Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00223/21.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/09/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:LICENÇA PARENTAL INICIAL – CONFIANÇA ADMINISTRRATIVA – LACUNA - REGULAÇÃO ANALÓGICA
Sumário:I – Nos termos da normação conjugada do artigo 40º e 44º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, tem direito ao gozo da licença parental inicial os (i) pais trabalhadores e os (ii) candidatos a adotantes de menores de 15 anos de gozo.

II - O mesmo direito já não assiste ao (iii) tutor, à (iv) pessoa a quem for deferida a confiança judicial ou administrativa do menor, bem como ao (v) cônjuge ou a (vi) pessoa em união de facto com qualquer daqueles ou com o progenitor [cfr. artigo 64º da citada Lei nº. 7/2009].

III- O que reflete uma escolha administrativa, e não uma qualquer falha de previsão legislativa em matéria do direito de gozo de licença parental inicial no caso das pessoas a quem foi confiada administrativamente a guarda de um menor.

IV- Donde o recurso à pretensa analogia, enquanto forma de integração de lacunas, encontra-se desprovido do seu título legitimador, ou seja, a identificação de uma lacuna [artigo 10.º, n.º 1 e 2, do Código Civil].

V- O mesmo sucedendo com o recurso à interpretação extensiva, pois que não existe qualquer omissão, in casu, que careça de integração, porquanto as situações previstas no 64º do Código de Trabalho são taxativas, tendo sido intenção do legislador acautelar apenas as situações ali descritas e não outras.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. – CENTRO DISTRITAL DE (...), devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que, em 16.11.2021, julgou a presente ação procedente e, em consequência, “(…) anulo[u] o ato impugnado, condenando o Réu no pagamento do subsídio parental inicial à Autora (…)”.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
1 - Com interesse para a causa em apreço foi considerado como provado que:
15) A Autora é tia de AA...;
16) Aquando do seu nascimento em 23/06/2015, o menor AA... foi confiado à Autora e seu marido;
17) Em 27/07/2016, foi aplicada a medida provisória de apoio junto de outro familiar, para que pudessem cuidar dele;
18) Em 16/07/2015, a Autora requereu subsídio de proteção social na parentalidade;
19) Por ofício datado de 28/07/2015 foi a Autora notificada para completar o processo enviando requerimento de adoção, declaração da segurança social da confiança judicial com vista à futura adoção;
20) A autora respondeu por requerimento de 10/08/2015;
21) Em 27/04/2016 foram atribuídas à Autora e ao seu marido as responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do menor e as respeitantes às questões de particular importância, ficando com eles a residir;
22) Em 10/11/2016, foi elaborada a seguinte informação, sob a qual foi aposto despacho de concordância (fls. 7 junto ao aresto ora em crise), onde se concluiu pela necessidade de solicitar parecer ao DPC (Departamento de Prestações Contribuições) atenta a complexidade da questão;
23) Em 11/01/2017 foi elaborada a seguinte informação: No caso concreto o que se pretende saber é se a situação é subsumível no artigo 5° do Decreto - Lei n.° 91/2009 de 9 de abril, ou seja se à beneficiária pode ser reconhecido o direito a subsídio parental inicial, enquanto familiar (tia) do menor ao qual foi aplicada a Medida de Promoção de Apoio Junto de Outro Familiar, prevista na alínea b) do n.° 1 do artigo 35° da Lei n.° 147/99, de 1 de setembro (Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo). Relativamente ao solicitado entende-se o seguinte: A proteção na parentalidade é um direito constitucionalmente garantido, estando o direito às licenças dispensas ou faltas regulado no Capitulo I Subsecção IV do Código do Trabalho, concretamente nos seus artigos 33° a 65° e o direito aos respectivos subsídios no Decreto - Lei n.° 91/2009, de 9 de abril. Conclui-se dos referidos diplomas que, em regra, é aos progenitores que é reconhecido direito à licença parental inicial cabendo à segurança social, durante o período de gozo da referida licença, atribuir o subsídio parental inicial desde que os beneficiários cumpram os requisitos legais, nomeadamente o prazo de garantia. Porém existem certo tipo de situações em que os direitos parentais são extensíveis por lei a terceiros e que o Código de Trabalho no seu artigo 64° trata como “Extensão de direitos atribuídos a progenitores, “isto é reconhece a não progenitores, nomeadamente aos adotantes, tutores etc, o direito a certas licenças faltas e dispensas no âmbito da parentalidade, mas desse elenco de direitos, o legislador não prevê a atribuição do direito à licença parental inicial a familiar (tia) do menor ao qual foi aplicada a Medida de Promoção e Proteção de Apoio Junto a Outro Familiar. Como a segurança social paga os subsídios no âmbito da parentalidade com base no gozo das respetivas licenças, o artigo 5° do Decreto - Lei n.° 91/2009, de 9 de abril, também regula a “Extensão dos direitos atribuídos a progenitores”, possibilitando a atribuição dos subsídios no âmbito da parentalidade, nomeadamente aos adotantes, tutores etc, mas desde que o Código de Trabalho reconheça o direito às correspondentes licenças, faltas e dispensas;
24) Por ofício datado de 26/01/2018, foi a autora notificada do projeto de indeferimento com base na informação que antecede;
25) Em 20/02/2018, a Autora exerceu direito de audiência prévia, por escrito;
26) Em 25/11/2019, foi proferido despacho de indeferimento;
27) Por ofício datado de 27/10/2020, foi a Autora notificada do seguinte: Tendo em consideração que os argumentos carreados para o processo em sede de audiência prévia - onde em sínteses pugnava pela atribuição da licença parental aos tios maternos a quem foi confiado o menor por ordem da CPCJ e posteriormente por decisão judicial - não foram de molde a afastar o sentido do projeto de decisão inicial (a que se refere o nosso ofício n.° 3736 de 1/02/2018) informa-se V Exa. que o requerimento acima indicado, que tinha em vista o reconhecimento do direito ao subsídio parental inicial, enquanto Tia do menor ao qual foi aplicado a Medida de Promoção e Proteção de Apoio Junto de outro Familiar, prevista na alínea b) do n.° 1 do artigo 35° da Lei n.° 147/99, de 1 de setembro (Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo), foi definitivamente indeferido. O fundamento para o indeferimento prende-se com o facto de a situação em apreço não se subsumir no disposto no artigo 5° (extensão dos direitos atribuídos aos progenitores) do D. L. n.° 91/2009, de 9/4. Na verdade, a proteção na parentalidade é um direito constitucionalmente garantido, estando o direito às licenças dispensas ou faltas regulado no Capitulo I Subsecção IV do Código do Trabalho, mais concretamente nos seus artigos 33° a 65° e o direito aos respectivos subsídios no Decreto - Lei n.° 91/2009, 9 de abril. Conclui-se dos referidos diplomas que em regra, é aos progenitores que é reconhecido o direito à licença parental inicial, cabendo à segurança social, durante o período de gozo da referida licença, atribuir o subsídio parental inicial, desde que os beneficiários cumpram os requisitos legais, nomeadamente o prazo de garantia. Porém, existem certo tipo de situações em que os direitos parentais são extensíveis por lei a terceiros e que o Código do Trabalho, no seu artigo 64°, trata como “Extensão de direitos atribuídos a progenitores”, isto é reconhece a não progenitores, nomeadamente aos adotantes, tutores, etc, o direito a certas licenças, faltas e dispensas no âmbito da parentalidade, mas desse elenco de direitos o legislador não prevê a atribuição do direito à licença parental inicial a familiar (tia) do menor ao qual foi aplicada a Medida de Promoção e Proteção de Apoio Junto de Outro Familiar. Como a segurança Social paga os subsídios no âmbito da parentalidade com base no gozo das respetivas licenças, o artigo 5° do Decreto - Lei n.° 91/2009 de 9 de abril, também regula a “extensão dos direitos atribuídos a progenitores” possibilitando a atribuição dos subsídios no âmbito da parentalidade, nomeadamente aos adotantes, tutores etc. mas desde que o Código de Trabalho reconheça o direito às correspondentes licenças faltas e dispensas. Assim, se o legislador laboral no âmbito da norma de “Extensão dos direitos atribuídos a progenitores” (a que se refere o artigo 64° do Código de Trabalho) não prevê o direito à licença parental inicial, também não pode a segurança social subsumir a situação em apreço no artigo 5° do Decreto - Lei 91/2009, de 9 de abril, dado que a atribuição do subsídio parental inicial depende do reconhecimento do direito à correspondente licença no âmbito laboral;
28) A petição inicial que origina os presentes autos foi remetida a este Tribunal em 22/01/2021;
