Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00566/11.0BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/12/2012
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Álvaro Dantas
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:1. A isenção ou dispensa da prestação de garantia depende, desde logo, da verificação de um dos seguintes pressupostos: (i) de essa prestação causar ao executado prejuízo irreparável o (ii) da manifesta falta de meios económicos do executado para prestar tal garantia.
2. Não basta, no entanto, que se demonstre a verificação de um daqueles pressupostos. A dispensa de garantia da só terá lugar no caso de a insuficiência ou inexistência de bens não ser da responsabilidade do executado, incumbindo ao executado essa prova.
3. Revelando-se o quadro factual que foi fixado na 1ª instância insuficiente para que possamos dar resposta às questões jurídicas que constituem objecto de recurso e não dispondo os autos de todos os elementos probatórios indispensáveis à reapreciação da matéria de facto, deve a sentença recorrida deva ser oficiosamente anulada e determinada a subsequente remessa à 1ª instância a fim de aí se proceder à ampliação da matéria de facto.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:F...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
F… (Recorrente), melhor identificado nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a reclamação que deduziu contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia no âmbito do processo de execução fiscal com o nº 3743200001002317 e apensos, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.
As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:
1 - A exigência de prestação de garantia, por força do nº 2 do artigo 52º da LGT e artigo 169º do CPPT, com vista à suspensão do processo executivo 3743200001002317, e o facto do recorrente entender estar face a uma situação de impossibilidade de a prestar, subsumível à norma do nº 4 do artigo 52º da LGT, levou a que o executado, ora recorrente, requeresse junto do órgão de execução fiscal competente, a isenção dessa prestação, ao abrigo do disposto do artigo 170º do CPPT.
2 - Alicerçou o seu pedido de dispensa de garantia no requisito da manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, para prestar uma garantia no valor de € 48.650,99.
3 - Não lhe sendo de imputar quaisquer responsabilidade na invocada insuficiência de bens.
4 - Alegou e provou, tal como lhe competia diversos factos, vertidos no pedido de isenção de garantia e reiterados na reclamação, nos artigos e 24º a 33º, os quais aqui se reiteram e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, nomeadamente e a titulo de exemplo, a penhora que recai sobre a reforma que o recorrente aufere, os ónus que recaem sobre os bens imóveis de que é titular.
5 - E ainda que, a insuficiência de bens penhoráveis não resulta da sua actuação, já não houve dissipação de bens, antes sim, resulta da existência de ónus que recaem sobre os imóveis e que lhe retiram valor para efeitos de prestação de uma garantia idónea.
6 - Todavia sobre tais factos a Meritíssima Juiz a quo, na sentença recorrida não se pronunciou.
7 - Ou sequer, os julgou provados, ou não provados, sendo que, se os tivesse considerado como não provados, sempre os deveria ter enumerado.
8 - Invocou ainda, o recorrente, em sede de reclamação, a falta de fundamentação do despacho proferido pelo Chefe de Serviço de Finanças, por obscuridade e contradição entre os factos provados e a decisão proferida.
9 - Nos termos do nº 2 do artigo 123º do CPPT - “o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.”
10 - Relativamente à mesma matéria, o artigo 653º do CPC aplicável ex vi do estatuído no art. 2º alínea e do CPPT dispõe que (...) A decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julgou provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para convicção do julgador”
11 - Referindo, ainda o artigo 659º nº 1 “a sentença começa por identificar as partes e o objecto de litigio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar” e o nº 2 do mesmo artigo que “seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final” e o nº 3 diz que “Na fundamentação da sentença o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo exame critico das provas de que lhe cumpre conhecer.”
12 - Nos termos do disposto art. 660 nº do CPC “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”
13 - A sentença recorrida, não analisa a totalidade dos factos invocados pelo recorrente, nem sequer dá como provados, ou não provados, factos com absoluta relevância para a decisão da causa.
14 - E manifesta ausência de pronúncia, por parte da Meritíssima juiz a quo, quanto à verificação, em concreto, dos pressupostos para isenção de prestação de garantia invocados pelo recorrente.
15 - Situação que se estende, à invocada falta de fundamentação, por confusão e obscuridade de que, no entender do recorrente padece o despacho proferido pelo chefe do Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis.
16 - Um dos motivos do indeferimento do pedido por parte do chefe do referido serviço, que o recorrente alegou não aceitar ou compreender foi que não provou o prejuízo irreparável.
17 - Requisito que não foi invocado pelo recorrente como fundamento do pedido de isenção.
18 - Há manifesto erro no raciocínio desenvolvido, reiterado, quando no despacho reclamado se afirma que “já relativamente aos imóveis nenhum elemento instrutivo do processo faz pressupor que a sua apreensão possa causar qualquer prejuízo (...)”.
19 - Por outro lado, ou os bens imóveis são suficientes para constituir a garantia e aí teria que haver suspensão do processo executivo, ou se o seu valor é irrelevante para o efeito, conforme alega o chefe do Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis e aí a decisão quanto à dispensa de garantia teria que ser forçosamente diferente.
20 - A sentença proferida, face aos argumentos apresentados pelo recorrente limita-se a afirmar que o despacho reclamado dispõe de fundamentação expressa suportada nos elementos constantes dos autos de execução.
21 - O que manifestamente não se vislumbra, já que a fundamentação pouco clara equivale a falta de fundamentação.
22 - É manifesto que a sentença ora posta em crise viola os artigos 123º nº 1 e nº 2 do CPPT, e 653º nº 2, 659º e 660º do CPC aplicáveis ex vi nº 2 al. e) do CPPT, uma vez que não se pronuncia, não faz a enumeração dos factos provados e não provados, alegados pelo recorrente e não apresenta qualquer exame critico das provas constantes dos autos.
23 - Deve a sentença ser considerada nula nos termos do disposto nos artigos 125º do CPPT e 668º, alíneas b) e c) do CPC.
24 - O recorrente apresentou pedido de isenção de prestação de garantia, baseando-se no pressuposto da manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, para pagamento da divida exequenda e acrescidos.
25 - Alegando ainda que, tal insuficiência não foi resultado da sua conduta, já que não dissipou bens com vista a prejudicar deliberadamente os seus credores.
26 - Pedido que veio a ser indeferido, segundo o Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos legalmente previstos.
27 - Decisão que veio a ser confirmada pela Meritíssima Juiz do TAF de Aveiro, no seguimento da reclamação apresentada pelo aqui recorrente, por entender que o reclamante não fez prova capaz de convencer da alegada insuficiência.
28 - O recorrente alegou e deviam ter sido dados como provados, que os bens imóveis, doa quais o recorrente é titular, devido aos ónus que sobre eles impedem, resultantes na integra do exercício da sua actividade empresarial, não são suficientes para garantir a divida exequenda e acrescidos.
29 - Situação comprovada pela certidões prediais juntas e aliás, aceite e reconhecida pelo chefe do Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis, que refere expressamente, na decisão de 27/05/20011, que assumem valor irrelevante para efeitos de garantia.
30 - Devia igualmente ter sido dado como provado que o recorrente não possui outros bens imóveis na sua esfera patrimonial, ou bens de outra natureza, ou rendimentos que lhe permitam constituir uma garantia bancária.
31 - Isto porque, é com os rendimentos, provenientes unicamente da reforma paga pela Segurança Social, penhorada em 1/3, que o recorrente tem que fazer face às despesas resultantes da sua vivência diária e ainda a despesas resultantes de processos judiciais, nomeadamente as documentadas nos autos, e ainda aos processos executivos, sendo que o respectivo Serviço de Finanças não podia ignorar que reverteu, para o recorrente, na qualidade de responsável subsidiário, para além do presente, mais seis processos.
32 - Labora em erro a Meritíssima juiz a quo quando afirma que as guias juntas não comprovam qualquer encargo com carácter de regularidade já que o prazo de pagamento diz respeito a Maio.
33 - Sendo tais pagamentos de carácter mensal, as guias juntas, dizem respeito ao mês em que o recorrente deu entrada do pedido, ou seja, Maio, sendo que as posteriores ainda não estavam a pagamento.
34 - Mas se dúvidas existiam, sempre poderia a Meritíssima juiz a quo ter convidado o recorrente a juntar aos autos comprovativos da regularidade desses mesmos pagamentos, nomeadamente quando se iniciaram e quando terminariam, nos termos do dispostos no artigo 508º do CPC.
35 - A decisão labora, igualmente, em erro, na apreciação dos factos, ao não atender a que os rendimentos e as despesas invocadas pelo recorrente são factos para prova da manifesta impossibilidade de o recorrente constituir uma garantia bancária.
36 - Assim como, ao afirmar que “tais factos não consubstanciam o preenchimento do referido requisito de insuficiência económica até porque o reclamante auferindo uma reforma de nunca ficará desprovido deste na totalidade”.
37 - Estando a reforma penhorada em 1/3, o remanescente é impenhorável.
38 - Mas, mais, ainda que fosse possível penhorar algum desse valor, tal facto, por si só, nunca seria fundamento para o indeferimento da isenção de prestação.
39 - Isto porque, a garantia a prestar, com objectivo a suspensão do processo executivo, tem que ser idónea e capaz de assegurar o valor da quanta exequenda e acrescidos, que no caso é de €48.650,99.
40 - Logo é incompreensível admitir que, ainda que fosse possível penhorar a reforma do recorrente, esta seria suficiente para constituir garantia capaz de suspender o processo executivo em questão.
41 - E no mesmo erro de raciocínio laborou o chefe de Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis, ao considerar que o processo executivo deve prosseguir para efeitos de penhora dos imóveis, ainda que tal penhora não tenha qualquer valor para efeitos de constituição de garantia.
42 - O recorrente está objectivamente impossibilitado de prestar garantia bancária ou imobiliária por razões que não lhe são imputáveis.
43 - Não podia a Meritíssima Juiz a quo ter deixado de concluir que os bens e os rendimentos titulados pelo recorrente são insuficientes para garantir o pagamento da quantia exequenda e acréscimos.
44 - O recorrente invocou ainda, como lhe competia, que a insuficiência de bens não foi resultado da sua actuação, já que não dissipou bens, antes sim, foram tais bens consumidos em hipotecas e penhoras resultantes do exercício da sua actividade empresarial onde assumiu pessoalmente dívidas das sociedades de que era gerente.
45 - Tendo para prova do alegado, arrolado uma testemunha com conhecimento directo de toda situação. Diligência que veio a ser indeferida pela Meritíssima Juiz.
46 - Pelo que não é correcta a afirmação que o reclamante não efectuou prova capaz de convencer relativamente à falta ou insuficiência de bens.
47 - Tanto mais que a testemunha arrolada pelo recorrente, não foi ouvida, o que claramente se impunha, sobretudo no que diz respeito à questão da responsabilidade do executado na insuficiência dos bens.
48 - Quer no requerimento apresentado ao órgão de execução fiscal quer na petição inicial da reclamação, resultam alegados factos, de forma suficientemente concretizada, susceptíveis de integrar os pressupostos legais da dispensa de garantia.
49 - A sentença procedeu a um incorrecto julgamento da matéria de facto, impondo os elementos carreados para os autos decisão diversa da proferida.
50 - Ao não deferir a pretensão do reclamante, o Tribunal a quo, fez tábua rasa da prova constante dos autos, não tendo dado com provados factos que emergem de forma clara dos autos e que inevitavelmente conduziriam a uma solução diferente daquela a que veio a ser proferida, violando desta forma o artigo 52º, nº 4 da LGT.
51 - Há na sentença sob recurso erro na apreciação das provas e, por isso, erro de julgamento o que inquina de vício a sentença e impõe-se, por justiça e em nome da verdade material, a sua revogação.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Neste Tribunal Central Administrativo, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da anulação da sentença recorrida com vista à ampliação da matéria de facto.
Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre agora apreciar e decidir já que a tal nada obsta.
As questões a decidir:
As questões sob recurso e que importa decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações e respectivas conclusões, são as de saber se a sentença recorrida:
- enferma de nulidade por omissão de pronúncia;
- padece de erro de julgamento por nela se ter considerado que a Recorrente não fez prova dos pressupostos de que a lei faz depender a dispensa da prestação de garantia.
2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.1. Decisão sobre a matéria de facto proferida na 1ª instância
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro e que passamos a reproduzir ipsis verbis:
“A) Foram instaurados contra a devedora originária C… Lda., vários processos de execução fiscal;
B) Em 02.02.2011 foi o aqui reclamante citado na qualidade de responsável subsidiário;
C) Em 25.05.2011 o aqui reclamante deu entrada no Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis de um requerimento em que solicitava a isenção da prestação de garantia;
D) Por despacho datado de 27.05.2011, foi tal pedido indeferido;
E) Em 01.06.2011, foi o aqui reclamante notificado do despacho referido em D) - fls. 91;
F) Em 16.06.2011 foi deduzida a presente reclamação – fls. 145;
E) Da declaração de IRS de 2010 constata-se que o rendimento bruto auferido pelo agregado familiar (constituído por duas pessoas) é de € 34.732,18.
Para assentar a matéria de facto provada, alicerçou-se a convicção do Tribunal nos documentos juntos aos autos e não impugnados.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa”.
2.1.2. Aditamento oficioso à decisão sobre a matéria de facto
Ao abrigo do disposto no artigo 712º, nº 1, alínea a) e nº 4 do CPC aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) e 281º do CPPT, importa aditar ao probatório matéria que, em nosso entender e com base nos meio de prova que são indicados entre parênteses após a enunciação de cada um dos itens seguintes, se encontra provada:
f) Por despacho datado de 3 de Maio de 2011 do chefe do Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis, na sequência de informação segundo a qual o Executado havia deduzido oposição à execução fiscal, foi ordenada a sua notificação para prestar garantia nos termos do artigo 199º do CPPT (cf. fls. 115 dos autos).
g) Em cumprimento do despacho referido na alínea anterior foi enviada à mandatária do Executado carta com registo de 4 de Maio de 2011 destinado à respectiva notificação no sentido de, no prazo de 15 dias, prestar garantia no montante de 48.650,99 euros, “sob pena de prosseguimento imediato dos autos até à penhora” (cf. fls. 118 e 119 dos autos).
h) Na sequência dessa notificação, o Executado apresentou o requerimento referido na alínea c) da matéria de facto provada, no qual concluiu pedindo a isenção da prestação de garantia (cf. fls. 119 e 120 dos autos).
i) Sobre esse pedido, foi proferido pelo chefe do Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis o despacho datado de 27 de Maio de 2011 que se encontra a fls. 142 e 143 dos autos e no qual, entre o mais, se exarou o seguinte: “(…) Neste momento, nenhum elemento nos permite infirmar as alegações aduzidas pelo interessado, sendo até que algumas delas, relevantes, estão confirmadas. No entanto, importa considerar o seguinte: A invocada questão da penhora já incidente sobre a sua pensão, não é relevante para a presente apreciação, já que se trata de matéria balizada pelas limitações impostas pelo artigo 824º do Código de Processo Civil (CPC). Ou seja, independentemente do que aqui se decida, a execução de penhoras nunca poderá incidir sobre bens impenhoráveis, para cujo cálculo são naturalmente influentes e concorrentes todas as penhoras já decretadas ou a decretar contra o executado. Quanto à percepção das condições legalmente previstas no nº 4 do artigo 52º da LGT, temos, factualmente, que a última declaração conhecida para efeitos de IRS, referente ao ano de 2010, revela que o rendimento bruto auferido pelo agregado familiar em que se integra o executado e que é constituído exclusivamente por duas pessoas, foi de 34.732,18 euros, tendo sido declarados somente 805 € de despesas de saúde e nenhuns elementos foram trazidos ao processo que façam pressupor a desactualização destes dados. Tudo visto, importa decidir. Assim: Na perspectiva fáctica, temos que o interessado, embora afirme, não prova inequivocamente prejuízo irreparável com a prestação de garantia. Na perspectiva legal, importa considerar que, ao invés de definir com objectividade as condições em que a dispensa de garantia deve conceder-se, o legislador optou por conceitos vagos e pela não definição de critérios objectivos, o que nos parece significar que deixou ao aplicador uma ampla liberdade de apreciação e decisão de cada caso concreto. Neste contexto e no intuito de afastar o mais possível o uso da discricionariedade, assumimos como critério, relativamente às pessoas singulares, a inspiração que advém da teleologia subjacente ao artigo 170º, nº 1 do Código do IRS, ainda que fazendo dele uma interpretação generosa, alargando o seu conceito a qualquer tipo de rendimentos. Ou seja, para efeitos de definição da situação de manifesta falta de meios económicos e/ou de prejuízo irreparável a que refere o já referido nº 4 do artigo 52º da LGT, optámos por assumir como padrão de rendimento o valor de capitação correspondente à retribuição mínima acrescido de 20% (independentemente da natureza do rendimento auferido e, naturalmente, porque simples critério/padrão não legalmente vinculado, sem necessidade de observância de absoluto rigor aritmético). Ora, neste caso aqui em apreciação, os valores dos rendimentos conhecidos e que presumimos mais ou menos actuais, afastam-se muito, para mais, do âmbito desse critério. Já relativamente aos imóveis, nenhum elemento instrutivo do processo faz pressupor que a sua apreensão possa causar qualquer prejuízo, além de que os ónus registados poderão entretanto desaparecer, pelo que importa sempre proceder à sua penhora, ainda que, neste momento, com valor irrelevante para efeitos de garantia. Entendemos, pois, que nada dispensa que procedamos à sua penhora, nomeando-se o próprio requerente/proprietário como seu fiel depositário. Apesar de a penhora poder parecer inócua neste momento, tal não invalida que a mesma possa vir a ser relevante, já que os ónus são, por natureza, naturalmente, potencialmente voláteis. (…) Nesta conformidade e tendo em conta todo o exposto, entendemos não se encontrarem reunidos os pressupostos legalmente previstos para que possa decretar-se a isenção de garantia pelo que indefiro totalmente o pedido. Prossiga, pois, a execução, naturalmente e por ora, com objectivos meramente garantísticos” (cf. fls. 142 e 143 dos autos).
h) A favor do Executado encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial do P… a aquisição de um prédio urbano situado na freguesia de M…, concelho do P…, sobre o qual se encontram inscritas: uma hipoteca voluntária a favor do Banco Português de Negócios, S.A., para garantia de um montante máximo de 211.687.500,00 escudos; uma hipoteca voluntária a favor do Banco Internacional do Funchal para garantia de um montante máximo de 999.184,29 euros; uma hipoteca voluntária a favor do Banco Internacional do Funchal S.A. para garantia do valor máximo de 4.597,19 euros; uma penhora a favor da Fazenda Pública para garantia da quantia exequenda no montante de 1.710,75 euros; uma penhora a favor da Fazenda Pública para garantia da quantia exequenda no montante de 107.524,01 euros; uma penhora a favor de A…, Lda. para garantia da quantia exequenda no montante de 43.504,06 euros; uma penhora a favor de F…,S.A. para garantia de quantia exequenda no montante de 14.054,32 euros; uma penhora a favor do Banco Internacional do Funchal S.A. para garantia da quantia exequenda no montante de 877.121,16 euros; uma penhora a favor da Fazenda Pública para garantia da quantia exequenda no montante de 96.705.54 euros; uma penhora a favor da Fazenda Pública para garantia da quantia exequenda no montante de 24.048,50 euros; uma penhora a favor da Fazenda Pública para garantia da quantia exequenda no montante de 291.194,89 euros (cf. fls. 121 a 125 dos autos).
i) A favor do Executado encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de E… a aquisição de um prédio urbano situado na freguesia de O…, concelho do E… e ali descrito sob o nº1…, sobre o qual se encontram inscritas: uma hipoteca voluntária a favor do Banco Espírito Santo, S.A., para garantia de um montante máximo de 91,175,00 escudos; uma hipoteca voluntária a favor de M… e outros para garantia de um montante máximo de 102,241,00 euros; uma penhora a favor de António J…, Lda. para garantia da quantia exequenda no montante de 43.504,06 euros; uma penhora a favor de F… S.A. para garantia de quantia exequenda no montante de 12.776,65 euros; uma penhora a favor do Banco Internacional do Funchal S.A. para garantia da quantia exequenda no montante de 877.121,16 euros; uma penhora a favor da Fazenda Pública para garantia da quantia exequenda no montante de 203.295,74 euros; uma penhora a favor de M… para garantia da quantia exequenda no montante de 45.340,31 euros; uma penhora a favor da Fazenda Pública para garantia da quantia exequenda no montante de 24.048,50 euros, uma penhora a favor da Fazenda Pública para garantia da quantia exequenda no montante de 67.576,39 euros e uma penhora a favor da Fazenda Pública para garantia da quantia exequenda no montante de 291.194,89 euros (cf. fls. 126 a 129 dos autos).
j) - O Executado declarou rendimentos brutos referentes ao ano de 2010 provenientes de pensões no montante de 27.870,78 euros a que corresponderam retenções de imposto no montante total de 4.170,68 euros (cf. fls. 139 e 140 dos autos).
2.2. De direito
2.2.1. Da nulidade da sentença resultante da omissão de pronúncia
A primeira questão que importa apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida enferma, como alega o Recorrente, de nulidade por omissão de pronúncia.
Como resulta do disposto no artigo 125º, nº 1 do CPPT, constitui causa de nulidade da sentença “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar”.
Conforme é entendimento pacífico na nossa jurisprudência, só se verifica a referida nulidade quando existe a violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões que esteja obrigado a apreciar sendo que, o conhecimento de todas as questões não significa que o tribunal tenha de conhecer de todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes – neste sentido, entre muitos outros, acórdão STA 16 Out. 1996, Apêndice DR de 28/12/98, pág. 2936; acórdão STA 29 Abr. 1998, Apêndice DR de 30/11/2001, pág. 1311; acórdão STA 10 Set. 2008, recurso 0812/07.
Ora, de acordo com a norma do artigo 660º, nº 2 do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. (…)”.
No caso dos autos, salvo o devido respeito, entendemos que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro se pronunciou sobre as questões que foram colocadas pelo ora Recorrente na sua petição inicial. Com efeito, naquele articulado, foram colocadas, no essencial, duas questões: (i) a da falta de fundamento do despacho do chefe do Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis que indeferiu o pedido de dispensa de garantia formulado pelo executado; (ii) a da ilegalidade desse despacho na medida em que, no entender do Executado, por este foi feita prova dos pressupostos da dispensa da prestação de garantia.
Analisada a sentença recorrida, facilmente se constata que nesta foram apreciadas aquelas duas questões, uma vez que, da respectiva fundamentação, se retira que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro considerou, por um lado, que o executado não fez prova dos requisitos de que depende a dispensa de garantia e, por outro lado, que o despacho reclamado se encontrava dvidamente fundamentado.
Improcede, portanto, a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
2.2.2. Do erro de julgamento da sentença recorrida por nela se ter considerado que a Recorrente não fez prova dos pressupostos de que a lei faz depender a dispensa da prestação de garantia.
A este propósito, na sentença recorrida exarou-se, entre o mais, o seguinte: “Daqui resulta que o interessado na dispensa da garantia tem de alegar e provar os factos necessários para se poder concluir pela verificação de algum daqueles requisitos. Será então que o reclamante alegou e provou tais factos?
Relativamente à falta ou insuficiência de bens económicos, o reclamante não efectuou prova capaz de convencer dessa falta ou insuficiência. Na verdade, o reclamante limitou-se a instruir o pedido com documentos que não comprovam qualquer encargo com carácter de regularidade que corresponda à obrigação de pagamento periódico mensal. Na verdade tais documentos correspondem a guias judiciais de pagamentos parcelares de € 500,00 a título de multas e coimas; € 150,68 a titulo de custas e € 125,00 a título de multa processual cujo prazo de pagamento se reporta ao mês de Maio de 2011.
Tais factos não consubstanciam o preenchimento do referido requisito de insuficiência económica, até porque o reclamante auferindo a reforma de 1.100,00 Euros nunca ficará desprovido deste na sua totalidade, pois na penhora do mesmo ter-se-á sempre em atenção as regras estabelecidas no CPC para o efeito”.
O Recorrente não se conforma com o assim decidido por entender, no essencial, que efectuou a demonstração dos pressupostos legais da dispensa de garantia.
Vejamos.
De acordo com estabelecido na norma contida no nº 4 do artigo 52º da Lei Geral Tributária (LGT), de redacção assaz infeliz, diga-se, “[a] administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação da garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.”
Daqui resulta que a isenção ou dispensa da prestação de garantia depende, desde logo, da verificação de um dos seguintes pressupostos:
- De essa prestação causar ao executado prejuízo irreparável ou;
- Da manifesta falta de meios económicos do executado para prestar tal garantia.
Em relação à falta de meios económicos do executado para prestar garantia, a lei estabelece que a mesma seja revelada através da insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido. Deste modo, com vista a demonstrar que se encontra numa situação de manifesta falta de meios económicos impeditiva da prestação de garantia, terá o executado de provar que no seu património inexistem bens penhoráveis ou que os existentes são insuficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido.
Não basta, no entanto, que se demonstre a verificação de um daqueles pressupostos. Nos termos resultantes da parte final do nº 4 do artigo 52º da LGT, a dispensa de garantia da só terá lugar no caso de a insuficiência ou inexistência de bens não ser da responsabilidade do executado, incumbindo ao executado a prova da sua falta de responsabilidade pois que se trata de um facto constitutivo do seu direito – neste sentido, acórdão STA (Pleno da Secção de Contencioso Tributário) 17 Dez. 2008, processo 0327/08, disponível na sua versão integral no endereço www.dgsi.pt.
Se bem vemos, a razão de ser desta última exigência legal prende-se com a necessidade de evitar a ocorrência de situações em que o executado se coloca intencionalmente numa situação de insuficiência patrimonial que inviabiliza a prestação de garantia e vem, depois, requerer a dispensa de garantia invocando essa mesma insuficiência. Pretende a lei, portanto, obviar a situações de abuso de direito na vertente do venire contra factum proprium.
Como assim, a responsabilidade do executado, prevista na parte final do número 4 do artigo 52º da LGT, “deve entender-se em termos de dissipação dos bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores. E não mero nexo da causalidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens” - assim, Diogo Leite de Campos – Benjamim Silva Rodrigues – Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 2ª edição, revista e aumentada, Vislis Editores, 2000, pág. 205.
Definido que está, nestas breves linhas, o enquadramento geral da questão a decidir, importará, agora, aferir se, no caso concreto, estarão ou não verificados os pressupostos legais da dispensa de garantia que foi requerida pelo Executado pois que é isso o que está em discussão.
Desde logo, importa considerar que o Executado, como resulta do requerimento que se encontra a fls. 119 e 120 dos presentes autos, requereu a dispensa de prestação de garantia com base na manifesta falta de meios económicos para proceder a tal prestação.
Como assim, tudo estaria em saber se o Executado provou ou não (i) a insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e do acrescido reveladora daquela manifesta falta meios económicos que a lei exige como pressuposta da dispensa da prestação de garantia e (ii) a falta de responsabilidade sua nessa insuficiência.
No entanto, o quadro factual que foi fixado na 1ª instância, mesmo após a ampliação por nós introduzida, é insuficiente para que possamos dar resposta a tais questões.
Na verdade, o Executado alegou na petição inicial, por um lado, que não dispõe de quaisquer outros bens penhoráveis para além dos imóveis que indicou e da pensão de velhice que disse receber mensalmente e, por outro lado, que não dissipou bens com vista a colocar-se numa situação de insuficiência patrimonial (cf. artigos 27 e 31 da petição inicial).
Além disso, o Executado também alegou que recebe uma pensão de velhice em montante mensal que não concretizou e que terá sido objecto de penhora em proporção que igualmente não quantificou (cf. artigos 12 a 15 da petição inicial).
Ora, parece-nos evidente que, em abstracto, esta factualidade é susceptível de relevar para a decisão da causa na exacta medida em que se reporta directamente aos pressupostos de que depende o deferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia [sendo que, em relação aos factos carecentes de concretização (artigo 12º da petição inicial), ao Tribunal se impunha que tivesse convidado o Executado a efectuar a alegação complementar nos termos previstos na norma do artigo 508º, nº 3 do Código de Processo Civil, aplicável por força do estatuído no artigo 2º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário].
Como tal, sobre essa factualidade deveria ter incidido a actividade instrutória necessária a que o tribunal pudesse dar resposta às questões que nela estavam implicadas, nomeadamente, através da explicitação dos factos que considerava provados e não provados. E nem se diga que o Executado não fez prova dos factos constitutivos do seu direito, uma vez que arrolou testemunhas que não foram ouvidas e, além disso, nos termos que decorrem dos normativos legais contidos nos artigos 13º do CPPT e 99º, nº 1 da LGT, os juízes dos tribunais tributários devem realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.
Contudo, salvo o devido respeito, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro não desenvolveu qualquer diligência probatória relevante no sentido de apurar a verdade relativamente às questões de facto que lhe foram colocadas na petição inicial. Ao invés, dispensou, sem fundamento bastante, a produção da prova testemunhal.
Afigura-se-nos, nesta perspectiva e como anteriormente referimos que a decisão sobre a matéria de facto, de modo a que possa dar-se cabal resposta à questão jurídica que constitui o cerne do presente dissídio, carece de ampliação, de modo a que nela se consigne, após as diligências probatórias que o Tribunal a quo tenha por convenientes, se está ou não provado: (i) que o Executado não dispõe de quaisquer outros bens penhoráveis para além dos imóveis que indicou e da pensão de velhice que disse receber mensalmente; (ii) que o Executado não dissipou bens com vista a colocar-se numa situação de insuficiência patrimonial; (iii) que o Executado recebe o pensão de velhice em montante a concretizar após convite a formular ou mediante indagação oficiosa; (iv) que essa pensão de velhice se encontra penhorada na proporção de 1/3.
Do que antecede resulta que, ao abrigo do disposto no art. 712º, nº 4 do CPC aplicável ex vi artigo 281º do CPPT e uma vez que os autos não dispõem de todos os elementos probatórios indispensáveis à reapreciação da matéria de facto, a sentença recorrida deva ser oficiosamente anulada e determinada a subsequente remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro para prolação de nova decisão, após a ampliação da matéria de facto nos termos que antes referimos.
A finalizar, refira-se que se nos afigurou manifestamente desnecessário ouvir as partes antes do decretamento oficioso da anulação da sentença nos termos previstos no artigo 3º, nº 3 do CPC.
3. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
- Anular a sentença recorrida;
- Ordenar a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão em que se proceda à ampliação da matéria de facto com preliminar aquisição de prova conforme acima se indica.
Sem custas.
Porto, 12 de Janeiro de 2012
Ass. Álvaro Dantas
Ass. Anabela Russo
Ass. Catarina Almeida e Sousa