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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02265/18.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/25/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:DIREITO DE OCUPAÇÃO EFECTIVA.
Sumário:I - O direito à ocupação efectiva só é atingido quando o empregador público obsta, injustificadamente, à prestação efectiva do trabalho.
Recorrente:Município do Porto
Recorrido 1:AA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
Município do Porto, na presente acção administrativa intentada no TAF de Braga por AA (Rua ....), interpõe recurso jurisdicional de decisão que, julgando a acção parcialmente procedente, o condenou “na atribuição ao ora A. do direito à prestação efectiva do conteúdo funcional inerente à categoria de Encarregado Operacional, conforme a discriminação contida no anexo à Lei n.º 35/2014, de 20/06”.
Conclui:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente a acção administrativa intentada pelo ora Recorrido e, consequentemente, “condena o R. na atribuição ao ora A. do direito à prestação efectiva do conteúdo funcional inerente à categoria de Encarregado Operacional, conforme a discriminação contida no anexo à Lei n.º 35/2014, de 20/06”.[1]
B. A decisão judicial recorrida enferma i) de um erro de julgamento na interpretação e subsunção dos factos e do direito, porquanto resulta da matéria dada como provada que o Autor, ora Recorrido, exercia as funções de Encarregado Operacional, bem como ii) de uma errada interpretação e aplicação da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, nomeadamente do anexo dedicado ao conteúdo funcional inerente à categoria de Encarregado Operacional.
DO ERRO DE JULGAMENTO
C. Da sentença recorrida, constam os seguintes factos como provados:
“1.º - O A. é trabalhador do R. desde 1985 (facto admitido por acordo);
2.º - O A. tem a categoria profissional de Encarregado Operacional (facto admitido por acordo);
3.º - O A. encontrava-se afecto ao Serviço de Portarias e Serviços Gerais, com a atual denominação de Divisão Municipal de Segurança e Infraestruturas (facto admitido por acordo);
4.º - O A. recebe ordens e instruções do Chefe de Divisão Municipal das Portarias (facto admitido por acordo);
5.º - O A., em 30/01/2018, apresentou ao R. um requerimento em que solicitava a atribuição das funções até então exercidas (cf. fls. 17 e 18 do processo físico); 6.º - Sobre o desempenho profissional do A., em 16/01/2017, os serviços do R. elaboraram a seguinte informação (cf. fls. 38 a 41 do processo físico):
6.º - Sobre o desempenho profissional do A., em 16/01/2017, os serviços do R. elaboraram a seguinte informação (cf. fls. 38 a 41 do processo físico):
[dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do acórdão original]

7.º - O ora A. dirigiu aos serviços do R. o seguinte requerimento (cf. fls. 45 do processo físico):
[dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do acórdão original]

8.º - Em 20/02/2018, os serviços do R. comunicaram ao ora A. o seguinte (cf. fls. 44 do processo físico):
[dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do acórdão original]

9.º - Em 06/04/2018, sobre a situação profissional do ora A., os serviços do R. elaboraram a seguinte informação (cf. fls. 42 e 43 do processo físico):
[dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do acórdão original]

D. O Recorrido exercia essas funções de Encarregado Operacional, de acordo com o conteúdo funcional fixado legalmente, consultável no anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, estando essa informação contida nos documentos juntos aos autos e, bem assim, nos factos dados como provados, maxime no ponto 6.º.
Concretizando,
E. No ponto 6.º dos factos provados, consta a informação I/18...18/CMP, de 16 de Janeiro de 2018 [2], a qual refere expressamente que “na sequência da informação solicitada pelo Senhor Comandante da Polícia Municipal do Porto, Intendente BB, faz-se descrição de alguns episódios irregulares (os mais graves), verificados apenas no último meio ano, e decorrentes do exercício da actividade profissional do trabalhador supra identificado, que desempenha as funções de encarregado, com trabalhadores na sua dependência hierárquica16 [16 Sublinhado nosso.], conforme notificação da DMRH, ofício ...5..., datado de 17.03.2015: “Para efeitos de execução de sentença em apreço, poderá o trabalhador manter-se afecto ao mesmo sector de actividade, o Serviço de Portarias, desde que ao mesmo sejam atribuídas tarefas de “programação, organização e controlo dos trabalhadores e executar pelos Assistentes Operacionais afectos ao mesmo serviço e ao qual competirá a sua coordenação” (…)" [3].