2- Com interesse e relevância para a decisão a proferir nada mais se julgou provado ou não provado.
3- Os factos julgados como assentes tiveram por base documentos constantes dos autos e do processo administrativo
4- A Meritíssima Juiz, com base nos factos considerados como provados considerou que, por aplicação do artigo 5° do Decreto - Lei n.° 91/2009, de 9 de abril, remete-se a atribuição de proteção social na parentalidade para a previsão do Código do Trabalho, reconhecendo-se o direito aos subsídios previstos no artigo 7° caso o Código do Trabalho reconheça o equivalente direito a faltas, licenças e dispensas.
5- Mais concluiu que a Autora pretendia beneficiar do subsídio parental inicial, o qual está regulado na alínea a) do artigo 11° (Decreto - Lei n.° 91/2009), artigo 40°, n.° 1, artigo 44°, n.°1 e artigo 64°, n.° 1 (Código do Trabalho), estando o mesmo previsto para pais, por nascimento do filho, e para adotantes, por adoção de criança menor de 15 anos de idade, não se encontrando a sua situação prevista nestes dispositivos.
6- Concluiu a Meritíssima Juiz “a quo” que à Autora foi atribuída a guarda de um sobrinho recém-nascido, inicialmente pela CPCJ, portanto por confiança administrativa, sendo que a Autora não é mãe, nem adotante.
7- Todavia entendeu a Meritíssima Juiz que a lacuna existente na lei deveria ser integrada, prevendo-se que a atribuição da confiança por via administrativa de criança até 15 anos a um terceiro seja equiparada à adoção, devendo este terceiro beneficiar da licença parental inicial, tal como previsto no artigo 44° do Código do Trabalho, considerando-se procedente a pretensão da Autora.
8- O Decreto - Lei n.° 91/2009, de 9 de abril, define e regulamente a proteção na parentalidade no âmbito da eventualidade maternidade, paternidade e adoção do sistema previdencial e do subsistema de solidariedade (artigo 1°).
9- No âmbito da proteção à parentalidade refere-se no preâmbulo do diploma que “a segurança social intervém através da atribuição de subsídios de natureza pecuniária que visam a substituição dos rendimentos perdidos por força da situação de incapacidade ou indisponibilidade para o trabalho por motivo de maternidade, paternidade e adoção. O novo regime de proteção social elege como prioridades o incentivo à natalidade e a igualdade de género através do reforço dos direitos do pai e do incentivo à partilha da licença, ao mesmo tempo que promove a conciliação entre a vida profissional e familiar e melhora os cuidados às crianças na primeira infância através da atribuição de prestações pecuniárias na situação de impedimento para o exercício da atividade profissional. Na verdade no seu artigo 2° n.° 1 vem referido que “a proteção prevista no âmbito do sistema previdencial concretiza-se na atribuição de prestações pecuniárias destinadas a compensar a perda de rendimentos de trabalho em consequência da ocorrência da eventualidade.
Refere o artigo 7° deste diploma que a proteção regulada no presente capitulo concretiza-se na atribuição de vários subsídios onde se inclui o :c) Subsídio parental;” in Acórdão do TCAN de 16/12/2016, proferido no proc. n.° 696/12.0BEBRG da 1- secção de contencioso.
10 - Estamos perante o direito a uma prestação material cujo conteúdo é determinado pelo legislador ordinário, no desenvolvimento e consagração dos direitos económicos, sociais e culturais.
11 - O artigo 5° do Decreto - Lei n.° 91/2009 de 9/4 verificamos que o legislador estendeu os direitos concedidos aos progenitores “...aos beneficiários do regime geral dos trabalhadores por conta de outrem, adotantes, tutores, pessoas a quem for deferida a confiança judicial ou administrativa do menor, bem como cônjuges ou pessoas em união de facto com qualquer daqueles ou com o progenitor desde que vivam em comunhão de mesa e habitação com o menor, sempre que, nos termos do Código de Trabalho, lhes seja reconhecido direito às correspondentes faltas, licenças e dispensas.” (sublinhado nosso)
12 - O legislador condicionou a referida extensão ao reconhecimento ao direito às correspondentes faltas, licenças e dispensas previstas no Código do Trabalho.
13 - Os serviços do recorrente pagam os subsídios, no âmbito da parentalidade, com base no gozo das respetivas licenças, sendo que o artigo 5° do Decreto - Lei n.° 91/2009, de 9 de abril, também regula a “Extensão dos direitos atribuídos a progenitores”, possibilitando a atribuição dos subsídios no âmbito da parentalidade, nomeadamente aos adotantes, tutores, nomeadamente, mas desde que o Código de Trabalho reconheça o direito às correspondentes licenças, faltas e dispensas.
14 - Se o legislador laboral no âmbito da norma de “Extensão dos direitos atribuídos a progenitores” (artigo 64° do Código Laboral), não prevê o direito à licença parental inicial também não pode o recorrente subsumir a situação em apreço ao artigo 5° do Decreto - Lei n.° 91/2009, de 9 de abril, dado que a atribuição do subsídio parental inicial depende do reconhecimento do direito à correspondente licença no âmbito laboral.
15 - Salvo melhor entendimento, também não pode a Meritíssima Juiz “a quo”, por via analógica, atribuir à Autora uma prestação que o legislador ordinário não lhe concedeu.
16 - A ser assim poderiam criar-se todas as prestações sociais que o intérprete entendesse pertinentes. Não se vislumbrando que o legislador tenha utilizado expressões como “nomeadamente”, ou outras idênticas que permitissem ao intérprete acrescer, por analogia, a panóplia de prestações sociais existentes no ordenamento jurídico.
17 - As prestações em causa estão fundadas na lei e a sua atribuição implica requisitos legais específicos e gastos ao erário público que não se compadecem com critérios abertos que permitam criar novos encargos.
18 - Compulsadas as normas em apreço verificamos que o legislador utilizou expressões “sempre que” (n.°1 do artigo 5°), exigindo que a extensão dos direitos atribuídos aos progenitores sejam sempre acompanhadas do reconhecimento do direito às correspondentes faltas, licenças e dispensas.
19 - Tal como refere a jurisprudência “A atribuição desta prestação e, aliás, das demais prestações sociais consagradas no diploma em análise, estão sujeitas a determinadas regras que cada beneficiário tem de cumprir. Se os cidadãos não preencherem essas regras não poderão ter acesso ao mesmo...” in Acórdão do TCAN de 16/12/2016, proferido no proc. n.° 696/12.0BEBRG da 1- secção de contencioso. (sublinhado nosso)
20 - Aquilo que o legislador, certamente, não quis consignar, (ao estabelecer uma extensão dos direitos atribuídos aos progenitores expressamente condicionada ao reconhecimento do direito às correspondentes faltas, licenças e dispensas, nos termos do Código do Trabalho, não incluído situações como as da Autora), não pode ser consignado pela integração de uma lacuna que efectivamente não existe.
21 - O legislador definiu os requisitos e o acesso à prestação de forma clara e expressa, não deixando margem a interpretações extensivas. A extensão é efetuada pelo próprio legislador num conceito fechado que não permite interpretações extensivas.
Assim sendo, não andou bem a Meritíssima Juiz a quo ao interpretar como interpretou as normas me apreço, criando por essa via uma prestação social de forma analógica e ao arrepio daquilo que o legislador expressamente havia definido como requisitos e critérios de extensão para a atribuição da prestação.
22 - Assim, o Tribunal “a quo” ao decidir do modo como decidiu violou o disposto no artigo 2°, n.° 1, artigo 5.°, n.° 1, artigo 7° e 11° do Decreto - Lei n.° 91/2009, de 9 de abril, os artigos 33° a 65°, todos do Código do Trabalho, bem como o artigo 10° do Código Civil, padecendo a douta sentença de erro de julgamento e ilegalidade, que expressamente se invocam.
23 - Assim, deverá o aresto produzido ser revogado e substituído por outro que julgue totalmente improcedente a presente ação administrativa por nada haver a apontar ao acto de indeferimento praticado pelo recorrente (…)”.
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Notificada que foi para o efeito, a Recorrida BB.... contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido quanto à procedência da ação.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do “(…) disposto no artigo 2°, n.° 1, artigo 5.°, n.° 1, artigo 7° e 11° do Decreto - Lei n.° 91/2009, de 9 de abril, os artigos 33° a 65°, todos do Código do Trabalho, bem como o artigo 10° do Código Civil (…)”.
Assim sendo, esta será a questão a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)
1. A Autora é tia de AA...;
2. Aquando do seu nascimento, em 23.06.2015, o menor AA... foi confiado à Autora e seu marido - cfr. fls. 5 a 7 do PA no SITAF:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

3. Em 27.07.2016, foi aplicada a medida provisória de apoio junto de outro familiar, para que pudessem cuidar dele – cfr. doc. 3 junto com a petição inicial e fls. 8 e seguintes do PA no SITAF:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

4. Em 16.07.2015, a Autora requereu subsídio de proteção social na parentalidade – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial e fls. 1 e seguintes do PA no SITAF;
5. Por ofício datado de 28.07.2015, foi a Autora notificada do seguinte – cfr. fls. 10 do PA no SITAF:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

6. A Autora respondeu, por requerimento em 10.08.2015 - cfr. fls. 12 do PA no SITAF;
7. Em 27.04.2016, foram atribuídas, à Autora e ao seu marido, as responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do menor e as respeitantes às questões de particular importância, ficando, com eles, a residir - cfr. fls. 15 e seguintes do PA apenso;
8. Em 10.11.2016, foi elaborada a seguinte informação, sob a qual foi aposto despacho de concordância - cfr. fls. 32 do PA no SITAF:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

9. Em 11.01.2017, foi elaborada a seguinte informação - cfr. fls. 39 do PA no SITAF:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

10. Por ofício datado de 26.01.2018, foi a Autora notificada do projeto de indeferimento com base na informação que antecede - cfr. fls. 43 do PA no SITAF;
11. Em 20.02.2018, a Autora exerceu direito de audiência prévia, por escrito - cfr. fls. 48 e seguintes do PA no SITAF:
12. Em 25.11.2019, foi proferido despacho de indeferimento - cfr. fls. 70 do PA no SITAF;
13. Por ofício datado de 27.10.2020, foi a Autora notificada do seguinte - cfr. doc. 2 junto com a petição inicial e fls. 71 do PA no SITAF:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

14. A petição inicial que origina os presentes autos foi remetida a este Tribunal, em 22.01.2021 - cfr. registo SITAF.
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III.2 - DO DIREITO

O dissídio subsistente nos presentes autos, como se sabe, traduz-se em determinar se a sentença recorrida, ao anular o ato impugnado - traduzido no despacho do Réu, de 25.11.2019, que indeferiu a pretensão da Autora de concessão de subsídio de proteção social na parentalidade e condenar o Réu no pagamento do subsídio parental inicial à Autora, aqui Recorrida - , incorreu [ou não] em erro de julgamento de direito, por violação do “(…) disposto no artigo 2°, n.° 1, artigo 5.°, n.° 1, artigo 7° e 11° do Decreto - Lei n.° 91/2009, de 9 de abril, os artigos 33° a 65°, todos do Código do Trabalho, bem como o artigo 10° do Código Civil (…)”.
Vejamos, convocando, desde já, a ponderação de direito que, neste particular conspecto, mais de fundamental se discorreu na 1ª instância: “(…)
Decorre do artigo 5°, n.° 1 do Decreto-Lei 91/2009, de 9 de abril, (diploma que estabelece o regime jurídico de proteção social na parentalidade no âmbito do sistema previdencial e no subsistema de solidariedade), o seguinte:
Artigo 5.°
Extensão dos direitos atribuídos aos progenitores
1 - A proteção conferida aos progenitores através dos subsídios previstos no presente capítulo é extensiva aos beneficiários do regime geral dos trabalhadores por conta de outrem, adotantes, tutores, pessoas a quem for deferida a confiança judicial ou administrativa do menor, bem como cônjuges ou pessoas em união de facto com qualquer daqueles ou com o progenitor desde que vivam em comunhão de mesa e habitação com o menor, sempre que, nos termos do Código de Trabalho, lhes seja reconhecido direito às correspondentes faltas, licenças e dispensas.
Ora, este dispositivo remete a atribuição de proteção social na parentalidade para a previsão do Código do Trabalho. Ou seja, reconhece que há direito aos subsídios previstos no artigo 7°, caso o Código do Trabalha reconheça o equivalente direito a faltas, licenças e dispensas.
Com destaque para a situação dos autos, a Autora pretende beneficiar do subsídio parental inicial, o qual vem regulado pelo artigo 11°, al. a):
Artigo 11°
Subsídio parental
O subsídio parental é concedido durante o período de impedimento para o exercício da atividade laboral e compreende as seguintes modalidades:
a) Subsídio parental inicial;
b) Subsídio parental inicial exclusivo da mãe;
c) Subsídio parental inicial de um progenitor em caso de impossibilidade do outro;
d) Subsídio parental inicial exclusivo do pai.
Cabe analisar se a licença parental inicial se encontra prevista no Código do Trabalho, quanto a casos em que há a entrega de criança a terceiro, por via administrativa.
Neste Código, encontra-se previsto, o seguinte, no artigo 40°, n.° 1:
Artigo 40.°
Licença parental inicial
1 - A mãe e o pai trabalhadores têm direito, por nascimento de filho, a licença parental inicial de 120 ou 150 dias consecutivos, cujo gozo podem partilhar após o parto, sem prejuízo dos direitos da mãe a que se refere o artigo seguinte.
[...]
No artigo 44°, n.° 1 prevê-se que:
Artigo 44.°
Licença por adoção
1 - Em caso de adoção de menor de 15 anos, o candidato a adotante tem direito à licença referida nos n.°s 1 a 3 do artigo 40.°
[...]
Por sua vez, o artigo 64°, n.° 1 determina que:
Artigo 64.°
Extensão de direitos atribuídos a progenitores
1 - O adotante, o tutor, a pessoa a quem for deferida a confiança judicial ou administrativa do menor, bem como o cônjuge ou a pessoa em união de facto com qualquer daqueles ou com o progenitor, desde que viva em comunhão de mesa e habitação com o menor, beneficia dos seguintes direitos:
a) Dispensa para aleitação;
b) Licença parental complementar em qualquer das modalidades, licença para assistência a filho e licença para assistência a filho com deficiência ou doença crónica;
c) Falta para assistência a filho ou a neto;
d) Redução do tempo de trabalho para assistência a filho menor com deficiência ou doença crónica;
e) Trabalho a tempo parcial de trabalhador com responsabilidades familiares;
f) Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares.
[...]
Daqui decorre que a licença parental inicial, e respetivo subsídio, encontra-se prevista para os pais, por nascimento do filho, e para os adotantes, por adoção de criança menor de 15 anos de idade.
Cotejados estes dispositivos, verifica-se que a situação da Autora não tem cabimento, direto, nestas previsões.
Na verdade, à Autora foi atribuída a guarda do seu sobrinho, recém-nascido, inicialmente, pela CPCJ, portanto, por confiança administrativa, sendo que o artigo 60° apenas lhe confere dispensa para aleitação; licença parental complementar em qualquer das modalidades, licença para assistência a filho e licença para assistência a filho com deficiência ou doença crónica; falta para assistência a filho ou a neto; redução do tempo de trabalho para assistência a filho menor com deficiência ou doença crónica; trabalho a tempo parcial de trabalhador com responsabilidades familiares; horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares.
A Autora não é mãe, nem adotante.
Contudo, não se pode desconsiderar que a Autora acolheu, por via administrativa e, posteriormente, por via judicial, um menor, que, à data, tinha acabado de nascer. Ora, certamente que, quando a Autora o acolheu, não podia, pura e simplesmente, entregá-lo num berçário, durante a sua jornada de trabalho, sendo que, nem tal, traria benefícios para a criança (que, com tão pouco tempo de vida, foi já afastado da sua mãe biológica e acolhido no seio de outra família), nem tampouco se afigura possível que houvesse instituição, para acolher criança de tão tenra idade.
Além disso, importa atentar no regime da adoção, em que se prevê o gozo de licença parental inicial para adotantes de crianças de idade inferior a 15 anos.
Ora, é inegável que a situação da Autora é semelhante a esta.
Muito embora não se trate de um processo de adoção, a verdade é que a Autora acolheu, um menor, recém-nascido, e tem, quanto a ele, as mesmas responsabilidades que uma mãe, adotiva ou biológica; a Autora num curto espaço de tempo, senão de um dia para o outro, vê-se a braços com um bebé, acabado de nascer e tem que lhe providenciar alimento, sustento, carinho, conforto; a Autora, de repente, passa a ser mãe de uma criança, acabada de nascer, e tem que articular tal situação com a sua vida, mormente a vida laboral.
Portanto, não se afigura ao Tribunal que a decisão do Réu seja a devida. Na verdade, à Autora sempre teria que ser dado tratamento semelhante ao previsto para a adoção, pois que não se vislumbra razão para não incluir, naquela previsão, a sua situação, ainda que por via analógica.
Nos termos do artigo 10° do Código Civil, em caso de lacuna:
Integração das lacunas da lei
1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.
A situação da Autora não encontra regulação específica no Código do Trabalho; todavia, a sua situação de facto apresenta similitudes com as demais situações previstas, como já se vem referindo, e que não podem ser ignoradas.
Por ser deste modo, é imperioso integrar a lacuna, prevendo que a atribuição da confiança, por via administrativa, de criança, até 15 anos, a um terceiro, seja equiparada à adoção, devendo este terceiro beneficiar da licença parental inicial, como previsto no artigo 44° do Código do Trabalho. Regulação analógica que tem efetiva aplicação no caso sub judice, devendo proceder a pretensão da Autora.
Deste modo, face ao expendido, procede a presente ação, anula-se o ato impugnado e condena-se o Réu a atribuir o subsídio parental inicial à Autora (…)”.
Conforme dimana da motivação que se vem de transcrever, o Tribunal a quo considerou que a situação da Autora – traduzida na confiança administrativa de um menor – não colhia previsão ao nível da atribuição da licença de parentalidade inicial, por não integrar as hipóteses previstas para os pais e para os adotantes, nem sequer encontrava regulação específica no Código do Trabalho em tal domínio.
Contudo, por entender que a situação da Autora refletida nos autos era semelhante à situação dos adotantes de crianças de idade inferior a 15 anos, decidiu, com recurso ao mecanismo de integração de lacunas previsto no artigo 10º do CC, que a atribuição da confiança, por via administrativa, de criança até 15 anos a um terceiro era equiparável à adoção, devendo, por isso, este terceiro beneficiar da licença parental inicial, como previsto no artigo 44° do Código do Trabalho.
Na esteira do que julgou procedente a presente ação, anulando o ato impugnado e condenando o Réu a pagar o subsídio parental inicial à Autora.
Vem agora o Recorrente refutar a possibilidade de regulação analógica do caso trazido a juízo, por falta do respectivo pressuposto, ou seja, a existência de uma lacuna a integrar em matéria do direito de gozo de licença parental inicial no caso das pessoas a quem foi confiada administrativamente a guarda de um menor.
E, efectivamente, refuta bem.
De facto, esta matéria está predominantemente regulada pelo Decreto-Lei nº. 91/2009, de 9 de abril, que remete a extensão dos direitos atribuídos aos progenitores para as situações em, nos termos do Código de Trabalho [Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro], lhes seja reconhecido direito às correspondentes faltas, licenças e dispensas.
Pois bem, e para o que ora nos interessa, o Código de Trabalho estabelece, de entre outros, o direito de gozo de licença parental inicial a favor da mãe e do pai trabalhadores [cfr. artigo 40º].
Estabelece também, de entre outros, o direito dos candidatos a adotantes de menores de 15 anos de gozo de licença parental inicial nos termos e com o alcance previstos para os progenitores [cfr. artigo 44º]
Porém, já quanto ao tutor, à pessoa a quem for deferida a confiança judicial ou administrativa do menor, bem como ao cônjuge ou a pessoa em união de facto com qualquer daqueles ou com o progenitor que viva em comunhão de mesa e habitação com o menor, o Código de Trabalho assim não o fez.
Realmente, quanto a estes encontra-se apenas prevista a possibilidade de gozo dos seguintes direitos: (i) dispensa para aleitação; (ii) licença parental complementar em qualquer das modalidades, licença para assistência a filho e licença para assistência a filho com deficiência ou doença crónica; (iii) falta para assistência a filho ou a neto; (iv) redução do tempo de trabalho para assistência a filho menor com deficiência ou doença crónica; (v) trabalho a tempo parcial de trabalhador com responsabilidades familiares; (vii) e horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares [cfr. artigo 64º do Código de Trabalho].
Daqui decorre que, não se vislumbrando qualquer incompatibilidade lógica e substantiva entre o regime estabelecido no Decreto-Lei nº. 91/2009, de 9 de abril e o previsto na Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, todos os elementos hermenêuticos [literal, teleológico e sistemático] apontam no sentido de que a situação específica da Autora [confiança administrativa de menor não integrada em processo de adoção] encontra previsão normativa específica no artigo 64º do Código de Trabalho.
E, se assim é, logo se conclui que inexiste qualquer lacuna [patente ou oculta], na medida em que o próprio ordenamento jurídico [Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro] especificou cristalinamente quais os direitos suscetíveis de gozo por parte das pessoas a quem foi confiada administrativamente a guarda de uma criança, tendo o legislador optado por não incluir a possibilidade de gozo da licença parental inicial a favor destes.
O que reflete uma escolha administrativa, e, não como se apreciou na sentença recorrida, qualquer falha de previsão legislativa no domínio visado nos autos.
O recurso à pretensa analogia, enquanto forma de integração de lacunas, encontra-se, por isso, desprovido do seu título legitimador, ou seja, a identificação de uma lacuna [artigo 10.º, n.º 1 e 2, do Código Civil].
De igual modo, não se verifica a necessidade do recurso a uma qualquer interpretação extensiva.
De facto, não existe qualquer omissão, in casu, que careça de integração, porquanto as situações previstas no 64º do Código de Trabalho são taxativas, tendo sido intenção do legislador acautelar apenas as situações ali descritas e não outras.
Razão pela qual mal andou o Tribunal a quo, que ao decidir como decidir, interpretou mal e violou a normação aplicável.
Concludentemente, procede o erro de julgamento de direito imputado à sentença recorrida no domínio em análise.

Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, e, em conformidade, revogada a sentença recorrida e julgada improcedente a presente ação.

Ao que se provirá em sede de dispositivo.
* *
IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a presente ação.

Custas pela Recorrida.

Registe e Notifique-se.
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Porto, 09 de junho de 2022,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia