Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00350/11.0BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/31/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:MODIFICAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO; RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO; FACTO ILÍCITO.
Sumário:I- Ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes [nº 2, a] do artº 640º do NCPC.

II- Para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.

III- Falecendo a imputação ao Réu da prática de qualquer ato ou a omissão de comportamento devido no que concerne aos deveres de conservação, reparação e manutenção das condições de segurança das estruturas a seu cargo, não pode o mesmo ser considerado civilmente responsável pelo danos sofridos pelo Autor, na medida em que faltam os pressupostos apontados, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à pretensão do A. no âmbito da presente ação.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:D.C.S
Recorrido 1:COMPANHIA (...), S.A.
Recorrido 2:MUNICÍPIO DE (...),
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
D.C.S., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 19.06.2014, proferida no âmbito da Ação Administrativa Comum por si intentada contra a COMPANHIA (...), S.A. e o MUNICÍPIO DE (...), também com os sinais dos autos, que julgou a presente ação totalmente improcedente.
Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
Considerando que:
1ª- A resposta dada à matéria de facto relativa aos quesitos 11º, 16º, 34º, 37º e 50º da Base Instrutória, em que os dois primeiros foram dados como não provados e os três últimos, respetivamente, deram origem aos factos provados das alíneas E"), G") e M”), não é consentânea com a prova produzida;
2ª- Relativamente ao quesito 34º, em função da prova produzida, nomeadamente do depoimento das testemunhas J.A.A.R. e A.D.M., bem como da resposta (contraditória com a resposta dada ao quesito 34º) dada ao quesito 35º, bem como em função da inexistência de prova produzida que pudesse confirmar a especificação feita pelo tribunal recorrido o mesmo deveria ter sido dado como Provado sem qualquer tipo de especificação;
3ª- Quanto ao quesito 37º, se atentarmos na resposta produzida pelo próprio Município de (...) ao despacho datado de 27.09.2012, nomeadamente se atentarmos ao esboço nele desenvolvido pelo Município que traduz a configuração da ponte em causa nos presentes autos à data do acidente [que no referido esboço foi definida como "situação anterior") e à data atual, bem como se tivermos em consideração as fotografias juntas pelo Autor aos Autos (as quais foram juntas na primeira sessão da audiência de discussão e julgamento, por correspondência ao requerimento probatório do Autor enviado em 21.02.2012), fotografias essas que igualmente retratam a referida ponte antes da intervenção de modificação da estrutura da mesma e depois dessa intervenção, bem como se considerarmos a inexistência de prova produzida que pudesse confirmar a especificação feita pelo tribunal recorrido, então tal quesito também deveria ter sido dado como Provado sem qualquer tipo de especificação;
- No que toca ao quesito 50º, em função da prova produzida, nomeadamente do depoimento das testemunhas J.A.A.R. e A.D.M., bem como da resposta (contraditória com a resposta dada ao quesito 50º) dada ao quesito 35º, bem como em função da inexistência de prova produzida que pudesse atestar o que aí vem quesitado, 0 mesmo deveria ter sido dado como Não Provado;
- No que aos quesitos 11º e 16º tange, considerando o depoimento das testemunhas A.C.B.S., N.S, A.D.M. e M.S.N.R., que, de uma forma unânime, coerente e credível, testemunharam que o Autor após o acidente passou a revelar uma atividade mais sedentária, tendo inclusivamente dificuldades em manter-se muito tempo sentado (a este respeito destaca-se o depoimento da testemunha N.S que foi absolutamente positivo e concludente) e que deixou de fazer o seu jogging diário (atente-se a este respeito, com especial atenção, ao depoimento dos vizinhos do Autor A.D.M. e M.S.N.R.), mas principalmente, tendo em conta a matéria constante das alíneas H), J), L) e M) dos factos dados como provados, deveria o Tribunal recorrido, mediante o recurso às chamadas regras da experiência e ao Instituto das Presunções Judiciais, ter dado, ao quesito 11º, a resposta de Provado e, ao quesito 16º, deveria ter sido respondido da seguinte forma, até em face da resposta dada ao quesito 15º que se aceita face à prova produzida: Provado apenas que o Autor, mercê do acidente, foi obrigado a deixar de fazer jogging;
- Um facto é ilícito quando o ato/omissão se traduz numa negação dos valores tutelados pela ordem jurídica e que adveio da violação de direitos de outrem e/ou de disposições legais emitidas com vista à proteção de interesses alheios, bem como quando tal violação resulte daquilo a que a lei apelida de funcionamento anormal do serviço;
- Não se afigura questionável a existência por parte do Município de (...) dum dever geral de diligência e cuidado na conservação das pontes pedonais que estão à sua responsabilidade para a utilização normal e sem perigo dos cidadãos que ali se deslocam, sendo que as referidas pontes pedonais constituem espaços públicos e de serviço público abertos à circulação e uso por parte dos cidadãos que a elas recorrem, o que exige ou reclama a implementação de especiais deveres, por parte dos órgãos ou funcionários responsáveis pelo seu estabelecimento e manutenção, quanto à segurança das mesmas na exata medida das expectativas dos cidadãos que as utilizam, com a sólida convicção de não serem surpreendidos por acidentes ocorridos no seu seio e que escapam, de todo, pelo seu caráter insólito, a um critério de previsibilidade razoável;
- Presente o acervo factual das alíneas B), C), D), E"), F") e G”) dos factos dados como provados e, bem assim, o enunciado em termos do dever geral de diligência e cuidado na conservação das instalações sob alçada do Réu Município de (...), com vista ao assegurar duma utilização normal e sem perigo dos cidadãos utilizadores das pontes pedonais, temos que foram omitidos pelo Réu Município os devidos cuidados quanto ao estado de aderência em que se encontrava, sempre que chovia, o piso das pontes pedonais pelo que, outra solução não teremos que não seja a de se concluir pela verificação do requisito da ilicitude, dado que o Réu Município, através dos seus órgãos, funcionários ou agentes, não cumpriu, cabalmente, as tarefas que lhe competiam em matéria dos cuidados na construção e vigilância das pontes pedonais com vista a garantir a segurança das pessoas que nas mesmas circulavam, pelo que se tem de ter como ilícita a sua conduta;
9ª - Em (...), sobretudo no outono e inverno, existe uma forte pluviosidade, pelo que, encontrando-se a ponte em causa ao ar livre e sujeita aos fatores externos, não nos podemos conformar com “padrões médios de resultado" que impliquem a ocorrência de quedas quando tais fatores se conjugam, pelo que seria razoável “exigir ao serviço uma atuação suscetível de evitar (ou pelo menos minorar) os danos produzidos", não se podendo limitar tal atuação à ocorrência de "arranjos pontuais às pontes que ligam as margens da ria de (...) na mesma cidade" (resposta ao quesito 53)º; relembrando-se, porque importante e significativo se torna, que, menos de um mês decorrido da queda que vitimou o Autor, mais concretamente entre 9 e 29 de outubro de 2008, o Município de (...) introduziu substanciais e relevantes alterações na dita ponte, passando a mesma a ter degraus em toda a sua extensão, sendo que essas alterações, anulando os efeitos derivados da inclinação da ponte, fizeram com que a mesma se tornasse muito mais adequada ao trânsito pedonal, eliminando, ou pelo menos diminuindo consideravelmente, o risco de quedas de correntes de "derrapagens" verificadas, então está demonstrado à evidência que era possível e exigível uma atuação anterior suscetível de evitar os danos produzidos, o que, por si só, determina que se conclua pela existência do funcionamento anormal do serviço referido no art. 72, n2. 4 da Lei 67/2007, de 31 de dezembro;
10ª - Concluindo-se (como se tem forçosamente de concluir) pelo funcionamento anormal do serviço, então, por força do disposto no art. 92, n9. 2 da referida Lei 67/2007, de 31 de dezembro, também se terá de concluir pela verificação "in casu” do requisito da ilicitude, contrariamente ao referido na sentença proferida e ora em reapreciação;
11ª - Também o requisito da culpa se encontra verificado, dado que, pelo menos, o Réu Município terá agido com negligência ao, pelo menos à data do acidente ora em análise, não haver tomado e implementado as medidas e procedimentos adequados a evitar a perigosidade que o piso escorregadio das suas pontes pedonais representava nomeadamente para os seus cidadãos, nem tão pouco em sinalizar tal risco;
12º - Decidindo nos termos da douta sentença ora em recurso, o Tribunal "A Quo" violou o disposto nos arts. 607º, nº. 4 do C.P.C., violou o disposto nos arts. 7º e 9º da Lei 67/2007, bem como violou o disposto nos arts. 483º e seguintes do C.C., dos quais fez uma incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto (…)”.
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Notificados que foram para o efeito, os Recorridos não formularam contra-alegações.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão deste recurso jurisdicional, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu o parecer a que alude o nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões suscitadas pelo Recorrente resumem-se a saber se (i) deve ser alterada a matéria de facto fixada, bem como (ii) determinar se decisão judicial recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por afronta do disposto nos artigos 7º e 9º da Lei nº. 67/2007, de 31.12, e no artigo 483º do Código Civil.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos: (…)
A) O Município de (...), mediante acordo de seguro titulado pela Apólice n° 30.028.470/9301, transferiu para a Companhia (...), SA, a responsabilidade por danos patrimoniais diretos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros no exercício da sua atividade municipal.
B) No dia 22.09.2008, por volta das 10.15, quando o Autor atravessava uma das pontes de madeira, que faz a ligação entre as duas margens da ria na cidade de (...), mais concretamente entre o Centro (...) e o (...) de (...), escorregou e caiu.
C) A ponte, porque tinha chovido, encontrava-se molhada, com menor aderência.
D) O que causou a queda do Autor.
E) Na sequência da queda o Autor sofreu uma rotura total do tendão do quadricípite.
F) O autor foi socorrido pelo INEM que chegou ao local às 10.29.
G) A equipa do INEM transportou o Autor para o Hospital (...), EPE, em (...), onde foi assistido.
H) A partir de então o Autor foi seguido na especialidade de ortopedia, tendo-lhe sido diagnosticado “rotura total do tendão do quadricípite”.
I) Em 09.10.2008, o Autor foi submetido a intervenção cirúrgica para sutura do tendão e músculo.
J) O A., não obstante a fisioterapia e recuperação funcional que realizou, apresenta amiotrofia da coxa do membro inferior direito com a extensão de um centímetro.
L) O A. revela diminuição da força muscular quadricipital.
M) Em resultado das sequelas que o A. apresenta foi fixado em 4 pontos o défice funcional permanente de integridade físico-psíquico, tendo sido as sequelas sofridas pelo A. consideradas compatíveis com o exercício da atividade desempenhada à data do acidente, mas implicando esforços suplementares.
N) O A. sofreu dores.
O) O Autor, antes do acidente, era uma pessoa ativa.
P) O A. fazia jogging.
Q) O Autor, não obstante os seus 69 anos de idade (à data do acidente), era uma pessoa ativa, independente e com gosto pela vida.
R) O A. ia trabalhar para o Cazaquistão, tendo 69 anos de idade.
S) O A., no Cazaquistão, ia desempenhar as funções de encarregado, na área da soldadura, auferindo a quantia mensal de 9.000 €.
T) A viagem para o Cazaquistão estava marcada para o dia 22.09.2008.
U) O Autor, em virtude do acidente, não pôde viajar para o Cazaquistão.
V) O A. em face do acidente e consequente intervenção médica e tratamentos a que foi submetido não pôde ir trabalhar para o Cazaquistão.
X) Após a alta não foi trabalhar para o Cazaquistão.
Z) O A., em virtude do acidente ficou impossibilitado de trabalhar até ao final de maio de 2009.
A') Tendo deixado de receber € 2400, correspondente a 8 dias de setembro de 2008 (de 23 a 30 de setembro) e € 72.000,00 (correspondente a 8 meses, de outubro de 2008 a maio de 2009, inclusive.
B') O A. a partir de junho de 2009 foi trabalhar para a Áustria.
C') O A. é remunerado mensalmente, por força do trabalho que efetuou na Áustria, com a quantia de 4.000 €.
D'') O A., em virtude do acidente, necessitou de acompanhamento e tratamento médico, tendo gasto a quantia de 2.612,94 € em consultas médicas, tratamentos e medicamentos.
E'') Não foi aplicado nesta ponte, por parte do Município de (...), material anti- derrapante, para além da utilização de madeira exótica, estriada.
F'') Ocorreram já outras quedas nas pontes que ligam as duas margens da ria da cidade de (...), quando as mesmas se encontram molhadas, pela chuva.
G'') O Município de (...) procedeu à modificação da estrutura da ponte onde o A. caiu, dado a configuração inicial da mesma - com degraus apenas no lado sul - ser suscetível de indiciar ser a mesma acessível para pessoas com mobilidade reduzida.
H'') O Autor participou o acidente à Câmara Municipal de (...), em 17.07.2009.
I'') A Ré C., S.A. remeteu mensagem eletrónica na qual referiu que “...o sinistro participado não se enquadra no objeto do contrato.
J'') O Município de (...) teve conhecimento do sinistro com o envio pelo Mandatário do A. da carta datada de 20 de julho de 2009, na qual era o sinistro relatado e foi solicitado o pagamento da quantia de 84.707,59 €, a título de perdas salariais e despesas médicas.
L'') A madeira do pavimento é kambala, apresentando-se a madeira estriada, para facilitar o uso pedonal da mesma.
M'') O tipo de madeira usado destina-se a prevenir “derrapagens” dos utilizadores da ponte.
N'') São feitos arranjos pontuais às pontes que ligam as margens da Ria de (...) na mesma cidade.
O'') A reclamação apresentada pelo A. ao Município de (...) foi efetuada 10 meses após a queda do A..
P'') O uso de kambala com estrias possibilita maior aderência aos utilizadores.
Q'') A ponte em apreço destina-se ao uso pedonal.
Factos não provados:
Os referidos no despacho proferido em 28 de abril de 2014 (…)”.
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III.2 - DO DIREITO
Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas no recurso jurisdicionais em análise.
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I- Da pretendida modificação da matéria de facto coligida nos autos
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A primeira questão decidenda consubstancia-se em saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos pontos indicados pelo Recorrente.
Vejamos.
Do preceituado no nº. 2 do artigo 640º do CPC ressuma com evidência que, “sob pena de imediata rejeição do recurso”, deve o Recorrente “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 04.12.2015, no processo nº. 418/12.6BEPRT, cujo teor ora parcialmente se transcreve:“(…)
Como resulta do art.º 640, nºs. 1, b) e 2, a), do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar (dá-se aqui uma “ênfase redundante” nas palavras de Cardona Ferreira in Guia de Recursos em Processo Civil, 5º edição, pág. 167), os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, sendo que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Tem por objectivo responsabilizar as partes (princípio da auto-responsabilidade das partes), vedando-lhes a impugnação a decisão da matéria de facto como uma mera manifestação de inconformismo infundado – cfr. A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 3ª edição, 2010, Almedina, p. 159 – bem como garantir, para além do contraditório, a cooperação processual entre as partes e o Tribunal.
Cfr. Ac. RL, de 26-03-2015, proc. nº 183/13.0TBPTS.L1-2 [destaque nosso]:
«(…) o art. 640.º do CPC fixa o ónus de alegação a cargo do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto.
Desse ónus, consta, designadamente, a especificação obrigatória dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação nele realizada e da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art. 640.º, n.º 1, do CPC).
O estabelecimento desse ónus de alegação destina-se, fundamentalmente, a proporcionar o efetivo contraditório da parte contrária e, por outro lado, a facilitar a compreensão e decisão da impugnação pela Relação, que pode modificar a decisão de facto, nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC.
O incumprimento de tal ónus de alegação implica, sem mais, a rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto (art. 640.º, n.º 1, do CPC).».
Conforme se sumaria no Ac. deste TCAN, de 22-05-2015, proc. nº 132/10.7BEPNF [destaque nosso]:
I) – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente: (i) sob pena de rejeição, especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; (ii) sob pena de imediata rejeição na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados.
De igual forma no Ac. deste TCAN, de 28-02-2014, proc. nº 00048/10.7BEBRG [destaque nosso]:
I. Resulta do art. 685.º-B do CPC que quando se visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto o recorrente deve, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição do recurso, não só os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, como os concretos meios de prova constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizado, que impunham decisão diversa sobre a matéria de facto impugnada.
Igualmente no Ac. deste TCAN, de 22-10-2015, proc. nº 1369/04.3BEPRT, se lembra [destaque nosso]:
«Como já salientámos em casos idênticos (v. Acórdão do TCAN, de 22.05.2015, P. 1224/06.2BEPRT), as competências dos Tribunais Centrais Administrativos em sede de intervenção na decisão da matéria de facto encontram-se reguladas, por força da remissão do artigo 140.º do CPTA, nos artigos 640.º e 662.º do CPC/2013, que acolheram um regime que, de um lado, assume a alteração da matéria de facto como função normal da 2.ª instância e, do outro, não permite recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas admite a possibilidade de revisão de “concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente” (v. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 2014, 130). Neste contexto, recai sobre o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificar, por um lado, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e, por outro, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham decisão diversa da recorrida, quanto a cada um dos factos que entende que deviam ter sido dados como provados ou não provados, incluindo a indicação exata das passagens da gravação, no caso de depoimentos gravados (artigo 640.º do CPC) (…)”.
Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no recentíssimo Acórdão deste T.C.A.N. de 17.01.2020 [processo n.º 141/09.9BEPNF], consultável em www.dgsi.pt:
“(…) Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª ed., 2017, pág. 155 sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
O cumprimento dos referidos ónus tem, como adverte Abrantes Geraldes, a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações.
É que só na medida em que se conhece especificamente o que se impugna e qual a lógica de raciocínio expandido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a parte contrária a poder contrariá-lo em sede de contra-alegações.
A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de autorresponsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
(…)”.
Dúvidas, portanto, não podem subsistir que impõe-se ao apelante, sob pena de rejeição do recurso, que proceda à identificação: (i) dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; (ii) dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; (iii) da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, mais incumbindo-lhe, na eventualidade dos meios probatórios invocados como fundamento do erro terem sido objeto de gravação, (iv) indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes [al. a), do n.º 2 do art. 640º].
Volvendo ao caso recursivo em análise, logo se constata que o Recorrente coloca em causa, por via de depoimentos de testemunhas, que o Tribunal a quo possa dar como provado, como o fez, o que consta do quesito 50º da base instrutória.
De igual modo, e também por via testemunhal, procura infirmar a patenteada ausência de demonstração da factualidade vertida nos quesitos 11º, 16º, 34º e 37º da base instrutória.
Porém, o Recorrente não cumpre adequadamente o ónus de impugnação que lhe impedia, pois, não obstante faça referência aos pontos de facto que, no seu entender, se mostram como incorretamente julgados, certo é que não motiva, na exigência de lei, tal entendimento, desde logo, por falta de indicação com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
Efetivamente, exigindo-se no n° 2 do artigo 640º do C.P.C. que a impugnação se proceda com à indicação “(…) com exatidão [d]as passagens da gravação em que se funda o seu recurso (…), é para nós absolutamente insofismável que, com a simples enunciação dos depoimentos por referência à mera identificação de quem os prestou, desacompanhada da sinalização deles com referência ao início e termo de seu registo e da exata passagem da respetiva gravação em que funda a desconformidade da matéria de facto julgada, se não dá cumprimento ao particular ónus imposto à Recorrente nesse domínio.
E nestas situações, não tem lugar à aplicação do princípio pro actione, no sentido do convite ao aperfeiçoamento.
Efetivamente, como se decidiu no aresto do Tribunal da Relação de Guimarães, 29.09.2014, tirado no processo nº. de 81001/13.0YIPRT.G1, com plena mais valia para o caso em apreço:
(…) Cumpre também referir que esta rejeição parcial do recurso não deve ser precedida de despacho de aperfeiçoamento. Em primeiro lugar, porque é a própria lei que refere a rejeição deve ser imediata, ou seja, próxima, sem algo de permeio; em segundo lugar porque quando a lei do processo, sob o art.º 639º, nº 3, prevê, em sede de recurso, o dever funcional de prolação de despacho de aperfeiçoamento, fá-lo apenas relativamente às conclusões deficientes, obscuras, complexas ou quando nelas não se tenha procedido às especificações a que alude o anterior nº 2, e não também quanto às alegações propriamente ditas, sendo que, no caso sub judice, as insuficiência são comuns às alegações e às conclusões.
Dir-se-á ainda que a admitir a reapreciação dos depoimentos gravados nos termos em que ela é solicitada, estaria aberta a porta ao incumprimento de um dos pressupostos indispensáveis da impugnação da decisão em matéria de facto, obrigando a Relação à audição de toda a prova gravada em qualquer processo, com todo o esforço inútil que isso pode representar para o tribunal ad quem, tendo como contrapeso a desresponsabilização processual do recorrente. Assim se contrariaria absolutamente todo o sentido e o espírito do circunstancialismo jurídico que orientou os novos termos da admissibilidade do recurso em matéria de facto e o próprio art.º 640º, nº 2, al. a) que lhes dá corpo ao prever a imediata rejeição do recurso --- portanto, sem possibilidade de aperfeiçoamento --- quando é possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, como sempre é, e o recorrente não indica com exatidão as passagens da gravação em que se funda (…)”.
Pelo que impõe-se, desde já, rejeitar, por falta de requisitos, nos termos do art.º 640º, nº 2, al. a), o recurso na parte em que se impugna a decisão em matéria de facto, que assim se mantém inalterada.
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III- Do imputado erro de julgamento da matéria de direito, por afronta do disposto nos artigos 7º e 9º da Lei nº. 67/2007, de 31.12, e no artigo 483º do Código Civil
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Esta questão está veiculada nas conclusões 7º a 12º do recurso do Recorrente supra transcritas, substanciando-se na alegação, no mais essencial, (i) que, presente o acervo factual das alíneas B), C), D), E), F) e G) dos factos provados e, bem assim, o enunciado em termos do dever geral de diligência e cuidado na conservação das instalações do Réu Município de (...), outra solução não teremos senão a de concluir, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, que se mostra verificado o requisito da ilicitude que se mostra acolhido no artigo 9º da Lei nº. 67/2007, de 31.12, (ii) para além do que a conduta do Réu enquadra-se ao nível do nº. 4 do artigo 7º da mesmo diploma, que configura o funcionamento anormal do serviço.
Vejamos.
Sobre o erro de julgamento de direito que ora nos prende a atenção, importa que se comece por convocar, no que ao direito concerne, o que se discorreu na 1ª instância:
“(…)
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas - responsabilidade que importa apurar dado estarem em causa, nos termos alegados, atos ou omissões imputados ao Município R. - encontra-se regulada na Lei n° 67/2007, de 31 de dezembro - diploma que revogou o D.L. n.° 48051, de 21 de novembro de 1967 - sendo aquele o diploma aplicável, dado a queda do A. ter ocorrido no dia 22 de setembro de 2008.
No que respeita à responsabilidade civil por atos ilícitos e culposos preceitua o artigo 7° n°1 do referido diploma legal que “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.”
De acordo com o n° 1 do artigo 8° do diploma em apreço “os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, por eles cometidas, com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles que estavam obrigados em razão do cargo.”, referindo o n° 2 do preceito em apreço que “o Estado e demais pessoas coletivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os respetivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as ações ou omissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício.”
Por sua vez, nos termos do art. 9° do referido corpo legislativo “consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.”
De acordo com o artigo 10°, ainda da Lei supra referida, “a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.”, sendo que, de acordo com o n° 2 do preceito em apreço, “sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos.”
A responsabilidade civil da Administração por facto ilícito assenta, assim, em pressupostos idênticos aos enunciados no artigo 483.° do Código Civil, e que são: O facto
A ilicitude
A culpa
O dano
O nexo de causalidade entre o facto e dano
Assim sendo, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos, pressupõe a existência de um facto ilícito, imputável a um órgão ou agente e a existência de danos que tenham resultado como consequência direta e necessária daquele.
Importa agora, de forma sucinta, averiguar como se efetua a transposição destes pressupostos nos casos de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoa coletivas públicas por atos ilícitos e culposos.
Nos termos do art. 9° n° 1 da Lei 67/2007, de 31 de dezembro “consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.”
Assim, o ato ilícito pode integrar quer um ato jurídico quer um ato material, podendo consistir um comportamento ativo ou omissivo, sendo que, neste último caso, a ilicitude apenas se verifica quando exista, por parte da Administração, a obrigação, o dever de praticar o ato que foi omitido.
Naturalmente que a responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas públicas só se verifica se os atos ou omissões tiverem sido praticados pelos titulares dos seus órgãos ou agentes no exercício das suas funções e por causa desse exercício, ou seja, quando estivermos perante atos funcionais.
No que tange à culpa, dispõe o artigo 10° do diploma anteriormente referido que “a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.”, sendo que, de acordo com o n° 2 do preceito em apreço “sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos.”
A culpa será aferida pela diligência exigível a um funcionário ou agente típico, ou seja, um funcionário ou agente zeloso que atua com respeito pela lei.
Da aplicação do disposto no artigo 487.° do Código Civil, à matéria dos autos, resulta que é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão.
Por último, importa fazer sucintas considerações acerca do nexo de causalidade entre o facto e o dano, sendo necessário referir, desde logo, que o mesmo só se verifica quando, dos factos apurados, se possa concluir que a conduta imputável aos funcionários e agentes da administração é, em abstrato, idónea para a produção do dano, ou seja, quando há uma relação direta e necessária entre a conduta do lesante e os danos causados ao lesado, sendo legítima tal conclusão sempre que o resultado dessa conduta seja previsível.
Com o fito de aferir, em cada caso concreto, da verificação do nexo de causalidade há que recorrer à matéria de facto assente e integrá-la de acordo com as normas legais.
Assim, preceitua o artigo 563.° do Código Civil que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.” Adotou, o legislador, a doutrina da causalidade adequada, nos termos da qual o lesante apenas responde pelos danos causados na justa medida em que a sua conduta foi adequada à produção dos mesmos, sendo de excluir os danos que tiveram lugar fruto de uma circunstância extraordinária, ou para os quais a conduta do agente não se revela apta a produzir os mesmos, devendo, para apurar se estamos perante uma ou outra situação, fazer-se apelo às regras de experiência comum ou, dito de outro modo, à aptidão abstrata que a conduta do lesante revela para que possa ser considerada como causa do dano.
Importa agora, face às considerações supra descritas, efetuar a subsunção dos factos às normas.
No caso em apreço apurou-se que no dia 22 de setembro de 2008 quando o A. atravessava uma das pontes de madeira que faz a ligação entre as duas margens da ria na cidade de (...), mais concretamente a que faz a ligação entre Centro (...) e o (...) (...), escorregou e caiu, queda motivada pelo facto de a ponte, porque tinha chovido, se encontrar molhada, com menor aderência.
Contudo, o que o A. não provou - ou previamente alegou - foi que a queda que originou os danos cujo ressarcimento peticionou tenha sido originada por ação ou omissão de órgãos ou trabalhadores do R. Município - não foi alegado, por exemplo, que a concepção/construção da ponte viole qualquer norma de segurança ou que existisse qualquer de sinalizar o perigo de queda para quem circulasse na ponte em apreço - não tendo o A. logrado provar a existência do alegado dever, por parte do R., de aplicar, no piso da ponte, qualquer material antiderrapante destinado a prevenir quedas de quem utilize a referida ponte, não tendo os factos apurados permitido concluir pela violação de qualquer dever de conservação da ponte em apreço. Pelo contrário, o que se provou foi que o piso da ponte onde o A. caiu é em madeira kambala estriada, sendo que a utilização de tal espécie de madeira “exótica”, com estriamento, possibilita maior aderência aos utilizadores. Assim o que se apurou foi, apenas, que a queda se deveu ao facto de o piso da ponte se encontrar com menor aderência, dado ter chovido, sem que se possa imputar tal queda a qualquer ação ou omissão ilícita por parte do R. - é sabido que os pisos em madeira, à semelhança, por exemplo, do que acontece com a “calçada portuguesa” perdem aderência quando se encontram molhados - pelo que não tendo sido apurado o requisito da ilicitude (por ação ou por omissão) da atuação dos órgãos ou trabalhadores do R., a presente ação deve improceder, dado não se mostrar preenchido um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, que são de verificação cumulativa.
(…)”.
Perlustrando a fundamentação vertida na sentença recorrida, adiante-se, desde já, que não vislumbra razão para divergir do ali decidido.
Com efeito, por intermédio da presente ação, pretende o Autor que seja, fundamentalmente, o Réu Município de (...) seja condenado a pagar o valor peticionado nos autos.
Estriba a sua pretensão jurisdicional, brevitatis causae, no direito de indemnização emergente da queda sofrida pelo Autora no ponte pedonal descrita nos autos, cuja ocorrência imputa a comportamento negligente do Réu Município de (...), por omissão do seu dever de cuidado, de zelo e de conservação da estruturas a seu cargo, que faz decorrer da falta de aplicação de um qualquer produto antiderrapante na referida ponte pedonal que evitasse a derrapagem e consequente queda do Autor.
No quadro que se vem de transcrever, resulta cristalino que, para que procedesse a pretensão do Autor, era necessário demonstrar-se que a queda descrita nos autos ficou-se a dever a uma omissão dos deveres de falta de fiscalização, conservação e reparação das estruturas a seu cargo, totalmente derivada da omissão de aplicação de material antiderrapante na ponte pedonal onde ocorreu a queda descrita nos autos.
Todavia, como veremos de seguida, o A. fracassou na demonstração de tal realidade.
Na verdade, traduzindo-se a ilicitude num juízo de antijuridicidade incidente sobre a conduta geradora do dano, esta considerada objetivamente, como negação dos valores tutelados pela ordem jurídica, carecia a alegação do Autor em torno da obrigatoriedade de aplicação de material antiderrapante por parte do Réu na referida ponte pedonal de melhor densificação e justificação, só alcançável mediante a enunciação do concreto normativo legal ou regulamentar ou regra de ordem técnica donde o Autor faz derivar a existência do referido dever de aplicação de material antiderrapante, o que não veio a suceder.
Poder-se-á, todavia, objetar, que esta alegação é sempre integrável no dever mais geral de cuidado que impede sobre o 2º Réu no que toca aos deveres que sobre si impedem de conservação, reparação e manutenção das condições de segurança das estruturas a seu cargo.
Todavia, ainda que assim fosse, o que é verificável é que o Tribunal a quo, em resposta à matéria de facto relevante para a presente causa, não obstante tenha dado como provado que não foi aplicado nesta ponte material antiderrapante, deu como provado que a madeira do pavimento é kambala, apresentando-se a madeira estriada, para facilitar o uso pedonal da mesma, destinando-se este tipo de madeira a prevenir “derrapagens” dos utilizadores da ponte.
O que permite concluir, com toda segurança e legitimidade, que, na conceção e construção da ponte pedonal, foram utilizadas técnicas de construção destinadas a proteger o cidadão em geral de eventual quedas motivadas por derrapagem, ou seja, do cumprimento das regras gerais de cuidado em matéria das condições de segurança da estruturas a cargo do Réu.

Nestas condições de operacionalidade, e à luz da teoria da causalidade adequada e da factualidade vertida nas alíneas B) e C) do probatório coligidos nos autos, poderemos concluir que, em termos de normalidade, “em abstrato” [Almeida Costa, pág. 707], segundo “as regras ordinárias da experiência” [Vaz Serra, loc. cit., pág. 79], quer dizer, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, se revela, à face da experiência comum, que a queda descrita nos autos adveio da especial circunstância do piso da ponte relevar menor aderência, dado ter chovido, sem que, contudo, se possa imputar tal queda a qualquer ação ou omissão ilícita por parte do Réu.
De facto, não se pode escamotear a evidência, como bem se salientou na sentença recorrida, “(…) os pisos em madeira, à semelhança, por exemplo, do que acontece com a “calçada portuguesa” perdem aderência quando se encontram molhados (…)”.
Esta aptidão abstrata para ter constituído condição da queda descrita nos autos como causa adequada da mesma se se demonstrasse que ela ocorrera, efetivamente, por outra causa que não é essa, como a invocada violação de um dever de aplicação de material antiderrapante na ponte pedonal por parte do 2º Réu.
Todavia, como se viu supra, tal não sucedeu.
Quer isto tanto significar que falece a imputação ao 2º Réu da prática de qualquer ato ou a omissão de comportamento devido no que concerne aos deveres de fiscalização, conservação e reparação das estruturas a seu cargo, tudo no âmbito do sinistro descrito nos autos.
Assim sendo, e considerando que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado [art.º 342º, n.º 1 do Código Civil], não resta outra alternativa que não a de concluir, sem necessidade mais discussão, que não está evidenciada nos autos a tese do A. no plano do requisito da ilicitude e da culpa.
Logo, e sopesando os pressupostos de que depende o direito a uma indemnização que, reitera-se, são de verificação cumulativa, assoma como evidente que o 2º Réu não pode ser considerado civilmente responsável pelos danos sofridos pelo Autor, na medida em que faltam os pressupostos apontados, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à pretensão do A. no âmbito da presente ação.
Bem andou, pois, o MMº. Juiz a quo ao também decidir de acordo com o que se vem de expender.
No demais invocado, saliente-se que não são aceitáveis as conclusões formuladas pela Recorrente no sentido da configuração da causa no âmbito do “funcionamento anormal dos serviços” referido no artigo 7º, nº. 4 da Lei nº. 67/2007, de 31.12.
Efetivamente, consubstanciando as referidas alegações “questões novas”, apenas tratadas em sede de Recurso, não tendo sido invocada nem tratada anteriormente, nunca as mesmas teriam a virtualidade de se mostrar procedentes.
Como se sumariou, entre muitos outros, no Acórdão deste T.C.A.N nº 613/17.1BEBRG, de 04.10.2017 “A decisão proferida em 1ª instância não pode ser revista em recurso jurisdicional com fundamento em questão nova. Os recursos jurisdicionais destinam-se a rever as decisões proferidas pelo tribunal recorrido, não a decidir questões novas. Com efeito, os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. Assim, não pode em sede de recurso conhecer-se de questão nova, que não tenha sido objeto da sentença pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores e não a decidir questões novas, não colocadas a esses tribunais, ficando, assim, vedado ao Tribunal de recurso conhecer de questões que podiam e deviam ter sido suscitadas antes e o não foram (…)”.
No mesmo sentido, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec. 112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 2911.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1.
Assim sendo, constituindo a matéria que se vem de referir, inquestionavelmente, questões novas, nos termos acima caracterizados, não pode assim ser apreciada.
Deste modo, à luz do que ora se vem de expor, é mandatório concluir pela improcedência do erro de julgamento de direito imputado à decisão recorrida.
Concludentemente, improcedem as todas conclusões de recurso em análise.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida.
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, e manter a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 31 de janeiro de 2020,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Fernanda Brandão
Hélder Vieira