F. É suficiente ler com mediana atenção a informação reproduzida no aludido ponto 6.º dos factos provados, para se perceber que: em 20/06/2017, o trabalhador CC “afecto a um espaço coordenado pelo Sr. AA” caiu numas escadas. Em face do acidente de serviço, o Recorrido “deu instruções ao trabalhador para se deslocar à Seguradora”.
G. Acresce que, foi dado conhecimento ao Recorrido de que a seguradora tinha declinado responsabilidades nesse sinistro (ponto 6.º dos factos provados: “(…) Em 21.08.3017, a seguradora declina o acidente de serviço, informação esta enviada para conhecimento ao Sr. AA[4]). E essa informação só foi prestada, uma vez que o Recorrido assumia funções de Encarregado Operacional e era superior hierárquico do Assistente Operacional sinistrado.
H. Ainda no ponto 6.º dos factos provados, é possível retirar que em 30 de Outubro de 2017 “foi enviado por email ao Sr. AA, propostas de escalas relativas à semana de 6.11.2017 a 3.12.2017 para análise. Nessa data somos confrontados que o Sr. AA se encontrava de férias, não tendo informado o serviço, de modo a garantir a coordenação dos trabalhadores na sua ausência”. Como facilmente se alcança, as escalas semanais eram da responsabilidade do Recorrido, o que consubstancia um trabalho de coordenação e que preenche os requisitos exigidos para um encarregado operacional.
I. Dos factos provados no ponto 6.º é ainda possível extrair que em 21 de Novembro de 2017, “após verificação do biométrico de alguns trabalhadores, na ausência de informação relativamente à adesão à greve no dia 18.11.2017 e na ausência de registos de assiduidade, foi solicitado à DD e EE (telefonistas) para ligarem ao Sr. AA por forma a informar se as trabalhadoras FF e GG tinha feito greve, ao que respondeu “metam greve se não tem marcações”. É da responsabilidade do Encarregado, comunicar à pivot do sistema de assiduidade, o tipo de ausência do trabalhador que está na sua ... [19 Sublinhado nosso.]”.
J. Em 20 de Dezembro de 2017, é igualmente descrito na informação que consta do ponto 6º dos factos provados que “no dia 15.12.2017, o HH (antes de entrar de férias) contactou com o Sr. AA a recordar da necessidade de colocar alguém a encerrar o jardim de II, pois sábado, dia 30.12.2017, na proposta de escala inicial constava o trabalhador JJ sendo que estava errado, pois este trabalhador gozava os seus descansos complementares aos sábados. Nesse mesmo dia, o Sr. AA comunicou ao HH que a situação estava resolvida, o que, posteriormente não se veio a verificar”. Não se trata assim, como referiu o Recorrido na missiva datada de 30 de Janeiro de 2018 [5], de um esvaziamento de funções, mas antes de corrigir lapsos que tinham impacto no bom funcionamento dos serviços.
K. Para além do alegado na dita missiva, não foi feita qualquer prova do que lá é mencionado quando ao esvaziamento de funções, sendo certo que esse ónus cabia indubitavelmente ao Autor, ora Recorrido.
L. Depois, não obstante a proposta do Chefe do Núcleo do Serviço de Portarias – proposta de “dispensa do Sr. AA, afecto a estes serviços com funções de encarregado geral, com efeitos imediatos” -, tal não teve sequência no ulteriores despachos do Comandante da Polícia Municipal e Vereadora com os Pelouros da Juventude e Desporto, Recursos Humanos e Serviços Jurídicos.
M. Com efeito, o despacho do Sr. Comandante da Polícia Municipal que recaiu sobre a informação refere expressamente o seguinte: “Tendo conhecimento das denúncias apresentadas, e, independentemente da responsabilidade disciplinar associadas à conduta do Colaborador AA (NM ...), assim como dos pedidos de mobilidade apresentados pelo próprio, solicito com carácter de urgência a mobilidade do colaborador em questão”, encaminhando o assunto para a Senhora Vereadora com os Pelouros da Juventude e Desporto, Recursos Humanos e Serviços Jurídicos, a qual, por sua vez, encaminhou para o Senhor Director Municipal dos Serviços Jurídicos.
N. Não existe assim qualquer decisão por parte do Recorrente de esvaziar as funções do Recorrido, nem tal é evidenciado no processo.
O. Por fim, note-se que a própria assinatura que constava do email do Recorrido consta como “Encarregado Geral Operacional” e que o mesmo foi sempre tratado como tal pelo Recorrente – cfr. emails que constam do processo administrativo, e, inter alia, a informação constante do ponto 8.º dos factos provados.
P. Por referência aos factos dados como provados, não resulta que exista qualquer esvaziamento de funções que possa consubstanciar uma violação do direito à ocupação efectiva do trabalhador e de falta de condições de trabalho. Pelo contrário, são descritos inúmeros factos que demonstram que, não obstante as falhas relatadas, o Recorrido nunca deixou de exercer as funções de Encarregado Operacional, nomeadamente com funções de coordenação dos assistentes operacionais afectos ao seu sector, bem como a programação, organização e de controlo dos trabalhos a executar pelo pessoal que coordenava, em estrito cumprimento das exigências legais atinentes a esta categoria profissional.
DA ERRÓNEA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA LEI N.º 35/2014, DE 20 DE JUNHO, NO ANEXO DEDICADO AO CONTEÚDO FUNCIONAL INERENTE À CATEGORIA DE ENCARREGADO OPERACIONAL
Q. O tribunal a quo faz uma errónea interpretação e aplicação da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, no anexo dedicado ao conteúdo funcional inerente à categoria de Encarregado Operacional.
R. E para o vício que ora se imputa à sentença recorrida, valem igualmente os argumentos esgrimidos para o vício de erro de julgamento, pelo que, por economia processual, se dá por reproduzido o acima alegado.
S. Sublinhe-se que para o Encarregado Operacional são estabelecidas: “Funções de coordenação dos assistentes operacionais afetos ao seu sector de atividade, por cujos resultados é responsável; Realização das tarefas de programação, organização e controlo dos trabalhos a executar pelo pessoal sob a sua coordenação; Substituição do encarregado geral nas suas ausências e impedimentos”.
T. Ora, como já se referiu abundantemente, e como decorre da matéria de facto dada como provado, com especial enfoque para o ponto 6.º, o Recorrido exerceu funções de coordenação de uma equipa, deu instruções aos seus subordinados, sendo responsável pelas escalas semanais (funções de programação), entre outras, não lhe tendo sido retiradas essas funções em nenhum momento.
U. Assim sendo, a condenação do ora Recorrente “na atribuição ao ora A. do direito à prestação efectiva do conteúdo funcional inerente à categoria de Encarregado Operacional, conforme a discriminação contida no anexo à Lei n.º 35/2014, de 20/0621 [21 Vide dispositivo da sentença proferida pelo tribunal a quo. ] é contraditória com os factos dados como provados, nomeadamente no ponto 6.º, pelo que se verifica que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento e de errónea aplicação e interpretação do conceito de Encarregado Operacional descrito no anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho.
V. Por todo o exposto, deverá ser revogada a sentença recorrida, julgando-se a acção administrativa improcedente in totum, com todas as consequências legais daí decorrentes.
Contra-alegou o recorrido, concluindo:
1 – O R. vem interpor recurso, invocando que a douta sentença enferma do vício de erro de julgamento na interpretação e subsunção dos factos e do direito e de uma errada interpretação do anexo da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho.
2 – No entanto, das alegações do recorrente não resulta, salvo melhor opinião e com o devido respeito, os vícios invocados.
3 – Na verdade, os pressupostos essenciais de que dependem a aplicação da lei, encontram-se admitidos por acordo.
4 – Ou seja, o recorrente não só concorda que as funções descritas pelo A. aqui recorrido foram efectivamente as que tem vindo a exercer, como concorda com a categoria profissional detida – a de encarregado operacional.
5 - Nesse seguimento, o comando dispositivo da sentença de que recorre determina:” …condeno o R. na atribuição ao ora A. do direito à prestação efectiva do conteúdo funcional inerente à categoria de encarregado operacional, conforme a discriminação contida no anexo à Lei n.º 35/2014, de 20/06.”.
6 – Sendo que foi com base naqueles pressupostos que foi proferida sentença.
7 – Ora, pretender a revogação da sentença afigura-se negador do reconhecimento do direito do A. aqui recorrido ao exercício de funções que tem vindo a desempenhar e correspondentes à sua categoria profissional, o que seria caricato por colidir com direitos essenciais dos trabalhadores e da correspondência entre as funções exercidas e a categoria detida.
8 – Considerando que o recorrente aceita aqueles pressupostos, não se vislumbra o efeito útil da revogação da sentença, pois se se encontra a cumprir com os direitos em causa, e reconhecidos, como alegado, a presente sentença nada vem alterar no que concerne à conduta do recorrente.
9- Na verdade, o recorrente alega que não ficou provado que foram subtraídas funções ao aqui recorrido, invocando que os documentos juntos com a contestação demonstram isso mesmo.
10 – No entanto, os documentos em apreço não são aptos a produzir prova cabal de todas as funções exercidas pelo A. aqui recorrido, referindo-se de forma generalizada a um ou outro aspecto de coordenação e organização e como tal, não provam a inexistência de esvaziamento funcional, nem o poderia fazer em termos temporais, dado que os documentos versam essencialmente sobre ocorrências em 2017 e a interposição da presente acção ocorreu em Setembro de 2018 (ocorrendo o esvaziamento funcional até essa data).
11 – Ora, a sentença foi proferida atendendo à existência de matéria factual suficiente, não tendo por isso sido realizada a audiência de julgamento não obstante a indicação de prova testemunhal.
12 – No entanto, se se entendesse, que a prova relativa ao esvaziamento do conteúdo funcional se afigura, parece-nos que a solução passaria pela determinação da sua realização e não pela consideração da inexistência de prova quanto ao esvaziamento funcional.
13 – Em todo o caso, parece-nos que tal elemento não se afigura essencial pois não colocaria em causa o comando dispositivo da sentença, consubstanciado no direito do A. aqui recorrido à atribuição de funções que vinha exercendo e correspondentes à categoria profissional detida.
14 – O recorrente alega que não foram retiradas funções ao A. aqui recorrido, concordando com as funções exercidas, conteúdo funcional e categoria detida, pelo que, não se vislumbra qual o efeito prático com a revogação da sentença, dado que esta se limita a reconhecer que o A. tem direito à atribuição de funções exercidas e de acordo com a categoria.
15 – Acresce que, não se vislumbra qual o erro de interpretação no que concerne ao anexo (referente ao descritivo do conteúdo funcional) da Lei n.º 25/2014 de 20-06, dado que o mesmo é invocado na sentença para efeitos de reconhecimentos das funções correspondentes, sendo que o próprio recorrente reconhece as funções de coordenação e organização.
16 – Assim, não nos parece existir qualquer contradição entre os factos apurados e a aplicação da lei, porquanto, o próprio recorrente admite as funções exercidas e a categoria detida pelo recorrido.
17 – A revogação da sentença implicaria negar ao A. aqui recorrido o direito ao exercício das suas funções correspondentes à categoria em clara violação das normas jurídicas no que concerne à categoria detida e dar como não provada matéria que só em audiência de julgamento poderia ser provada.
18 – Se o recorrido exerce como alega o recorrente, as suas funções sem qualquer esvaziamento, então o comando dispositivo da sentença em nada vem alterar o estatuto laboral do A., porquanto o recorrente já lhe atribui as funções em causa.
19 – Não podendo em nosso entender, ser revogada a sentença com base na inexistência de prova do esvaziamento funcional, sem determinação da realização da audiência de julgamento, sob pena de ser negado ao recorrido o direito elementar a exercer as funções correspondentes.
20 – Face ao exposto, parece-nos inexistirem os alegados erros imputados à douta sentença, pelo que, não deverá a mesma ser revogada.
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O Exmº Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art.º 146º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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Os factos, fixados pelo tribunal “a quo”:
1.º - O A. é trabalhador do R. desde 1985 (facto admitido por acordo);
2.º - O A. tem a categoria profissional de Encarregado Operacional (facto admitido por acordo);
3.º - O A. encontrava-se afecto ao Serviço de Portarias e Serviços Gerais, com a atual denominação de Divisão Municipal de Segurança e Infraestruturas (facto admitido por acordo);
4.º - O A. recebe ordens e instruções do Chefe de Divisão Municipal das Portarias (facto admitido por acordo);
5.º - O A., em 30/01/2018, apresentou ao R. um requerimento em que solicitava a atribuição das funções até então exercidas (cf. fls. 17 e 18 do processo físico);
6.º - Sobre o desempenho profissional do A., em 16/01/2017, os serviços do R. elaboraram a seguinte informação (cf. fls. 38 a 41 do processo físico):
[dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do acórdão original]

7.º - O ora A. dirigiu aos serviços do R. o seguinte requerimento (cf. fls. 45 do processo físico):
[dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do acórdão original]

8.º - Em 20/02/2018, os serviços do R. comunicaram ao ora A. o seguinte (cf. fls. 44 do processo físico):
[dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do acórdão original]

9.º - Em 06/04/2018, sobre a situação profissional do ora A., os serviços do R. elaboraram a seguinte informação (cf. fls. 42 e 43 do processo físico):
[dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do acórdão original]

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A apelação.
O tribunal “a quo”, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o réu “na atribuição ao ora A. do direito à prestação efectiva do conteúdo funcional inerente à categoria de Encarregado Operacional, conforme a discriminação contida no anexo à Lei n.º 35/2014, de 20/06”.
Fundamentou a sua decisão, assim:
«(…)
O artigo 72.º, n.º 1, alínea b), da Lei Geral do Trabalho Em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20/06, preceitua o seguinte:
“1 - É proibido ao empregador público:
(…)
b) Obstar, injustificadamente, à prestação efetiva do trabalho”
O comando legal acabado de transcrever, por norma, proíbe a inacção propositada do trabalhador público ou o esvaziamento do núcleo funcional inerente à categoria e à carreira em que o mesmo se encontra nomeado ou para o qual foi contratado.
De igual modo, o citado preceito legal obsta a que o empregador público, servindo-se da posse sobre os meios de produção ou da sua qualidade de proprietário sobre os equipamentos e sobre os locais de trabalho, se possa recusar de forma arbitrária à presença do trabalhador e a que este preste o serviço de forma concreta e material.
Portanto, por regra, o trabalhador não pode ser impedido de contribuir com o seu labor prático no local de trabalho, tendo o direito a ser ocupado com tarefas profissionais de forma constante e regular durante a jornada diária e semanal de trabalho.
A normal legal em evidência pretende evitar que o trabalhador seja colocado numa situação de simples inactividade, naquilo que comumente ficou designado como “trabalhador na prateleira”, precavendo, também, o surgimento de uma espécie não consentida de sancionamento ou de represália interna por motivos que, muitas das vezes, ultrapassam já as razões de natureza disciplinar.
Em suma, a desocupação intencional do trabalhador, quando comprovada, constitui mesmo um caso de assédio moral no local de trabalho, reprovado pelo ordenamento jurídico e susceptível de gerar responsabilidade civil extracontratual emergente de facto ilícito.
Retornando ao caso vertente, o A., inserido que está na carreira de Assistente Operacional e detendo a categoria de Encarregado Operacional, tem o direito a prestar o seu trabalho de forma efectiva (as concretas funções durante toda a jornada diária e semanal de trabalho), sem que o R. a isso possa obstar.
O A. tem o direito a prestar funções para o R. de acordo com o conteúdo funcional fixado legalmente, consultável no anexo à Lei n.º 35/2014, de 20/06, que para o Encarregado Operacional estabelece o seguinte:
Funções de coordenação dos assistentes operacionais afetos ao seu setor de atividade, por cujos resultados é responsável.
Realização das tarefas de programação, organização e controlo dos trabalhos a executar pelo pessoal sob sua coordenação.
Substituição do encarregado geral nas suas ausências e impedimentos”.
Se é certo que o conteúdo funcional a exercer pelo detentor da categoria de Encarregado Operacional, como o ora A., é o acima transcrito, não podemos deixar de frisar, contudo, que o legislador não criou com a aludida norma um princípio absoluto à prestação efectiva do trabalho, pois, por alguma razão, na letra da lei introduziu também o advérbio “injustificadamente”.
Isto significa que, em determinadas situações, ao empregador público não está vedada a possibilidade de obstar à prestação efectiva de trabalho, nomeadamente, por razões disciplinares em que o trabalhador se veja enleado (de natureza subjectiva) ou por razões de extinção do posto de trabalho ou de reestruturação da carreira ou categoria (de natureza objectiva), em que o empregador, seja por ilícito disciplinar e consequente aplicação das penas de suspensão, inactividade ou demissão, seja por força da lei, está dispensado da obrigatoriedade em ocupar efectivamente o trabalhador.
Ademais, se ao A. assiste o direito à prestação efectiva das funções inerentes à sua categoria profissional de Encarregado Operacional, cujo conteúdo funcional já atrás referimos, esse mesmo direito deve ser equilibrado e ponderado simultaneamente com a faculdade do R. em poder dispor dos seus recursos humanos em função das reais necessidades de serviço público e conforme as carências que revela cada uma das unidades orgânicas, departamentos ou divisões inseridas na estrutura orgânica do Município do Porto, numa actuação que pertence já ao domínio da discricionariedade técnica da Administração e de acordo com as suas próprias valorações gestionárias, não sindicáveis pelo Tribunal.
Tudo visto, o A. tem direito à prestação efectiva do conteúdo funcional inerente à categoria de Encarregado Operacional, conforme a discriminação contida no anexo à Lei n.º 35/2014, de 20/06, e o R. a tal exercício diário e semanal não se pode opor, nem dificultar.
Acontece que da supra enunciada Lei já não assiste ao A. o direito a prestar tais funções no local ou nos locais por si pretendidos, nem pertence ao A. o direito a indicar ou a designar para si próprio este ou aquele superior hierárquico, porquanto, a possibilidade de tais colocações e a nomeação dos superiores hierárquicos do A. já dependem somente de critérios gestionários e de uma avaliação concreta das necessidades do serviço, que ao R. legitimamente cumpre realizar em matéria de recursos humanos e que ao Tribunal está vedada a sindicância dos mesmos.
(…)»
O recurso tem um único ponto virtuoso à censura do assim decidido: “Por referência aos factos dados como provados, não resulta que exista qualquer esvaziamento de funções que possa consubstanciar uma violação do direito à ocupação efectiva do trabalhador e de falta de condições de trabalho.”.
Aplicando o direito aos factos, o tribunal deu como verificada a violação do direito do trabalhador à ocupação efectiva.
Mas não vemos como possa afirmar-se o fundamento.
O direito do trabalhador à ocupação efectiva constitui uma decorrência do estabelecido nos arts. 58º, nº 1 e 59º, nº 1, al. b) da CRP, um direito ao trabalho e uma forma de realização pessoal.
Obtém concretização na lei ordinária quando no artigo 72.º, n.º 1, alínea b), da Lei Geral do Trabalho Em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20/06, esta determina que é proibido ao empregador público obstar, injustificadamente, à prestação efectiva do trabalho.
O direito só é atingido quando, injustificadamente, uma tal situação suceder.
Isto é, “sem uma justificação plausível” (cfr. Pedro Romano Martinez, “Direito do Trabalho”, 2013, 6ª Ed.ª, págs. 488 e ss.); como escreve Monteiro Fernandes, (“Direito do Trabalho”, 12ª edição, pág. 285) “não se pode deixar de reconhecer como atendíveis as situações em que o empregador esteja objectivamente impedido de oferecer ocupação ao trabalhador, assim como aquelas em que esteja na presença de interesses legítimos do mesmo empregador na colocação do trabalhador em estado de inactividade (razões económicas, disciplinares ou outras).”.
Ora, no caso, o que emerge de noticiadas circunstâncias é que é o próprio autor, com a aceitação do seu empregador, a mostrar-se avesso à continuação da sua prestação nos termos que vinham a ser seguidos, e a antes querer sua colocação noutro serviço.
Todavia, passo ainda não conseguido.
Por razão atendível.
Perante a inviabilidade do que o autor queria até lhe foi sugerida alternativa.
Pelo que não se vê onde possa haver violação de direito à ocupação efectiva!
Persistindo sua vontade de saída da Polícia Municipal, Divisão Municipal de Portarias e Serviços Gerais, por sua vontade não retoma o seu posto de trabalho; situação que, sui generis, vem sendo acolhida pelo seu empregador…
Não advém censura sobre o seu empregador; pelo menos não a que o autor lhe endereça na presente demanda; como a própria decisão recorrida afasta, “não assiste ao A. o direito a prestar tais funções no local ou nos locais por si pretendidos, nem pertence ao A. o direito a indicar ou a designar para si próprio este ou aquele superior hierárquico”.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e julgando a acção totalmente improcedente.
Custas: pelo autor (sem prejuízo da isenção).
Porto, 25 de Novembro de 2022.
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa
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[1] Vide dispositivo da sentença proferida pelo tribunal a quo.
[2] Por evidente lapsus calami está referido o ano de 2017
[3] Cfr. p. 9 da sentença recorrida.
[4] Cfr. p. 4 da sentença.
[5] Cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial.