Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00679/09.8BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/29/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:INTEMPESTIVIDADE; OMISSÃO DE PRONÚNCIA; ERRO SOBRE O OBJECTO
Sumário:1. O artigo 331.º, n.º 2, do Código Civil não é aplicável em execução fiscal.
2. O prazo para requerer a anulação da venda com fundamento na existência de contrato de arrendamento conta-se a partir da data em que o adquirente toma conhecimento desse contrato e de que o mesmo é oponível à execução, quando estes factos forem posteriores à venda – artigo 257.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
3. A mera constatação de que o imóvel adquirido se encontra habitado não equivale ao conhecimento da existência e do conteúdo do contrato de arrendamento e de que o mesmo é oponível à execução;
4. Tendo sido alegado que esse conhecimento foi obtido nos 90 dias que antecederam o pedido de anulação da venda, cabe ao tribunal realizar as diligências instrutórias necessárias e úteis ao apuramento desse facto – artigo 99.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.
5. Tendo o primitivo requerimento de anulação da venda sido rejeitado pela secretaria, cabe ao Tribunal indagar se o novo requerimento foi apresentado dentro do prazo a que alude o artigo 476.º do Código de Processo Civil.
6. Se o tribunal recorrido não tiver relevado estes factos, o tribunal de recurso deve anular a decisão recorrida para a ampliação da matéria de facto – cfr. artigo 712.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, na redação em vigor à data da interposição do recurso*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:B...e C...
Recorrido 1:Fazenda Pública e E...
Decisão:Anulada a sentença recorrida
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. B..., n.i.f. 2…, com domicílio indicado na Rua…, Rebordosa, do Concelho de Paredes, e M..., n.i.f. 2…, com o mesmo domicílio, recorreram da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou verificada a exceção de caducidade do direito de requerer a anulação da venda e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido correspondente, que formularam na execução fiscal n.º 1848200401058746 e apensos, que no Serviço de Finanças de Paredes corre contra Construções R…, Lda., n.i.f. 5…, com sede em Edifício…, Macedo de Cavaleiros.

Recurso este que foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Notificados da sua admissão, os Recorrentes apresentaram alegações e formularam as seguintes conclusões (que renumeramos para evitar que duas conclusões tivessem o mesmo número “II”):

«Em conclusão:

I. Os requerentes adquiriram um prédio no Serviço de Finanças de Paredes no âmbito de uma execução fiscal que, além de onerado com o ónus de arrendamento, possui uma área muito inferior à anunciada para venda.

II. Como bem refere o Ex.mo M.mo Procurador do Ministério Público, não existe sequer uma certeza e segurança mínimas de que o prédio vendido seja, de facto, o inscrito na matriz urbana sob o art. ....º, que aliás, os requerentes não tem nem nunca tiveram sequer a posse, apenas porque o órgão que lhes transmitiu o bem não lha faculta.

III. Todos estes factos estão demonstrados e provados nos autos (Ponto 2.º, 7.º, 15.º, 16.º, 17.º, 19.º, 20.º, 23.º, 26.º, 27.º, 28.º dos Factos Provados na sentença e Parecer do Serviço e Finanças de paredes fls. 16 e seg. dos autos (órgão de execução fiscal).

IV. Razão pela qual o Serviço de Finanças emitiu um Parecer em que diz “…dado haver elementos surgidos a posterior que indicam que provavelmente terá sido vendido um prédio com características diferentes daquele que foi publicitado para a venda… deverá ser de remeter o processo para os fins convenientes ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel”. Aliás,

V. Como se pode ver do documento junto a fls. 94 a 109, já depois de instaurado o presente incidente de anulação de venda, o Sr. F… instaurou uma acção sumária contra os ora recorrentes que corre termos no 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes em que pede que os aqui recorrentes seja condenados a reconhecerem que ele próprio é que é o proprietário dos referidos cerca de 1600 m2, por lhe terem sido adjudicados por venda em execução que correu os seus termos na 3.ª Vara, 3.ª Secção Cível do Porto, com a matriz 616.

VI. A M.ma Juíza a quo, apesar do órgão de execução fiscal ter reconhecido o erro na coisa vendida e em consequência a razão dos requerentes em pedir a anulação da venda, além de todas as supra referidas provas dos autos nesse sentido, não considerou este facto impeditivo da verificação da caducidade previsto no art. 331.º, n.º 2 do Código Civil. E mais,

VII. Omitiu qualquer alusão a ele, apesar de ter sido invocado pelos requerentes e dos autos o demonstrarem documentalmente, inclusive no Parecer apresentado pelo órgão de execução fiscal, ferindo a sentença de nulidade ao abrigo do disposto no art. 668.º, n.º 1, al. d) do C.P.Civil, entre ao mais aplicáveis.

Por outro lado

VIII. O pedido de anulação da venda, foi apresentado em 2/06/2009 no órgão de execução fiscal, como se pode ver de fls. 93 do processo administrativo, ao abrigo do disposto no art. 908.º, n.º 1 do CPC. e a própria sentença o reconhece no ponto 14.º dos factos provados.

IX. Como se pode constatar do seu depoimento da mãe da requerente, D. A…, gravado em sistema digital dos 14:49 segundos até aos 33:11 segundos, o Serviço de Finanças manteve durante vários meses que o prédio estava livre para que pudesse ser habitado por eles e que estes apenas na Páscoa de 2009 (meados de Abril) é que perceberam que não poderiam mudar-se para a casa que haviam comprado, aliás única razão pela qual a compraram.

X. Tanto mais que está dado como provado no ponto 15.º da sentença que “Em 23.06.2009, o Serviço de Finanças notificou o Sr. F…, NIF 1…, para apresentar o contrato de arrendamento do imóvel em causa.” E do Ponto 16.º que “Em 07.07.2009, o mesmo apresentou uma cópia do contrato de trespasse e aclaração, que inclui o contrato de arrendamento do prédio em causa…”

XI. Até então (7/07/2009), como também frisou a testemunha supra referida os requerentes continuavam a ser informados pelo Serviço de Finanças de que a venda tinha sido efectuada livre de qualquer ónus e que as pessoas que lá se encontravam o faziam indevidamente, ou seja, ilegitimamente, e como tal teriam que saír.

XII. Só em 7/07/2009 é que o contrato de arrendamento foi junto ao processo de execução fiscal, como está dado como Provado no Ponto 16.º dos Factos Provados, sendo aquela a razão pela qual o Serviço de Finanças reconheceu o erro sobre a coisa que foi transmitida.

XIII. Estavam e estão assim também preenchidos os requisitos para a aplicação do art. 908.º do C.P.Civil, uma vez que este casal não pode constituir ali a sua residência de família, embora, as desconformidades do imóvel anunciado para a venda com a realidade vão muito mais além.

XIV. A Fazenda Pública, através do seu Serviço de Finanças de Paredes, reconheceu, não só o conhecimento posterior das divergências com a coisa venda, ou seja, a existência de erro porque o artigo matricial não tinha a mesma área do prédio que tinha sido anunciado e vendido, mas também reconheceu que os requerentes compraram o prédio onerado, consequentemente reconheceu o direito dos requerentes em pedirem a anulação da venda, circunstância esta que nos termos do art. 331.º, n.º 2 do Código Civil impede a verificação da caducidade – CAUSA IMPEDITIVA DA CADUCIDADE.

XV. A M.ma Juíza a quo não considerou, salvo sempre o devido respeito, todos os factos relevantes para a boa decisão da causa.

XVI. A sentença recorrida traduz uma visão simplista do casu sub iudice, desconsiderando o grave erro com consequências muito danosas para os recorrentes, um jovem casal em início de vida que se endividou para comprar uma casa de habitação, confiando no Serviço de Finanças respectivo que, por sua vez, nunca criou, nem parece que possa vir a ter condições para lhes entregar a tão desejada chave do imóvel.

Termos em que,

Deve ser dado provimento ao presente recurso, com a total procedência do pedido de anulação da venda, anulando V. Exas. O acto da venda, como acto de boa, célere e melhor JUSTIÇA!».

1.2. A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

Neste Tribunal, a Ex.ª Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

2. Do objeto do recurso

São as seguintes as questões a decidir, devidamente delimitadas pelas conclusões do recurso:

a) Saber se a sentença recorrida incorreu em nulidade por omissão de pronúncia sobre o facto impeditivo da verificação da caducidade previsto no artigo 331.º, n.º 2, do Código Civil (conclusões “I” a “VII”);

b) Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir pela caducidade do direito de requerer a anulação da venda (conclusões “VIII” a “XVI”);

3. Do julgamento de Facto

3.1. Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância:

«A- Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa:

O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise conjugada e crítica dos documentos juntos aos autos que não foram impugnados e, bem assim, dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74º da Lei Geral Tributária (LGT)), estão corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76º, n.º 1, da LGT e 362º e seguintes do Código Civil (CC)), bem como do depoimento das testemunhas.

1º. Pelo Serviço de Finanças de paredes foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 1848200401058746 e ap., por dívida de Contribuição autárquica dos anos de 2001 e 2002 no valor de 2.388,31 euros, a que acrescem juros de mora e as respectivas custas, sendo executada “Construções R…, Ld.ª”, NIPC: 5….

2º. Em 29.08.2007 foi efectuada a penhora de um prédio urbano inscrito na matriz predial de Mouriz sob o artigo … com 54m2 de superfície coberta e quintal com 2137 m2, conforme alteração desta área e das respectivas confrontações por modelo 129 de 12.02.2001, apresentado pela antiga proprietária (M…), com a assinatura do único confinante, o Sr. F…– cfr. teor da Informação do Serviço de Finanças de Paredes a fls. 17 dos autos.

3º. A referida penhora foi registada na Conservatória do Registo Predial de Paredes, em 09.10.2007.

4º. O prédio está descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º… de Mouriz.

5º. Por não ter sido paga a dívida foi requerida a avaliação do prédio nos termos da alínea a) do n.º1 do art. 250º do CPPT, em 29.11.2007- cfr. teor da Informação do Serviço de Finanças de Paredes a fls. 17 dos autos.

6º. O prédio foi avaliado conforme ficha de avaliação n.º 1996925, de 20-12-2007, passando a ser de 47 810.00 euros, o seu valor patrimonial - cfr. teor da Informação do Serviço de Finanças de Paredes a fls. 17 dos autos.

7º. Por despacho de 29.07.2008, foi designada a venda do bem penhorado, o artigo ... da freguesia de Mouriz, Paredes.

8º. A identificação do bem constante dos anúncios foi feita com a seguinte descrição:

Moradia unifamiliar de dois pisos, destinada a habitação, área total do terreno: 2191 m2, área bruta de construção: 108 m2, área bruta privativa. 54 m2, área bruta dependente: 54 m2, sito no lugar…, freguesia de Mouriz, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ... da freguesia de Mouriz e descrita na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º… da mesma freguesia, com o valor patrimonial de 47 810,00 euros.

9º. A venda do imóvel foi marcada para o dia 21.10.2008 no Serviço de Finanças de Paredes por proposta em carta fechada.

10º. O bem foi adjudicado ao proponente, ora Requerente, que de entre outros apresentou a proposta de maior valor.

11º. O mesmo depositou o preço e pagou o imposto de selo devido.

12º. Na sequência do que foi levantada a penhora do imóvel e cancelados todos os ónus e encargos que sobre ele impendiam na Conservatória do Registo Predial de Paredes – cfr. teor da Informação do Serviço de Finanças de Paredes a fls. 17 dos autos.

13º. Em 15.11.2008 o ora Requerente solicitou ao referido Serviço de Finanças a entrega da chave da habitação e informou-o de que o imóvel se encontrava ocupado.

14º. Em 02.06.2009 foi apresentado no Serviço de Finanças de Paredes pelos ora Requerentes, um pedido de anulação de venda, informando-o de que o prédio não existe com a descrição que foi publicitada e pedindo a restituição do preço depositado e demais despesas - cfr. teor da Informação do Serviço de Finanças de Paredes a fls. 17 dos autos.

15º. Em 23.06.2009, o Serviço de Finanças notificou o Sr. F…, NIF 1…, para apresentar o contrato de arrendamento do imóvel em causa.

16º. Em 07.07.2009, o mesmo apresentou uma cópia do contrato de trespasse e aclaração, que inclui o contrato de arrendamento do prédio em causa - cfr. teor da Informação do Serviço de Finanças de Paredes a fls. 17 dos autos.

17º. O contrato de trespasse e arrendamento foi celebrado entre F… e B… em 03.04.1990.

18º. Não consta da base de dados do Serviço de Finanças de paredes qualquer contrato de arrendamento declarado, nem quaisquer rendas declaradas para efeitos de IRS/IRC – cfr. teor da Informação do Serviço de Finanças de Paredes a fls. 18 dos autos.

