Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01509/05.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/08/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Cristina da Nova
Descritores:IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA FACTO DE FORMA GENÉRICA, ENCARGOS COM VEÍCULOS: PORTAGENS E ESTACIONAMENTO.
Sumário:1-Não estando em tese excluída a possibilidade de o tribunal de recurso poder fazer julgamento da matéria de facto, ouvindo-se a prova testemunhal, certo é que terá de resultar evidenciado motivo para tal, terá de ser evidenciado o erro, erro manifesto ou grosseiro ou ainda se os elementos documentais e dos depoimentos fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado em 1ª instância;

2-As despesas com estacionamento e portagens não concorram para a determinação do lucro tributável porque não estavam devidamente documentadas [art. 42.º n.º1, al g)], mas não são sujeitas a tributação autónoma, pois, que este tipo de encargos não se subsumem aos encargos-tipo a que faz alusão o n.º 4 do art. 81.º do CIRC, aliás, se o legislador entendesse fazer, teria feito aquando da alteração introduzida com a Lei n.º 30-G/2000, de 29/12 e pelo DL n.º 198/2001 de 3/7, passou a art. 81.º.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:C., LDA
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso merecer parcial provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO

C., S.A., vem recorrer da sentença que julgou improcedente as correções ao lucro tributável referentes a despesas não documentadas e/ou confidenciais no valor de € 23.010,20 e as correções ao cálculo do imposto, no montante de €12.260,18.
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Formula a recorrente, C., S.A., nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:
«1. A douta Sentença recorrida não se pronunciou sobre a correcção de € 2.292,28, relativa a custos (alegadamente) não dedutíveis para efeitos fiscais, alegada em 113. a 119. da PI.
2. Pelo que padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 125º nº 1 do CPPT e 615º nº 1 d) e nº 4 do CPC, e de violação do artigo 608ºnº 2 do CPC.
Acresce que:
Erro de julgamento da matéria de facto
3.A douta Sentença recorrida considerou não provados, entre outros, os seguintes factos, relevantes para a decisão de mérito:
2. Que o montante de €18.404,22, registado como custo do exercício de 2001 na conta “62.2.2.7-Deslocações e Estadas” respeita a despesas de investimento inicial efetuadas no âmbito dos projetos de concurso à construção das SCUT’s oportunamente suportadas e devidamente documentadas.
3. A efetividade do custo no valor de €205,98, registado na conta “62.2.9.8 – Outros fornecimentos e serviços”.
4. Que o valor correspondente ao documento XX-XX-XX não é de € 88,09, mas apenas € 47,68 (portagens) e que a AT esqueceu o estorno de € 40,41 (gasolina) à dita importância de € 88,09.
5. Que o documento XX-XX-XX, no valor de € 76,17, não é relativo a 2001, mas a 2000, pelo que não devia ter sido considerado.
6. Que as despesas com “C.” (despesas de estacionamento) que a AT sujeitou a tributação autónoma são de €9.225,46 e não de €9.226,77, como considerou a AT.
Posto isto,
4.Desde logo, este recurso tem por objecto a reapreciação da prova gravada.
5. Conforme acta de inquirição de testemunhas de 29.06.2020, foi ouvida a testemunha C., à matéria dos artigos 91º a 104º, 107º a 110º e 112º da PI, cujo depoimento foi objecto de gravação digital “no sistema integrado de gravação SITAF” (minutos 00:00:08 a 00:15:09).
6. Ora, salvo o devido respeito, a douta Sentença em apreço padece de erro no julgamento da matéria de facto, desde logo atendendo ao depoimento da testemunha que acima se especificou e transcreveu, no segmento que aqui importa,
7. o qual, por brevidade de exposição, se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, fazendo parte integrante das presentes conclusões, para todos os legais efeitos.
Da prova testemunhal e documental produzidas, e atendendo à factualidade não controvertida entre as partes, resulta o seguinte:
8. Por um lado, a factualidade mencionada em 1. das alegações deveria outrossim ter sido dada por provada.
9. Por outro lado, também deve ser considerada como provada a seguinte factualidade, alegada na PI e igualmente relevante para a decisão de mérito – e que por isso deve ser aditada à factualidade assente:
- No que respeita ao montante de Euro 18.404,22, relativo a despesas referentes às SCUT’s, também registado na conta 62.2.2.7 – Deslocações e Estadas, reporta-se a despesas de investimento inicial efectuadas no âmbito dos projectos de concurso à construção das SCUTS (autoestradas sem custos para o utilizador), designadamente com deslocações e estadias dos vários técnicos envolvidos nos projectos.
- Aquele valor é relativo a despesas em projectos de investimento, que se prolongaram por vários anos.
- Por força do princípio do balanceamento dos custos com os proveitos, a Impugnante entendeu que tais despesas deveriam ser inicialmente levadas a custos diferidos, passando a ser custos do exercício quando e na medida em que se obtivessem os correspondentes proveitos ou logo que se concluísse que os projectos não iriam sem concretizados.
- Assim que tal se verificou, entendeu a Impugnante começar a registar esses custos como custos do exercício, inicialmente diferidos.
- O que se iniciou em 2001, designadamente com as referidas despesas - e com vários outros custos, também eles inicialmente diferidos.
- O que sucedeu em 2001 foi a simples transferência para custos do exercício de parte das
despesas referentes aos projectos de investimento nas SCUT’s, inicialmente diferidas.
- Pela sua própria natureza, essa “transferência”, em 2001, para custos do exercício, não é susceptível de ter por base “documento de origem externa”.
- Quanto ao valor de Euro 205,98, registado na conta “62.2.9.8 – Outros Fornecimentos e Serviços”, a Impugnante, aquando da fiscalização, não conseguir encontrar nos seus arquivos o correspondente documento de suporte, no curto prazo que a AF lhe deu para o efeito.
- Contudo, aquele valor corresponde a um custo efectivo suportado pela Impugnante.
- Todos os registos contabilísticos, sem excepção, têm suporte documental.
- Caso contrário, naturalmente que não é efectuado qualquer registo contabilístico.
- Aquele valor respeita a “despesas com C.”, i. e. a despesas de estacionamento – conforme reconhece a própria AF (cfr. fls. 3/3 do anexo 3 ao relatório inspectivo)
- No que concerne à tributação autónoma de encargos com viaturas ligeiras de passageiros, no valor de Euro 755,08, o valor correspondente ao documento XX-XX-XX não é de Euro 88,09, mas de apenas Euro 47,68 (portagens).
- A AF esqueceu o estorno de Euro 40,41 (gasolina) à dita importância de Euro 88,09.
Sendo certo que,
10. Nos termos do artigo 100º nº 1 do CPPT, “1 - Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.”.
11. Isto, porque o contribuinte goza da presunção legal de veracidade e boa-fé da sua contabilidade e declarações fiscais, nos termos do artigo 75º da LGT.
Erro no julgamento de Direito
12. A douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento de Direito quanto à correcção de € 23.010,20, relativa a despesas não documentadas.
13. A AF fundamenta esta correcção na alegada falta de apresentação dos documentos de suporte (documentos de origem externa) dos registos contabilísticos em causa.
14. Ora, conforme se demonstrou, e no que concerne ao montante de Euro 18.404,22, respeitante a despesas referentes às SCUT’s, registadas na conta 62.2.2.7 – Deslocações e Estadas, esse valor é relativo a despesas de investimento inicial efectuadas no âmbito dos projectos de concurso à construção das SCUTS (autoestradas sem custos para o utilizador).
15. Designadamente com deslocações e estadias dos vários técnicos envolvidos nos projectos.
16. Representaram, em suma, despesas em projectos de investimento, que se prolongaram por vários anos.
17. Por força do princípio do balanceamento dos custos com os proveitos, entendeu-se que tais despesas deveriam inicialmente ser levadas a custos diferidos, passando a ser custos do exercício quando e na medida em que se obtivessem os correspondentes proveitos ou logo que se concluísse que os projectos não iriam sem concretizados.
18. Assim que tal se verificou, entendeu a Impugnante começar a registar esses custos como custos do exercício, inicialmente diferidos.
19. O que se iniciou em 2001, designadamente com as referidas despesas.
20. Com efeito, o que sucedeu em 2001 foi a simples transferência para custos do exercício de parte das despesas referentes aos projectos de investimento nas SCUT’s, inicialmente diferidas.
21. Naturalmente que os valores registados na contabilidade foram oportunamente suportados e estão devidamente documentados.
22. Agora, a sua transferência, em 2001, para custos do exercício, é que, pela própria natureza dessa “transferência”, não é possível ter por base “documento de origem externa”.
23. E não se compreende a razão pela qual a AF só corrigiu o dito valor de Euro 18.404,22 (Esc. 3.689.715$00), registado na conta 62.2.2.7 – Deslocações e Estadas.
24. Quando muitos outros valores, registados noutras contas, também eles transferidos para custos do exercício em 2001 e referentes a despesas com os projectos das SCUTS, não foram alvo de qualquer correcção.
25. Por sua vez, quanto ao valor de Euro 205,98, registado na conta “62.2.9.8 – Outros Fornecimentos e Serviços”, o que sucedeu foi que a Impugnante, aquando da fiscalização, simplesmente não conseguir encontrar nos seus arquivos o correspondente documento de suporte, no curto prazo que a AF lhe deu para o efeito.
26. O que não significa, contudo, que não corresponda a um custo efectivo suportado pela Impugnante.
27. Sendo que todos os registos contabilísticos, sem excepção, têm suporte documental.
28. Caso contrário, naturalmente que não é efectuado qualquer registo contabilístico.
29. Com efeito, não é minimamente plausível que o contribuinte tivesse “inventado” um valor, ainda por cima de Euro 205,98, e o tivesse inscrito na contabilidade sem ter incorrido no custo ou sem qualquer suporte documental.
30. Sendo certo que, conforme reconhece a própria AF (cfr. fls. 3/3 do anexo 3 ao relatório), aquele valor de Euro 205,98 respeita a “despesas com C.”, i.e. a despesas de estacionamento.
31. Assim, salvo o devido respeito, a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento.
32. Com efeito, o contribuinte demonstrou a natureza e efectividade dos encargos em questão.
Por outro lado,
33. Como acima se referiu, quanto à correcção de Euro 2.292,28, relativa a custos não dedutíveis para efeitos fiscais, a douta Sentença recorrida não se pronunciou, pelo que padece de nulidade por omissão de pronúncia.
Sem prescindir, por cautela de patrocínio,
34. Considera aqui a AF que os custos não estão devidamente documentados.
35. Porque suportados apenas com extractos bancários dos cartões de crédito, emitidos pelo BPI (anexo 4 ao relatório inspectivo da AF).
36. Não invoca aqui a AF, contudo, por que razões considera que esses custos não estão “devidamente documentados”.
37. Ou seja, não invoca as razões, designadamente de Direito, pelas quais os ditos extractos bancários, onde estão devidamente discriminadas e elencadas as despesas em causa, não permitem considerar os custos como “devidamente documentados”.
38. A única disposição legal invocada é o artigo 42º nº 1 g) do CIRC, e este limita-se a considerar que não são fiscalmente dedutíveis os encargos não devidamente documentados.
39. Sem nada adiantar sobre os critérios que permitem aferir da adequação dos documentos de suporte aos registos contabilísticos.
40. Pelo que nesta parte o acto de liquidação padece de insuficiência de fundamentação, por violação dos artigos 153º do CPA, 77º nº 1 e 2 da LGT e 268º nº 3 da CRP.
Acresce que,
41. Relativamente à correcção de Euro 12.260,18, a mesma respeita à tributação autónoma de (i) encargos com viaturas ligeiras de passageiros e (ii) despesas alegadamente não documentadas.
42. No que concerne à (i) tributação autónoma de encargos com viaturas ligeiras de passageiros, no valor de Euro 755,08, diga-se o seguinte:
43. Desde logo, os cálculos constantes do anexo 5 ao relatório inspectivo estão errados.
44. O valor correspondente ao documento XX-XX-XX não é de Euro 88,09, mas de apenas Euro 47,68 (portagens).
45. A AF esqueceu o estorno de Euro 40,41 (gasolina) à dita importância de Euro 88,09.
46. Por outro lado, o documento XX-XX-XX, no valor de Euro 76,17, não é relativo a 2001, mas a 2000, pelo que não deveria ter sido considerado.
47. Quanto ao documento OD-03-129 (anexo 5, fls. 2/2, do relatório), no total de Euro 1.242,32, não se compreendem os cálculos efectuados.
48. Com efeito, o dito montante de Euro 1.242,32 não coincide com a soma do documento OD-03-129, Esc. 249.178$00,
49. o qual está rasurado de forma que não se percebe quais os valores de portagens concretamente considerados pela AF por forma a chegar à dita importância de Euro 1.242,32,
50. misturando-se viaturas pesadas com viaturas ligeiras numa tabela rasurada em que não se percebe quais os valores e viaturas efectivamente consideradas (cfr. anexo 5, fls. 2/2 do relatório).
51. Do exposto extrai-se que o total de Euro 1.328,99 constante do anexo 5, fls 1/2, do relatório, ora está errado, ora os respectivos cálculos não estão devidamente explicados.
52. Também não se percebe onde é que a AF foi buscar o montante de Euro 9.226,77, relativo a “C.” (despesas de estacionamento).
53. Com efeito, esse montante é de Euro 9.225,46 e não de Euro 9,226,77, conforme discriminação e documentos cujas cópias foram juntos à PI como doc. 13.
54. Em resumo, os cálculos subjacentes à correcção da tributação autónoma das viaturas ligeiras de passageiros ora estão errados, ora não são suficientemente claros por forma a permitir a sua sindicância.
Sem prejuízo,
55. Os encargos com portagens e estacionamentos não devem fazer parte do conceito de “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros” (cfr. artigo 81º nº 5 do CIRC).
56. Com efeito, os custos com portagens não constituem um encargo do veículo de per si, mas antes o pagamento de taxas para usufruir de bens públicos que são as auto-estradas (alínea d) do n.º 1 do artigo 84º da CRP), ainda que sujeitas a concessão por parte do Estado.
57. Nesta medida, a portagem constitui uma taxa de acesso a um serviço público e a um bem do domínio público, ainda que concessionado a terceiros, não devendo ser interpretado como um custo inerente à viatura.
58. De igual forma, os encargos com estacionamento não constituem encargos intrínsecos às viaturas, sendo antes a remuneração de um serviço de acesso a uma zona pública ou privada, que presta um serviço.
59. A disposição legal em causa apenas se refere a encargos com viaturas ligeiras de passageiros, designadamente combustíveis e reparações, o que manifestamente não é o caso dos encargos com portagens e estacionamentos.
60. Estes não são encargos específicos com tal tipo de viaturas (tão pouco são indissociáveis deste tipo de viaturas), mas antes e tão só encargos com a obtenção do direito de passagem e de estacionar, respectivamente, em zonas concessionadas e/ou de acesso reservado, independentemente do tipo de veículo usado, ligeiro, pesado ou motociclo.
61. Com efeito, estes encargos:
i- não são encargos específicos de viaturas ligeiras de passageiros;
ii- não são indissociáveis de viaturas ligeiras de passageiros;
iii- constituem encargos com a obtenção do direito de passagem e estacionamento, independentemente do tipo de veículo usado ser ligeiro de passageiros, de mercadorias, pesado, motociclo, etc..
62. Como se disse, os custos com portagens não constituem um encargo do veículo, de per si.
63. Antes corporizam o pagamento de uma taxa pela utilização de um bem do domínio público que são as autoestradas – ainda que sujeitas a concessão por parte do Estado (cfr. artigo 4º da LGT e alínea d) do nº 1 do artigo 84º da CRP).
64. Nesta medida, a portagem constitui uma taxa de acesso a um serviço público e a um bem do domínio público, ainda que concessionado a terceiros, não devendo ser interpretado como um custo inerente a viaturas ligeira de passageiros.
65. De igual forma, os encargos com estacionamento não constituem encargos intrínsecos às viaturas ligeiras de passageiros, sendo antes a remuneração de um serviço de acesso a uma zona pública ou privada, que presta um serviço – através do pagamento de uma tarifa.
66. Com efeito, os encargos com portagens e estacionamentos não são encargos específicos com tal tipo de viaturas, nem são indissociáveis das mesmas – constituem tão só encargos com a obtenção do direito de passagem e de estacionamento, respectivamente, em zonas concessionadas e/ou de acesso reservado.
67. Isto, independentemente do tipo de veículo usado – seja ele ligeiro de passageiros, pesado de mercadorias, pesado de passageiros, misto, moto, motociclo, etc..
68. Por conseguinte, também esse tipo de encargos não preenche a hipótese legal da tributação autónoma prevista no artigo 81º nº 3 a) e 5 do CIRC.
69. De resto, caso o legislador quisesse ter considerado as portagens e estacionamentos decerto teria referido “encargos decorrentes da utilização de viaturas”, e não, simplesmente, “encargos com viaturas”.
70. Note-se que a lei concretiza o que deve ser considerado como “encargos relacionados com viaturas” (cfr. artigo 81º nº 5 do CIRC).
71. Ou seja, aqueles encargos referem-se unicamente a:
- despesas com o funcionamento das viaturas ligeiras de passageiros, designadamente despesas com combustíveis, manutenções, reparações;
- despesas relacionadas com a titularidade ou posse das viaturas ligeiras de passageiros, designadamente despesas com reintegrações, rendas ou alugueres;
- despesas relacionadas com circulação legal das viaturas ligeiras de passageiros – designadamente seguros e impostos.
72. Ora, os encargos com portagens e estacionamentos não cabem em qualquer uma das sobreditas despesas,
73. uma vez que não se trata de despesas relacionadas com o funcionamento, com a titularidade ou com a regular circulação das viaturas.
74. Se é certo que se trata de um elenco exemplificativo, é também certo que o legislador teve a preocupação de enunciar e delimitar que tem por objecto, exclusivamente, “encargos relacionados com viaturas”,
75. sendo que, quando fala em “despesas”, poderia ter incluído as despesas relacionadas com a sua utilização - o que, de algum modo, poderia dar respaldo à tese da AT.
76. Contudo, quando refere “despesas”, o legislador apenas refere as despesas com manutenção e conservação,
77. e quando fala em utilização, apenas pretende circunscrever os impostos relacionados com essa utilização – ou seja, o Imposto Único de Circulação.
78. Assim, com alegado assento nessa norma, a AT pretende sujeitar a tributação realidades que não estão expressamente previstas na norma e que dela não resultam.
79. O preceito vindo de referir é indubitavelmente uma norma de incidência – na medida em que determina a sujeição a imposto de determinadas realidades.
80. Sendo assim, tal norma deve ter um grau mínimo de determinabilidade, sob pena de violação dos princípios da legalidade e tipicidade que enformam todo o sistema tributário.
81. Ou seja, na interpretação da AT estaríamos perante uma norma destituída do grau de determinação mínimo que o princípio da tipicidade constitucionalmente acolhido exige como dimensão formal do princípio da segurança jurídica.
82. Tal procedimento não é, todavia, aceitável num sistema fiscal como o nosso, espartilhado como está pelo texto constitucional,
83. o qual não só limita o próprio legislador ordinário (reserva material de lei), como estabelece limites à actuação da AT (reserva formal de lei),
84. uma vez que é sempre necessária a existência da previsão legislativa como condição de validade para uma actuação administrativa neste domínio,
85. sendo que os impostos, até por fundamento histórico, deverão ser consentidos pelos contribuintes, estabelecendo-se uma natureza configurável à auto-tributação, por via do regime da representatividade democrática.
86. Como se disse, o princípio da legalidade desdobra-se em dois sub-princípios: no princípio da reserva de lei (formal) e no princípio de reserva de lei (material).
87. O primeiro desdobramento impõe a necessária intervenção parlamentar, podendo a Assembleia da República prescindir da fixação do conteúdo da lei e concedendo ao Governo a autorização para levar a cabo tal tarefa – muito embora limitado, no seu sentido e extensão, pelo teor da lei de autorização.
88. O segundo desdobramento, também denominado na doutrina como princípio da tipicidade, exige que a lei formal (lei, decreto-lei autorizado, decreto-legislativo regional) contenha a disciplina tão completa quanto possível da matéria reservada.
89. Por outro lado, o princípio da legalidade não pode ser entendido como um simples cumprimento formal das disposições legais.
90. Esse princípio não se coaduna com a mera aparência de legalidade, mas, ao contrário, requer uma atenção especial para com o espírito da lei e para as circunstâncias do caso concreto.
91. Pelo que se conclui que, em matéria de incidência tributária, a AT não pode extrapolar da letra da lei nela fazendo incluir factos não expressamente sujeitos a tributação.
92. No nosso ordenamento jurídico vigora o Princípio da Legalidade, previsto no nº 2 do artigo 103º da CRP, que estabelece que “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.”.
93. Por seu lado, o artigo 165º da CRP, ao definir a criação de impostos e sistema fiscal como sendo uma matéria da reserva relativa da Assembleia da República, estabelece o Princípio da Reserva de Lei Formal,
94. segundo o qual apenas as Leis e os Decretos-lei devidamente autorizados poderão fixar normas legislativas em matéria dos elementos essenciais dos impostos.
95. Ou seja, os impostos só podem ser criados por lei e aplicados nos estritos termos vertidos no texto legal.
96. Logo, a AT, na interpretação que fez, excedeu a letra da lei, pretendendo sujeitar a tributação uma realidade à qual o legislador não faz referência expressa,
97. procedendo, deste modo, a uma integração de lacunas proibida em direito fiscal (cfr. artigo 11º nº 4 da LGT) - já que interfere com um dos elementos essenciais dos impostos, matéria da competência exclusiva da Assembleia da República: a incidência.
98. A disciplina dos elementos essenciais dos impostos, por ser matéria de competência reservada do Parlamento, tem de constar de lei (cfr. artigo 103.º nº 2 da CRP) ou de decreto-lei autorizado (cfr. artigo 165º nº 1 i) da CRP), em obediência ao princípio constitucional da legalidade fiscal,
99. sendo que os elementos essenciais dos impostos são reconduzidos, por imperativo constitucional, à incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes (cfr. artigo 103º nº 2 CRP).
100. No caso em apreço, é precisamente a interpretação e aplicação de normas de incidência que está em causa.
101. Esta limitação legal em matéria de incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, está também consagrada no artigo 11º nº 4 da LGT.
102. Assim, quando a AT estabelece - em matéria de incidência - pressupostos que não estavam expressamente previstos, tal equivale a criar norma onde não existia norma,
103. e, portanto, em última análise, a exercer poder legislativo em matéria constitucionalmente vedada – assim violando o princípio da legalidade fiscal.
104. Decorre directamente do princípio da legalidade fiscal a chamada “tipicidade fechada” ou numerus clausus tributário.
105. Deste modo, só poderá haver lugar à concretização do princípio da segurança tributária ou da protecção da confiança, quando é respeitada a tipicidade fiscal no apuramento dos impostos que constituem a prestação no âmbito da relação jurídico-tributária – o que, in casu, não sucedeu.
106. Como vimos, a AT, ao forçar a letra da Lei para nela fazer caber um encargo não expressamente previsto, ultrapassa a mera interpretação e estabelece uma norma de incidência sem qualquer arrimo na letra da lei,
107. sendo que o aplicador da lei – AT ou Tribunal – não pode substituir-se ao legislador e tipificar qual a base de incidência dos impostos, sob pena de violação da Lei e da Constituição.
108. Com efeito, os serviços da AT não possuem competência legislativa e, nessa medida, não possuem a faculdade de criar normas nem acrescentar ou diminuir os limites normativos da lei,
109. sendo que a técnica legislativa usada, de estabelecer um elenco meramente exemplificativo numa norma de incidência tributária, viola, de forma crassa, o princípio da legalidade.
110. Consequentemente, a liquidação em apreço, ao pretender fundar-se numa interpretação extensiva de “encargo” que não tem assento na letra nem no espírito da lei, incorre em violação de lei - gerador da sua anulabilidade.
111. E na medida em que se entenda legítima a interpretação extensiva do artigo 81º nº 5 CIRC, para nele fazer caber um conceito de “encargos” dissonante com a sua letra e espírito, verifica-se a inconstitucionalidade desse preceito, por violação dos artigos 103º nº 2, e 165º nº 1 i) da CRP.
112. Mais: posto que o nosso sistema fiscal tem como critério e pressuposto da tributação o princípio da capacidade contributiva,
113. uma leitura como a que faz a AT terá necessariamente de passar sob o crivo do princípio constitucional de tributação das empresas sobre o seu rendimento real, nos termos do artigo 104º nº 2 da CRP.
114. Nesta conformidade, a capacidade contributiva das sociedades é resultante do cômputo entre os proveitos, por um lado, e os custos, por outro (cfr. artigos 17º e 23º CIRC),
115. sendo que, como se referiu supra, a AT pretende sujeitar a tributação autónoma os encargos suportados pelas ditas sociedades,
116. encargos esses que devem outrossim ser entendidos como factor que determina a redução da sua capacidade contributiva.
117. O artigo 81º nº 3 a) e nº 5 do CIRC, na interpretação segundo a qual os encargos com portagens e estacionamentos são sujeitos a tributação autónoma, padece de inconstitucionalidade material, por violação dos citados preceitos legais e constitucionais.
118. Destarte, e como resulta do exposto, a correcção em causa desconsidera uma redução efectiva da capacidade contributiva da Impugnante,
119. o que conduz, inelutavelmente, à sua anulabilidade, por violação de lei, concretamente dos artigos 17º nº 1, 23º e 81º nº 3 CIRC,
120. e, na medida em que seja possível retirar do artigo 81º nº 3 a) e nº 5 do CIRC o entendimento segundo o qual os encargos com portagens e estacionamentos são sujeitos a tributação, conduz também à sua inconstitucionalidade, por contrário ao disposto no artigo 104º CRP.
121. Assim, a correcção em causa viola o disposto no artigo 81º nºs 3 a) e 5 do CIRC e os demais princípios e regras legais acima referidos.
Aliás,
122. Neste sentido, já se pronunciou o TCAS, Secção de CT, em douto Acórdão de 09.03.2017, proferido no Proc. 08955/15, in www.dgsi.pt.
Por sua vez,
123. No que concerne à (ii) tributação autónoma das despesas não documentadas, no valor de Euro 11.505,10, diga-se o seguinte:
124. Uma vez que esta tributação autónoma decorre e depende da sobredita correcção de Euro 23.010,20 e esta padece dos vícios acima referidos, a correcção efectuada ao nível da tributação autónoma está, também ela, errada.
Sem prejuízo,
125. As ditas despesas não podem ser consideradas “não documentadas”.
126. Quando muito, seriam despesas “não devidamente documentadas”, por alegadamente faltar o aludido “documento de origem externa”.
127. Com efeito, tais despesas estão documentadas em notas de lançamento e outros documentos, como resulta dos sinais dos autos.
128. O facto de não terem sido “mostrados” documentos “de origem externa” permitiria, quando muito, concluir tratar-se de despesas não devidamente documentadas.
129. Nunca de despesas “não documentadas”.
130. O que legitimaria tão só a sua não consideração como custo fiscal (artigo 42º nº 1 g) do CIRC).
131. Não a sua tributação autónoma nos termos do nº 1 do artigo 81º do CIRC.
132. No caso concreto existe suporte documental aos registos contabilísticos em causa, como resulta dos sinais dos autos.
133. A AF simplesmente considera que esse suporte documental é incorrecto, por faltar o “documento de origem externa”.
134. Pelo que, sem prejuízo de tudo quanto se afirmou, a classificação a dar a tais despesas, na pior das hipóteses, seria de encargos não devidamente documentados; não de encargos “não documentados”.
135. Com a consequente ilegalidade da tributação autónoma efectuada.
Assim,
136. Também quanto às tributações autónomas (de encargos com viaturas ligeiras de passageiros e de despesas não documentadas), a douta Sentença recorrida, salvo o devido respeito, padece de erro de julgamento e violação das referidas disposições legais.
Finalmente, ainda sem prescindir do exposto,
137. Quanto às custas, a douta Sentença recorrida condenou a Impugnante/Recorrente na totalidade das custas.
138. Ora, a presente Impugnação foi julgada parcialmente procedente por douta Sentença de 04.06.2019,
139. e as custas concomitantemente repartidas na proporção de 51% para a Impugnante e 49% para a FP, conforme a mesma Sentença.
140. Nestes segmentos decisórios, aquela mesma Sentença de 04.06.2019 transitou em julgado.
141. Por conseguinte, se, por mera hipótese, for integralmente negado provimento ao presente recurso, as custas da presente Impugnação devem ser repartidas naquelas proporções - e não com custas totalmente a cargo da Impugnante/Recorrente.
142. Daí que a douta Sentença recorrida, também neste segmento, padece de erro de julgamento, desta feita por violação do caso julgado.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., concedendo provimento ao presente recurso e, consequentemente, julgando a Impugnação integralmente procedente, com as legais consequências, V. Exas., como sempre, farão inteira JUSTIÇA.»
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A recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.
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Pelo tribunal a quo foi proferido despacho a pronunciar-se sobre a nulidade da sentença bem como quanto à reforma de custas, no sentido da inexistência da nulidade e da falta de razão para a reforma da condenação nas custas.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se do seguinte modo:
«A douta sentença recorrida
A douta sentença recorrida decidiu manter o anteriormente decidido quanto às correções ao lucro tributável referentes a despesas confidenciais e/ou não documentadas no montante de €23.010,20, e, bem assim, quanto às correções ao cálculo do imposto, no montante de €12.260,18, julgando a impugnação improcedente nessa parte, sendo de manter, na parcela correspondente, a liquidação impugnada.
Designadamente, manteve as correções da AT quanto ao lucro tributável referente a despesas confidenciais e/ou não documentadas, no montante de € 23.010,20 e quanto às correções ao cálculo do imposto, no montante de € 12.260,18.
Por douto acórdão deste TCA Norte de 19.12.2019, havia sido ordenada a baixa dos autos ao tribunal de 1.ª instância para produção da prova testemunhal requerida e prosseguimento dos ulteriores termos processuais.
Tal recurso foi circunscrito à parte da sentença que julgou improcedente a impugnação quanto a despesas não documentadas (€ 23.010,20), começando por lhe imputar défice instrutório, por não ter sido produzida a prova testemunhal requerida e erro de julgamento de facto e, bem assim, quanto à correção respeitante a tributação autónoma (€ 12.260,18), imputando-lhe o erro de julgamento de direito.
Nulidade
Defende a recorrente que a douta sentença recorrida não se pronunciou sobre a correção de € 2.292,28, relativa a custos não dedutíveis para efeitos fiscais, alegada nos artigos 113º. a 119º. da PI, pelo que padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 125º nº 1 do CPPT e 615º nº 1 d) e nº 4 do CPC.
Propugna que a decisão sobre o mérito daquela correção não estava prejudicada pela decisão das demais. sendo que, nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra.
Todavia, como refere a Mm. Juíza a quo, como resulta da petição inicial, quanto à correção constante dos artigos 113.º a 119.º referente a custos não dedutíveis (€2.292,28), a Impugnante apenas alegava o vício da falta de fundamentação.
Ora, no que se refere ao recurso acima referido, delimitado pelas suas alegações, a impugnante apenas recorreu das correções indicadas, pelo que não nos parece que tenha existido omissão de pronúncia.
Recurso da matéria de facto
Defende a recorrente que a douta sentença recorrida considerou não provados, entre outros, os seguintes factos, relevantes para a decisão de mérito:
- Que o montante de €18.404,22, registado como custo do exercício de 2001 na conta “62.2.2.7-Deslocações e Estadas” respeita a despesas de investimento inicial efetuadas no âmbito dos projetos de concurso à construção das SCUT’s oportunamente suportadas e devidamente documentadas.
- A efetividade do custo no valor de €205,98, registado na conta “62.2.9.8 – Outros fornecimentos e serviços”.
- Que o valor correspondente ao documento XX-XX-XX não é de € 88,09, mas apenas € 47,68 (portagens) e que a AT esqueceu o estorno de € 40,41 (gasolina) à dita importância de € 88,09.
- Que o documento XX-XX-XX, no valor de € 76,17, não é relativo a 2001, mas a 2000, pelo que não devia ter sido considerado.
- Que as despesas com “C.” (despesas de estacionamento) que a AT sujeitou a tributação autónoma são de €9.225,46 e não de €9.226,77, como considerou a AT.
Defende que a sentença padece de erro no julgamento da matéria de facto, desde logo atendendo ao depoimento da testemunha C..
Mas não nos parece que tenha razão, uma vez que a douta sentença recorrida, apreciou corretamente a matéria de facto com fundamento na análise dos documentos constantes do processo administrativo e do relatório da inspeção tributária. Por outro lado, como bem se refere, o depoimento da testemunha nada de concreto acrescentou sobre as características dos custos relativamente aos quais foi inquirida, limitando-se a referir as politicas adotadas, em geral, pelo Grupo S., seja em matéria de contabilização de custos, seja de controle da dedutibilidade fiscal dos custos aquando da revisão das declarações modelo 22.
Ora, como se decidiu no douto acórdão do TCA Sul de 9.03.2017 (Relatora: Desembargadora Anabela Russo):
“Em recurso jurisdicional, para que haja alteração da matéria de facto assente na livre convicção do julgador objetivamente exteriorizada, não é suficiente a invocação de uma divergência em relação ao que ficou decidido nesses termos, antes sendo indispensável alegar e demonstrar, pela prova efetivamente produzida, que houve erro manifesto na apreciação do seu valor probatório.”1
1 Disponível, tal como os demais, em www.dgsi.pt.
Assim, a recorrente não demonstrou que houve erro manifesto na apreciação da prova, pelo que, nesta parte, se nos afigura que o recurso não merece provimento.
Recurso da matéria de direito
Correção respeitante a despesas não documentadas (€ 23.010,20)
Nos termos do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º, n.º 1 do CIRC, não são dedutíveis para efeito da determinação do lucro tributável, os encargos não devidamente documentados e as despesas de caracter confidencial.
As despesas não documentadas podem ser definidas como sendo despesas que originaram uma saída de meios monetários de uma entidade, influenciando negativamente os resultados, mas para a qual não existe um documento suporte ou comprovativo.
No nosso regime, a ausência de prova documental que é exigida para efeitos fiscais implica não apenas a não dedutibilidade de tais despesas, mas também a sua tributação autónoma, à taxa de 50%, nos termos do disposto no artigo 81.º, n.º 1 do CIRC.
Ora, como bem se refere na sentença recorrida, os custos em causa não estão devidamente documentados, razão pela qual a liquidação impugnada se terá de manter relativamente a tais correções.
É certo que, em sede de IRC, o documento justificativo do custo para efeitos do artigo 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC não tem de assumir as formalidades previstas para as faturas em sede de IVA. Todavia, tal não significa que todo e qualquer documento seja apto para documentar um custo, já que apenas o são aqueles que contenham os elementos essenciais da operação que titulam, por forma a possibilitar à AT o controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto, bem como da respetiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços.
No decurso do procedimento inspetivo, a impugnante foi notificada para apresentar os documentos de suporte dos registos contabilísticos em causa, tendo apenas apresentado os extratos contabilísticos das contas em causa e notas de lançamento internas.
Termos em que concluiu acertadamente a decisão recorrida que que os custos em causa não estão devidamente documentados, razão pela qual a liquidação impugnada se terá de manter relativamente a tais correções.
Correção respeitante à tributação autónoma (€ 12.260,18)
Alega a recorrente que os cálculos relativos à tributação autónoma de encargos com viaturas ligeiras de passageiros no valor de € 755,08, respeitante a encargos com portagens e estacionamentos não devem fazer parte do conceito de “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros”.
A decisão recorrida sustenta que não tem razão a impugnante quando sustenta que os encargos respeitantes a “portagens” e “estacionamento”, não encontram guarida na densificação a que procede este n.º 4 do artigo 81.º do CIRC, pois, como se alcança da norma, pretende-se abarcar todos os encargos relacionados com tais viaturas, o que inclui as portagens e estacionamento. Ora, neste ponto, discordamos da douta sentença recorrida, entendendo que a recorrente tem razão. Não nos parece que se possa equiparar as reparações, amortizações, seguros, rendas, alugueres e combustível das viaturas, com as despesas de portagem e de estacionamento. Como se refere no acórdão do TCA Sul de 5.03.2020 (Relatora: Desembargadora Ana Pinhol):
“(...) se bem vemos, para esse elemento primário, para essa ligação direta, necessária, intrínseca e física - através do bem em si mesmo considerado ou através do contrato que subjaz ao encargo que os exemplos adiantados pelo legislador no n.º 4 do preceito nos remetem (reparações, amortizações, seguros, rendas, alugueres e combustível) e esse nexo físico ou contratual não é encontrado nos encargos de estacionamento e de portagens.”
Alega a recorrente que a correção efetuada ao nível da tributação autónoma de despesas não documentadas no montante de € 23.010,20 está, também ela, errada, tal como está a própria correção e, sem prescindir, sustenta que, quando muito, estão em causa “despesas não devidamente documentadas”, por lhes faltar o aludido “documento de origem externa” e não “despesas não documentadas”, o que legitimaria tão só a sua desconsideração como custo fiscal e não a respetiva tributação autónoma.
Ora, não nos parece que ocorra também o alegado erro de direito quanto à tributação autónoma de despesas não documentadas no montante de € 23.010,20 porque, como resulta do relatório de inspeção e se decidiu na sentença, estão em causa despesas confidenciais ou não documentadas e não, como pretende a Impugnante, despesas apenas indevidamente documentadas.
A douta sentença recorrida decidiu de forma correta e de acordo com os normativos legais, ao manter as correções da AT quanto ao lucro tributável referente a despesas confidenciais e não documentadas, no montante de € 23.010,20 e quanto às correções ao cálculo do imposto, no montante de € 11.505,10, deduzido o valor referente aos encargos com estacionamento e portagens de viaturas ligeiras (€ 12.260,18 - € 755,08).
Nestes termos, entendemos que a douta decisão recorrida, ao decidir julgar a impugnação judicial parcialmente procedente, fez correta apreciação dos factos, bem como acertada se afigura, com a exceção acima referida, a aplicação do direito.
Pelo exposto, somos do parecer que deve ser concedido provimento parcial ao recurso interposto.»
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Sem vistos dos Exmos. Juízes adjuntos, por assim ter sido acordado, foi o processo à Conferência para julgamento.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO: QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações:
[a] Nulidade por omissão de pronúncia porque não se pronunciou sobre a correção de € 2.292,28, relativa a custos, arts. 125º nº 1 do CPPT e 615º nº 1 d) e nº 4 do CPC, e de violação do artigo 608ºnº 2 do CPC.

[b] Erro de julgamento da matéria de facto:
Reapreciação da prova gravada, única testemunha, com referência ao segmento do depoimento identificado na gravação, no sentido de vir a ser dado como provado, aditando-se aos factos provados:
1- o montante de Euro 18.404,22, relativo a despesas referentes às SCUT’s, também registado na conta 62.2.2.7 – Deslocações e Estadas, reporta-se a despesas de investimento inicial efectuadas no âmbito dos projectos de concurso à construção das SCUTS (autoestradas sem custos para o utilizador), designadamente com deslocações e estadias dos vários técnicos envolvidos nos projectos. O valor é relativo a despesas em projectos de investimento, que se prolongaram por vários anos, por força do princípio do balanceamento dos custos com os proveitos, a Impugnante entendeu que tais despesas deveriam ser inicialmente levadas a custos diferidos, passando a ser custos do exercício quando e na medida em que se obtivessem os correspondentes proveitos ou logo que se concluísse que os projectos não iriam sem concretizados. entendeu a Impugnante começar a registar esses custos como custos do exercício, inicialmente diferidos.
O que se iniciou em 2001, designadamente com as referidas despesas - e com vários outros custos, também eles inicialmente diferidos. Sucedeu em 2001 foi a simples transferência para custos do exercício de parte das despesas referentes aos projectos de investimento nas SCUT’s, inicialmente diferidas
2- A quantia de 205,98 respeitava à C., despesas com estacionamento de viaturas que não foi possível localizar o respetivo documento por haver milhentos estacionamentos
3- concerne à tributação autónoma de encargos com viaturas ligeiras de passageiros, no valor de Euro 755,08, o valor correspondente ao documento XX-XX-XX não é de Euro 88,09, mas de apenas Euro 47,68 (portagens). A AF esqueceu o estorno de Euro 40,41 (gasolina) à dita importância de Euro 88,09.

[c] O contribuinte demonstrou a natureza e efetividade dos encargos em questão.
O acto de liquidação padece de insuficiência de fundamentação, por violação dos artigos 153º do CPA, 77º nº 1 e 2 da LGT e 268º nº 3 da CRP

[d] A douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento de Direito quanto à correcção de € 23.010,20, relativa a despesas não documentadas.
Nos termos do artigo 100º nº 1 do CPPT, “1 - Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.” O contribuinte goza da presunção legal de veracidade e boa-fé da sua contabilidade e declarações fiscais, nos termos do artigo 75º da LGT.
Erro de direito quanto à qualificação dos encargos com portagens e estacionamento sujeitando-os a tributação autónoma.

Por fim, saber se a sentença errou na fixação da responsabilidade por custas.
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3. FUNDAMENTOS DE FACTO

Em sede de probatório, a 1.ª Instância fixou os seguintes factos:
1. Na sequência de análise interna à declaração modelo 22, referente ao exercício de 2001, apresentada pela Impugnante, a AT efetuou correções ao lucro tributável declarado e ao cálculo do imposto, as quais têm subjacente a seguinte fundamentação:
(Documento na sentença original)
- cfr. fls. 40-59 do processo administrativo apenso.
2. Em 14/03/2005, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2004 8500023422, no montante a reembolsar de € 56.929,99, a que corresponde a demonstração de compensação n.º 2005 2579557, no valor a pagar de € 12.260,18, com data limite de pagamento de 04/05/2005 - cfr. fls. 23-25 do processo administrativo apenso.
3. Em 30/06/2005, a presente impugnação deu entrada neste TAF - cfr. fls. 2 dos autos.
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Mais se provou com interesse para a decisão o seguinte:
4. Pelo ofício refª 3907, de 15/10/2003, os Serviços de Inspeção Tributária solicitaram à Impugnante que remetesse, no prazo de 10 dias, fotocópia dos documentos de suporte do lançamento em 31/12/2001 na conta “62.2.2.7-Deslocações e Estadas” do montante de €18.404,22 - cfr. o anexo 3 ao relatório de inspeção tributária.
5. O anexo 3 ao relatório de inspeção tributária, apresenta o seguinte teor:
(Documento na sentença original)
- cfr. o processo administrativo apenso.
6. O anexo 5 ao relatório de inspeção tributária, apresenta o seguinte teor:
(Documento na sentença original)
- cfr. o processo administrativo apenso.
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III.2. Factos não provados

1. Que o montante de €4.400,00 foi objeto de um lançamento positivo e negativo (estorno) no mesmo mês, não influenciando a conta “62.2.2.7 – deslocações e estadas” – facto alegado nos artigos 87 e 88.º da petição inicial.
2. Que o montante de €18.404,22, registado como custo do exercício de 2001 na conta “62.2.2.7-Deslocações e Estadas” respeita a despesas de investimento inicial efetuadas no âmbito dos projetos de concurso à construção das SCUT’s oportunamente suportadas e devidamente documentadas – facto alegado no artigo 103.º da petição inicial.
3. A efetividade do custo no valor de €205,98, registado na conta “62.2.9.8 – Outros fornecimentos e serviços” – facto alegado no artigo 108.º da petição inicial.
4. Que o valor correspondente ao documento XX-XX-XX não é de € 88,09, mas apenas € 47,68 (portagens) e que a AT esqueceu o estorno de € 40,41 (gasolina) à dita importância de € 88,09 – facto alegado nos artigos 123.º e 124.º da petição inicial.
5. Que o documento XX-XX-XX, no valor de € 76,17, não é relativo a 2001, mas a 2000, pelo que não devia ter sido considerado – facto alegado no artigo 125.º da petição inicial.
6. Que as despesas com “C.” (despesas de estacionamento) que a AT sujeitou a tributação autónoma são de €9.225,46 e não de €9.226,77, como considerou a AT – facto alegado nos artigos 131.º e 132.º da petição inicial.
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III.3. Motivação

A decisão sobre a matéria de facto, no que concerne aos factos provados, baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos e dos constantes do processo administrativo apenso, os quais se dão por inteiramente reproduzidos, não tendo sido impugnados, designadamente, o relatório da inspeção tributária efetuada à Impugnante, cuja força probatória se reporta aos factos que nele são referidos, na medida em que se mostraram devidamente fundamentados através de elementos externos e assentes em critérios objetivos [cfr. o disposto no artigo 76.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”)], valendo os meros juízos pessoais afirmados pela AT como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador, sendo de aplicar o regime geral previsto para a força probatória dos documentos autênticos (artigo 371.º, n.º 1 do Código Civil).
Já no que concerne aos factos não provados, a decisão do Tribunal baseou-se na inexistência/insuficiência da prova produzida, nos seguintes termos:
- no que concerne ao item 1) dos factos não provados, a Impugnante apenas junta notas de lançamento internas e que apenas evidenciam registos a débito na conta “62.2.2.7 – deslocações e estadas”, por contrapartida de registos a crédito na conta #26.805, quando é sabido que o estorno do registo de custos numa conta de custos implica o registo a crédito nessa mesma conta;
- no que concerne ao item 2) dos factos não provados, apesar de tais montantes terem sido registados como custo do exercício de 2001, a Impugnante não juntou os documentos de suporte de tais despesas, mas apenas o documento interno da transferência entre contas, sendo que a AT não exigiu qualquer documento externo que suportasse a transferência, mas sim os documentos externos que suportam os custos transferidos, o que não foi apresentado, nem no procedimento de inspeção, nem nos presentes autos;
- no que concerne aos itens 3), 4) e 5) dos factos não provados, a Impugnante nada juntou para prova do alegado;
- no que concerne aos item 5) dos factos não provados, a alegada diferença de valores (€1,31) não se verifica, porquanto na soma efetuada pela Impugnante constante do doc. 13 junto com a p.i. a Impugnante considera uma parcela de €26,65, quando o valor correto constante do documento junto é de 5.610$00 (€27,98).
- Acresce que, pese embora tenha sido inquirida a testemunha arrolada pela Impugnante, com as funções de consultora fiscal do Grupo S., o seu depoimento não foi valorado porque nada de concreto acrescentou sobre as características dos custos relativamente aos quais foi inquirida – designadamente, sujeitos, preços, datas e objeto das transações – que permitisse ao Tribunal aferir da alegada legalidade da respetiva dedução para efeitos fiscais, tendo-se limitado a reiterar o alegado na p.i., v.g. quanto à inicial contabilização como custos diferidos dado estarem associados a projetos de construção de SCUTs ou quanto à existência de suporte documental dos custos em causa e referido as politicas adotadas, em geral, pelo Grupo S., seja em matéria de contabilização de custos, seja de controle da dedutibilidade fiscal dos custos aquando da revisão das declarações modelo 22.»
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3.1. A Recorrente inicia a suas conclusões imputando vício de nulidade à sentença, tal vício goza de prioridade no seu conhecimento.
Não se pronunciou sobre a correção de € 2.292,28, relativa a custos, 125º nº 1 do CPPT e 615º nº 1 d) e nº 4 do CPC, e de violação do artigo 608ºnº 2 do CPC.

Em jeito de chamada de atenção, o recurso inicialmente interposto pela recorrente é particularmente impreciso quanto à discriminação das correções que reclamavam produção de prova testemunhal.
Por sua vez, o acórdão [fls. 344-354] delimitou as correções em discussão, que atendendo ao seu teor, apenas poderiam englobar aquilo que não foi objeto de impugnação por falta de fundamentação do ato de correção, restringindo àquelas que necessitavam de prova ou que padeciam de insuficiente instrução.

Contudo a Sr.ª Juiz pronunciou-se sobre a nulidade no sentido de não se verificar, explicando relevantemente a razão de não ocorrer; razões devidamente apontadas no despacho de sustentação com o qual concordamos inteiramente e que se reproduz: «Na petição inicial, insurgiu-se a Impugnante quanto às seguintes correções:
· Artigos 7.º a 81.º: provisões para créditos de cobrança duvidosa (€35.414,92);
· Artigos 82.º a 112.º: Despesas não documentadas (€23.010,20);
· Artigos 113.º a 119.º: Custos não dedutíveis (€2.292,28);
· Artigos 120.º a 154.º: Tributações autónomas (€12.260,18)
Por sentença de 04/06/2019, foi a impugnação julgada parcialmente procedente, nos seguintes termos:
«- É de anular a liquidação de IRC impugnada no que concerne à correção ao lucro tributável respeitante a provisões não dedutíveis ou para além dos limites legais, no montante de €35.414,92;
- No mais, quanto às correções ao lucro tributável referentes a despesas confidenciais e/ou não documentadas no montante de €23.010,20 e encargos não devidamente documentados, no valor de €2.292,28 e, bem assim, quanto às correções ao cálculo do imposto, no montante de €12.260,18, é de manter a liquidação impugnada.».
A Impugnante recorreu da sentença proferida, na parte em que a mesma foi julgada improcedente, invocando «erro de julgamento e défice instrutório, com o consequente erro omissivo no julgamento da matéria de facto - decorrente da indevida dispensa da prova testemunhal, relevante para a decisão de mérito», ou «erro de julgamento da matéria de facto, ao considerar como não provada factualidade relevante para a decisão de mérito sem prévia produção de prova testemunhal». Sem prescindir, alega ainda «o erro de julgamento de Direito quanto à tributação autónoma de “despesas não documentadas”.».
Por Acórdão de 19/12/2019, decidiu o TCA Norte conceder provimento ao recurso interposto e revogar a decisão no segmento recorrido e ordenar a baixa dos autos ao tribunal de 1.ª instância para produção da prova testemunhal requerida e prosseguimento dos ulteriores termos processuais.
Em obediência ao determinado pela instância superior, procedeu-se à inquirição da testemunha arrolada, que foi ouvida quanto ao alegado nos artigos 91.º a 104.º, 107.º a 110.º e 112.º da petição inicial e, em 25/11/2020, proferiu-se nova sentença quanto ao segmento recorrido.
Ora, pese embora nas alegações do recurso interposto da sentença de 04/06/2019 a Impugnante não discrimine o erro de facto em que incorreu o Tribunal por omissão de prova testemunhal quanto a cada correção, não foi difícil ao Tribunal concluir que só poderiam estar em causa as correções mencionadas nos artigos 82.º a 112.º (Despesas não documentadas), pois, como resulta da petição inicial, quanto à correção constante dos artigos 113.º a 119.º referente a custos não dedutíveis (€2.292,28), a Impugnante apenas alegava o vício da falta de fundamentação e, tanto assim é, que a testemunha inquirida apenas o foi quanto à primeira correção referida. Acresce que, no mais, o recurso interposto apenas teve por base o erro de direito quanto à correção respeitante a tributações autónomas.
Em conformidade, na sentença de 25/11/2020, circunscreveu-se o âmbito da decisão a proferir, nos seguintes termos, constantes do relatório:
«A Impugnante recorreu da sentença proferida na parte em que julgou improcedente a impugnação quanto a despesas não documentadas (€ 23.010,20), começando por lhe imputar défice instrutório, por não ter sido produzida a prova testemunhal requerida e erro de julgamento de facto e, bem assim, quanto à correção respeitante a tributação autónoma (€ 12.260,18), imputando-lhe o erro de julgamento de direito.».
E bem assim no ponto referente às «Questões a decidir: dos vícios imputados à liquidação impugnada, quanto às correções ao lucro tributável referentes a despesas confidenciais e/ou não documentadas no montante de €23.010,20, e, bem assim, quanto às correções ao cálculo do imposto, no montante de €12.260,18, uma vez que, quanto ao mais, foi já proferida sentença que, nessa parte, transitou em julgado.» (sublinhado nosso).
Face ao exposto, estamos certos de que não ocorre a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos da citada norma legal, pelo que se indefere a respetiva arguição.»


Com efeito, na impugnação judicial a recorrente assacou a esta correção falta de fundamentação tendo sobre ela pronunciado o tribunal a quo, por sentença de 04-06-2019, este segmento da decisão não foi objeto de recurso cujo aresto, de 19-12-2019, determinou a anulação da sentença na parte que respeita à necessidade de produção de prova respeitante, necessariamente, às despesas não documentadas consubstanciadas nos artigos 82.º a 112.º.

Aliás, diga-se, com vista a sanar dúvidas, que a correção esteou-se nos diversos custos com refeições e estadias em estabelecimentos hoteleiros estarem apenas suportados num documento consubstanciado no extrato de cartão de crédito, que foi usado para o pagamento de tais despesas, e, por isso, serem custos não devidamente documentados, ilustrando-se com o anexo 4, à luz do art. 42.º n.º 1, al. g) do CIRC.

Improcede, deste modo, a invocada nulidade.

3.2. Impugnação da matéria de facto, a recorrente pretende a reapreciação da prova gravada, única testemunha, com referência ao segmento do depoimento identificado na gravação, com vista a aditar-se aos factos provados o que consta dos factos não provados:
1-o montante de Euro 18.404,22, relativo a despesas referentes às SCUT’s, também registado na conta 62.2.2.7 – Deslocações e Estadas, reporta-se a despesas de investimento inicial efectuadas no âmbito dos projectos de concurso à construção das SCUTS (autoestradas sem custos para o utilizador), designadamente com deslocações e estadias dos vários técnicos envolvidos nos projectos; o valor é relativo a despesas em projectos de investimento, que se prolongaram por vários anos; por força do princípio do balanceamento dos custos com os proveitos, a Impugnante entendeu que tais despesas deveriam ser inicialmente levadas a custos diferidos, passando a ser custos do exercício quando e na medida em que se obtivessem os correspondentes proveitos ou logo que se concluísse que os projectos não iriam sem concretizados; pela sua própria natureza, essa “transferência”, em 2001, para custos do exercício, não é susceptível de ter por base “documento de origem externa”.
2- A quantia de 205,98 respeitava à C., despesas com estacionamento de viaturas que não foi possível localizar o respetivo documento por haver milhentos estacionamentos
3- No que concerne à tributação autónoma de encargos com viaturas ligeiras de passageiros, no valor de Euro 755,08, o valor correspondente ao documento XX-XX-XX não é de Euro 88,09, mas de apenas Euro 47,68 (portagens).
4- A AF esqueceu o estorno de Euro 40,41 (gasolina) à dita importância de Euro 88,09.
5- o montante de 4.400,00 foi objeto de lançamento positivo e negativo (estorno) no mesmo mês, não influenciando a conta 62.2.2.7 -deslocações e estadas

Como se intui este aditamento não pode ser feito, quer porque a sua formulação está eivada de juízos conclusivos quer, ainda, por não ter sido destacado o erro em que incorreu o tribunal na avaliação do depoimento da testemunha, tendo o tribunal explicado claramente a razão pela qual não teve relevância.
Acresce que não era o depoimento da testemunha, sem outros dados objetivados no processo, em documentação em que assenta a contabilidade, que iria clarificar se houve estorno, bem como as imprecisões numéricas atribuídas aos documentos XX-XX-XX, XX-XX-XX e ao C., aliás, minuciosamente explicado na sentença.
Ademais, estas imprecisões numéricas não estão respaldadas em documentos constantes do processo de modo a prosseguir o raciocínio empreendido pela recorrente.

Não obstante, o tribunal esclareceu que as despesas ou custos não estavam materializadas em documentos justificativos que identifiquem as operações, a sua conexão com a atividade da empresa, a data em que foram realizados e o respetivo preço (…) a prova testemunhal no que tange às despesas referidas não pode, per se, substituir documentos que justificam os lançamentos contabilísticos da empresa (recorrente).

O que verdadeiramente pretende a recorrente é que se faça um novo julgamento da matéria de facto, ouvindo a testemunha para que este tribunal faça o seu próprio juízo.
Não estando em tese excluída a possibilidade do tribunal de recurso o poder fazer, certo é que terá de resultar evidenciado motivo para tal, o que como se se disse não se verifica. Neste sentido Cons. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, pág. 233, Almedina, 2.ª edição.

A discordância sobre a valoração da prova testemunhal e documental produzida e sobre a convicção do julgador, sem precisar ou identificar o vício lógico em que se incorre não permite a alteração da matéria de facto.

A alteração da matéria de facto nos moldes pretendidos, pelo Tribunal de Recurso, só poderá ocorrer em situações de erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais e dos depoimentos fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado em 1ª instância. No sentido do texto Ac. do TCASul no processo 07219/13 de 29/5/2014, disponível no site da dgsi.

Improcede assim, a impugnação do julgamento de facto.
*

4. APRECIAÇÃO JURÍDICA DO RECURSO

A recorrente entende ainda que a sentença padece de erro de julgamento de Direito quanto à correcção de € 23.010,20, relativa a despesas não documentadas.

No que respeita às despesas relacionadas com as SCUT`s de deslocações e estadas, no valor de 18.404,22; ao estorno da quantia de 4.400,00 não chegou a ser custo contabilístico, ao valor de 205,98, que não foi possível encontrar o documento nos seus arquivos, respeitante a despesas com estacionamento, e bem assim, os erros materiais relativos aos documentos XX-XX-XX E XX-XX-XX e a diferença entre o documento XX-XX-XX-XX e C., a sentença discreteou de modo que não nos oferece qualquer censura, pois que, com assertividade consignou o seguinte: (…) O lucro tributável das pessoas coletivas é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do Código do IRC (art. 17.º, n.º 1 do Código do IRC).
Para o efeito, a contabilidade das empresas deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística, sem prejuízo da observância das disposições do Código do IRC e refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes (art. 17.º, n.º 3 do Código do IRC).
Ademais, previa o artigo 115.º do Código do IRC que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º do Código do IRC, a contabilidade das empresas deverá permitir o controlo do lucro tributável (n.º 1) e que na sua execução todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário, mais devendo as operações ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objeto de regularização contabilística logo que descobertos (n.º 3).
Nessa conformidade, presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal (artigo 75.º, n.º 1 da LGT).
E, em consonância, segundo a alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º, n.º 1 do Código do IRC, não são dedutíveis para efeito da determinação do lucro tributável, «os encargos não devidamente documentados e as despesas de caracter confidencial».
As despesas não documentadas podem ser definidas como sendo despesas ou gastos, que resultam em exfluxos monetários, ou seja, despesas que originaram uma saída de meios monetários de uma entidade, influenciando negativamente os resultados, mas para a qual não existe um documento suporte ou comprovativo.
Como constitui jurisprudência assente do STA «tratar-se-á de encargos ou despesas suportadas pelo sujeito passivo que em termos contabilísticos afectam o resultado líquido do exercício, diminuindo-o» (neste sentido, cfr. o acórdão proferido em 28/1/2009 (Pleno), no recurso nº 575/08).
Na verdade, do conceito de tributação do rendimento real decorre a não dedutibilidade de despesas relativamente às quais não existe prova documental, não sendo possível conhecer da sua natureza, origem ou finalidade (cfr. neste sentido, Ana Paula Dourado, in “Direito Fiscal”, Almedina, 3.ª edição, pág. 238).
Ademais, no nosso regime, a ausência de prova documental que é exigida para efeitos fiscais implica não apenas a não dedutibilidade de tais despesas, mas também a sua tributação autónoma, à taxa de 50% (cfr. o artigo 81.º, n.º 1 do Código do IRC).
No acórdão n.º 18/2011, de 12/01/2011 (processo n.º 204/2010), diz-nos a esse respeito o Tribunal Constitucional que «estamos perante despesas que são incluídas na contabilidade da empresa, e podem ter sido relevantes para a formação do rendimento, mas não estão documentadas e não podem ser consideradas como custos, e que, por isso, são penalizadas com uma tributação de 50%».
Também a este propósito, Saldanha Sanches (Cfr. Manual de Direito fiscal, 3.ª edição, Coimbra, 2007, pág. 407) pondera que com as tributações autónomas «o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros».
No mesmo sentido, para Rui Duarte Morais (Cfr. Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 138) o objetivo terá sido o de tentar evitar que, através dessas despesas, «o sujeito passivo utilize para fins não empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis (...); ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes (...). A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que, assim, outra pessoa deixa de pagar imposto».
E, ainda a este respeito, diz Freitas Pereira (in CTF n.º 365, pág. 343 e segs) que «A inexistência de documento externo destinado a comprovar uma operação para a qual ele devia existir afecta necessariamente, e em princípio, o valor probatório da contabilidade e essa falta não pode ser suprida pela apresentação de um documento interno. É que o valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respectivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um carácter que se pode designar por presunção de autenticidade. Um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos. Assim, a falta de documento externo pode ser suprida por outros meios de prova que demonstrem de forma inequívoca a justeza do lançamento efectuado».
Por outro lado, como vem sendo entendido, em sede de IRC, o documento justificativo do custo para efeitos do artigo 42.º, n.º 1, alínea g) do Código do IRC não tem de assumir as formalidades previstas para as faturas em sede de IVA.
Todavia, tal não significa que todo e qualquer documento seja apto para documentar um custo, já que apenas o são aqueles que contenham os elementos essenciais da operação que titulam, por forma a possibilitar à AT o controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto, bem como da respetiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços.
Ora, no caso presente, no decurso do procedimento inspetivo, a Impugnante foi notificada para apresentar os documentos de suporte dos registos contabilísticos em causa, tendo apenas apresentado os extratos contabilísticos das contas em causa e notas de lançamento internas, os quais não contêm os elementos essenciais das operações que titulam, situação que se mantém no âmbito dos presentes autos, em que a Impugnante se limita a referir que os custos em causa foram efetivamente suportados pela empresa, que dizem respeito a despesas de investimento inicial efetuadas no âmbito dos projetos de concurso à construção das SCUT’s, designadamente, com deslocações e estadas dos vários técnicos envolvidos nos projetos, que haviam sido contabilizados como custos diferidos nos exercícios de 1999 e 2000, transferidos para custos do exercício em 2001, que o montante de €4.400,00 foi objeto de um lançamento positivo e negativo (estorno) no mesmo mês, não influenciando a conta “62.2.2.7 – deslocações e estadas” e se não chegou a ser custo contabilístico, porque estornado, não pode ser objeto de qualquer correção fiscal, juntando apenas notas de lançamento internas e um mapa-resumo dos valores constantes da conta #27209 transferidos para custo no exercício de 2001.
Ademais, para prova do custo de € 205,98, registado na conta “62.2.9.8 – Outros fornecimentos e serviços”, a Impugnante nada juntou, limitando-se a reiterar que se trata de um custo efetivamente suportado e que todos os registos contabilísticos, sem exceção, têm suporte documental, argumentação que carecendo de ser demonstrada, independentemente da imaterialidade do custo, e não o tendo sido, não pode ser acolhida.
De resto, dir-se-á que os documentos internos juntos para prova das demais correções também não satisfazem os fins que subjazem à exigência do encargo devidamente documentado, por neles somente constar a identificação das contas debitadas e o valor inscrito nas mesmas. Com efeito, tais documentos não indicam as principais características das operações económicas (sujeitos, preço, data e objeto da transação), não permitindo o exercício da atividade fiscalizadora da AT.
E nem se diga, como entende a Impugnante, que sendo o movimento efetuado em 2001 de mera transferência entre contas, que a Impugnante está desobrigada de apresentar os documentos justificativos das despesas, pois se foi apenas no exercício de 2001 que esses custos tiveram impacto em contas de resultados é com referência a esse ano que os custos em causa carecem de ser comprovados, a fim de se aferir da respetiva dedutibilidade fiscal. No mais, também não releva o argumento da Impugnante de que não compreende como é que a AT só corrigiu este valor, quando muitos outros, registados noutras contas e também eles transferidos para custos do exercício de 2001, referentes a despesas com os projetos das SCUT’s, não foram alvo de qualquer correção, porque, de acordo com o anexo 3 ao relatório de inspeção tributária, a análise em causa terá recaído sobre os custos registados em 2001 na conta “62.2.2.7 – deslocações e estadas” e não sobre a globalidade das contas de custos (cfr. o item 5) dos factos provados), além de que, a ser como alega a Impugnante, a ausência de outras correções só beneficiou a Impugnante.
Por outro lado, como se exarou na motivação da decisão sobre a matéria de facto, pese embora tenha sido inquirida a testemunha arrolada pela Impugnante, com as funções de consultora fiscal do Grupo S., o seu depoimento não foi valorado porque esta nada de concreto acrescentou sobre as características dos custos sobre os quais foi inquirida – designadamente, sujeitos, preços, datas e objeto das transações - que permitisse ao Tribunal aferir da alegada legalidade da respetiva dedução para efeitos fiscais, tendo-se limitado a reiterar o alegado na p.i., v.g. quanto à inicial contabilização como custos diferidos ou quanto à existência de suporte documental dos custos em causa e referido as politicas adotadas, em geral, pelo Grupo S., seja em matéria de contabilização de custos, seja de controle da dedutibilidade fiscal dos custos aquando da revisão das declarações modelo 22.
Por fim, dir-se-á que também não resulta sequer demonstrado que o montante de €4.400,00 foi objeto de um lançamento positivo e negativo (estorno) no mesmo mês, não influenciando a conta “62.2.2.7 – deslocações e estadas”, uma vez que as notas de lançamento em causa apenas evidenciam registos a débito na referida conta, por contrapartida de registos a crédito na conta #26.805, quando é sabido que o estorno do registo de custos numa conta de custos implica o registo a crédito nessa mesma conta.
Termos em que, porque nada mais se provou nos autos, se mantém a conclusão vertida na sentença recorrida, de que os custos em causa não estão devidamente documentados, razão pela qual a liquidação impugnada se terá de manter relativamente a tais correções.

(…), quanto aos erros materiais apontados pela Impugnante ao cálculo da tributação autónoma e de acordo com os elementos juntos, verifica-se o seguinte:
- a Impugnante alega, mas não demonstra, os erros no cálculo das tributações autónomas quanto aos documentos XX-XX-XX (não demonstra o alegado estorno de €40,41) e XX-XX-XX (não demonstra que o valor de €76,17 não respeita ao ano de 2001);
- a diferença encontrada entre o documento OD-03-129 junto com o anexo 5 (249.178$) e o valor indicado neste anexo a esse respeito (€1.242,32), é de apenas €0,57, o que, com grande probabilidade, resulta da conversão de escudos para euros, bem como do arredondamento do montante de origem, não impedindo um destinatário normal de apreender o cálculo efetuado;
- a alegada diferença de €1,31, entre o montante considerado pela AT a título de “C.”, de €9.226,77, uma vez que o valor correto é de €9.225,46, também não se verifica, porquanto na soma efetuada pela Impugnante constante do doc. 13 junto com a p.i. a Impugnante considera uma parcela de €26,65, quando o valor correto constante do documento junto é de 5.610$00 (€27,98); na verdade, subsiste uma diferença, mas por defeito, de €0,02, entre o valor do erro apontado e o valor do erro cometido pela Impugnante, que poderá, certamente, dever-se aos arredondamentos resultantes da conversão de escudos para euros.

No que respeita à tributação autónoma das despesas com viaturas ligeiras de passageiros (portagens e estacionamento), ou seja, 9.226,77 de despesas de C. e 1.242,34 de portagens e estacionamento, a recorrente tem razão na medida em que estas despesas não se incluem nos encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros.

A AT desconsiderou estes encargos em virtude de não estarem documentados, embora a recorrente tenha juntado documentos ao processo [documento 13 junto com a p.i] todavia não permitem fazer a conferência com os encargos que registou na contabilidade e não aceite pela AT.

O art. 42.º, n. º1, al. g) do CIRC dispunha em 2001 que não eram dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os encargos, mesmo que contabilizados como custos ou perdas do exercício, entre outros, os encargos não devidamente documentados e as despesas de caráter confidencial.
Daqui decorre que as despesas não documentadas, quer porque não existe documento de suporte relevante quer porque existindo, é insuficiente, [não sendo possível suprir essas insuficiências por outros meios] têm como consequência não ser dedutível no cálculo do lucro tributável.

A par destas, também as despesas confidenciais ou não documentadas, têm a mesma consequência, no entanto, estas divergem das outras porque se desconhece a sua natureza, finalidade e destino, ou seja, nada se sabe sobre elas.
Por isso, a estas despesas acresce outra consequência, conforme dispõe o art. 81.º do CIRC, com o objetivo de evitar ou atenuar as vantagens delas resultantes em IRC, que através dessas despesas o contribuinte utilize para fins não empresariais bens que geram custos fiscalmente dedutíveis ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos a este.
Além de não concorrem para a determinação do lucro tributável são ainda taxadas pelo valor previamente fixado, que à data era de 50%.

De facto, o art. 81.º, n.º 1, dispunha que as despesas confidenciais ou não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo do disposto na al. g) do n. º1, do art. 42.º. Os vários números do art. 81.º vão precisando a sua aplicação atendendo ao tipo de despesas ou dos sujeitos passivos, de tal modo que no n.º 3, determinava que são tributados autonomamente à taxa de 20% os (…) encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, moto e motociclos, efetuados ou suportados por sujeitos passivos isentos e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

O n.º 4, dispunha ainda que se considerava encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas de manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

Tal como temos vindo a decidir Ac. deste TCA de 25-02-2021, ainda inédito, no processo 112-2003 PRT., e como já acontecia com o art. 41.º, n. º4 do CIRC, com referência a Acórdão do TCA SUL No processo 08955/2015 de 09-03-2017, disponível em www.dgsi.pt
, que aqui transcrevemos o excerto relevante ao caso:
Efectivamente, tendo presente que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei e que o legislador consagrou a solução mais acertada, mas também não esquecendo a incontornável presunção de que a solução consagrada o foi nos termos mais adequados àquilo que era a sua vontade (artigo 9.º, do Código Civil), a única conclusão possível é a de que se fosse sua intenção fosse abarcar todo o tipo de despesas se teria limitado a afirmar que, mesmo que contabilizados como custos ou perdas de exercício, e salvo as excepções aí consagradas, não eram dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável 20% de todos os encargos relacionados com viaturas ligeiras, qualquer que fosse a sua natureza.
Não foi, porém, essa a sua opção, pelo que, a solução que haja de ser dada ao problema interpretativo que se nos coloca, perante a opção do legislador por uma regulamentação exemplificativa, haverá de ser encontrada na resposta que dermos à questão de saber se os encargos relativos a portagens e estacionamento são por natureza semelhantes aos encargos aí contemplados e, consequentemente, fazem parte do núcleo de despesas que o legislador pretendeu que fossem entendidos como englobados pelo termo “designadamente” aí aposto. (sublinhado nosso)
Adiantamos, desde já, que a nossa resposta a esta questão é igualmente negativa por entendermos que a semelhança entre a natureza dos encargos previstos na norma e os demais encargos comprovados e que se ofereçam como susceptíveis de ser fiscalmente relevantes para efeitos de aplicação do regime consagrado no n.º 4, do artigo 41.º do CIRC só pode radicar no nexo de causalidade necessário e directo entre a viatura enquanto bem da empresa e o encargo suportado. É, se bem vemos, para esse elemento primário, para essa ligação directa, necessária, intrínseca e física - através do bem em si mesmo considerado ou através do contrato que subjaz ao encargo – que os exemplos adiantados pelo legislador no n.º 4 do preceito nos remetem (reparações, amortizações, seguros, rendas, alugueres e combustível) e esse nexo físico ou contratual não é encontrado nos encargos de estacionamento e de portagens. (sublinhado nosso)
É verdade que, podemos dizê-lo, nos encargos cuja dedução de 20% vem questionada nos autos também existe esse nexo de causalidade, uma vez que os valores de portagens ou de estacionamentos só são devidos porque há uma viatura, há um bem sem o qual não haveria cobrança de portagens nem custos com estacionamentos. Ou seja, pode afirmar-se, seguramente, que tais encargos (portagens e estacionamentos), tal como as reparações, as rendas ou alugueres, só existem porque esse mesmo bem existe. Acontece porém que, distintamente do que ocorre com os encargos-tipo ou exemplos enumerados na lei, que existem independentemente da utilização do bem na actividade, aquelas portagens ou estacionamento, já admitidas como custos para efeitos do artigo 23.º do CIRC, mais do que estarem relacionadas com a viatura, estão directamente relacionadas com a actividade empresarial, sendo este o marco, insiste-se, se bem vemos, relevante para efeitos do regime fiscal consagrado. Aliás, como afirma a recorrente, com o que concordamos (distintamente do que acontece com a densificação que faz do termo designadamente por “peças” e “acessórios” quanto a nós absolutamente integrado no exemplo reparação constante da norma), bem pode acontecer que tais encargos ocorram independentemente de serem utilizadas viaturas ligeiras de passageiros, designadamente através da utilização na actividade empresarial de viaturas mistas ou motociclos, ambos sujeitos a cobrança de portagens e de estacionamento e sem que de qualquer forma se possa afirmar (porque não existe qualquer possibilidade de ser encontrado um mínimo razoável de correspondência literal na norma – artigo 9.º do Código Civil) que a redução de 20% prevista na lei é aplicável a esse tipo de viaturas.
Acresce que, um outro elemento interpretativo, que perpassa já do que vimos expondo e que inquestionavelmente tem que ser relevado, é o do objectivo prosseguido pelo legislador com a instituição desta concreta restrição à dedução e que foi, como é por demais sabido, “compensar/anular” os abusos, muitas vezes cometidos, decorrentes de aquisições de viaturas, sobretudo do tipo “ligeiros” utilizados para transporte de passageiros, através de sociedades - beneficiando do regime fiscal então associado a essa aquisição associado – mas para serem utilizados de forma exclusiva ou preponderante por particulares e para fins particulares. Foram, pois, no mínimo primacialmente, as viaturas em si (a sua aquisição) que estiveram na mira do legislador e não as despesas de portagens e estacionamentos a ela associados, cuja relação com a actividade é objecto de controlo ao nível do artigo 23.º do CIRC. (sublinhado nosso)
Tudo, pois, argumentos que nos inculcam, pelo menos mais fortemente, a convicção de que a realidade fáctica em presença nos autos não deve entender-se como subsumível à previsão da norma legal ou, o mesmo é dizer, que os encargos com portagens e estacionamentos não devem entender-se como incluídos no n.º 4, do artigo 41.º, do CIRC, na redacção vigente à data dos factos.”, tais encargos não se subsumem à norma do art. 81.º do CIRC.
Com efeito, tal interpretação é transponível para o art. 81.º, nºs 3 e 4, aliás, este n. º4 é idêntico à última parte do n. º4 do art. 41.º do CIRC.
Assim, estas despesas com estacionamento e portagens, embora no caso não concorram para a determinação do lucro tributável porque não estavam devidamente documentadas [art. 42.º n.º1, al g)] não são sujeitas a tributação autónoma, pois, que este tipo de encargos não se subsumem aos encargos-tipo a que faz alusão o n.º 4 do art. 81.º do CIRC, aliás, se o legislador entendesse fazer, teria feito aquando da alteração introduzida com a Lei n.º 30-G/2000, de 29/12 e pelo DL n.º 198/2001 de 3/7, passou a art. 81.º.
Por conseguinte, procede este segmento de recurso, sendo as respetivas correções e liquidações, provenientes da aplicação da tributação autónoma, anuladas por vício de violação de lei.
Por fim, cabe analisar a reforma quanto a custas. Neste segmento, como se disse, pronunciou-se o tribunal a quo de modo que não nos oferece dúvidas e de modo seguinte:
«Ainda nas respetivas alegações de recurso, alega a Impugnante que se, por mera hipótese, for integralmente negado provimento ao presente recurso, as custas da presente Impugnação devem ser repartidas naquelas proporções - e não com custas totalmente a cargo da Impugnante/Recorrente, entendendo que a sentença agora recorrida, também neste segmento, padece de erro de julgamento, desta feita por violação do caso julgado.
A este respeito, dispõe o artigo 616.º do CPC, sob a epígrafe «Reforma da sentença», que «A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3» (n.º 1) e que «Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação» (n.º 3).
Por outro lado, dispõe o artigo 527.º, n.º 1 do C PC que a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa.
Desde logo, como resulta do acima exposto, a sentença proferida em 25/11/2020 apenas recaiu sobre o segmento recorrido da sentença de 04/06/2019, relativamente ao qual não se havia formado qualquer caso julgado.
Por outro lado, a manutenção do julgamento de improcedência que resulta da referida sentença teria forçosamente que ter o mesmo reflexo em custas que havia tido anteriormente, i.e. com a totalidade das custas a cargo da Impugnante que, nesta parte, decaiu no seu pedido. [Veja-se, aliás, que também o Acórdão do TCAN condenou a Fazenda Pública na totalidade das custas no recurso, ou seja, na parte da sentença de que a Impugnante interpôs recurso].
Em suma, por força da sentença proferida em 25/11/2020 não ocorre qualquer “alteração” do segmento decisório e da respetiva condenação em custas da sentença de 04/06/2019 (ou seja, qualquer violação do caso julgado), na parte em que não foi objeto de recurso, o que será devidamente relevado a final, aquando da elaboração da conta.
Termos em que se conclui que também há lugar à reforma da sentença recorrida, no que respeita ao segmento das custas, o que se indefere.»

Naturalmente que a sentença na parte que não foi objeto de recurso de 4-6-2109, mantém-se inalterável nomeadamente quanto a custas, com referência ao ganho e perda de causa, na proporção ali fixada. A parte que foi submetida a recurso será agora fixada neste acórdão atendendo ao resultado do presente recurso.
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5. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso, e, em consequência, anular as correções respeitante a estacionamento e portagens submetidas a tributação autónoma, no mais, manter as liquidações impugnadas, tendo em conta o decidido e transitado pela sentença de 4-6-2019.
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Custas na 1.ª instância pela recorrente e recorrida, (abarcando a decisão transitada) na proporção de 60% para Fazenda Pública, 40 % para a recorrente, custas do recurso fixa-se em 70% para a Recorrente e 30% para a recorrida.
*
Notifique-se
*
Porto, 8 de julho de 2021

Cristina da Nova
Ana Paula Santos
Margarida Reis
___________________________________________________
i) Neste sentido Cons. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, pág. 233, Almedina, 2.ª edição.

ii) No sentido do texto Ac. do TCASul no processo 07219/13 de 29/5/2014, disponível no site da dgsi.

iii) Ac. deste TCA de 25-02-2021, ainda inédito, no processo 112-2003 PRT.
No processo 08955/2015 de 09-03-2017, disponível em www.dgsi.pt