Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01481/08.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/10/2013
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:IVA. IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ANULAÇÃO PARCIAL DO ACTO TRIBUTÁRIO PELA AT
CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:I. A nulidade por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que, de acordo com o disposto no artigo 660º, nº2 do CPC [aplicável ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT], significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
II. O facto de a AT, em sede de contestação, ter levado ao conhecimento do Tribunal (com junção dos respectivos elementos de prova), a anulação (total e parcial) dos actos tributários objecto da impugnação judicial – com óbvias consequências em termos do objecto da impugnação judicial - era questão que não podia deixar de ser apreciada pela Mma. Juiz a quo.
III. Assim sendo, há que concluir que a sentença incorreu em omissão de pronúncia, verificando-se, pois, a nulidade a que se referem os artigos 668º, nº1, alínea d), do CPC e 125º, nº1, do CPPT.
IV. Considerando que esta nulidade – por omissão de pronúncia – apenas afecta uma parte autonomizável da sentença, impõe-se a anulação parcial da mesma pois, daquilo que se trata é da não pronúncia sobre a anulação (total, num caso, e parcial, noutro caso) dos actos tributários impugnados, pelo que só parcialmente esta nulidade afecta a sentença recorrida (até porque, como no caso sub judice, importa não ignorar que a liquidação de imposto constitui um acto divisível, susceptível de anulação parcial).
V. Atenta a superveniência das anulações operadas e o pedido formulado na impugnação judicial –serem anuladas as liquidações de IVA a que se referem os documentos de cobrança juntos aos autos -pode dizer-se que na parte correspondente ao montante anulado, a pretensão do Recorrente encontrou já satisfação, verificando-se assim, nessa medida, a impossibilidade superveniente da lide.
VI. Consequentemente, julgando em substituição, ao abrigo do disposto no artº 715º do CPC, há que julgar parcialmente extinta a instância, nos termos previstos no artigo 287º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do CPC.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Município de Braga
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Anulada a sentença recorrida
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

1- RELATÓRIO

O Município de Braga, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra os actos tributários de liquidação adicional de IVA nºs 08119056 (€ 87.810,00) e 08119058 (€ 5.489.946,10) respeitantes aos períodos de 09T e de 12T, do ano de 2004, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:

I. Na sequência da presente Impugnação Judicial, e tendo constatado o erro, a AF, por despacho do Substituto legal do Director-Geral, de 10.11.2008, mandou anular na totalidade a liquidação adicional de IVA n.º 08119058 e parcialmente a Liquidação Adicional de IVA n.º 08119056, seguindo apenas esta última pelo valor residual de € 71.699,13 (se bem que não se entende minimamente o porquê deste valor).

II. Na contestação, o Representante da Fazenda Publica, no ponto 114, reconhece que foram anuladas as liquidações, juntando o Anexo B com o despacho de anulação das referidas liquidações, mas de forma algo incompreensível, não requer a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto à liquidação 08119058 e alteração do montante liquidado quanto à liquidação 08119056.

III. Na douta decisão, nada é dito na matéria de facto quanto à anulação das liquidações, (anulação total da primeira e parcial da segunda) e, consequentemente, não se ordena como deveria, a extinção da instância quanto à liquidação 08119058 e correcção do valor da liquidação 08119056.

IV. Trata-se assim, de matéria que deveria ter sido conhecida na douta decisão recorrida, com influência decisiva na fundamentação e na decisão final.

V. Pelo exposto a douta decisão é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 668, n.º1, al. d) do CPC.

VI. Resulta dos princípio e normas subjacentes às decisões jurisprudenciais do TJUE invocadas nas presentes alegações, que o Município de Braga, ao ceder, através do contrato em apreço, o Novo Estádio Municipal (que é um bem do seu domínio privado), com o intuito de o rentabilizar (entenda-se, receber receitas pela cedência e não ter que suportar os encargos decorrentes da sua gestão corrente), para o S. C Braga organizar jogos de futebol profissional (atividade lucrativa), operou uma “atividade económica”, agindo como um verdadeiro sujeito passivo de IVA, para efeitos do artigo 9º da Diretiva IVA.

VII. O que define um ato como “ato de autoridade pública” é o ato em si, os seus pressupostos e efeitos jurídicos, o facto de o mesmo ter sido praticado no âmbito do ius imperii próprio dos poderes de autoridade, e não causas extrínsecas ou estranhas ao ato, como se pretende na decisão recorrida.

VIII. O facto do Município de Braga ter atribuições na área do planeamento desportivo, construção e gestão de infraestruturas desportivas apenas legitima, do ponto de vista do princípio da legalidade, a construção e gestão do Novo Estádio Municipal, mas não qualifica automaticamente – como se pretende na decisão recorrida - como ato de gestão pública o contrato em análise.

IX. O contrato em apreço foi celebrado por razões de racionalização económica (razões de gestão em sentido estrito), de cedência de um bem do domínio privado do Município, sob pagamento de uma renda e assunção, pelo clube contratante, dos custos da gestão corrente do bem, tratando-se, por isso, de um ato de comércio, próprio do direito privado.

X. Clubes de futebol, associações, autarquias têm um verdadeiro mercado de troca (alugueres) de campos de futebol de onze, sendo que o próprio SC Braga aluga campos e estádios a outros clubes do concelho para jogos e treinos, a autarquia de Braga possui mais dois campos (estádios) que aluga e cede gratuitamente a clubes do concelho. Ou seja, ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, existe um verdadeiro mercado para a prestação dos serviços em causa, isto é, para a cedência de campos e estádios de futebol.

XI. O artigo 63º do CPPT é uma norma de direito processual, pelo que a argumentação constante da decisão recorrida não pode convencer. Na verdade, a Diretiva IVA preceitua sobre normas e princípios relativos a incidência, isenção, matéria colectável e outras matérias de direito substantivo, isto é, não dispõe sobre questões processuais, tais como prazo de prescrição, de caducidade, formalismos inspectivos, exercício do contraditório, etc.

XII. Entender-se que o artigo 63º, ao exigir um procedimento próprio, para a aplicação de disposições anti-abuso, restringe a aplicação das normas e princípios da Diretiva IVA é o mesmo que entender que o artigo 45º da LGT, ao impor um prazo de caducidade na liquidação do IVA, restringe e limita a aplicação do direito comunitário relativo a este imposto, já que, como se referiu, a Diretiva IVA não contém normas sobre caducidade, prescrição, exercício do contraditório, etc., mas sim normas e princípios de direito substantivo (incidências, isenções, matéria colectável, conceitos, etc…).

XIII. Não tendo a Administração Fiscal seguido o procedimento previsto no artigo 63º do CPPT, os atos de liquidação e atos de correcção posteriores fundamentados no relatório da inspecção fiscal (aberto para além dos 3 anos após a cláusula alegadamente abusiva) são ilegais e devem ser anulados.

XIV. O conceito de prática abusiva decorrente da jurisprudência do TJCE, em especial no Ac. Halifax, transporta consigo, indisputadamente, um abuso de formas na medida em que o juízo de abuso (ou a sua hipótese) emana de um complexo de operações motivado exclusivamente por razões fiscais. Quer dizer, não fora a perseguição de vantagens fiscais, não se estaria perante um complexo de operações.

XV. Esta conclusão sai ainda reforçada pela circunstância de o Tribunal sempre afastar do conceito de práticas abusivas o exercício de uma opção fiscal que, para além de ser legítima, nos coloca no plano das alternativas do contribuinte entre uma operação ou outra, por oposição a um complexo de operações.

XVI. Para melhor se ilustrar esta ideia, bastará que atentemos no seguinte exemplo: não há dúvidas de que uma renúncia à isenção, tal como prevista entre nós no art.º 12.º do Código do IVA, não constitui uma prática abusiva, mas antes o exercício legítimo da chamada “opção fiscal” ou do exercício de um “direito de escolha de natureza fiscal” . Não obstante, tal opção pode comportar por um lado, a obtenção de um benefício fiscal que gere um desequilíbrio na neutralidade do imposto (na medida em que o imposto a cuja dedução se tem direito pode ser muitíssimo superior ao imposto a gerar na actividade tributada) e, por outro lado, é óbvio que existe uma inequívoca motivação fiscal na escolha empreendida pelo contribuinte. Ora aqui seria incompreensível uma qualquer “censura” – o legislador assim mesmo o quis.

XVII. Com efeito, nestas circunstâncias, o TJCE não tem qualquer pejo em afirmar que não está em causa uma prática abusiva. E, sublinhe-se, pode dar-se o caso de o desequilíbrio entre o imposto legitimamente deduzido e o imposto gerado na actividade tributada ser drástico, o que é já suficiente para afastarmos a ideia de que “o desequilíbrio na neutralidade do imposto” radica exclusiva e forçosamente nesta estrita relação financeira ou economicista.

XVIII. Questão diversa é aquela, como a que o Tribunal enfrentou no Ac. Halifax, em que em lugar de um contrato de empreitada para a construção de quatro call centers, entre duas entidades, se celebram mais de 30 contratos em menos de 6 meses, envolvendo mais de 5 entidades. É a diferença entre uma operação (que teria, desde logo, as suas alternativas legítimas, inclusivamente de natureza fiscal) e um complexo de operações, ou até – porque não dizê-lo – diversas formas em lugar de uma apenas.

XIX. É por esta razão, de partida, que entendemos que o conceito de prática abusiva – também para efeitos de IVA – se escreve sobre o conceito de abuso entendido como abuso de formas. É o que resulta dos factos analisados (descritos nos diversos Acórdãos, em especial o Ac. Halifax), é o que resulta da expressão literal sempre empregue (é sempre feita referência a “operações”, pretendendo-se assim afastar tal juízo de uma simples “operação”), é o que resulta, finalmente, do espírito e lógica de um sistema que não proíbe o livre exercício da gestão fiscal.

XX. a Administração fiscal encontra (procura?) na jurisprudência do TJCE, em especial no Ac. Halifax, uma cláusula anti-abuso que prescinde do abuso de formas, invadindo, assim, um domínio sagrado do Estado Fiscal que, em absoluta harmonia com o sistema comunitário, protege a liberdade de iniciativa e de organização empresarial, na sua expressão de gestão ou opção fiscal.

XXI. Sucede que é meramente aparente a ideia de que o Direito Comunitário, para efeitos de IVA, prescinda do abuso de formas na afirmação da proibição de práticas abusivas. E por isso entendemos que a afinidade entre o n.º 2 do art.º 38.º, e especialmente do n.º 2 do art.º 63.º, com o princípio geral anti abusivo inerente ao sistema do IVA decorrente do direito comunitário é, com efeito, intensa. Aliás, diríamos mesmo que este princípio de Direito Comunitário se subsume integralmente na previsão do mencionado n.º 2 do art.º 63., na justa medida em que, em rigor, do que falamos é de um princípio “que consagra a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.”.

XXII. Ora, no que ao caso do Município de Braga se refere, a distinção sob análise entre o simples exercício de um direito de escolha e o abuso de formas jurídicas é de grande relevo. É que, justamente, o contrato programa celebrado entre o Município e o SCBraga, nos seus exactos termos, é a expressão legítima de um simples direito de escolha. Fora, portanto, do âmbito quer da cláusula geral anti-abuso interna (constante do n.º 2 do art.º 38.º da LGT) quer do princípio geral anti abusivo inerente ao sistema do IVA, uma vez que este, como vimos, também este não dispensa o elemento “abuso de formas”.

XXIII. O contrato em apreço resulta exclusivamente do “direito de escolha de natureza fiscal” que assiste ao Município de Braga e do qual, livremente, não prescindiu. É verdade que desse contrato programa resultou uma eficiência fiscal e que essa eficiência fiscal foi expressamente visada pela CMB. Mas é também verdade que o contrato programa não se submeteu a qualquer abuso de formas, para além de não ter tido qualquer intuito fraudulento nem ter colocado em crise os objectivos prosseguidos pelo sistema do IVA.

XXIV. O que se conclui, forçosamente, é que o exercício do direito à dedução por parte da Impugnante, no caso em apreço, não é passível de qualquer censura, não emana de qualquer prática abusiva mas antes de um exercício legítimo e tutelado, seja pela ordem jurídica interna seja pela comunitária.

XXV. Para o caso de não se entender assistir razão à Impugnante quanto aos argumentos invocados no presente recurso e na impugnação judicial, ou caso subsistam dúvidas na esfera do Tribunal sobre a interpretação das normas e princípios de direito comunitário invocados, solicita-se, ad cautelem, a suspensão de instância e o correspondente reenvio prejudicial ao TJUE, para que a instância comunitária se pronuncie sobre a compatibilidade da interpretação proposta pela decisão recorrida e, no que concerne à questão da cláusula abusiva, pela Administração Tributária portuguesa, em face dos princípios e normas que constituem o sistema comum do IVA, designadamente se:

a) -o Município de Braga, ao ceder, através de um contrato o Novo Estádio Municipal (que é um bem do seu domínio privado), com o intuito de o rentabilizar (entenda-se, receber receitas pela cedência e não ter que suportar os encargos decorrentes da sua gestão corrente), para o S. C Braga organizar jogos de futebol profissional (atividade lucrativa), operou uma “atividade económica”, agindo como um verdadeiro sujeito passivo de IVA, para efeitos do artigo 9º da Diretiva IVA ?

b) a cedência temporária e onerosa por uma Autarquia de um bem do seu domínio privado a um clube de futebol, para este organizar jogos de futebol profissional, deve ser considerada como uma operação exercida na “qualidade de autoridade pública”, para efeitos de aplicação do artigo 13º da Diretiva IVA ?

c) A interpretação do artigo 63º do CPPT, no sentido de abranger toda e qualquer situação de liquidação de tributos com base em disposições anti-abuso (incluindo-se as decorrentes do direito comunitário) é contrária ou restringe a aplicação de normas e princípios do sistema comum do IVA?

d) A existência de um só contrato entre duas entidades, com cláusulas simples, objectivas e de execução transparente (inexistindo qualquer abuso de formas), poderá consubstanciar prática abusiva no âmbito do sistema comum de IVA, tal como este conceito tem vindo a ser interpretado pelo TJUE, ou poderá entender-se como um direito legítimo de planeamento e escolha fiscal?

Pedido:

Pelo exposto,

a) – deverá ser declarada nula a decisão recorrida, por omissão de pronúncia; ou, se assim não se entender,

b) - deverá conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e reconhecendo-se o direito do Município à dedução do IVA suportado na construção do Novo Estádio Municipal, e, em consequência, anular as liquidações impugnadas, ou, se assim não se entender, suspender a instância e ordenar o correspondente reenvio prejudicial ao TJUE, para que a instância comunitária se pronuncie sobre a compatibilidade da interpretação proposta pela decisão recorrida e, no que concerne à questão da cláusula abusiva, pela Administração Tributária portuguesa, em face dos princípios e normas que constituem o sistema comum do IVA, formulando-se as questões enunciadas no ponto 96 das presentes alegações ou outras que este Tribunal considere adequadas”.


*

A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

*

O presente recurso jurisdicional foi inicialmente dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo (STA), onde, por acórdão de 05/07/12 (proc. 53/12), foi julgada “a Secção de Contencioso Tributário do STA incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso jurisdicional, declarando-se competente para o efeito o Tribunal Central Administrativo Norte.

Com efeito, refere o citado acórdão que “o recorrente invoca, como fundamento da sua pretensão, além do mais, os factos constantes da conclusão I, dos quais pretende extrair consequências jurídicas, a saber, que “por despacho do Substituto legal do Director-Geral, de 10.11.2008, mandou anular na totalidade a liquidação adicional de IVA n.º 08119058 e parcialmente a Liquidação Adicional de IVA n.º 08119056, seguindo apenas esta última pelo valor residual de € 71.699,13” e ainda que “não se entende minimamente o porquê deste valor”.

Oportunamente, foi requerida a remessa dos autos a este Tribunal Central Administrativo.


*

Já no Tribunal Central Administrativo Norte, foi dada vista ao Exmo. Magistrado do Ministério Público, o qual emitiu parecer no sentido de o presente recurso não merecer provimento.

*

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

*

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º e 684º, nºs 3 e 4, todos do CPC, ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT].

Nesta conformidade, podemos assentar em que as questões suscitadas pela Recorrente, aqui a apreciar, são as seguintes:

(i) Saber se a sentença recorrida errou ao não considerar, em sede de julgamento da matéria de facto, o facto de a Administração, por despacho do Substituto legal do Director-Geral, de 14.11.2008, ter anulado na totalidade a liquidação adicional de IVA nº 08119058 e parcialmente a liquidação adicional de IVA n.º 08119056, mantendo-se apenas esta última pelo valor residual de € 71.699,13;

(ii) Saber se a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia, na medida em que não julgou (parcialmente) extinta a instância, em face da anulação do acto de liquidação de IVA nº 08119058 e da anulação parcial do acto de liquidação de IVA nº 08119056;

(iii) Saber se a sentença recorrida errou no julgamento de direito efectuado, mantendo os actos de liquidação impugnados, não reconhecendo o direito do Município de Braga a deduzir o IVA suportado na construção do Novo Estádio Municipal;

(iv) Saber se a sentença recorrida errou no julgamento de direito efectuado ao considerar não aplicável ao caso concreto o disposto no artigo 63º do CPPT, não reconhecendo, por conseguinte, a ilegalidade de todo o procedimento adoptado pela Administração Tributária;

(v) A Recorrente coloca ainda a questão de este Tribunal - a subsistirem dúvidas sobre a interpretação das normas e princípios do direito comunitário, tal como foram invocados - proceder ao reenvio prejudicial ao TJUE para que este se pronuncie, além do mais, sobre as interrogações interpretativas que coloca, suspendendo-se a presente instância.


*

2 – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, a qual se reproduz ipsis verbis:

“Pelos documentos juntos aos autos com relevância para o caso, considero provados os seguintes factos:

1. A Administração fiscal procedeu às liquidações adicionais de IVA, n.° 08119056 e 08119056, relativa ao período de 0412T e 0409T, no valor de 5.489.946,01 € e 87.810,41 €, ambos com data limite de pagamento em 30.09.2008 (fls. 57 e 58 dos autos) – e não 30/09/09, como por lapso consta da sentença;

2. Entre os anos de 2000 e 2004, o Município de Braga construiu um estádio de futebol, no âmbito da organização da Fase Final do Campeonato Europeu de Futebol 2004 - facto notório e admitido por acordo (artigos 6 ° da petição inicial e 10º da Contestação).

3. Para realizar esta construção, o Município de Braga celebrou os seguintes acordos de financiamento:

a) Em 5 de Junho de 2000, o designado “Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo”, celebrado com o Instituto Nacional de Desporto e a Euro 2004, SA, para obtenção de uma comparticipação financeira de 25% dos custos elegíveis de cada factura, até ao valor de 1,5 milhões de contos - cfr. documento de fls. 216-224, maxime as cláusulas quinta e sexta.

b) Em 16 de Julho de 2001, o “Contrato-programa a celebrar entre a Câmara Municipal de Braga e o Instituto das Estradas de Portugal”, para obtenção da quantia máxima de €3.349.548,00, equivalentes a Esc. 671.524.000$00, que corresponde ao custo referente à parte rodoviária, incluindo separadores centrais, restabelecimentos e rotundas, com exclusão de tudo o mais - cfr. documento de fls. 202-206 maxime o ponto 10.

c) Em 1 de Fevereiro de 2002, outro designado “Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo”, celebrado com o Instituto Nacional de Desporto e a Portugal 2004 - Sociedade de Acompanhamento e Fiscalização do Programa de Construção dos Estádios e Outras Infra-Estruturas paro a Fase Final do Campeonato Europeu de Futebol de 2004, SA, para concessão de uma comparticipação nas despesas, a realizar pela Câmara Municipal de Braga, para cumprimento do programa de construção dos lugares de estacionamento para veículos ligeiros e para autocarros, em parques, subterrâneos ou à superfície, integrados no perímetro de segurança do estádio, nos termos e condições exigidos pela UEFA, até ao valor de € 341.302,00 - cfr. documento de fls. 192-199, maxime, as cláusulas primeira e quarta.

d) Em 17 de Janeiro de 2003, o designado “Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo no Âmbito do QCA III”, celebrado com a Presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte, o Instituto Nacional do Desporto e o Coordenador Nacional da Intervenção Operacional Regionalmente Desconcentrada da Medida Desporto, e Câmara Municipal de Braga, poro concessão de uma comparticipação financeira global até ao montante máximo de € 7.481,968,45 - cfr. documento de fls. 133-142, cláusulas primeira.

4. No âmbito dessa construção, o Município suportou IVA num montante superior a € 5.000.000,00 - facto admitido por acordo (artigos 6.° da petição inicial e 12.° da contestação):

5. No dia 9 de Novembro de 2004, o Município de Braga acordou com o Sporting Clube de Braga a cedência do Novo Estádio Municipal de Braga, através de escrito designado por “Contrato-Programa para a cedência de utilização e dinamização de infra-estruturas desportivas e melhoramento das condições gerais da prática desportiva (nos termos do Decreto-Lei 432/91, de 6.11)”, conforme consta de fls. 226-234 dos autos que aqui por integralmente reproduzido;

6. Com relevância para a decisão, do referido contrato consta, o seguinte:


Preâmbulo

Considerando que o Novo Estádio Municipal de Braga é a mais importante e moderna infra-estrutura do concelho de Braga, estando principalmente vocacionada para a prática do futebol de alta competição;

Considerando que a dinamização, rentabilização e correcta gestão do Novo Estádio Municipal possa, entre outras actividades, pela organização de espectáculos de futebol de alta competição, designadamente jogos da 1ª. Liga Profissional, da Taça de Portugal e de carácter internacional;

Considerando que o Sporting Clube de Braga é a colectividade desportiva que, na modalidade de futebol, tem maior currículo e representatividade no concelho, sendo a única que participa, com regularidade, em jogos de alta competição;

Considerando que a actual dimensão social do futebol transforma os clubes em verdadeiros pólos de aglutinação dos valores da comunidade que representam;

Considerando o papel fundamental que o Sporting Clube de Braga tem tido na área da formação de jovens e no fomento da actividade desportiva;

Considerando que o Município de Braga e o Sporting Clube de Braga tem já uma longa tradição de colaboração na gestão de instalações desportivas, designadamente no caso do Estádio 1º de Maio, que tem vindo a ser gerido pelo clube bracarense, sob determinadas regras e condições impostas pelo Município.

Considerando, ainda, que a entrega ao Sporting Clube de Braga de parte da gestão corrente do Novo Estádio Municipal, designadamente no âmbito da organização de espectáculos desportivos. é a melhor forma de rentabilizar e dinamizar esta infra-estrutura, bem como de projectá-la na comunidade bracarense;

é celebrado o presente contrato-programa, o qual há-de reger-se pelas cláusulas seguintes, bem como pelo Decreto-Lei n.° 432/91, de 6.11.

Outorgantes:

1. Município de Braga (...)

2. Sporting Clube de Braga (...)


(...)

Cláusula Primeira

(Condições gerais)


1. O Município de Braga, proprietário do Novo Estádio Municipal de Braga, cede as respectivas instalações desta infra-estrutura desportiva ao Sporting Clube de Braga, nos termos e nas condições definidas no presente contrato-programa.

2. Carece de autorização prévia do Município de Braga toda a utilização do Novo Estádio Municipal fora do âmbito do presente contrato-programa, isto é, sempre que esteja em causa a utilização das instalações por um terceiro.

3. Sempre que o Município necessite de utilizar o Novo Estádio Municipal para a organização de qualquer evento, deverá comunicar o facto ao Sporting Clube de Braga com, pelo menos, IS dias de antecedência.

4. Caberá à entidade organizadora do espectáculo a responsabilidade pelos danos materiais que, no decurso desse mesmo espectáculo, vierem a ser provocados no Estádio.

(…)


Cláusula Terceira

(Deveres do S.C. Braga)


1. Constituem deveres do Sporting Clube de Braga:

a) Assegurar o normal e eficaz funcionamento de fada a logística de apoio à organização dos eventos e jogos organizados pelo clube e em que este participe, ou sejam da sua iniciativa, bem como apoiar os que sejam da iniciativa do Município.

b) Suportar os encargos financeiros decorrentes da gestão corrente da infraestrutura, designadamente água, electricidade, gás e outras.

c) Solicitar autorização ao Município para a execução de qualquer tipo de obra nas instalações cuja utilização é cedida, bem como para a localização dos espaços publicitários, quer no inferior, quer no exterior do Novo Estádio Municipal.

2. As obras ou quaisquer outras benfeitorias realizadas na infra-estrutura pelo S.C. Braga integram-se automaticamente na mesma, ficando propriedade do Município, não sendo devida qualquer compensação ou indemnização ao clube pela sua execução.


Cláusula Quarta

(Direitos do Município)


Constituem direitos do Município de Braga:

a) Utilizar o Novo Estádio Municipal de Braga para a organização de eventos desportivos, culturais ou lúdicos, desde que comunique o facto nos termos do número três da cláusula primeira, devendo articular tal utilização com o clube bracarense, sempre que a mesma possa conflituar com compromissos assumidos por este no âmbito da sua participação em competições desportivas;

b) Gerir a designada “tribuna principal” em todos os eventos organizados pelo Sporting Clube de Braga ou em que este participe, que fica, assim, reservado para o Município, podendo, no entanto, e sob autorização do Município, serem disponibilizados alguns lugares paro os Corpos Sociais do Sporting Clube de Braga e entidades convidadas;

c) Utilizar 15 lugares, devidamente marcados, no parque de estacionamento subterrâneo em todos os eventos organizados pelo SC Braga ou em que este participe;

d) Utilizar um espaço com dimensões suficientes, escolhido pelo Município, para assegurar a guarda de material e a colocação do pessoal necessário para a gestão técnica do Estádio.


Cláusula Quinta

(Deveres do Município)


Constituem deveres do Município de Braga:

a) Assegurar a manutenção e conservação geral do Novo Estádio Municipal e espaços exteriores:

b) Assegurara tratamento do relvado:

c) Assegurar a limpeza das bancadas e dos espaços de circulação:

d) Assegurar a limpeza e tratamento dos espaços exteriores:

e) Assegurar a gestão técnica do Novo Estádio Municipal de Braga:

f) Emitir parecer do vínculo nos termos do n.° 3 da Cláusula 2.°

g) Assumir os custos da utilização do Estádio em eventos organizados pela Município.


Cláusula Sexta

(Acompanhamento e execução da contrato-programa)


1. Compete ao Município de Braga fiscalizar a correcta execução do presente contrato-programa, podendo, sempre que o entender, levara efeito inspecções, inquéritos ou sindicâncias.

2. Anualmente, o Sporting Clube de Braga deverá enviar ao Município de Braga um relatório detalhado sobre a gestão e utilização do Novo Estádio Municipal, com referências ao número de eventos aí realizados, número de espectadores, utilização comercial dos lugares, número de espaços publicitários explorados, condições gerais e especiais das instalações e outros elementos que se afigurem importantes.

(…)


Cláusula Oitava

(incumprimento do contrato-programa)


1. Havendo incumprimento dos termos estipulados neste contrato-programa, serão aplicadas as regras previstas no artigo 17.° do DL. n.° 432/91. de 6.11.

(…)


Cláusula Nona

(Contencioso)


Os litígios emergentes da execução do presente contrato-programa serão submetidos a arbitragem, nos termos do art. 18º do DL n.° 432/91, de 6.11.

Cláusula Décima

(Prazo e início do vigência)


1. O presente contrato-programa tem a duração de 30 anos, contados a partir da data da respectiva outorga, podendo ser renovado por igual período, havendo acordo entre os outorgantes.

2. O início de execução deste contrato-programa coincide com a data da respectiva outorga, ficando, esta, ratificada todos os actos já praticados pelo clube que caibam no respectivo âmbito de aplicação. (...)” - cfr. documento a fls. 510-518 dos autos.

7. No dia 4 de Novembro de 2004, em reunião da Câmara Municipal de Braga, foi aprovada a seguinte deliberação que aditou a Cláusula Terceira - A ao contrato referido no ponto anterior:

“ -Considerando que o custo suportado pelo Município de Braga na construção do Novo Estádio Municipal transforma esta infra-estrutura desportiva num verdadeiro bem de investimento financeiro susceptível de gerar receita;

- Considerando, por outro lado, que nos termos do presente contrato-programa compete ao S.C. de Braga assegurar o pagamento dos encargos financeiros decorrentes da gestão do estádio, tais como água, electricidade, gás e outros, sendo que tais encargos assumem um valor mensal considerável;

- Considerando, por último, que através deste contrato-programa se opera, entre outras coisas, uma cessão de exploração do Estádio ao SC de Braga, infra-estrutura totalmente equipada paro o desenvolvimento da actividade do clube no âmbito da organização de espectáculos desportivos.

As partes outorgantes decidem, por mútuo acordo, introduzir uma nova cláusula no contrato-programa em vigor, com o seguinte teor:


Cláusula Terceira - A

(Preço da exploração)


1 - Pela utilização e exploração do Novo Estádio Municipal, o Sporting Clube de Braga deverá pagar ao Município de Braga uma renda pecuniária anual no montante de 6.000 (SEIS MIL EUROS), valor sobre o qual acresce o IVA à taxa que vigorará data do respectivo pagamento.

2 - A renda deverá ser paga até ao dia 31 de Janeiro do ano a que respeitar, na Tesouraria da Câmara Municipal de Braga.

3 - A renda será actualizada anualmente com uma percentagem igual à taxa oficial de inflação.” - Cfr. fls. 266 e seguintes dos autos.

8. No âmbito do cláusula referida no ponto anterior, o Município cobrou anualmente ao clube a quantia de € 6.000,00, acrescida de IVA - facto admitido por acordo.

9. Na declaração periódica de IVA relativa ao quarto trimestre de 2004, o Município de Braga formulou um pedido de reembolso no montante de €5.506.057,29 que foi indeferido por acto do Subdirector-Geral dos Impostos, de 14 de Novembro de 2008, acto que é impugnado - cfr. fls. 84 a 86 dos autos.

10. O impugnante no período entre 2000 até ao terceiro trimestre de 2004, não deduziu IVA cfr. fls. 84 a 86 dos autos.;

11. Em 9 de Março de 2009, teve início uma acção inspectiva que fiscalizou os exercícios de 2005 a 2008 da qual foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária, constante de fls. 330 a 353 dos autos:

12. Desta acção inspectiva resultaram dois tipos de correcções, uma relacionada com a não dedutibilidade do IVA suportado com a construção do estádio conforme fundamentos explanados no ponto III.1 do Relatório de Inspecção Tributário e outra relativa a operações sujeitas a IVA, constante de fls. 330 a 353 dos autos;

13. A Divisão de Contabilidade da Câmara Municipal de Braga emitiu uma informação sobre as despesas de manutenção do Novo Estádio Municipal de Braga, com o valor global de € 829.926,69, constante de fls.283 dos autos, com o seguinte teor:

“Ano 2005
Tratamento do relvado e reparações nas máquinas de tratamento da relva €9.196,63
Ligação ADSL e equipamento informático e de monitorização da cobertura€ 15.400,46
Reparações no edifício para manutenção e despesas diversas€ 380.592,97
Equipamento de vigilância € 1.254,17
Soma € 406.444.83
Ano 2006
Tratamento do relvado e reparações nas máquinas de tratamento da relva €9.215,58
Ligação ADSL e equipamento informático e de monitorização da cobertura€ 452,54
Reparações no edifício para manutenção e despesas diversas€ 402.161,44
Reparações em equipamento€ 11.652,30
Soma € 423.481,86
14. Em 14.10.2008 foi deduzida a presente impugnação judicial.

Formou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos constantes dos autos.

Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão”.


*

Importa, desde já, proceder a uma correcção ao ponto 9 dos factos provados.

No ponto 9 da matéria de facto consta: “9. Na declaração periódica de IVA relativa ao quarto trimestre de 2004, o Município de Braga formulou um pedido de reembolso no montante de €5.506.057,29 que foi indeferido por acto do Subdirector-Geral dos Impostos, de 14 de Novembro de 2008, acto que é impugnado - cfr. fls. 84 a 86 dos autos” (sublinhado nosso).

A alusão ao acto impugnado traduz um lapso manifesto, pois que, como decorre não apenas do relatório (“O Município de Braga, (…) vem impugnar as seguintes liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado: n.° 08119058 referente ao período 0412T, no montante de 5.489.946,01€, e n.° 08119056 referente ao período 0409T no montante de 87.810,41 €”), como também do próprio dispositivo da sentença (“…julgo não provada e improcedente a presente impugnação judicial, mantendo-se as liquidações impugnadas”), daí se retira, sem margem para dúvidas, que os actos tributários objecto de impugnação judicial correspondem, tal como expressamente impugnados, às liquidações adicionais de IVA nºs 08119056 (€ 87.810,00) e 08119058 (€ 5.489.946,10) respeitantes, respectivamente, aos períodos de 09T e de 12T, do ano de 2004. Trata-se, de resto, dos actos tributários de liquidação devidamente identificados no ponto 1 da matéria de facto, no qual, correctamente, se remete para os documentos de fls. 57 e 58 dos autos.

Assim sendo, corrige-se a formulação do referido ponto 9, do qual passará a constar o seguinte:

9. Na declaração periódica de IVA relativa ao quarto trimestre de 2004, o Município de Braga formulou um pedido de reembolso no montante de €5.506.057,29 que foi indeferido por acto do Subdirector-Geral dos Impostos, de 14 de Novembro de 2008 – (…)”;


*

Da nulidade da sentença - omissão de pronúncia

Autonomizadas as questões a apreciar, aquela que importa primeiramente apreciar é a que resulta das conclusões II, IV e V, ou seja, saber se a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia, na medida em que, não relevando a anulação do acto de liquidação de IVA nº 08119058 e a anulação parcial do acto de liquidação de IVA nº 08119056, absteve-se de julgar (parcialmente) extinta a instância, como lhe competia.

Com efeito, sublinha a Recorrente, “Na contestação, o Representante da Fazenda Publica, (…), reconhece que foram anuladas as liquidações, juntando o Anexo B com o despacho de anulação das referidas liquidações (…)”; “trata-se (…) de matéria que deveria ter sido conhecida na douta decisão recorrida (…)”, o que, a não ter sucedido, importa a nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668º, n.º1, alínea d) do CPC.

E, na realidade, em sede de contestação (cfr. artigos 36 a 38 e 114), a Fazenda Pública não apenas afirmou que “entretanto, procedeu-se à anulação total da liquidação adicional nº 08119058, relativa ao 4º trimestre de 2004, no valor de € 5.489.946,01, e à anulação parcial da liquidação (€ 16.111,28) relativa ao 3º Trimestre de 2004, procedendo-se em conformidade, no que tange às liquidações de juros compensatórios”, mas esclareceu também que “presentemente, subsiste apenas a liquidação relativa ao IVA que foi deduzido indevidamente, no valor de € 71.699, e correspondente ao IVA que deixou de ser entregue no 3º Trimestre de 2004”. Refere, ainda, a Fazenda, em conclusão, que “não assiste razão à Impugnante, uma vez que, em devido tempo, diligenciou a Administração Fiscal pela correcção dos montantes das liquidações que se encontravam em excesso, procedendo à anulação total da liquidação adicional relativa ao 4º Trimestre e à anulação parcial da liquidação adicional relativa ao 3º Trimestre de 2004 (…)”.

Acresce que, para documentar tais anulações, a Fazenda Pública fez juntar aos autos o anexo B do PA, composto por nove páginas, onde se inclui a cópia da Mod. 344 (IVA), do despacho, de 31/12/08, proferido pelo Director de Finanças-Adjunto, da Direcção de Finanças de Braga, do despacho de 14/11/08, proferido pelo Subdirector-Geral dos Impostos, na qualidade de Substituto legal do Director-Geral e, ainda, dois prints respeitantes à tramitação do processo de execução fiscal nº 34252000801092111.
Ora, a leitura da sentença não deixa margem para dúvidas: a anulação (total e parcial) das liquidações impugnadas, de que a Fazenda Pública deu conhecimento (e documentou) em sede de contestação, não foi sequer abordada, pelo que, naturalmente, nenhuma consequência jurídica foi extraída pelo Tribunal a quo desse circunstancialismo. Basta atentar no segmento decisório da sentença - Em consequência do exposto, julgo não provada e improcedente a presente impugnação judicial, mantendo-se as liquidações impugnadas - para perceber que assim aconteceu.

Mas vejamos se estamos em face de uma omissão de pronúncia geradora da nulidade da sentença, nos termos plasmados no artigo 125º, nº1 do CPPT.

Dispõe o artigo 125º nº 1 do CPPT que “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

A nulidade por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que, de acordo com o disposto no artigo 660º, nº2 do CPC [aplicável ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT], significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Portanto, a apontada nulidade só ocorre nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” - Vide, Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363. Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13/07/11 e de 20/09/11, proferidos nos recursos nºs 0574/11 e 0268/11, respectivamente.

A este propósito, importa recordar Alberto dos Reis, segundo o qual “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” - Vide, Alberto dos Reis, CPC, anotado, Volume V, pág. 143.

No caso, deixámos já explicitado o que defende o Recorrente, isto é, que em face da anulação das liquidações impugnadas, o Tribunal não podia ignorar tal facto, retirando daí as inerentes consequências jurídicas, extinguindo parcialmente a instância. Tal não se verificou, como dissemos já.

E a razão não pode deixar de estar com o Recorrente; vejamos porquê.

Efectivamente, em sede de contestação, a Fazenda Pública levou ao conhecimento do Tribunal recorrido o seguinte circunstancialismo fáctico, acompanhado dos respectivos documentos demonstrativos de tal:

- após ter sido deduzida a impugnação judicial, em 14/10/08, a Administração Tributária, em 14/11/08, por despacho proferido pelo substituto legal do Director Geral dos Impostos procedeu à anulação total da liquidação adicional de IVA nº 08119058, referente ao período 0412T, emitida pelo valor de € 5.489.946,01, e anulou parcialmente, na importância de € 16.111,28, a liquidação adicional de IVA nº 08119056, referente ao período 0409T, a qual passou a valer pelo montante de € 71.699,13 (e não já pelo € 87.810,41 iniciais).

A Fazenda Pública, tal como decorre da leitura da contestação, não promoveu a extinção (parcial) da instância.

Ora, tal como entendemos esta questão, diremos que o facto de uma das partes, como ocorreu, ainda em sede de contestação, ter levado ao conhecimento do Tribunal (com junção dos respectivos elementos de prova), a anulação (total e parcial) dos actos tributários objecto da impugnação judicial – com óbvias consequências em termos do objecto da impugnação judicial - era questão que não podia deixar de ser apreciada pela Mma. Juiz a quo. De resto, a eventual inutilidade/impossibilidade superveniente da lide decorrente do apontado circunstancialismo deve ser considerada uma questão de conhecimento oficioso (neste sentido, referindo-se à impossibilidade superveniente da lide, veja-se o acórdão do STA, 26/10/11, tirado no recurso nº 514 /11).

Portanto, e em suma, assentamos em que o Tribunal a quo não se pronunciou, de todo, sobre a referida questão e que dela devia ter conhecido. Assim sendo, há que concluir que a sentença incorreu em omissão de pronúncia, verificando-se, pois, a nulidade a que se referem os artigos 668º, nº1, alínea d), do CPC e 125º, nº1, do CPPT.

Procedem, pois, as conclusões II, IV e V, verificando-se a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

No caso em análise, como facilmente se percebe, esta nulidade – por omissão de pronúncia – apenas afecta uma parte autonomizável da sentença, pelo que entendemos como única solução adequada a anulação parcial da mesma. Com efeito, daquilo que se trata é da não pronúncia sobre a anulação (total, num caso, e parcial, noutro caso) dos actos tributários impugnados, pelo que só parcialmente esta nulidade afecta a sentença recorrida (até porque, como no caso sub judice, importa não ignorar que a liquidação de imposto constitui um acto divisível, susceptível de anulação parcial).


*

Declarada a nulidade (parcial) da sentença recorrida, há que fazer apelo ao artigo 715º do CPC (regra da substituição ao tribunal recorrido), uma vez que a anulação da decisão não tem como efeito incontornável a remessa imediata do processo para o Tribunal a quo, devendo o TCA proceder à apreciação do objecto do recurso se dispuser dos elementos necessários para tal.

Para tanto, porém, torna-se necessário, com apelo ao disposto na norma do artigo 712º, nº 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, aditar ao probatório a matéria de facto relevante para a apreciação da questão, matéria essa que resulta provada pelos documentos juntos aos autos. Assim:

Aditamento oficioso à matéria de facto

15 – Em 14/11/08, por despacho proferido pelo Substituto legal do Director-Geral dos Impostos, lavrado sobre informação da Direcção de Serviços de Reembolsos e despacho de concordância do Subdirector-Geral, foi determinada a anulação da liquidação adicional de IVA nº 08119058 (emitida pelo valor de € 5.489.946,01) e, bem assim, a anulação parcial da liquidação adicional de IVA nº 08119056 (emitida pelo valor de € 87.810,41), no montante de € 16.111,28 – cfr. cópia dos despachos juntos a fls. 3 a 7 do anexo B que integra o PA;

16 – A liquidação adicional nº 08119056, após anulação parcial, passou a valer pela quantia de € 71.699,13 (€ 87.810,41- € 16.111,28) - cfr. cópia dos despachos juntos a fls. 3 a 7 do anexo B que integra o PA;

17 – Na informação que precedeu o despacho de 14/11/08, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, consta, além do mais, o seguinte - cfr. cópia do despacho junto a fls. 5 a 7 do anexo B que integra o PA;

“(…)

Considerando que o reembolso de IVA do período 04/12T, no montante de € 5 506 057,29, que se encontra em situação de apreciação, não foi legitimado pelos serviços de inspecção tributária, porquanto foram propostas correcções técnicas para os períodos 04/09T e 04/12T, das quais resultaram as liquidações adicionais de IVA, nos valores, respectivamente, de € 5.489.946,01 e de € 87.810,41, com a consequente instauração do processo de execução fiscal nº 3425200801092111 pela quantia exequenda de € 5 577 756,42, e atendendo ao disposto no nº8 do art. 22º do CIVA, proponho que o reembolso seja indeferido.

(…)

No que se refere às liquidações adicionais de imposto, que deram origem ao processo de execução fiscal nº 3425200801092111, corroboro a opinião de anulação parcial das referidas liquidações até à concorrência do valor do reembolso, (…) prosseguindo a liquidação pelo valor restante.

Destes factos dever-se-á dar conhecimento à Câmara Municipal de Braga, por se encontrarem impugnadas as liquidações, cuja impugnação já foi notificada à DGCI nos termos do artigo 110º do CPPT.

18 De acordo com o print relativo à tramitação do processo de execução fiscal nº 3425200801092111, tal processo foi instaurado para cobrança coerciva da dívida exequenda de € 5.577.756,42, daí constando a anulação dos montantes de € 5.489.946,01 e de € 16.111,28, apresentando-se o valor em dívida de € 0,00 e a execução extinta por pagamento e anulação - cfr. fls. 8 do anexo B que integra o PA;

19 – Em 31 de Dezembro de 2008, pelo Director de Finanças Adjunto, da Direcção de Finanças de Braga, foi proferido um despacho cujo assunto é identificado como IVA deduzido na construção do Estádio Municipal de Braga, o qual se dá por integralmente reproduzido, e onde se lê, além do mais, o seguinte (cfr. fls. 3 e 4 do anexo B que integra o PA):

“(…)

1. Por despacho de 14.11.08, do Substituto do Senhor Director-Geral dos Impostos (…) foi determinada a anulação das liquidações adicionais que originaram o processo de execução fiscal nº 3425200801092111 por parte do Serviço de Finanças de Braga 2 e consequente anulação das liquidações de juros compensatórios.

2. De conformidade com o extracto que se junta (…) foi anulada na totalidade a liquidação adicional de IVA 08119058 referente ao período 0412T, da importância de € 5.489.946,01 e anulada, mas apenas em parte, a liquidação adicional de IVA nº 08119056, referente ao período 0409T, da importância de € 87.810,41.

3. A anulação parcial da liquidação adicional referente ao período 0409T deriva do facto de ser devida a importância de € 71.699,13 e, como tal, apenas ser de anular a importância de € 16.111,28.

(…)”.


*

Importa, aqui chegados, fazer um breve parêntesis para salientar que, como tivemos ocasião de referir, a primeira questão que nos vinha suscitada no presente recurso jurisdicional prendia-se com o erro no julgamento da matéria de facto, o que, aliás, esteve na origem da prolação do já citado acórdão do STA que, julgando-se hierarquicamente incompetente, declarou este TCAN competente para conhecer deste recurso.

E, com efeito, surpreende-se, desde logo, este ataque à sentença nas conclusões I e III, no que respeita à circunstância de aí não ter ficado contemplada qualquer referência à anulação da liquidação adicional de IVA nº 08119058, respeitante ao período 0412T, no montante de € 5.489.946,01 e, bem assim, a anulação parcial da liquidação adicional de IVA nº 08119056, respeitante ao período de 0409T, no montante de € 87.810,41, anulações estas que se mostram documentalmente apoiadas em elementos juntos aos autos (cfr. PA junto com a contestação).

Ora, como é evidente, em face do aditamento à matéria de facto que anteriormente tivemos ocasião de efectuar (cfr. pontos 15 a 19) há que admitir a inteira razão da Recorrente, o que, aliás, ficou já reconhecido pelo referido aditamento. Assim, mostrando-se integralmente satisfeita a pretensão da Recorrente quanto à matéria de facto, nada mais importa aqui acrescentar.

2.2. De direito

Reconhecida a invocada nulidade da sentença, estabilizada a matéria de facto que nos permite conhecer, em substituição, a questão que deixou de ser apreciada pelo Tribunal a quo, passamos de imediato a tal apreciação.

E aqui, relembre-se, importa apreciar e decidir sobre as consequências jurídicas a retirar da anulação (total, num caso, e parcial, noutro) dos actos tributários de liquidação adicional de IVA impugnados (nºs 08119058 e 08119056).

Vejamos, então.

Nos termos do artigo 111º do CPPT, após a notificação para contestar, o Representante da Fazenda Pública deve solicitar o processo administrativo ao órgão periférico local. Tal processo deve ser organizado no prazo de 30 dias a contar do pedido.

Neste prazo – de 30 dias – pode a Administração Tributária revogar total ou parcialmente o acto impugnado, nos termos previstos no artigo 112º do CPPT (na redacção aplicável à data dos factos, conferida pela Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho).

Ora, no caso, temos que no aludido prazo de 30 dias (o que não levanta dúvidas, já que a Fazenda Pública foi notificada para contestar em 10/11/08, conforme fls. 61 a 63 dos autos, e a revogação anulatória ocorreu em 14/11/08) a Administração Tributária, através do Substituto legal do Director-Geral dos Impostos, anulou pela totalidade a liquidação adicional de IVA nº 08119058, no montante de € 5.489.946,01, e parcialmente (no valor de € 16.111,28) a liquidação adicional de IVA nº 08119056, emitida inicialmente pelo montante de € 87.810,41, na exacta medida (ou, até à concorrência) de um pedido reembolso de IVA que foi indeferido. Por conseguinte, a liquidação adicional nº 08119056 – única que se manteve – passou a valer pela quantia de € 71.699,13.

Tais anulações das liquidações, como pudemos constatar, tiveram imediata repercussão ao nível do correspondente processo de execução fiscal, o qual fez reflectir na dívida exequenda a anulação correspondente aos montantes de € 5.489.946,01 e de € 16.111,28.

Por conseguinte, temos que o objecto da impugnação judicial, inicialmente correspondente às duas liquidações adicionais de IVA antes identificadas, a que correspondia o montante impugnado de € 5.577.756,42, sofreu uma clara modificação.

No que respeita à liquidação adicional nº 08119058, no montante de € 5.489.946,01, pode dizer-se que a mesma, em resultado da anulação operada, desapareceu da ordem jurídica, pelo que, nesta parte, a impugnação deixou de ter objecto. Com efeito, com a anulação do acto de liquidação em causa o prosseguimento da lide, que visava precisamente a sua anulação, tornou-se impossível.

No que concerne à liquidação adicional de IVA nº 08119056, com o valor inicial de € 87.810,41, conclui-se que a mesma, resultado da anulação parcial operada, se mantém apenas pelo valor de € 71.699,13.

Em suma, atenta a superveniência das anulações operadas e o pedido formulado na impugnação judicial – serem anuladas as liquidações de IVA a que se referem os documentos de cobrança com os números 102008811905808 (liquidação adicional 08119058), (…) e 102708811805608 (liquidação adicional 08119056)pode dizer-se que na parte correspondente ao montante anulado, de € 5.506.057, 29 (€ 5.489.946,01 + € 16.111,28), a pretensão do Recorrente encontrou já satisfação, verificando-se assim, nessa medida, a impossibilidade superveniente da lide. Consequentemente, há que julgar parcialmente extinta a instância, nos termos previstos no artigo 287º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do CPC.

Face ao exposto, e decidindo em substituição, julga-se parcialmente extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide.


*

Sem prejuízo daquilo que ficou dito, importa apenas fazer um breve esclarecimento a propósito da menção feita pelo Recorrente quanto à circunstância de a Fazenda Pública não ter requerido, em sede de contestação (“de forma algo incompreensível”), a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto à liquidação 08119058 e alteração do montante liquidado quanto à liquidação 08119056.

Com efeito, de acordo com o artigo 112º, nº4 do CPPT, em caso de revogação total do acto, cabe ao representante da Fazenda Publica promover a extinção do processo.

No caso, para além de não estarmos perante uma situação de revogação total a implicar a extinção do processo (que é apenas parcial), a verdade é que, como aponta J. Lopes de Sousa, quanto à incumbência de a Fazenda promover a extinção da impugnação, “esta sua actividade não é imprescindível, pois a revogação do acto impugnado implicará a impossibilidade superveniente da lide, por falta de objecto da impugnação, que poderá ser conhecida oficiosamente pelo tribunal (arts. 287.º, alínea e), e 495º. Do CPC). Por isso, é irrelevante que o representante da Fazenda Pública promova ou não a extinção da impugnação (…)”Vide, CPPT, obra já citada, volume II, pág. 247.

Por outro lado, em caso de revogação parcial, a mesma deve ser notificada ao impugnante, prosseguindo o processo se o mesmo nada disser ou se declarar que mantém a impugnação (cfr. artigo 112º, nº3 do CPPT). No caso, foi ordenada a notificação do Município de Braga, não havendo evidência nos autos de qualquer pronúncia do impugnante. Seja como for, todo o seu comportamento processual posterior às anulações efectuadas, inclusive em sede de recurso jurisdicional, torna evidente o interesse do impugnante na manutenção da impugnação judicial, designadamente com vista à extinção parcial da instância.


*

Fechado este breve parêntesis, regressemos às questões que nos vêm colocadas.

E aqui, após o que ficou decidido anteriormente, o que nos resta apreciar e decidir, com referência à liquidação adicional de IVA nº 08119056, no montante de € 71.699,13, são as seguintes questões: saber se a sentença recorrida errou no julgamento de direito efectuado, não reconhecendo o direito do Município de Braga a deduzir o IVA suportado na construção do Novo Estádio Municipal; saber se a sentença recorrida errou no julgamento de direito efectuado ao considerar não aplicável ao caso concreto o disposto no artigo 63º do CPPT, não reconhecendo, por conseguinte, a ilegalidade de todo o procedimento adoptado pela Administração Tributária – conclusões VI a XXIV.

Vejamos, então.

Sem prejuízo da extensa fundamentação jurídica da decisão recorrida, podemos dizer que, no essencial, para o que aqui interessa, a sentença recorrida considerou:

- Quanto à natureza da despesa como requisito objectivo do direito à dedução, que “A construção do estádio não é um input para uma actividade económica desenvolvida pelo município mas, antes, o resultado de um investimento promovido e financiado pelo Estado.

Do mesmo modo, o pagamento da renda anual resultante do acordo celebrado entre a impugnante e o clube de futebol para a cedência da referida infra-estrutura desportiva não é um output de uma actividade económica desenvolvida pelo município mas antes, um acto de gestão público com vista à prossecução de um interesse público — o bem-estar da população — no âmbito das suas atribuições em matéria de tempos livres e desporto.

Face a este enquadramento, o IVA suportado em consumos intermédios no circuito económico do impugnante, mostra-se limitado o direito à dedução nos termos do artigo 20.° do CIVA”;

- Quanto à qualidade de sujeito passivo como requisito do direito à dedução, que “(…)
estamos perante um acordo que consubstancia um acto de gestão pública, pois que constitui o exercício de poderes públicos com vista à realização de fins também públicos.
Aliás, e na esteira da doutrina já referida o contrato-programa é, na sua natureza, um contrato administrativo de cedência de utilização de bens imóveis, através do qual o município permite que o clube utilize as instalações do estádio para fins de interesse particular e público, tendo como contrapartida o pagamento de uma compensação no valor de € 6.000,00/ano.
(…).

Nesta conformidade, verifica assim, o primeiro requisito da delimitação negativa de incidência previsto no artigo 2.º, n.° 2, do CIVA: ou seja, o impugnante realizou a operação, (cedência do Estádio) no exercício dos seus poderes de autoridade.
- Quanto à não sujeição a IVA não provocar distorções de concorrência, que “Com efeito, não existe, tão pouco, um verdadeiro mercado para estas prestações de serviços, dada a sua natureza e finalidade, pelo que nunca se poderia falar em posições dominantes no mercado ou distorções de concorrência, seja no sentido de prejudicar concorrentes, seja no sentido do município se sentir prejudicado em relação a eles, pois que inexistem outros operadores económicos neste âmbito.
Ora, verificando-se que a actividade em causa não se insere no n.° 3 do artigo 2.° do CIVA e que o Município impugnante, quando cedeu as instalações do estádio mediante o pagamento de € 6.000,00 anuais, actuou no exercício dos seus poderes de autoridade e a sua não sujeição a IVA não origina distorções de concorrência, há que concluir que a impugnante não é, quanto a esta operação, sujeito passivo de IVA.
E não sendo sujeito passivo de IVA, não pode deduzir o imposto suportado a montante- artigo 19.º do CIVA”.
Por último, quanto a saber se o procedimento inspectivo, está ferido de nulidade, por não ter sido precedido do procedimento previsto no artigo 63° do CPPT, a sentença recorrida conclui, com apelo à doutrina e jurisprudência que cita, que “face ao primado do direito comunitário e do princípio da interpretação conforme, ter-se-á que recorrer aos princípios e mecanismos próprios do IVA e não recorrer à norma do n.° 2 do art.° 38.° da LGT e ao procedimento do art.° 63.° do CPPT.
Face ao exposto, a Administração Fiscal, (…) não estava obrigada a recorrer ao mecanismo previsto no artigo 63.° do CPPT”.

Vejamos.

Na subsunção do direito aos factos, assume especial relevância o julgamento da matéria de facto, efectuado na sentença, no qual o juiz se pronuncia sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão a proferir à luz das diversas soluções de direito plausíveis (cfr. artigo 511º, nº 1 do CPC), discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a sua convicção (cfr. artigo 123º, nº 2, do CPPT e artigo 653º, nº 2, do CPC).

Como se refere no acórdão deste Tribunal Central Administrativo, de 17/06/10 (processo nº 00115/04.6 BEPRT), “O julgamento da matéria de facto é um momento essencial da realização da justiça constitucionalmente cometida aos tribunais. É nesse momento que o juiz, fazendo apelo à sua experiência e bom senso, procede à apreciação da prova, verificando quais os factos (de entre aqueles em que a AT estribou a sua actividade e aqueles que o Contribuinte alegou na petição inicial, bem como todos os demais que lhe seja lícito conhecer para apreciar da pretensão formulada ou das excepções) que podem ser dados como provados e os que não podem”.

Fazendo o enfoque no caso concreto, atentemos nos factos identificados sob os nºs 10 a 13.

Surpreende-se, desde logo, no confronto com os autos, que:

- o teor de fls. 84 a 86, para o qual remete o ponto 10, não tem que ver com o IVA deduzido, ou não, no período compreendido entre 2000 e o terceiro trimestre de 2004 (tais fls. respeitam ao documento comprovativo da entrega da contestação, à cópia do ofício de remessa da contestação ao Tribunal e à ultima página da contestação remetida por fax);

- no ponto 11, a alusão a uma inspecção aos exercícios de 2005 a 2008, iniciada em 2009, em resultado da qual foi elaborado um relatório de inspecção, para além de não evidenciar qualquer relação com o objecto dos autos (IVA de 2004, liquidado em 2008, conforme ponto 1 da matéria de facto), remete-se aí para fls. 330 a 353, sendo que, aquando da elaboração da sentença, os autos continham apenas 283 folhas; neste momento, após a interposição do presente recurso, as fls. 330 a 353 correspondem à tramitação do recurso no STA, para onde foi inicialmente dirigido;

- valem para o ponto 12 dos factos provados, as considerações feitas no parágrafo precedente, pelo que não se descortina os alegados dois tipos de correcções efectuadas em sede inspectiva a que a sentença se reporta, concretamente a fundamentação a que se alude aí por remissão para o ponto III.1 do relatório;

- quanto ao ponto 13 e à referência a fls. 283 dos autos, concretamente a uma informação prestada pela Divisão de Contabilidade da Câmara Municipal de Braga, salienta-

-se, nestes autos, que o teor de fls. 283 corresponde a uma das páginas das alegações de recurso.

Em face daquilo que vimos de dizer, fácil é concluir que a matéria de facto, concretamente o que a 1ª instância deixou registado sob os nºs 10 a 13 dos factos provados, é absolutamente deficiente e incongruente com o objecto dos autos, não sendo, de todo, apreensível, por este Tribunal de recurso, aquela que foi a actuação da Administração em sede inspectiva, nem os fundamentos que levaram à liquidação adicional do IVA impugnado. Saliente-se, como já o dissemos, que, não apenas não se descortinam os elementos probatórios que foram, na realidade tidos em conta (por inexistir correspondência entre as fls. aí indicadas e os autos), como é patente que qualquer que seja o relatório de inspecção considerado (já vimos que também aqui, as fls. indicadas como sendo do relatório a ele não correspondem), não foi seguramente o relatório subjacente à liquidação do IVA impugnado, já que este respeita a 2004 e foi liquidado em 2008, quando o relatório indicado na matéria de facto é supostamente respeitante aos anos de 2005 a 2008 e refere-se a uma inspecção iniciada já em 2009.

Trata-se de aspectos que se revelam essenciais para a apreciação das questões que nos vêm colocadas em sede de recurso jurisdicional, cuja análise se mostra, assim, inviabilizada.

Com efeito, o que se disse é por si só suficiente para concluirmos que o julgamento da matéria de facto enferma de erros vários, que impedem a respectiva reapreciação por parte deste Tribunal de recurso. Em concreto, a situação que se verifica impede este Tribunal de recurso de sequer colocar a hipótese de reexaminar os referidos pontos da matéria de facto, uma vez que a mesma, no específico contexto do objecto dos autos, jamais foi apreciada. Portanto, excluímos, de todo em todo, a possibilidade de reapreciar o que, ab initio, não foi sequer apreciado pelo tribunal a quo.

Estamos, pois, sem qualquer margem para dúvidas, perante uma decisão proferida em 1ª instância que, nos termos previstos no artigo 712º, nº4, do CPC - «Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1.ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão» - não pode deixar de ser oficiosamente anulada, uma vez que a decisão da matéria de facto, mais que deficiente e obscura ou contraditória, é, nos pontos assinalados, desfasada e incongruente com os elementos probatórios para a qual cada um dos apontados factos remete.

Por conseguinte, deverá o processo regressar à 1ª instância, para que aí se proceda ao julgamento da matéria de facto, atentas as apontadas deficiências dos pontos 10 a 13 do probatório.

Em conclusão, impõe-se a anulação oficiosa da sentença recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 712º, nº 4, do CPC e a devolução dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser fixada a matéria de facto pertinente e, após, ser proferida nova sentença, sem prejuízo, naturalmente, daquilo que aqui ficou oportunamente decidido quanto à extinção parcial da instância.

E porque assim vai decidido, fica, obviamente, prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelo Recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso.

3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCAN:

a) - julgar verificada a nulidade (parcial) da sentença por omissão de pronúncia e, decidindo em substituição, julgar parcialmente extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide (a que corresponde o valor anulado de € 5.506.057, 29), mantendo-se a impugnação na parte que tem por objecto a liquidação adicional de IVA nº 08119056, pelo valor de € 71.699,13;

b) - sem prejuízo do ponto anterior, anular a sentença recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 712, nº4 do CPC e, em consequência, ordenar a devolução do processo à 1.ª instância, a fim de aí se proceder ao julgamento da matéria de facto com o observância daquilo que ficou dito para, após, ser proferida nova decisão, sem prejuízo da modificação operada quanto ao objecto da impugnação.

Custas pela Fazenda Pública, apenas em primeira instância, na parte correspondente à anulação das liquidações impugnadas (cfr. artigo 450º, nº3, 2ª parte do CPC); sem custas, na parte restante.

Porto, 10 de Outubro de 2013

Ass. Catarina Almeida e Sousa

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves