação por métodos indirectos.
21) O que não fez, procedendo antes, ao apuramento do imposto por métodos directos — correcções meramente aritméticas, numa situação em que só lhe era permitido o apuramento através de métodos indiretos, nos termos do artigo 83°, n° 2 da Lei Geral Tributária (Neste sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 18 de Junho de 2015, Processo N° 05157/11, Recurso Jurisdicional-Tributário, 2° Juízo — 28 Secção (Contencioso Tributário), N° de Origem 401/08.6BECTB — Castelo Branco — TAF).
22) A liquidação impugnada refere-se a sujeitos passivos cuja identidade é desconhecida, ou seja, faltam-lhe elementos essenciais, não se sabendo que operações são e, por isso mesmo, se e porque são operações sujeitas a imposto e até se foram sujeitos passivos ou não, que intervieram nas operações pretensamente tributáveis.
23) A Inspecção Tributária limitou-se a verificar os extractos das contas bancárias do ano de 2009, e depois considerou como vendas todos os depósitos bancários que a sujeito passivo terá realizado através dos terminais de pagamento automático — TPAs.
24) Contudo, tal procedimento, nunca poderia fundar por avaliação direta e sem necessidade de mais investigação, a liquidação de imposto de IRC.
25) Tanto mais que, por parte da sujeito passivo foi dada toda a colaboração e autorização ao acesso à informação e documentos bancários, cumprindo na integra o artigo 59° da Lei Geral Tributária.
26) Ora, a verdade é que, muitos dos depósitos bancários que a sujeito passivo realizou através dos terminais de pagamento automático — TPAs, foram feitos através do cartão de crédito das próprias testemunhas ouvidas na inquirição, que de uma forma clara explicaram ao Tribunal que cederam o seu próprio cartão de crédito pessoal, para que através deste meio e de uma forma rápida e urgente fosse possível dar liquidez à conta da Firma, que muitas vezes nem saldo disponível tinha para cobrir cheques entregues a fornecedores para pagamento de mercadoria.
27) Portanto, a Inspecção Tributária ao considerar como proveitos/vendas todos os depósitos bancários que a sujeito passivo terá realizado através dos tenninais de pagamento automático —TPAs, considerou também como vendas os próprios empréstimos.
28) Pelo que, qualquer liquidação que tenha por fonte directa apenas e só os movimentos dos depósitos efectuados nas instituições bancárias - TPA, no ano de 2009, será ilegal, e isto, porque nem todo o dinheiro realizado através dos terminais de pagamento automático — TPAs tiveram origem nos clientes da Firma e não há relevação das alegadas operações tributáveis, quais as datas das operações e quais os sujeitos passivos que intervieram nas operações em causa.
29) Ou seja, não há um nexo de causalidade entre os alegados factos tributáveis e os extratos bancários, no ano de 2009.
30) Na falta destes elementos essenciais — indeterminação dos factos tributários, do tempo dos factos tributários e dos sujeitos passivos, os actos de liquidação impugnados devem haver-se como nulos, em termos de correcções meramente aritméticas.
31) Quanto à liquidação de IRC referente a Retenção na Fonte, a Autoridade Tributária e Aduaneira não cumpriu o conteúdo mínimo do seu dever da descoberta da verdade material, ou seja, não provou no Relatório da Inspeção Tributária que serviu de base à liquidação impugnada, se o contribuinte tinha pago ou não as rendas e, em consequência, efectuado as retenções na fonte, nos termos do n° 3 do artigo 8° do Decreto-Lei n° 42/91, de 22 de Janeiro, como impunha e impõe o artigo 58° da L.G.T.
32) Contudo, e incompreensivelmente, preferiu a Autoridade Tributária e Aduaneira tributar a aqui impugnante, sem cumprir o conteúdo mínimo do seu dever de descoberta da verdade material consignado no artigo 58° da Lei Geral Tributária, ou seja, de averiguar e apurar junto do contribuinte se efetivamente teriam ou não sido pagas as rendas, não relevando a fundamentação à posteriori.
33) E isto porque, no contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de Impugnação judicial, o Tribunal tem de quedar-se pela formulação de um juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextuai integrante do próprio acto, não podendo aceitar-se que o tribunal aprecie se o acto impugnado poderia basear-se noutros fundamentos invocados já a posteriori na fase administrativa da Impugnação ou na resposta a essa impugnação(Nesse sentido, Acórdão publicado em Antologia de Acórdãos, volume VII, pág. 270 a 271, Recurso n° 6646/02, em que foi Relatora a Dra. Dulce Neto).
34) A Autoridade Tributária e Aduaneira não logrou provar o bem fundado da formação da sua convicção quanto ao facto de se teriam sido ou não pagas as rendas e em que circunstâncias, e na falta dessa prova a questão relativa à legalidade do seu agir tem de ser resolvida contra ela, uma vez que tem de ser ela a suportar a desvantagem de não ter cumprido o ónus da prova que sobre si impendia.
35) Pelo que, a Autoridade Tributária e Aduaneira não logrou provar se no caso sub judice haveria lugar às retenções na fonte com referência ao exercício de 2009.
36) Por último, a Impugnante, aqui recorrente, nunca foi validamente notificada das liquidações adicionais de IRC e de Retenção na Fonte impugnadas, como preceitua o artigo 45°, n° 1 da Lei Geral Tributária, o que constitui preterição de formalidade legal essencial.
37) E, não tendo sido notificadas à impugnante, ora recorrente, como, aliás, o confessa o Digno Representante da Fazenda Pública na sua Contestação através do seu n° 25 e 26, as liquidações adicionais de IRC e Retenção na Fonte não podem ter-se por eficazes, sendo, consequentemente, ilegais, porque a Fazenda Pública não cumpriu o disposto no n° 1 e 2 do artigo 41° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
38) A impugnante, ora recorrente, também não foi notificada do Documento de Fixação/Alteração em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas como preceitua o artigo 16°, n° 3 do Código do IRC, o que constitui, também, preterição de formalidade essencial e vicio de violação de lei.
39) É que, nos termos do n° 3 do artigo 103° da C.R.P., ninguém é obrigado a pagar impostos cuja liquidação e cobrança se não faça nos termos da lei.
40) Assim, ao proceder à determinação do imposto devido por métodos diretos, numa situação em que só lhe era permitido o apuramento através de métodos indiretos, a Autoridade Tributária e Aduaneira preteriu formalidade essencial do processo de liquidação, o qual conduz à sua anulação.
41) E, na Douta Sentença, ao dar-se como correto a determinação do IRC por métodos diretos, numa situação em que só era permitido à Autoridade Tributária e Aduaneira apurar o imposto através de métodos indiretos, apreciou-se e decidiu-se mal, em clara violação dos normativos legais insertos nos artigos 87°, n° 1, alínea c) e 89° da Lei Geral Tributária.
42) Foram violados os normativos legais dos artigos 8°, 55°, 58°, 77°, nos 1, 2 e 7 e 83°, n° 2, 87°, n°1, alínea c) da L.G.T., artigo 41°, n° I e 45° do C.P.P.T. artigos 16°, n° 3 do Código do IRC, e ainda o n° 3 do artigo 103°, 104°, n° 2 e 266°, n° 2, 268°, no 3 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V.Exas., entende a recorrente que deverá o presente Recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, seja proferida DECISÃO, na qual se reveja a matéria dada por provadae, em consequência, se revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegais as liquidações adicionais de IRC e Retenções na Fonte, objecto dos autos, por falta de fundamentação e preterição de formalidades legais essenciais, a bem da JUSTIÇA.
(…)”
*
A recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se (cfr. fls. 322 e 323 dos autos).
Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar se existe (i) nulidade da sentença por falta de fundamentação, por omissão de pronúncia e por falta de assinatura da sentença; indagar (ii) do erro de julgamento por se ter considerado que a AT demonstrou os pressupostos para proceder ao às correcções que subjazem à liquidação impugnada e (iii) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir pela legalidade da actuação da tributária ao proceder à determinação da matéria tributável por correcções aritméticas bem como analisar (iv) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao não concluir que a Impugnante não foi validamente notificada da liquidação impugnada e da existência de erro ou excesso da quantificação da matéria tributável, sem olvidar a pertinência da liquidação de IRC referente a Retenção na Fonte.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. A Impugnante exerce desde 3/4/2007 a actividade “Comércio a retalho de calçado em estabelecimentos especializados”, com o CAE 47721, com enquadramento trimestral para efeitos de IVA e no regime geral para efeitos de IRC – Fls. 1 (que não é a 1º folha do PA) e 14/v do PA;
2. De 29/4/2013 a 12/7/2013 a contabilidade da Impugnante foi objecto de inspecção tributária, com a incidência temporal nos anos de 2009, 2010 e 2011 – Fls. 14/v do PA;
3. Dá-se aqui por reproduzido o projecto de relatório da inspecção (que posteriormente se tornou definitivo, ver infra), com o seguinte destaque:
“(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
4. A Impugnante procedeu à retenção na fonte de IRC sobre os rendimentos prediais pagos à sociedade FN Hipermercados, SA, o montante de 358,95 €/ mês, referente aos meses de Janeiro a Junho, e de 351,57€/mês, relativamente aos meses de Janeiro a Março; e de 358,95€ de Abril a Dezembro, todos do ano de 2009 – cfr. fls. 253/v a 259 dos autos;
5. A Impugnante não declarou nem pagou à AT o imposto retido a que o facto anterior alude – Cfr. PA e PI, onde a Impugnante apenas defende que não pagou à “FN” quaisquer rendas, o que é desmentido pelas notas de débito enviadas por esta sociedade à Impugnante, referidas nas fls. supra identificadas; assim como nos extractos de lançamento de rendas e alugueres da “JS”, de fls. 251/v.
6. Em 23/7/2013 a Impugnante foi notificada do projecto de relatório e para exercer o direito de audição prévia – fls. 272 e 273;
7. Em 31/7/2013 exerceu o direito de audição prévia por requerimento de fls. 274 e ss, que aqui se reproduz;
8. Após, a AT manteve a sua posição inicial, tornando definitivas as correcções apuradas no projecto de relatório – Fls. 15/v do PA;
9. Em data não alegada, por ofício sem referência ou data, a Impugnação toma conhecimento do relatório de inspecção – Fls. 21 ( doc. n.º 6 da PI);
10. Após, a Impugnante é notificada das liquidações adicionais de IRC, agora impugnadas – fls. 10 a 12 do PA e art.º 38.º, n.º 3 do CPPT, com a fundamentação infra melhor explicitada;
11. A AT deslocou-se à sede da Impugnante sita em Caravela, Mirandela, mas, nesse local, não existia qualquer sociedade com esse nome, a Impugnante detinha aí qualquer instalação física nem era conhecida pelos seus moradores – Fls. 18 do PA e depoimento de Amélia Afonso, inspectora tributária, autora do relatório de inspecção.
Com interesse para a decisão não se provou que:
a) Muitos dos depósitos bancários que a Impugnante recebeu através de TPA foram feitos através do cartão de crédito do próprio gerente, que, assim, efectuou empréstimos à sociedade.
Os depoimentos das testemunhas que depuseram este facto no sentido defendido pela Impugnante não se apresentaram consistentes, para além de não terem deposto sobre se o patrão emprestava ou não dinheiro à sociedade.
Como do anexo IIII do relatório se pode constatar, e não tendo a Impugnante identificado, na sua versão dos factos, quais eram os movimentos que correspondiam a pagamentos e quais os que correspondiam a empréstimos, alguns deles são de valores relativamente elevados. Ou seja, não vemos como é que a testemunha JOC (trabalhador da Impugnante), que afirmou ter emprestado dinheiro à sociedade Impugnante através do TPA, a pedido do seu patrão, poderia efectuar esses empréstimos superiores a 1.013,97€, 1.295,70€, 1.564,17€, ou quase sempre mais do que um pagamento no mesmo dia (porquê?), quando a própria afirmou que apenas tinha um salário de 500,00 € mensais.
Também inconsistente se revelou o depoimento de ÉFRS, cunhado do gerente da sociedade Impugnante, que declarou que o seu cunhado lhe pedia para fazer depósitos através do TPA, em montantes arredondados, e não em valores precisos - o que está em contradição com a listagem daqueles anexos.
Não se verifica nenhum movimento de valores arredondados, pelo menos, ao euro. Exs: (ano de 2009) 686,47€, 291,37€, 483,82€, 308,94€, 439,65€, 395,19€, 320,31€, 705,44€, 211,84€, 51,10€, 96,07€, 164,30€, 554,48€, 227,27€, 634,05€ etc . Ora, não é usual que alguém empreste dinheiro em valores tão certos e precisos, que inclua os cêntimos, o que também retira credibilidade aos depoimentos daquelas testemunhas e dá consistência à versão da AT, de que aqueles montantes correspondem a pagamentos à Impugnante.
O mesmo procedimento ocorreu nos vários meses dos anos de 2010 e 2011 (anexos IV e V)”
*
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação.
Nas suas alegações, a Recorrente refere que o Meritissimo Juiz "a quo", não apreciou todas as questões postas em crise pelos impugnardes, ora recorrentes, e aquelas que apreciou, fê-lo, salvo o devido respeito, de forma não fundamentada, sem conseguir dar respostas através dos factos e fundamentos de direito, sendo que, para o efeito, o Tribunal "a quo" atendeu somente aos factos alegados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, designadamente aos cantantes do Relatório elaborado pela Inspecção Tributária que promoveu a ação inspetiva, transcrevendo partes, na Douta Sentença, do Relatório da Inspeção Tributária (Páginas 4 a 8 da Sentença recorrida).
Segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660.º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia.
Assim, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questões, para este efeito (contencioso tributário), são tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
Por outro lado, em termos de apontada falta de fundamentação, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação - Ac. do S.T.A. de 16-11-2011, Proc. nº 0802/10, www.dgsi.pt - , sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Porém, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Pois bem, no que concerne ao primeiro elemento, se é certo que deparamos com uma afirmação genérica, sem qualquer conteúdo concreto, não identificando a Recorrente qualquer questão que tenha sido invocada na petição inicial e que não tenha sido conhecida na decisão proferida, não podemos deixar de notar que a Recorrente alegou não ter sido notificada do documento de fixação/alteração em sede de IRC como preceitua o art.º 16º/3 do CIRC, vício que também alegou no art. 48º da douta petição inicial.
Por outro lado, é invocado o vício de erro e manifesto excesso da matéria tributável com base nos elementos existentes no Relatório de Inspecção Tributária e seus anexos.
A partir daqui, lida a sentença, é óbvio que a Recorrente tem razão em relação à invocação da nulidade por omissão de pronúncia, pois que, embora tenham sido suscitadas nos autos as questões supra descritas, o Tribunal acabou por olvidar completamente tais questões.
Assim sendo, o tribunal deixou de exercer os seus poderes de pronúncia por não ter apreciado as duas questões apontadas submetidas à sua apreciação, o que significa que, neste segmento, a sentença é nula.
O mesmo já não se verifica em relação à matéria da falta de fundamentação, dado que, a Recorrente sustenta que as correcções não se encontram fundamentadas (Conclusões 5 e segs.) como aliás também tinha defendido nas conclusões a) e b) da douta petição inicial, dizendo entre o mais, que as correcções que estiveram na origem da liquidação aqui impugnada carecem de fundamentação nos termos do artigo 77º n.º 1 e 2 da Lei Geral Tributária.
Com efeito, esta matéria apenas surge nas conclusões formuladas no âmbito da petição inicial, o que significa que importa reportar tal matéria ao que antes ficou alegado, o que equivale a dizer que esta falta de fundamentação não se reconduz a um vício formal, mas antes aos termos em que assenta a actuação da AT e que depois conduziu às aludidas correcções, o que confunde a forma com o fundo, situando-se a realidade em análise ao nível da fundamentação substancial das tais correcções.
Quanto às consequências da apontada nulidade, e por referência ao art. 665º do C. Proc. Civil, cabe notar que se trata de uma nulidade parcial, pois que, no mais, a decisão recorrida ponderou e decidiu em conformidade com o pedido e causa de pedir formulada, de modo que, por estarem em causa bens diferenciados, o segmento decisório ferido de nulidade tem suficiente autonomia que permite declarar a nulidade parcial da sentença, mantendo-se incólume a parte restante, não estando em causa a eficácia da sentença na parte não afectada pela nulidade, o que permite a apreciação da matéria que foi omitida, decretando-se a nulidade parcial da sentença com referência à descrita omissão, o que impõe, desde já, no que concerne à primeira matéria assinalada, porque os autos contém os elementos necessários para o efeito, a análise dessa questão que ficou por apreciar, integrando-se a outra questão na análise dos restantes fundamentos do recurso.
No que concerne à matéria de a Recorrente não ter sido notificada do documento de fixação/alteração em sede de IRC como preceitua o art.º 16º/3 do CIRC, é sabido que em data não alegada, por ofício sem referência ou data, a Impugnação toma conhecimento do relatório de inspecção – Fls. 21 ( doc. n.º 6 da PI).
Nesta sequência, é ponto assente que a liquidação adicional de IRC apontada nos autos tem base as correcções à matéria tributável apurada no âmbito do procedimento inspectivo descrito, de que resultou o RIT a que alude o probatório, que integra o Despacho do Sr. Director de Finanças que sanciona o Relatório de Inspecção e fixa as bases tributáveis de IRC, de modo que, tal como defende a AT, estando m causa a fixação da matéria tributável apurada por métodos directos não existe qualquer obrigação legal de produção de despacho autónomo ao contrário do que sucede na fixação da matéria por métodos indirectos com procedimento complementar de revisão da matéria tributável previsto no artigo 91º da LGT e notificação ao contribuinte, uma vez que essa fixação já se encontra plasmada no Relatório Final, o que quer dizer que a pretensão da Impugnante não pode proceder nesta sede.
A partir daqui, e quanto ao mais, não vemos que o tribunal a quo não tenha apreciado as (várias) questões suscitadas sem fundamentação de facto e de direito. Quanto à fundamentação de facto, basta ler o probatório supra reproduzido para percebermos que tal alegação não tem cabimento e não corresponde minimamente à realidade. No que diz respeito à fundamentação de direito, a Recorrente também não esclarece se a invocada nulidade abrange todos os vícios apreciados ou só parte deles. Limitou-se também aqui a uma arguição genérica, sumária e descontextualizada, que põe em causa o enquadramento do vício e a sua concreta apreciação.
De todo o modo, relativamente aos vícios que conheceu, o Tribunal a quo referenciou as diversas normas legais (que, em alguns casos, até transcreveu) que aplicou, efectuando a respectiva subsunção ao caso, sustentando, de forma perfeitamente perceptível, a sua decisão.
Ademais, como já ficou dito, a falta de fundamentação susceptível de integrar a nulidade prevista no art. 125º, nº 1 do CPPT [bem como no art. 615º, nº 1, alínea b) do CPC] é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos (quer referentes aos factos quer ao direito), que não uma fundamentação escassa, deficiente [Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p. 687, Fernando Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, p. 55].
A Recorrente refere antes que é principio estruturante do processo judicial tributário o princípio do Inquisitório pleno previsto nos artigos 13° do C.P.P.T. e 99° da L.G.T., nos termos do qual o Juiz deve ordenar as diligências necessárias para a descoberta da verdade material.
Ora, a violação do princípio do inquisitório também não constitui causa de nulidade da sentença, as quais estão previstas no art. 125º do CPPT, bem como no art. 615º do CPC.
De qualquer modo, o princípio do inquisitório ou da investigação é um dos princípios estruturantes do processo tributário, e consiste no poder de o juiz ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade material.
Com efeito, nos termos que decorrem dos normativos legais contidos nos artigos 13º do CPPT e 99º, nº 1 da LGT, os juízes dos tribunais tributários devem realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.
Assim, sobre a factualidade relevante para a decisão deve incidir a actividade instrutória necessária de modo a que o tribunal possa dar resposta às questões que lhe são colocadas, nomeadamente através da explicitação dos factos que considera provados e não provados. E no caso de não ser realizada essa actividade instrutória, a sentença pode ser (mesmo oficiosamente) anulada e ordenada a baixa dos autos ao tribunal a quo para esse efeito.
Mas, no caso dos autos, a Recorrente não concretiza quaisquer diligências probatórias que o tribunal a quo podia ter feito e não o fez, nem qual a factualidade alegada que impunha tais diligências, pelo que não vislumbramos que tenha ocorrido violação do princípio do inquisitório.
A Recorrente aponta ainda que a Douta Sentença recorrida não contém a data e assinatura do Juiz que proferiu a Sentença, o que constitui nulidade da Sentença, nos termos do n° 1 do artigo 125° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, olvidando que foi assinada digitalmente tal como se retira da página 1 da sentença, exibindo a data e a hora em que tal sucedeu, pelo que, não pode proceder a nulidade invocada neste âmbito.
Quanto ao núcleo essencial da matéria em discussão no âmbito do presente recurso, a Recorrrente aponta que, na falta de relevação das operações na contabilidade do sujeito passivo, cabia à Autoridade Tributária e Aduaneira a demonstração da real existência das operações tributáveis a partir dos recebimentos via TPA e, por isso mesmo, se e porque seriam ou não operações sujeitas a imposto em termos de IRC e a AT não fez tal demonstração, preferindo antes, muito comodamente, presumir a existência das referidas operações na sua totalidade a partir dos dados fornecidos pelos TPAs, mas, se assim procedeu a Inspecção Tributária, então haveria necessariamente de ter presumido a existência de tais operações, procedendo à respectiva determinação por métodos indirectos, nos termos do n° 2 do artigo 83° da Lei Geral Tributária, o que não fez, procedendo ao apuramento do imposto por métodos directos —correcções meramente aritméticas.
Além disso, existe um manifesto excesso na proposta da matéria colectável quantificada, e face aos elementos existentes no Relatório da Inspeção Tributária, conforme se verifica na página 20, onde se converte um lucro de 393,40 €, num lucro tributável corrigido de 60.954,26 €, pois, como se verifica na página 20 do Relatório Final, o que se constata, de facto, é que a conversão do lucro declarado no exercício de 2009 no valor de 393,40 € para o lucro tributável corrigido de 60.954,26 C, representa um afastamento da matéria colectável superior a 30%, na mais completa violação do artigo 87°, n° 1, alínea c) da Lei Geral Tributária e artigo 104°, n° 2 da Constituição e ao proceder à determinação do imposto devido por métodos directos, numa situação em que só lhe era permitido o apuramento através de métodos indirectos, a Autoridade Tributária e Aduaneira preteriu formalidade legal essencial do processo de liquidação, o qual deverá conduzir à sua anulação.
O absoluto desconhecimento a que a Sentença recorrida vota, substancialmente, os factos alegados pela impugnaste, ora recorrente, menospreza os princípios do inquisitório e do contraditório, contido no artigos 58° da Lei Geral Tributária,
Ora, a verdade é que, muitos dos depósitos bancários que a sujeito passivo realizou através dos terminais de pagamento automático — TPAs, foram feitos através do cartão de crédito das próprias testemunhas ouvidas na inquirição, que de uma forma clara explicaram ao Tribunal que cederam o seu próprio cartão de crédito pessoal, para que através deste meio e de uma forma rápida e urgente fosse possível dar liquidez à conta da Firma, que muitas vezes nem saldo disponível tinha para cobrir cheques entregues a fornecedores para pagamento de mercadoria, o que significa que a Inspecção Tributária ao considerar como proveitos/vendas todos os depósitos bancários que a sujeito passivo terá realizado através dos tenninais de pagamento automático —TPAs, considerou também como vendas os próprios empréstimos, pelo que, qualquer liquidação que tenha por fonte directa apenas e só os movimentos dos depósitos efectuados nas instituições bancárias - TPA, no ano de 2009, será ilegal, e isto, porque nem todo o dinheiro realizado através dos terminais de pagamento automático — TPAs tiveram origem nos clientes da Firma e não há relevação das alegadas operações tributáveis, quais as datas das operações e quais os sujeitos passivos que intervieram nas operações em causa, ou seja, não há um nexo de causalidade entre os alegados factos tributáveis e os extratos bancários, no ano de 2009 e na falta destes elementos essenciais — indeterminação dos factos tributários, do tempo dos factos tributários e dos sujeitos passivos, os actos de liquidação impugnados devem haver-se como nulos, em termos de correcções meramente aritméticas.
Ora, de acordo com o artigo 75º, nº 1 da LGT, as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, presumem-se verdadeiras.
Existe, portanto, uma presunção legal de que as declarações apresentadas pelos contribuintes à administração tributária são verdadeiras, sendo com estas declarações que, em regra, se instaura o procedimento de liquidação (artigo 59º do CPPT).
Essa presunção cessa nomeadamente se essas declarações ou os respectivos dados de suporte apresentarem omissões, erros ou inexactidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (cf. artigo 75º, nº 2, da LGT).
Nos casos em que, por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no artigo 75º, nº 1 da LGT deixa de funcionar, a administração tributária fica legitimada a efectuar a determinação da matéria tributável, com recurso para o efeito e preferencialmente de métodos directos ou, quando tal não seja possível, a métodos indirectos.
A administração tributária tem, todavia, o ónus de demonstrar que o juízo que esteve subjacente à sua actuação correctiva é bem fundado, provando os indícios que o sustentam, demonstrando a factualidade susceptível de abalar a presunção da veracidade das operações registadas na contabilidade do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte.
Como a doutrina e a jurisprudência têm afirmado, “actuando a Administração Tributária no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabe-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efectuar as correcções técnicas que suportam essa liquidação”. – cf., por todos, acórdão do STA de 28/9/2011, Processo 0494/11.
Assim, a primeira questão que importa apreciar é a de saber se os indicadores recolhidos pela administração tributária são suficientes para sustentar a conclusão a que chegou, ilidindo a presunção de verdade da declaração de rendimentos da Impugnante/recorrente e efectuar as correcções que subjazem às liquidações impugnadas.
Do relatório de inspecção tributária resulta que os serviços de inspecção tributária concluíram pela omissão de proveitos resultantes de vendas, com base na análise e no confronto de um conjunto de documentos e dos quais resultaram, relativamente ao ano de 2009 vendas a dinheiro/retalho omitidas, no valor de € 60.290,28.
A conclusão relativa à omissão de vendas a dinheiro/retalho resultou do confronto entre as vendas registadas na contabilidade, as bases tributáveis constantes das declarações periódicas de IVA e recebimentos através de Terminais de Pagamento Automático (TPA) comunicados pelas instituições de crédito, expurgados do valor correspondente ao IVA.
Ora, a análise conjugada de todos estes elementos, suportados nos documentos anexos ao relatório de fiscalização, indiciam fortemente que a Impugnante não contabilizou (nem declarou) as vendas referidas pela AT e cujo pagamento era efectuado através dos TPA´s.
Deste modo, tendo a administração tributária demonstrado os pressupostos que lhe permitiram proceder às correcções efectuadas, ilidindo a presunção de veracidade de que beneficiava a contabilidade do contribuinte, passou a recair sobre este o ónus de provar que correspondem à realidade os proveitos declarados.
Na verdade, tendo a administração tributária reunido aqueles indicadores, a Recorrente já não pode apelar à presunção de verdade da sua declaração, porque tal presunção já foi ilidida, nem pode remeter para o ónus da administração tributária (porque já foi cumprido), pelo que lhe restava fazer a prova de que os proveitos correspondem aos valores declarados. Ou de, pelo menos, apresentar e provar a ocorrência de outras factos que constituam também indicadores objetivos, que abalem a consistência dos que a administração tributária reuniu e gerem dúvida fundada sobre a existência ou quantificação do facto tributário (cf. art. 100.º, n.º 1 do CPPT).
Porém, como bem se entendeu na sentença recorrida, tal prova não foi feita.
Na verdade, quanto à omissão de vendas, cujo pagamento era efectuado através dos TPA´s, apenas contrapôs que nem todo o dinheiro recebido dessa forma teve origem nos clientes da empresa, uma vez que muitas das entradas em dinheiro correspondem a empréstimos feitos à sociedade com o cartão pessoal do gerente. Porém, como resulta do probatório, tal factualidade foi dada como não provada [cf. alínea a) dos factos não provados], pelos motivos que melhor constam da motivação da decisão de facto supra reproduzida e tal julgamento de facto não foi objecto de impugnação no presente recurso.
No que concerne à quantificação, a Recorrente refere que na página 7 do Relatório da Inspecção Tributária, os recebimentos através de TPA, foram no montante de 365.513,53 € do Banco BIC, ou seja, 304.594,61 €, sem IVA, enquanto os valores das vendas contabilizadas foram do montante de 292.113,77 €, pelo que, assim sendo, apenas existiu uma diferença de 12.480,84 €, de modo que, como é notório, existe um excesso na proposta do Lucro tributável declarado de 393,40 € para um lucro tributável de 60.560,86 €, conforme se verifica da página 20 do Relatório Final, na mais completa violação do principio da proporcionalidade dos artigos 55° da Lei Geral Tributária e 104°, n° 2 da Constituição da Republica.
No entanto, quanto ao invocado erro e manifesto excesso na matéria tributável também é manifesta a falta de razão da Recorrente.
Desde logo, importa notar que as correcções apenas decorreram, no ano de 2009, da omissão das vendas a dinheiro / retalho, nada tendo sido considerado ao nível das vendas por grosso no que diz respeito ao exercício de 2009.
Por outro lado, o erro que se evidencia está relacionado com o valor das vendas por TPA relativamente ao mês de Outubro de 2009, na medida em que o valor que integra o total de € 304.594,61 a que alude a Recorrente é de € 36.364,53, sendo que o valor considerada em termos de ponderação relativamente aos valores declarados foi de € 36,00, o que significa que a Recorrente beneficiou de um lapso que nunca poderá suportar a invocação de um excesso de quantificação, não se vislumbrando, para além do que fica exposto, qualquer erro no quadro que consta da página 10 do RIT, do qual consta um valor bem diferente no que concerne ao valor das vendas a retalho contabilizados no ano de 2009, sendo de notar que a Recorrente também não é particularmente exuberante na fundamentação da sua discordância em relação à matéria, sendo o quadro da página um resumo congruente relativamente ao que ficou exposto no RIT.
A Recorrente imputa ainda erro de julgamento à sentença recorrida por não ter considerado que a administração tributária deveria ter lançado mão de métodos indirectos e não de correcções aritméticas para determinar a matéria tributável.
Como é sobejamente sabido, com o recurso a métodos indirectos, como metodologia alternativa no apuramento da matéria tributável dos contribuintes, o legislador pretendeu obstar que os contribuintes, por circunstâncias que lhes sejam imputáveis e que se traduzam na violação do seu dever de cooperação para com a AT, de lhe revelarem, legal e adequadamente, os elementos relevantes ao apuramento dos seus rendimentos tributáveis, se eximam ao pagamento dos impostos devidos.
Mas porque assim é e porque tal metodologia é, por natureza, meramente aproximativa da realidade acontecida, ela é apenas utilizada de forma residual, e quando não seja possível obter os valores reais por outra via ou, como doutrina o Prof. S. Sanches, a metodologia indiciária, porque «marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação, tem de se conservar como a ultima ratio fisci.».
Isto é, sempre que esteja em causa, apenas a qualificação jurídica dos factos fiscalmente relevantes, na medida em que estes sejam efectivamente do domínio da AT, porque incontroversos, desde logo porque revelados pelos contribuintes ou porque cheguem ao seu conhecimento através de terceiros, o Fisco, concluindo pela falta de aderência à realidade dos elementos declarados pelo contribuinte, apenas os poderá corrigir através de meras correcções técnicas/aritméticas.
Ou seja, o pressuposto inultrapassável para que a AF, vinculadamente, lance mão de uma ou de outra de tais metodologias, radica na circunstância de os factos fiscalmente relevantes serem, à luz de parâmetros de razoabilidade e normalidade, incontroversamente conhecidos, - caso em que não pode deixar de corrigir aritmeticamente -, ou de o não serem e de, então, se tornar necessário determiná-los a partir de outros que o sejam e que «[…] em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência […]»[ Cfr. o Prof. Castro Mendes, in “O Conceito de Prova em Processo Civil”, 1961, 176.], se mostrem consubstanciar factos-índice adequados a tal extrapolação.
Diz a Recorrente que administração tributária não fez a demonstração de que os pagamentos efectuados através de TPA´s correspondem a reais operações tributáveis, limitando-se a presumir a existência de tais operações a partir dos extractos bancários, pelo que então deveria ter lançado mão dos métodos indirectos.
O apuramento do valor tributável por métodos indirectos consiste em inferir a partir de um facto conhecido, e com recurso a regras da experiência, um facto desconhecido (rendimento tributável).
Mas o recurso a métodos indirectos nos termos dos arts. 87.º, nº 1 e 88.º da LGT impunha-se se a administração tivesse constatado que a Recorrente teve proveitos que não contabilizou nem declarou e não fosse possível apurar directamente o respectivo valor, tendo de recorrer a factos - indíce para esse efeito. Ou seja, seria necessário recorrer a factos indíce não apenas para aferir da existência dos proveitos não declarados, mas também para determinar o valor aproximado dos mesmos.
Na verdade, mesmo quando é posta em causa a presunção prevista no artigo 75º da LGT, o recurso aos métodos indirectos é ainda a última ratio, só sendo de recorrer a tais métodos quando, de todo, se mostre inviável a determinação da matéria tributável com base me métodos de avaliação directa e, neste caso, tem a administração tributária de especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável.
Mas não foi esse o caso dos autos, já que a administração tributária não se viu impossibilitada de aferir os valores exactos dos proveitos omitidos, porque os documentos a que teve acesso permitiram-lhe apurar directamente esse valor. No caso em apreço, o rendimento tributável não é um facto desconhecido, já que a administração tributária conseguiu determinar o valor dos proveitos omitidos.
E não é pelo facto de administração tributária ter efectuado deduções (lógicas) a partir dos documentos a que teve acesso, para concluir pela existência de rendimentos não declarados, que implica que tivesse de recorrer a métodos indirectos na determinação da matéria tributável. Não é o recurso a presunções no processo lógico do apuramento da verdade fiscal do contribuinte que define a avaliação indirecta, mas a impossibilidade de aceder ao valor exacto da matéria tributável depois de se confirmar que o declarado não corresponde à verdade. E, no caso dos autos, essa impossibilidade não se verificou.
Na verdade, perante a factualidade apurada nos autos, apenas está em causa a qualificação jurídica dos factos fiscalmente relevantes de que a AT dispõe, tendo depois utilizado um critério técnico e objectivo para apurar a parte dos gastos fiscalmente não aceite, sendo as correcções efectuadas meramente técnicas / aritméticas.
A Recorrente aponta ainda que quanto à liquidação de IRC referente a Retenção na Fonte, a Autoridade Tributária e Aduaneira não cumpriu o conteúdo mínimo do seu dever da descoberta da verdade material, ou seja, não provou no Relatório da Inspeção Tributária que serviu de base à liquidação impugnada, se o contribuinte tinha pago ou não as rendas e, em consequência, efectuado as retenções na fonte, nos termos do n° 3 do artigo 8° do Decreto-Lei n° 42/91, de 22 de Janeiro, como impunha e impõe o artigo 58° da L.G.T. e, contudo, e incompreensivelmente, preferiu a Autoridade Tributária e Aduaneira tributar a aqui impugnante, sem cumprir o conteúdo mínimo do seu dever de descoberta da verdade material consignado no artigo 58° da Lei Geral Tributária, ou seja, de averiguar e apurar junto do contribuinte se efetivamente teriam ou não sido pagas as rendas, não relevando a fundamentação à posteriori e isto porque, no contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de Impugnação judicial, o Tribunal tem de quedar-se pela formulação de um juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextuai integrante do próprio acto, não podendo aceitar-se que o tribunal aprecie se o acto impugnado poderia basear-se noutros fundamentos invocados já a posteriori na fase administrativa da Impugnação ou na resposta a essa impugnação, sendo que a Autoridade Tributária e Aduaneira não logrou provar o bem fundado da formação da sua convicção quanto ao facto de se teriam sido ou não pagas as rendas e em que circunstâncias, e na falta dessa prova a questão relativa à legalidade do seu agir tem de ser resolvida contra ela, uma vez que tem de ser ela a suportar a desvantagem de não ter cumprido o ónus da prova que sobre si impendia, pelo que, a Autoridade Tributária e Aduaneira não logrou provar se no caso sub judice haveria lugar às retenções na fonte com referência ao exercício de 2009.
Nesta matéria, cumpre ter presente, tal como se escreveu no Ac. deste Tribunal de 13-07-2017, Proc. Nº 83/14.6BEMDL, www.dgsi.pt, que “…
Esta questão foi apreciada pelo MMº juiz nos seguintes termos:
“O sujeito passivo é, para o que interessa realçar, a pessoa colectiva que, nos termos da lei, está vinculada ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável – cfr. art.º 18.º, n.º 3 da LGT
Nos termos do art.º 20.º, n.º 1 da LGT a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte. O n.º 2 acrescenta que essa substituição é efectivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido.
Constituem retenção na fonte as entregas pecuniárias efectuadas por dedução nos rendimentos pagos ou postos à disposição do titular pelo substituto tributário. Cfr. Art.º 34.º da LGT
O regime jurídico de substituição tributária concretiza-se, então, numa relação de tipo triangular entre o substituto, a AT e o contribuinte ou substituído.
Esta substituição tributária dá lugar a uma responsabilidade tributária quando, e para o que é de relevante para estes autos, o imposto for retido e não entregue nos cofres do Estado, caso em que o substituto é o único responsável, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade pelo seu pagamento. Cfr. Art.º 28.º, n.º 1 da LGT
Neste caso a impugnante/substituta tributária pagou rendas à sociedade FN – Hipermercados S.A/ (substituída tributária). Esta sociedade procedeu à dedução das retenções na fonte em sede de IRC. Contudo, a Impugnante não fez a declaração nem o pagamento respectivo, contrariamente ao disposto no art.º. 94.º do CIRC e 119.º do CIRS, por remissão do art.º 128.º do CIRC.
Improcede, assim, a impugnação com fundamento na causa de pedir ínsita nos art.ºs 35.º a 45.º da PI”.
Uma vez que a questão foi apreciada, não ocorre omissão de pronúncia. Mas sobre esta matéria, a Recorrente impugna o acerto da prova alcançada que consta dos nºs nº 4 e 5 dos factos provados, cujo teor é o seguinte:
“4. A Impugnante procedeu à retenção na fonte de IRC sobre os rendimentos prediais pagos à sociedade FN Hipermercados, SA, o montante de 358,95 €/ mês, referente aos meses de Janeiro a Junho, e de 394,84 €/mês, relativamente aos meses de Julho a Dezembro, todos do ano de 2010 – cfr. fls. 231/v a 237;
5. A Impugnante não declarou nem pagou à AT o imposto retido a que o facto anterior alude – Cfr. PA e PI, onde a Impugnante apenas defende que não pagou à “FN” quaisquer rendas, o que é desmentido pelas notas de débito enviadas por esta sociedade à Impugnante, referidas nas fls. supra identificadas.”
A Recorrente contesta a prova destes factos remetendo para os documentos de fls. 302/367 (corresponde a fls. 302 de 367) e 315/367 (corresponde a fls. 315 de 367) que, no seu entender, provam o contrário.
O documento de 302 de 367 está junto aos autos s fls. 217 e é constituído pelo ofício n.º 1112 no qual a AT pede, entre o mais, ao PD
“(...)
Documento comprovativos (anuais) emitidos, nos termos do artigo 119º n.º 1, alínea b) do CIRS por remissão do art.º 128º do CIRC, pela JS Lda. Das importâncias de IRC retido na fonte relativamente aos rendimentos relativos à cedência sede exploração do referido espaço dos 2009, 2010 e 2011 (...)”.
Neste ofício foi manuscrita a palavra “não recebemos”.
A fls. 316 de 367 (fls. 224 dos autos) consta o extrato da conta 62611 da Recorrente com um saldo negativo de € 34.199,76.
Os factos n.º 4 e 5 foram provados com base nos documentos de fls. 231/v a 237. Estes documentos constituem notas de débito emitidas pelo PD à “JS” no valor de € 3.419,98 (cedência de exploração no montante de € 2.392,99 + 456,99 de despesas comuns acrescido de IVA) mas no final de cada um deles está escrito “Deverão V. Exa(s) liquidar-nos nos próximos 10 dias o valor indicado na presente Nota de Débito ao PD Distribuição Alimentar, S.A. através do NIB...”.
Ou seja, o conteúdo destas notas de débito permitem concluir que na data em que foram emitidas os pagamentos ainda não tinham sido efetuados (por isso foram emitidas notas de débito).
Todavia, o MMº juiz considerou o seu conteúdo relevante para prova de que os pagamentos tinham sido efetuados e feitas as retenções.
Mas parece claro que tais notas não têm a aptidão probatória que o MMº juiz lhe conferiu. A não ser que sejam conjugadas com outros elementos probatórios que desconhecemos e de que não há notícia nos autos, delas não podemos retirar que foi efetuado qualquer pagamento/retenção.
Mas parece certo que o beneficiário da retenção (PD) procedeu à dedução das retenções na fonte em sede de IRC nas respetivas declarações modelo 22 apresentadas por esta sociedade.
Se de um lado se diz que não houve retenção e do outro se procede como tendo havido, “quid juris”?
A questão terá que ser resolvida através da prova e das regras que a enformam. Como referimos, os documentos identificados pelo MMº juiz como relevantes para a prova da retenção não têm idoneidade probatória para tanto. E também não há nos autos qualquer outra prova que nos permita com segurança saber se as retenções foram ou não efectuadas, pelo que os autos deverão baixar à 1ª instância para a necessária averiguação, situação que também se verifica ao exercício de 2009, pelo que, com as devidas adaptações, vale aqui todo o raciocínio retirado do douto aresto apontado.
Por último, a Recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao não ter considerado que nunca foi validamente notificada das liquidações impugnadas como preceitua o art. 45º, nº 1 da LGT.
A este respeito, exarou-se na sentença recorrida o seguinte: “Contrariamente ao que a Impugnante alega quando invoca o art. 45º da LGT (art. 51º a 65º da PI), a liquidação de IRC não caducou porque as notificações das liquidações em causa ocorreram conforme a lei determina. Foram efectuadas apenas por carta registada porque, apesar de ter por objecto decisões susceptíveis de alterar a situação tributária da Impugnante, esta já tinha sido anteriormente notificada para efeitos do exercício do direito de audição – art. 38º, nºs 1 e 3 do CPPT”.
A Impugnante discorda do decidido, mas não ataca os fundamentos da sentença que decidiram o contrário. Louva-se na “confissão” do Exmo. Representante da Fazenda Pública nesse sentido nos artigos 25 e 26 da contestação, mas estes artigos não contêm qualquer “confissão” antes se defende que a “...falta de recebimento de qualquer aviso ou notificação não é oponível à Administração Tributária nos casos de incumprimento da obrigação de participação de qualquer alteração, no prazo de 15 dias, do domicílio (...)
De resto, os constrangimentos e a alegada falta de notificação, a existir, parecem ter sido, intencionalmente, provocados pela impugnante ao proceder à alteração da sede social para domicílio físico inexistente” (artigos 26 e 27 da contestação).
Por outro lado, como resulta do probatório (e esse julgamento de facto não vem impugnado no recurso), a ora Recorrente foi notificada para o exercício do direito de audição prévia antes da liquidação e, posteriormente, a liquidação emitida foi - lhe notificada por meio de carta registada. Ou seja, não foi preterida qualquer formalidade legal na notificação da liquidação impugnada.
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4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder parcial provimento ao recurso e, nesta medida:
a) Declarar nula a decisão na parte em que não apreciou a matéria relacionada com o facto de a Recorrente não ter sido notificada do documento de fixação/alteração em sede de IRC como preceitua o art.º 16º/3 do CIRC e bem assim no que diz respeito ao erro e manifesto excesso da matéria tributável e, em substituição, julgar a impugnação judicial improcedente em relação às questões agora apontadas.
b) Anular a decisão recorrida no que concerne à situação relacionada com a liquidação de IRC referente a Retenção na Fonte, devolvendo-se o processo ao Tribunal de 1ª instância para instrução e demais termos de acordo com o que ficou exposto em relação a este elemento.
c) No mais, manter a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente, na proporção do decaimento.
Notifique-se. D.N.
Porto, 04 de Julho de 2019
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Cristina da Nova
Ass. Ana Paula Santos