19º. Na sequência da apresentação da petição de anulação de venda por parte dos ora Requerentes, o Serviço de Finanças de Paredes passou uma ordem de serviço à perita avaliadora, cumprida em 01/07/2009, na qual informa a existência de uma habitação construída no terreno, de rés do chão e 1º andar, tendo confirmado junto dos vizinhos as confrontações - cfr. teor da Informação do Serviço de Finanças de Paredes a fls. 18 dos autos.

20º. Em 15.09.2009 o Serviço de Finanças de Paredes apresentou uma participação criminal junto do Ministério Público contra Construções R…, Ld.ª, F… e M….

21º. Em 13.10.2009 deu entra no Serviço de Finanças de Paredes a presente Acção de Anulação de Venda.

22º. Os ora Requerentes solicitaram a um topógrafo a verificação das áreas do terreno que adquiriram – cfr. prova testemunhal e doc. de fls. 99 do processo de execução fiscal apenso aos autos.

23º. Do levantamento topográfico resultou que o terreno tinha a área total de 1. 625m2 – cfr. depoimento da testemunha que o efectuou e doc. de fls. 99 do processo de execução fiscal apenso aos autos.

24º. O referido levantamento topográfico foi concluído em Fevereiro de 2009 a dado conhecimento do seu teor aos ora Requerentes um dia depois – cfr. prova testemunhal.

25º. O pagamento pelo serviço prestado foi efectuado após a conclusão e entrega do mesmo, no dia 21.02.2009 – cfr. prova testemunhal e doc. de fls. 13 dos autos.

26º. Os Requerentes ao comprarem o prédio em causa, pretendiam ir para lá morar – cfr. prova testemunhal.

27º. A casa estava habitada – cfr. prova testemunhal.

28º. As Finanças nunca entregaram a chave da casa aos Requerentes – cfr. prova testemunhal.

29º. Os ora Requerentes, depois de adquirirem o prédio, dirigiram-se às Finanças a solicitar as chaves – cfr. prova testemunhal.

30º. Os Requerentes, deslocaram-se ao prédio, já depois de o terem adquirido, tendo constatado que a casa se encontrava habitada – cfr. prova testemunhal.».

4. Do Julgamento de Direito

4.1. Como se anunciou no ponto 2 supra, são duas as questões fundamentais a decidir no presente recurso: a questão de saber se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia e a questão de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao concluir pela caducidade do direito de pedir a anulação da venda na execução fiscal.

Tem precedência lógica o conhecimento da primeira, pelo que importa desde já saber se o tribunal recorrido não se pronunciou e deveria ter pronunciado quanto a alguma questão suscitada pelos Recorrentes, sabendo que o artigo 660.º do Código de Processo Civil impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido á sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

A questão que os Recorrentes dizem ter suscitado é a de saber se ocorreu o facto impeditivo da verificação da caducidade previsto no artigo 331.º, n.º 2, do Código Civil. Ou seja, o reconhecimento do direito respetivo pela administração tributária antes do termo do prazo da caducidade.

De referir desde já que, efetivamente, os Recorrentes invocaram o reconhecimento do direito e o artigo 331.º, n.º 2, do Código Civil na resposta à exceção da caducidade suscitada pela Fazenda Pública na contestação: De reconhecer também que o tribunal recorrido não fez qualquer referência a este dispositivo legal nem à sua aplicabilidade ao caso dos autos.

A verdade, porém, é que o tribunal recorrido também não tinha o dever de se pronunciar sobre se a parte contrária tinha reconhecido aquele direito no prazo de caducidade ou sobre a aplicação ao caso desse dispositivo legal. Porque o reconhecimento do direito e a sua relevância como facto impeditivo da caducidade não era a questão colocada ao tribunal, mas um argumento que os Recorrentes opunham à exceção de caducidade suscitada pela parte contrária. Exceção que – essa sim, constituía a questão sobre a qual o tribunal recorrido se tinha que pronunciar antes de conhecer dos fundamentos da anulação da venda. Sendo que o tribunal tem o dever de apreciar todas as questões, mas a lei não lhe impõe que analise e refute toda a argumentação desenvolvida pelas partes.

Vem ao caso a distinção entre questões e argumentos: as questões são os fundamentos diretos de cada uma das pretensões formuladas na ação e que constituam a sua causa de pedir, ou das exceções que lhe são opostas; os argumentos são todas as razões de facto e de direito em que a parte apoia aqueles fundamentos ou que a contraparte lhe opõe.

No caso, a questão colocada era a de saber se tinha decorrido o prazo de caducidade do direito de requerer a anulação da venda. A ocorrência de factos que pudessem obstar ao decurso desse prazo relevava para o conhecimento dessa questão, mas não era uma questão em si mesma. Servia para contrapor a uma pretensão da outra parte e não para sustentar uma pretensão junto do tribunal. Constituía um argumento em sentido contrário a essa pretensão.

A parte não terá ficado convencida do acerto da decisão porque não foi rebatido um argumento que contrapôs à verificação da caducidade. Mas isso não significa que a sentença tenha omitido algum dever de pronúncia e esteja, por isso, ferida de nulidade. Podendo apenas significar que o tribunal recorrido fez mal ao não ter relevado esse argumento e que, por causa disso, errou ao acolher a questão suscitada pela contraparte.

Do exposto decorre que a douta sentença não padece da nulidade invocada. E que o recurso não pode merecer provimento por aqui.

Mas o argumento que os Recorrentes esgrimiram contra a verificação da caducidade do direito de requerer a anulação da venda constitui, agora, um dos fundamentos diretos do recurso e ascendeu, por isso (e nesta instância), à categoria de questão que o tribunal de recurso tem o dever de apreciar (cfr. conclusão “XIV”). Importa, então, saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento por não ter relevado o reconhecimento do direito e o disposto no artigo 331.º, n.º 2, do Código Civil.

A esta questão respondemos negativamente. O artigo 331.º, n.º 2, do Código Civil não tem aqui aplicação.

Porque – como decorre do respetivo texto legal – o reconhecimento do direito só impede a caducidade quando o direito possa ser reconhecido, isto é, quando a parte que o reconhece dele possa dispor.

E é sabido que os direitos exercidos em execução fiscal são direitos indisponíveis: o interesse público na cobrança de créditos tributários impede que a administração tributária possa dispor de qualquer direito que comprometa essa cobrança, incluindo o direito ao produto da alienação dos bens que ali forem vendidos.

Pelo que o recurso também não podia merecer provimento por aqui.

4.2. Fica, todavia, a questão de saber se o prazo de caducidade do direito de requerer a anulação da venda já tinha decorrido.

Nos termos do disposto no artigo 257.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a anulação da venda só pode ser requerida dentro do prazo de 90 dias, no caso de anulação se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre o objeto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado.

E, nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo dispositivo legal, o prazo contar-se-á da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento.

Decorre dos factos provados na douta sentença recorrida que a venda em causa foi efetuada em 2008/10/21 (ponto 9.º dos factos provados). Pelo que, em 2009/06/02, data em que foi apresentado no Serviço de Finanças de Paredes o pedido de anulação da venda, já tinha decorrido o prazo de 90 dias para o requerer com tal fundamento, contando aquele prazo a partir da data da venda.

Cabia, por isso, aos Requerentes – ora Recorrentes – alegar no requerimento respetivo e demonstrar que só tomaram conhecimento do facto que constitui o fundamento da anulação há menos de 90 dias.

Ora, no requerimento que os ora Recorrentes apresentaram no Serviço de Finanças em 2009/06/02 e de que se encontra cópia de fls. 53 a fls. 56 dos autos tinha sido invocado o erro sobre as qualidades do objeto transmitido, por falta de conformidade com o que foi anunciado (tinha sido anunciado que o prédio tinha a área de 2191 m2, quando afinal tinha a área de 1625 m2 – artigo 8.º da douta petição inicial).

E tinha sido invocada a existência de ónus que não tinha sido foi tomado em consideração (o facto de o prédio estar arrendado – cfr. o ponto 6 do requerimento).

Ora, resulta dos factos provados que os requerentes tiveram conhecimento da área do terreno através do levantamento topográfico, o mais tardar, em 2009/02/21, data em que procederam ao pagamento desse serviço (pontos 24.º e 25.º dos factos provados, que nunca foram postos em causa no presente recurso).

Assim sendo, em 2009/06/02, data em que foi apresentado o pedido de anulação da venda a que alude o ponto 14.º dos factos provados, já tinha decorrido o prazo de 90 dias respetivo, contado nos termos do artigo 114.º do Código de Processo Civil (por força do artigo 20.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário), para requerer a anulação da venda com tal fundamento (mesmo considerando a suspensão no período de férias judiciais entre o dia 5 de Abril e o dia 13 do mesmo mês, por força do artigo 12.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto).

Sucede que os Recorrentes também tinham alegado que só em meados de março de 2009 (meados de abril desse ano, segundo a versão do requerimento de fls. 115), tomaram conhecimento de que o prédio estava onerado com o contrato de arrendamento e que só nessa data tiveram acesso ao referido contrato – pontos 6 a 8 da resposta, a fls. 49 dos autos.

Ora, este facto é muito relevante. Porque, se só em meados de março ou abril tiveram acesso ao contrato de arrendamento, só nessa data estariam, em princípio, em condições de saber se o título de ocupação era oponível à execução e se, por conseguinte, existia ou não um ónus que não tivesse sido tomado em consideração.

Sendo que, em 2009/06/02, data em que foi apresentado o pedido de anulação da venda a que alude o ponto 14.º dos factos provados, ainda não tinha decorrido o prazo de 90 dias respetivo, contado a partir da mais antiga destas datas (meados de março).

A este respeito, referiu a Mm.ª Juiz a quo que os Requerentes tomaram conhecimento de que a casa se encontrava habitada poucos dias depois da venda. E, com efeito, ficou também provado que já no dia 2008.11.15, o Requerente marido tinha informado o Serviço de Finanças de que o imóvel se encontrava ocupado.

Sucede que do facto do imóvel estar ocupado não decorre a constatação de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração na aquisição do mesmo [sendo que para efeitos do disposto no artigo 257.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o conceito de ónus real abrange o direito ao arrendamento constituído antes da penhora – neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», IV volume, Áreas Editora 2011, pág. 178; na jurisprudência, ver o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2010/01/13, Processo n.º 0802/09, disponível in www.dgsi.pt].

Tal só poderia decorrer do título de ocupação e do facto de esse título ser oponível aos adquirentes.

Dos autos não resulta que a Mm.ª Juiz tivesse indagado sobre a data em que os Recorrentes tiveram acesso ao referido contrato de arrendamento, visto que não foi ali dado como provado nem como não provado o facto respetivo.

Por outro lado, os autos também não esclarecem se o pedido de anulação da venda apresentado em 2009/10/13 o foi na sequência da recusa do requerimento de 2009/06/02 pela secretaria, como parece resultar de fls. 149 do processo administrativo em apenso. E se, em caso afirmativo, o requerimento corrigido foi apresentado no prazo a que alude o artigo 476.º do Código de Processo Civil. Porque só em tal caso se considerará a ação apresentada na data em que foi apresentado aquele primitivo requerimento.

Importa, por isso, anular a decisão proferida em primeira instância para ampliação da matéria de facto.

5. Conclusões

5.1. O artigo 331.º, n.º 2, do Código Civil não é aplicável em execução fiscal.

5.2. O prazo para requerer a anulação da venda com fundamento na existência de contrato de arrendamento conta-se a partir da data em que o adquirente toma conhecimento desse contrato e de que o mesmo é oponível à execução, quando estes factos forem posteriores à venda – artigo 257.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

5.3. A mera constatação de que o imóvel adquirido se encontra habitado não equivale ao conhecimento da existência e do conteúdo do contrato de arrendamento e de que o mesmo é oponível à execução;

5.4. Tendo sido alegado que esse conhecimento foi obtido nos 90 dias que antecederam o pedido de anulação da venda, cabe ao tribunal realizar as diligências instrutórias necessárias e úteis ao apuramento desse facto – artigo 99.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.

5.5. Tendo o primitivo requerimento de anulação da venda sido rejeitado pela secretaria, cabe ao Tribunal indagar se o novo requerimento foi apresentado dentro do prazo a que alude o artigo 476.º do Código de Processo Civil.

5.6. Se o tribunal recorrido não tiver relevado estes factos, o tribunal de recurso deve anular a decisão recorrida para a ampliação da matéria de facto – cfr. artigo 712.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, na redação em vigor à data da interposição do recurso

6. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:

a) Anular a decisão recorrida;

b) Determinar a devolução dos autos à primeira instância para ampliação da matéria de facto nos termos sobreditos, precedida das diligências instrutórias que se lhe afigurem úteis para o seu apuramento.

Sem custas o presente recurso.

Porto, 29 de Maio de 2014

Ass. Nuno Bastos

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Pedro Vergueiro