Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01761/09.7BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/22/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:AJUDAS COMUNITÁRIAS; AUTO-VINCULAÇÃO
Sumário:I- A atribuição das ajudas comunitárias está, naturalmente, sujeita a controle, no que se refere à regularidade da utilização das contribuições postas à disposição das diversas entidades concorrentes.

II- A partir do momento em que a Administração, no uso de poderes discricionários, se auto-vincula a uma determinada solução, as regras assim estabelecidas passam a ser vinculadas para a resolução da situação em concreto.

III- Se a entidade recorrida refere que só considera que as irregularidades superiores a 2% afectam de modo substantivo a justificação do subsídio, e se conclui que o montante das irregularidades não foi além de 0,83 %, tem de proceder o recurso, uma vez que ocorre erro nos pressupostos de facto.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:MP & Companhia SA
Recorrido 1:Ministério da Economia e da Inovação
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
MP & Companhia SA vem interpor recurso do Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datado de 05 de Junho de 2014, que julgou improcedente a acção administrativa especial intentada contra o Ministério da Economia e da Inovação e o IAPMEI – Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação IP (absolvido da instância) e onde era solicitado que devia:

“…ser anulado o acto administrativo praticado pelo Gestor do COMPETE, Sr. Dr. Nelson de Souza que revogou a decisão de aprovação do projecto n.º 00/19680;

Ou, caso assim não se entenda, sempre deverá ser anulado parcialmente o acto praticado, mantendo-se revogado o financiamento apenas quanto às horas do curso “ modelação Assistida por Computador” que sofreram alterações nos dias constantes da fundamentação anexa ao acto (…);

Ou ainda, sempre sem prescindir, sempre deverá ser anulado parcialmente o acto praticado, só podendo manter-se revogado o financiamento na parte em que o IAPMEI alega terem existido sobreposições nos Cursos envolvidos (…)

A recorrente, nas suas alegações, apresentou as seguintes conclusões:

I) Com o presente recurso, a Recorrente pretende que seja revogado e substituído o acórdão de primeira instância proferido pelo colectivo de juízes do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a acção intentada, por entender que o mesmo, assente em premissas formais e influenciada por precedentes judiciais inteiramente distintos da situação dos presentes autos, é injusto.

A matéria de facto incorrectamente dada como provada/ampliação e redução da matéria de facto:

II) Tendo o tribunal a quo afirmado, no seus despachos de 22/03/2012 e 20/11/2012, que não existiam factos controvertidos tendo em conta os documentos constantes dos autos, então, é porque os factos alegados pela Recorrente – e que se assumem essenciais para a boa composição do litígio, tendo em linha de conta aquilo que constitui o objeto do processo, a causa de pedir e o pedido deduzido – teriam de vir a ser dados como provados, em momento e sede próprios, isto é, no momento da prolação do acórdão.

III) A Recorrente entende que a matéria constante dos artigos 57, 58, 68, 69, 70, 73, 74, 75, 77, 78 (início), 81, 82, 83 (início), 85, 86, 87, 88, 90, 91, 92, 95, 96, 106 e 107 da p.i. foi incorrectamente julgada, porquanto os documentos juntos aos autos, concretamente, a fls. do Processo Administrativo (nomeadamente, fls. 792 e ss.), documentos juntos com a p.i. [doc. n.º1 (o acto admn.), doc. n.º5 (os pedidos de substituição e o registo de ocorrências) e doc. n.º6 (cronograma)] e documentos juntos com a contestação (docs. n.ºs 2, 4, 6, 8, 10, 12, 14, 16, 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 38, 40, 42, 44, 51 e 52), impunham que os mesmos tivessem sido dados como provados, ou seja, impunham decisão diversa da recorrida.

IV) Impunha-se que tribunal a quo colocasse em evidência a factualidade documentada nos elementos referidos na alínea N) da matéria de facto.

V) Por conseguinte, conjugados de forma crítica todos os documentos e os factos alegados, o tribunal a quo deveria ter considerado provada a seguinte factualidade, a qual deverá, em conformidade, ser aditada à matéria de facto assente:
- Alínea O): As sessões do Curso “MS Office”, ministradas por MG, inicialmente calendarizadas para os dias 01/08/2007 e 08/08/2007, tiveram lugar nos dias 03/08/2007 e 09/08/2007, das 17h30 às 19h30, a pedido daquele formador, feito em 27/06/2007;
- Alínea P): Esta alteração de datas encontra-se registada na ficha de ocorrência de formato normalizado;
- Alínea Q): O curso de “Modelação Assistida por Computador” foi ministrado por AOL, no período de 01/02/2007 a 13/04/2007, entre as 15h30 e as 18h30;
- Alínea R): Este curso esteve inicialmente calendarizado para os mesmos dias de formação, mas para o seguinte horário: das 14h00 às 17h00;
- Alínea S): As folhas de sumários/presenças foram elaboradas pela empresa EUROCONSULT, antes da formação ocorrer, e a hora delas constante “das 14:00 às 17:00” encontra-se em formato dactilografado.
- Alínea T): Os formandos CAPR e MPR estiveram presentes em todas as sessões do curso referido na alínea Q) e durante toda a duração das mesmas.
- Alínea U): No âmbito do projecto referido na alínea A) foram realizados 13 cursos e ministradas 10251 horas de formação.

VI) Sem prescindir, para o caso de se entender que o acórdão recorrido não cuidou da factualidade relevante para a decisão da causa, tendo havido erro de julgamento, sempre deverá ser anulada a decisão e ordenada a baixa do processo para repetição do julgamento.

VII) Acresce que o facto dado como provado na alínea C) da matéria de facto deve ser subtraído por não ser facto fundamento do acto anulando, dado que o Réu Recorrido aceitou a justificação apresentada pela Recorrente logo na fase do procedimento administrativo.

VIII) E tendo o acórdão recorrido invocado expressamente aquele facto para concluir que à Recorrente não assistia razão, facilmente se compreende que este ponto da matéria de facto indevidamente considerado fez o tribunal recorrido incorrer em erro de julgamento.

Erro de julgamento - Falta de Fundamentação:

IX) Não foi dado cumprimento ao artigo 23.º/1/n) da Portaria 799-B/2000, 20/09: a entidade Recorrida não explicou como é que as alegadas desconformidades afectaram de modo substantivo o processo formativo, nem resulta do acto administrativo qual a percentagem de erro da Recorrente, nem sequer qual o valor de todo o projecto total.

X) Ao tribunal é vedado aceitar que um acto se encontra fundamentado apenas porque a entidade administrativa afirma um facto, sem, contudo, o demonstrar, pelo que o tribunal não pode tomar como bom, certo e inelutável que houve desconformidades superiores a 2%, sem que a entidade recorrida refira o valor concreto de tais desconformidades e explique como chegou a esse valor.

XI) Pelo que se acaba de dizer, o acórdão recorrido violou o artigo 23.º/1/n) da Portaria 799-B/2000, de 20/09, o artigo 7.º/c do Decreto Regulamentar n.º 12-A/2000, de 15/09 e os artigos 124.º/1/e), 125.º e 135.º do CPA.

XII) Tais normas deveriam ter sido interpretadas no sentido de que a entidade Recorrida deveria ter dado a conhecer à Recorrente o sentido e motivação do acto, apresentado uma premissa factual descritiva do erro em questão; sem isso, a Recorrente ficou sem se poder defender convenientemente, daí que o acto administrativo não possa deixar de ser sancionado com o vício de falta de fundamentação.

XIII) Incorreu o acórdão recorrido em erro de julgamento ao não ter apreciado devidamente o acto administrativo sindicado que enferma do vício de falta de fundamentação e que, por isso, deve ser superiormente anulado – como se peticiona.

Erro de julgamento – Erro nos Pressupostos de Facto:

XIV) Em primeiro lugar, deve apartar-se o estigma existente quanto à alteração de horários da formação, pois, como se sabe, é normal que os horários tenham de ser alterados, sem que isso signifique quebra de confiança ou actuação fraudulenta dos promotores.

XV) Em segundo lugar, importa não perder de vista que, de um universo de treze (13) cursos realizados, apenas houve alterações em dois (2) deles; no curso de MS Office apenas foram alterados dois (2) dias de formação (4 horas) e, no curso de Modelação Assistida por Computador, apenas foi alterada a hora de início do curso, que não começou às 14h00, mas sim às 15h30, tendo-se estendido até às 18h30 e cada jornada, ao invés de acabar às 17h00 (assim, 22 sessões x 1,5 horas = 33 horas).

XVI) Foi ao abrigo do artigo 100.º do CPA, que a Recorrente, com o direito a ser ouvida antes de ser tomada a decisão final, levou ao conhecimento da autoridade Recorrida os elementos que faziam parte do processo técnico/pedagógico e que eram capazes de inverter o sentido provável da decisão, a saber: cronograma, fichas de ocorrências e pedido de substituição de horário.

XVII) Estes elementos, de formato normalizado, assumem uma função complementar e são permitidos pelo regime jurídico do financiamento em causa, não sendo lícito que se lhes retire o seu valor apenas porque não foram enviados no momento do pedido de pagamento.

XVIII) Se assim fosse, a fase de audição prévia perdia o seu objecto, caducando pela praxis. Não foi essa a intenção do legislador.

XIX) Em todo o caso, assume especial relevância no caso dos presentes autos, destacar que a Recorrente só alterou aspectos pontualíssimos e em apenas 2 cursos num universo de 13 cursos, ou seja, 4 horas + 33 horas = 37 horas, num universo de 10251 horas realizadas!

XX) O acórdão recorrido fez uma errada interpretação dos artigos 87.º, 90.º e 100.º do CPA, do artigo 19.º/1 do Regulamento Específico dos Apoios à Qualificação dos Recursos Humanos, anexo à Portaria n.º 1285/2003, de 17/11 com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 1318/2005, de 26/12, actual artigo 413.º (ex-515.º) do CPC e dos “pedidos de substituição de horário” e “registo de ocorrências”.

XXI) O artigo 19.º/1 da Portaria n.º 1285/2003, de 17/11, alterado pela Portaria n.º 1318/2005, de 26/12, devia ter sido interpretado no sentido que as entidades promotoras estão obrigadas a comunicar quaisquer alterações ou ocorrências que ponham em causa os pressupostos ou critérios de selecção que presidiram à aprovação do pedido de financiamento, concretamente, os que se encontram referidos nos artigos 6.º, 7.º e 8.º da mesma Portaria e não as alterações de horários de formação que nada têm a ver com a aprovação do financiamento.

XXII) Os artigos 87.º, 90.º e 100.º do CPA deveriam ter sido interpretados no sentido de que, na fase da audiência prévia, momento integrante do procedimento administrativo, a Recorrente podia enviar qualquer elemento probatório que pudesse contrariar o projecto de decisão da entidade Recorrida, nomeadamente, qualquer documento que compusesse o processo técnico/pedagógico, a saber, os cronogramas, as fichas de ocorrências ou os pedidos de substituição de horário.

Sem prescindir,
Erro de julgamento – Erro nos Pressupostos de Direito:

XXIII) Não andou bem o tribunal recorrido ao julgar que o processo técnico/pedagógico se confunde com o processo formativo, dado que são realidades diferentes.

XXIV) A alínea n) do n.º 1 do artigo 23.º da Portaria acima referida, enquanto fundamento da revogação do financiamento, refere-se a “declaração inexacta sobre o processo formativo que possa afectar, de modo substantivo, a justificação do subsídio”. Por seu turno, alínea f) do n.º 2 do artigo 18.º da mesma Portaria é que se refere às folhas de sumário e de presença e estas é que fazem parte integrante do processo técnico/pedagógico.

XXV) Como elemento sistemático determinante da bondade e assertividade desta conclusão, a Recorrente chama a atenção para o recente regime do artigo 44.º do Dec.-Reg. n.º 84-A/2007, de 10/12, diploma que revogou o artigo 23.º da Portaria n.º 799-B/2000 e que regula a matéria em causa.

XXVI) O acórdão recorrido violou o regime dos artigos 18.º e 23.º, n.º 1, alínea n) da Portaria 799-B/2000, de 20/09, conjugado com o que se encontra preceituado no artigo 44.º do mais recente Dec.-Reg. n.º 84-A/2007, de 10/12, porquanto deveriam ter sido interpretados no sentido de serem duas realidades distintas, com nomen iuris e regimes jurídicos diferentes.

XXVII) O acima citado artigo 23.º/1/n) devia ter sido interpretado no sentido de não permitir que o financiamento seja integralmente revogado apenas por ter havido alteração de horários da formação e essa alteração constar dos acima referidos documentos complementares às folhas de sumário/presenças.

XXVIII) Em todo o caso, o tribunal recorrido deveria ter decidido no sentido de as folhas de sumário/presenças não fazerem parte do processo formativo tal como referido no artigo 23.º daquela Portaria, mas sim no processo técnico/pedagógico do artigo 18.º do mesmo diploma legal.

XXIX) Para tanto, bastava atender a que a ‘inexistência absoluta de processo técnico-pedagógico’ não pode ter a mesma sanção que “uma mera declaração inexacta” dele constante.

Ainda e sempre sem prescindir,
Erro de julgamento – Erro nos Pressupostos de Direito:

XXX) Por outro lado e, numa primeira perspectiva, o douto acórdão recorrido não podia ter validado a actuação da entidade recorrida, entendendo que a mesma respeitara os limites legais por invocar uma qualquer Decisão CE acerca das Orientações relativas ao Encerramento das Intervenções dos Fundos Estruturais, pois do acto anulando apenas se infere que uma qualquer decisão da CE refere como limite máximo de admissão de erros 2% das despesas controladas e que o erro máximo admissível, apurado com base no volume de formação, para os projectos em fase de encerramento não pode ser superior a 2%, assumindo-se que, acima deste limiar, os projectos não obedecem a parâmetros de fiabilidade aceitáveis no âmbito das intervenções estruturais.

XXXI) Melhor dizendo, do acto anulando não se infere qual o erro da Recorrente; daí que o tribunal recorrido não pudesse validar a actuação do Ministério Recorrido.

XXXII) Com o devido respeito, aceitar e tomar por boa esta actuação da entidade Recorrida equivale a violar os elementares princípios do Estado de Direito Português, concretamente, o direito de defesa da Recorrente e a obrigação de as entidades administrativas fundamentarem, de facto e de direito, as decisões que aplicam aos cidadãos.

XXXIII) O Acórdão recorrido concluiu no sentido de a entidade Recorrida se ter socorrido do limiar de 2% para densificar o conceito indeterminado de ‘afectação substantiva da justificação do subsídio’, mas, com o devido respeito, nada disso decorre do acto anulando.

XXXIV) Em segundo lugar, não se vislumbra que o tribunal recorrido tenha aferido “o cumprimento da legalidade em termos de exigências legais de fundamentação e da observância dos princípios gerais que regem a actividade administrativa”. Na verdade, não se pode aceitar que o Tribunal tenha aferido do cumprimento da legalidade se do próprio acto sindicado não resulta qual a margem de erro da Recorrente; o acórdão recorrido deve, por isso, ser sancionado superiormente.

XXXV) Em terceiro lugar, mal andou ainda o tribunal a quo ao recusar-se a controlar o exercício de um poder discricionário por parte da entidade Recorrida.

XXXVI) Sabendo-se que os tribunais podem sindicar a actuação da administração, mesmo que inserida no exercício de poderes discricionários e que a interpretação e a aplicação dos conceitos indeterminados é sempre uma actividade da administração vinculada à lei, pois caracteriza sempre situações em que apenas há uma solução justa e que a tarefa de interpretação e aplicação de conceitos legais indeterminados representa sempre uma mera actividade de reconhecimento ou constatação de uma realidade existente (neste sentido, António Francisco de Sousa, na sua obra “Conceitos Indeterminados no Direito Administrativo”, Almedina, 1994), com o devido respeito, é de rejeitar a decisão recorrida na medida em que se recusou a avaliar se a actuação da entidade administrativa respeitara os limites impostos pelo artigo 23.º, n.º1, alínea n) daquela Portaria, no que à apreciação da “afectação de modo substantivo da justificação do subsídio” concerne.

XXXVII) O tribunal a quo não podia ter deixado de perceber que a aplicação da sanção de revogação da aprovação do financiamento assentou em pressupostos que não existiam, tendo assim incorrido em erro de julgamento.

Sem prescindir
Erro de julgamento - Violação do Princípio da Proporcionalidade:

XXXVIII) De todo o modo, a Recorrente não se conforma ainda com a decisão recorrida por, com o devido respeito, não conceber que o tribunal se tenha posto à margem da decisão tomada pela entidade Recorrida, afirmando ser o legislador que impõe a revogação da decisão de aprovação do pedido de financiamento, caso existam desconformidades, assim entregando a tarefa da descrição, quantificação e qualificação das desconformidades à entidade Recorrida, a qual, sob o escudo da ‘discricionariedade técnica’, acaba por actuar à margem de qualquer sindicância judicial.

XXXIX) O tribunal tem o poder de apreciar casuisticamente a situação e de, em conformidade com o procedimento legal adequado, aquilatar sobre se a decisão respeitou a realidade dos pressupostos de facto, bem como se ocorreu violação dos princípios gerais de direito, tal como o princípio da proporcionalidade, em sentido amplo e em sentido estrito.

XL) Assim, quando se pede a um juiz uma apreciação da situação sob o ponto de vista do cumprimento do princípio da proporcionalidade, o que se pretende é que o juiz averigúe da razoabilidade, proporcionalidade e necessidade da medida administrativa tomada.

XLI) Tendo presente que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível, o juiz deve ainda avaliar se a medida era necessária, exigindo-se a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não era possível adoptar outro meio menos gravoso; o juiz deve ainda analisar se a medida é apropriada à prossecução do fim a ela subjacente, controlando a relação de adequação ‘medida-fim’; e, finalmente, chegando à conclusão da adequação e necessidade da medida, mesmo neste caso deve o juiz perguntar se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à carga coactiva da mesma.

XLII) Na situação sub iudice, ainda que se pudesse concluir pela apropriação da medida como sanção, o controlo judicial soçobraria na análise da exigibilidade ou necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, pois podia ter sido adoptado outro meio igualmente eficaz e menos desvantajoso para a Recorrente: a revogação da parte do financiamento supostamente afectado pelas desconformidades.

XLIII) O tribunal recorrido devia, assim, ter interpretado a alínea n) do n.º1 do artigo 23.º da Portaria n.º 799-B/2000, em conjugação com os artigos 18.º/2 e 266.º da CRP e artigo 5.º/2 do CPA, no sentido de a revogação de parte do financiamento ser uma medida igualmente eficaz ao fim pretendido, a saber, que não se financie a parte em que houve ‘desconformidades’ (mas menos gravosa e sem que seja desproporcional).

XLIV) A decisão judicial que aceitou a revogação integral do financiamento assume-se injusta por se tratar de medida injuntiva desproporcional, aquela que obriga à devolução integral do financiamento, devendo, por isso, o acórdão recorrido ser substituído por outro que decida no sentido de dever ser revogado apenas parte do financiamento (concretamente, o financiamento concedido para 2 dias de curso de MS Office e o financiamento concedido para 1h30 de cada uma das 22 sessões do curso Modelação Assistida por Computador ou, quando muito, a ser revogado o financiamento concedido para estes concretos dois cursos, na sua totalidade).

XLV) Sem prescindir, a alínea n) do n.º1 do artigo 23.º da Portaria n.º 799-B/2000, de 20/09, quando interpretada no sentido de que qualquer declaração inexacta, incompleta ou desconforme sobre o processo formativo ou no sentido de que as declarações inexactas, incompletas ou desconformes sobre o processo formativo, se superiores a 2% de erros das despesas controladas, dão lugar à revogação integral da decisão de aprovação do financiamento, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade em sentido amplo e dos seus subprincípios da conformidade, da exigibilidade e da proporcionalidade em sentido estrito.

Erro de julgamento – a alegada percentagem fundamento de resolução:

XLVI) Sempre sem prescindir, o douto acórdão recorrido decidiu ainda injustamente ao tomar como certo que a Recorrente tinha ultrapassado uma percentagem de erro de 2%, pois “feitas as contas” a Recorrente concluiu que nunca a ultrapassaria.

XLVII) Em termos de “despesa controlada” (isto é, de relevância em termos de valor do financiamento) a haver erro, 86 horas (66 + 20) equivaleriam a 0,48% do valor total da formação (ou seja, inferior a 2%). Em termos de “horas envolvidas” (86 horas) o erro equivaleria assim a 0,84% (0,20% + 0,64%). Alternativamente, em termos de “reflexo no número de horas total de formação”, 20 horas + 132 horas, apenas equivaleriam a um “erro” de 1,48%.

XLVIII) Fosse como fosse, a Recorrente não ultrapassaria os 2% do erro, de tal forma que a decisão de revogação da aprovação do financiamento sustentada na alínea n) do n.º 1 do artigo 23.º da Portaria n.º 799.º-B/2000, deveria ter sido anulada pelo tribunal recorrido.

O Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, não se pronunciou nos autos.

As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:

— se ocorre erro de julgamento no que se refere a matéria de facto dada como provada e erro de julgamento de direito, pelo Tribunal a quo por concluir que não ocorrem os vícios invocados ao acto impugnado.

Cumpre decidir.

2– FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – DE FACTO
Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:
A. Em 14.07.2006, pelo Gestor do PRIME foi proferida decisão de homologação do Projecto de formação profissional n.º 00/19680 apresentado pela autora, consistente na realização de 15 cursos destinados a 146 formandos, abrangendo a totalidade dos trabalhadores da empresa, ou seja, 34 trabalhadores, representando os conteúdos programáticos um total de 1.738 horas, correspondentes a um volume de formação de 11.622 horas, em horário laboral e pós-laboral - cfr. fls. 236 do PA apenso (pasta 1).

B. Em 07.08.2006, os responsáveis da autora subscreveram “Termo de aceitação” relativo à candidatura n.º 00/19680 com o seguinte teor – cfr. fls. 249 e ss. do PA apenso (pasta 1): “1. Nos termos do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto Regulamentar n.º 12-A/2000, de 15 de Setembro, em conjugação com o n.º 3 do artigo 17.º do Regulamento Específico publicado pela Portaria n.º 1318/2005, de 26 de Dezembro, que regulamenta os apoios do Fundo Social Europeu (FSE) no quadro do Programa de Incentivos à Modernização da Economia (PRIME), vem a entidade titular do pedido de financiamento para a formação, declarar que tomou conhecimento da decisão de aprovação acima indicada, a qual se aceita, e que tendo-se verificado alterações à realização da formação aprovada, se compromete a remeter a correspondente informação de acordo com o sistema de informação regular definido 2. Mais se declara (…) b) Que se tem perfeito conhecimento e se aceitam todas as obrigações decorrentes da concessão do financiamento público à formação ora apoiada, designadamente: b.1) assumindo-se o compromisso de garantir a organização e actualização dos processos contabilístico e técnico-pedagógico, disponibilizando-os, em qualquer momento, para consulta das entidades legalmente autorizadas a fazê-lo, comprometendo-se ainda a proporcionar as condições adequadas à realização do acompanhamento e fiscalização previstos nos termos legais, devendo conservá-los durante o prazo legalmente estabelecido; (…) c) Que se tomou conhecimento, e se aceita, que a decisão de concessão dos apoios a formação poderá vir a ser objecto de revogação, a qual poderá ocorrer quer fundamentada em causas específicas do projecto autónomo, quer devido a causa inerentes ao projecto integrado a que a formação está associada e que, havendo lugar à revogação, tal facto implicará a restituição de todas as quantias já recebidas, a efectuar nos termos legalmente previstos; (…).”

C. (Ponto II da presente decisão);

D. Com data de 01 de Agosto de 2007, a mesma pessoa subscreveu, na qualidade de formador, dois registos de sumário, presenças e recursos didácticos e utilizados respeitantes aos cursos “Microsoft office” – 1.º, por referência à autora, e “Microsoft Excel avançado” – 1.º, por referência à empresa M... – Gestão de Empresas e Comandita, com horário entre as 17.30 e as 19.30 e entre as 17.00 e as 19.00, respectivamente – cfr. fls. 847 e 848 do PA apenso (pasta 2).

E. Com data de 08 de Agosto de 2007, a mesma pessoa subscreveu, na qualidade de formador, dois registos de sumário, presenças e recursos didácticos e utilizados respeitantes aos cursos “Microsoft office” – 1.º, por referência à autora, e “Microsoft Excel avançado” – 1.º, por referência à empresa M... – Gestão de Empresas e Comandita, com horários entre as 17.30 e as 19.30 e entre as 17.00 e as 19.00, respectivamente – cfr. fls. 849 e 850 do PA apenso (pasta 2).

F. Com datas de 01, 05, 06, 13, 14, 21, 27 e 28 de Fevereiro, 06, 07, 13, 14, 20, 21, 26, 27 e 28 de Março, 04, 05, 11, 12 e 13 de Abril de 2007, encontram-se assinadas pelos formandos CAPR e MPR as folhas de sumário/presenças referentes aos cursos de formação “Conformação de postos de trabalho” e “Modelação assistida por computador”, promovidos pela autora, com os horários das 09.30 às 15.30 e das 14.00 às 17.00, respectivamente – cfr. fls. 855 e ss. do PA apenso (pasta 2).

G. Em 07.01.2009, a Coordenadora da Equipa FSE do IAPMEI subscreveu carta dirigida à autora sob o assunto “PRIME – Medida 4.1 Qualificação de recursos humanos, art.º 100º do Código do Procedimento Administrativo, Candidatura n.º 00/19680 – MP & C.ª, Lda”, informando a autora da intenção da Comissão de Gestão de Incentivos do IAPMEI proceder à revogação da decisão de aprovação do financiamento do projecto referido – cfr. fls. 835 do PA apenso.

H. Com data de 12.01.2009, a autora juntou ao processo administrativo os seguintes documentos – cfr. fls. 828 do PA apenso:
a. Pedido de substituição de horário, datado de 27.06.2007, referente ao formador MG, módulo Microsoft Office e tendo como data de substituição 01.08.2007, das 17.30 às 19.30 e como data para compensação 03.08.2007 das 17.30 às 19.30;
b. Registo de ocorrências, datado de 17.10.2007, relativo a alteração do cronograma nos dias 01 e 08 de Agosto de 2007, para os dias 03 e 09 de Agosto de 2007, do qual consta que o formador optou por registar a formação nas datas e horários inicialmente previstos de forma a não ter de alterar os documentos constantes do dossier técnico-pedagógico;
c. Pedido de substituição de horário, datado de 21.06.2007, referente ao formador MG, módulo Microsoft Office e tendo como data de substituição 08.08.2007, das 17.30 às 19.30 e como data para compensação 09.08.2007 das 17.30 às 19.30.

I. Em 22.05.2009, pelos serviços do IAPMEI foi elaborada a Proposta n.º 1413/2009, com o seguinte teor – cfr. fls. 39 e ss. do SITAF: (Dá-se por reproduzido o documento transcrito na decisão recorrida – Artº 663º nº 6 CPC).

J. Em 26.05.2009, sobre a proposta que antecede recaiu despacho de concordância – cfr. fls. 39 e ss. do SITAF.

K. Em 23.06.2009, pela Coordenadora Operacional de Formação Profissional do PRIME foi subscrita a Informação Interna n.º 148/GPF/UFET/2009, dirigida ao Gestor do COMPETE, com o seguinte teor – cfr. fls. 39 e ss. do SITAF: (Dá-se por reproduzido o documento transcrito na decisão recorrida – Artº 663º nº 6 CPC).

L. Em 26.06.2009, pelo Gestor do COMPETE foi proferida decisão com o seguinte teor: “Revogo as decisões de aprovação, nos termos e com os fundamentos expostos. (…).” - cfr. fls. 39 e ss. do SITAF.

M. Na sequência da notificação da decisão que antecede, a autora apresentou reclamação dirigida ao Gestor do PRIME/COMPETE, juntando declaração subscrita por representante da H... – Consultoria e Formação, Lda, nos termos da qual a acção de formação “Microsoft Office” foi ministrada por essa empresa sob a orientação do formador MG e que, no momento da elaboração do cronograma do curso, foram agendados os dias 01 e 08 de Agosto de 2007 para a realização de algumas sessões de formação, tendo, posteriormente, aquele formador solicitado alteração daquelas sessões para os dias 03 e 09 de Agosto de 2007, com o consentimento da ora autora, sendo que o formador optou por registar a formação nas datas e horários inicialmente previstos para não ter de alterar os documentos constantes do dossier técnico-pedagógico, razão pela qual se elaborou registo de ocorrências para justificar a alteração – cfr. fls. 714 e ss. do PA apenso.

N. Em 30.09.2009, deu entrada nos serviços do IAPMEI requerimento da autora juntando os seguintes documentos – cfr. fls. 791 e ss. do PA apenso:
a. Declarações subscritas por CAPR, LFCL, VDMF, VSRF, com o seguinte teor: “(…) recebi formação efectiva nas instalações desta empresa no âmbito do curso “MS Office”. (…) a formação foi dada em vários dias, entre os quais se incluem os dias 3.08.2007 e 0.08.2007, no período das 17h30 às 19h30. (…) foi formador MG.”
b. Declarações subscritas por MPR, CAPR, LFCL com o seguinte teor: “(…) recebi formação efectiva nas instalações desta empresa no âmbito do curso “Modelação assistida por computador”. (…) a formação foi dada em vários dias, entre os quais se incluem os dias 1.02.2007, 05.02.2007, 6.02.2007, 13.02.2007, 14.02.2007, 21.02.2007, 27.02.2007, 28.02.2007, 06.03.2007, 07.03.2007, 13.03.2007, 14.03.2007, 20.03.2007, 21.03.2007, 26.03.2007, 27.03.2007, 28.03.2007, 4.04.2007, 5.04.2007, 11.04.2007, 12.04.2007 e 13.04.2007, no período das 15h30 às 18h30. (…).”
c. Declaração subscrita por representante da L... Portugal – Soluções de Alta Tecnologia para a Indústria, Lda, com o seguinte teor: “(…) 1. Que esta sociedade executou a função de monitoria do curso “Modelação assistida por computador” junto da MP & CIA, Lda; 2. Que esta acção foi ministrada no âmbito do projecto PRIME n.º 00/19680; 3. Que os sumários desta formação foram validados pela nossa empresa L... PORTUGAL, LDA, na qualidade de formadora. 4. Que, não obstante os sumários referentes aos dias 1.02.2007, 05.02.2007, 6.02.2007, 13.02.2007, 14.02.2007, 21.02.2007, 27.02.2007, 28.02.2007, 06.03.2007, 07.03.2007, 13.03.2007, 14.03.2007, 20.03.2007, 21.03.2007, 26.03.2007, 27.03.2007, 28.03.2007, 4.04.2007, 5.04.2007, 11.04.2007, 12.04.2007 e 13.04.2007, referirem o período compreendido entre as 14h e as 17h, a formação foi ministrada entre as 15.30 e as 18h30 porque foi necessário proceder a um reajuste da calendarização inicial. 5. A formação foi efectivamente ministrada a todos os formandos que apuseram a sua assinatura, em cada um dos dias do curso, nas folhas de presenças.”

2.2 – DE DIREITO
Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas para tal efeito pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.

I – A recorrente, nas suas conclusões II a VI, vem sustentar que ocorreu erro de julgamento quanto à matéria de facto, referindo que se deveriam ter sido dados como provados vários factos que decorrem do PA, factos estes que a decisão recorrida se refere na alínea N), mas não com a evidência devida.
Os factos que a recorrente queria que fossem dados como provados são os seguintes:
- Alínea O): As sessões do Curso “MS Office”, ministradas por MG, inicialmente calendarizadas para os dias 01/08/2007 e 08/08/2007, tiveram lugar nos dias 03/08/2007 e 09/08/2007, das 17h30 às 19h30, a pedido daquele formador, feito em 27/06/2007;
- Alínea P): Esta alteração de datas encontra-se registada na ficha de ocorrência de formato normalizado;
- Alínea Q): O curso de “Modelação Assistida por Computador” foi ministrado por AOL, no período de 01/02/2007 a 13/04/2007, entre as 15h30 e as 18h30;
- Alínea R): Este curso esteve inicialmente calendarizado para os mesmos dias de formação, mas para o seguinte horário: das 14h00 às 17h00;
- Alínea S): As folhas de sumários/presenças foram elaboradas pela empresa EUROCONSULT, antes da formação ocorrer, e a hora delas constante “das 14:00 às 17:00” encontra-se em formato dactilografado.
- Alínea T): Os formandos CAPR e MPR estiveram presentes em todas as sessões do curso referido na alínea Q) e durante toda a duração das mesmas.
- Alínea U): No âmbito do projecto referido na alínea A) foram realizados 13 cursos e ministradas 10251 horas de formação.

Estes factos resultam de documentos que entregou quando da audiência prévia e que, refere, vêm colocar em crise o que foi decidido quanto à matéria de facto. Ou seja, pretende a recorrente que com a entrega dos documentos quando da audiência prévia, dever-se-ia ter dado como provado que as irregularidades detectadas quanto às formações, não se verificaram, uma vez que as mesmas foram ministradas, mas noutras ocasiões, as agora referidas.
Os documentos juntos pela recorrente, e que refere vêm demonstrar que ocorreu erro nos pressupostos de facto, encontram-se, como aliás o próprio menciona, na alínea N) da matéria de facto dada como provada. Ou seja, foi dado como provado que a recorrente entregou determinados documentos, com determinados conteúdos, quando da audiência prévia e tais factos já se encontram reflectidos na matéria de facto dada como provada. Pretende, no entanto, que além da entrega desses documentos, que seja desde já dado como provado que tais documentos são idóneos a provar que as referidas acções foram realizadas. Ou seja, pretende que se adite à matéria de facto dada como provada que determinadas acções de formação foram realizadas, mas em outros períodos de tempo. Ora, o que se pode, desde já, dar com provado é que a recorrente entregou esses documentos, o que já consta, aliás, da decisão recorrida. As consequências a retirar da junção desses documentos será outra questão, mas que já faz parte do mérito do recurso, devendo aí ser analisada. Ou seja, a única matéria de facto que pode ser dada como provada, já consta da alínea N) da fundamentação de facto, pelo que não podem proceder estas conclusões.

II- Nas suas conclusões VII e VIII vem referir que se deve retirar da matéria de facto dada como provada a alínea C), uma vez que o Réu recorrido teria aceitado a justificação apresentada pela recorrente logo na fase do procedimento administrativo.
A alínea C) refere-se ao dia 6 de Fevereiro de 2007, e à formadora/ consultora EC. Tal facto baseia-se no PA, fls. 852-853, e consta do artigo 47º da contestação. No entanto, como se verifica da análise do acto impugnado esta questão foi considerada ilidida pela entidade recorrida, pelo que vai a mesma ser suprimida da matéria de facto dada como provada.

Julga-se assim improcedente a alteração do pedido quanto ao aditamento à matéria de facto e procedente o pedido quanto à retirada da alínea C) da matéria de facto dada como provada.
A alteração já foi inserida no local respectivo.

III- Nas conclusões IX a XIII vem a recorrente sustentar que ocorreu erro de julgamento quanto à apreciação do vício de forma por falta de fundamentação.
Refere-se na decisão recorrida, quanto a este aspecto o seguinte:
Tal como resulta do teor do mesmo, o fundamento legal do acto impugnado - que revogou a decisão de aprovação do financiamento para o Projecto nº 00/19680 - é a alínea n) do n.º 1 do artigo 23.º da Portaria n.º 799-B/2000, de 20 de Setembro, nos termos da qual fundamentam a revogação da decisão de aprovação do pedido de financiamento as declarações inexactas, incompletas e desconformes sobre o processo formativo que afectem de modo substantivo a justificação do subsídio recebido e a receber. O fundamento de facto do acto consiste na detecção, após cruzamento das folhas de sumários e presença do projecto com outras de outros projectos, de sobreposições de formadores em três dias às mesmas horas em dois projectos diferentes e de formandos vários dias em dois cursos diferentes, tal como também resulta do teor do mesmo.
Também resulta claramente do teor do acto que a revogação da decisão de aprovação do incentivo assentou na circunstância de as sobreposições detectadas, “em termos de dias e horários de formação”, representarem desconformidade superior a 2% do projecto total, tendo esse liminar sido definido como “limiar de fiabilidade aceitável no âmbito das intervenções estruturais”, deste modo sendo perceptíveis a um destinatário normal as razões que suportaram o sentido da decisão impugnada.
Assim, é manifesto que o acto em causa não padece de falta de fundamentação pois que os respectivos fundamentos de facto e de direito surgem evidentes do próprio teor do acto, sendo certo que a própria autora vem, por esta acção, pôr em causa não só a aplicação da norma em causa aos factos como até mesmo a factualidade que esteve na base da decisão impugnada.
Saber se a subsunção da factualidade em causa à norma legal invocada tem como consequência a anulação de todo o financiamento concedido, saber se se verifica um erro acima de 2% e da relevância do mesmo bem como saber se as sobreposições em causa afectaram de modo substantivo o subsídio concedido são questões que contendem com o mérito/fundo do próprio acto, ou seja, com a sua fundamentação material ou substancial, nada tendo que ver com a fundamentação formal do acto.
Pelo exposto, improcede o vício da falta de fundamentação invocado.

O assim decidido encontra-se sem mácula.
Nos termos da lei, os actos administrativos, quer sejam praticados no exercício de poderes discricionários quer no de poderes vinculados devem, em geral, ser fundamentados (artigo do 124.º do CPA) – isto é, devem conter, de forma clara, congruente, suficiente e concreta, os motivos de facto e de direito que os fundamentam.
A fundamentação de um acto administrativo deve, naturalmente, constar do próprio acto, conquanto que seja expressa, e realizada mediante sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito (...) podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto – (cf. n.º 1 do artigo 125.º do CPA).
Como refere Diogo Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2ª edição pág. 391 e sgs., o objectivo essencial e imediato da “ fundamentação é, portanto esclarecer concretamente a motivação do acto, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo que levou à adopção de um acto com determinado conteúdo”.
Como requisitos a preencher para que um acto possa considerar-se fundamentado refere este Ilustre Mestre que: em primeiro lugar tem de ser expressa, ou seja enunciado de modo explícito no contexto do próprio acto pela entidade decisória; em segundo lugar, tem de consistir na exposição, ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e de direito da decisão; e em terceiro lugar tem de ser clara, coerente e completa (obra citada fls. 392 e sgs.).
Tendo em atenção o exposto não vemos como se possa sustentar que o acto impugnado não esteja fundamentado, dado que resulta do mesmo que as razões invocadas são suficientes e congruentes, já que contêm os motivos de facto e de direito que o fundamentam.
Incide a recorrente a sua argumentação essencialmente no facto de não se encontrar fundamentado, na sua opinião, o desvio superior a 2% que teria havido nas horas de formação, e que foi considerado como acima do limiar de fiabilidade aceitável no âmbito das intervenções estruturais. A recorrente vem sustentar que o desvio, a ocorrer, será inferior àquele montante.
Ora, a questão em apreço não tem que ver com a fundamentação do acto mas sim com o facto de poder haver erro nos pressupostos de facto, questão a apreciar noutro âmbito. Ou seja, o que estará em causa será o montante do desvio das horas de formação ser, ou não, superior 2%. No entanto, não há dúvidas que o acto se encontra fundamentado, até porque a recorrente não teve dúvidas em interpor a presente acção com os fundamentos invocados e que demonstram que tomou perfeito conhecimento do que está em questão.
Assim sendo, e sem necessidade de mais considerações, considera-se que não procedem estas conclusões da recorrente.

IV- Nas conclusões XIV a XXII vem a recorrente sustentar que ocorre erro nos pressupostos de facto.
Sustenta a recorrente, como aliás já tinha referido na sua pi, que quando da audiência prévia remeteu os documentos que provam que houve alterações de horários das formações mas que estas foram realizadas. Refere que a audiência prévia deve ser interpretada no sentido de se poder remeter aos autos qualquer documento que possa contrariar o projecto de decisão e que a Portaria n.º 1285/2003, de 17 de Novembro, alterada pela Portaria n.º 1318/2005, de 2 de Dezembro, deveria ser interpretada no sentido de que as entidades promotoras deveriam estar obrigadas a comunicar quaisquer alterações ou ocorrências que ponham em causa os pressupostos ou critérios de selecção e não as alterações dos horários de formação.
A decisão recorrida refere quanto a este aspecto (apenas transcrevemos alguns excertos):
Resulta da matéria assente que tais documentos respeitantes às alterações apenas foram apresentados após a notificação do projecto de revogação da decisão de financiamento, no âmbito da pronúncia da autora, pelo que não foi obtida antecipadamente autorização da entidade pública para a alteração. Assim, não devem as mesmas ser tidas em conta, tal como se entendeu no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 26.09.2013, processo n.º 02994/09.1BEPRT. Efectivamente, conforme ali se escreve, as fichas de ocorrências “assumem manifestamente carácter excepcional e só podem relevar se produzidas na devida altura”, ou seja, antes da realização da formação ou imediatamente após a mesma, de modo a possibilitar a fiscalização por parte da entidade pública, pois que estamos no âmbito de financiamentos públicos. Acresce que “(…) as fichas de ocorrências têm essencialmente por finalidade o seu uso em imprevistos, pelo que daqui decorre o seu carácter excepcional, sendo assim destinadas, sobretudo, para situações que fogem ao normal desenrolar do processo formativo. Ora, face ao carácter excepcional das fichas de ocorrência, estas não serão os elementos documentais por excelência que deverão suportar as declarações prestadas pelas entidades financiadas. Esses documentos serão, sem dúvida, os sumários e as fichas de presença, pois só esses elementos permitem assegurar a veracidade do plano formativo, servindo as fichas de ocorrências para complementar situações pontuais. (…) a ficha de ocorrências, como resulta do seu próprio nome, visa apenas registar situações que ocorram de forma inesperada e imprevista, não se podendo fazer deste registo uma forma de colmatar irregularidades detectadas, com vista a despistá-las.” Além do mais, o Regulamento Específico dos Apoios à Qualificação dos Recursos Humanos, anexo à Portaria n.º 1285/2003, de 17 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 1318/2005, de 26 de Dezembro, dispõe, no n.º 1 do seu artigo 19.º, que “A partir do momento da aprovação do pedido de financiamento, devem as entidades titulares do respectivo pedido comunicar ao organismo gestor quaisquer alterações ou ocorrências que ponham em causa os pressupostos ou critérios de selecção que presidiram à aprovação do mencionado pedido.” Ora, a não apresentação atempada das fichas de ocorrência não permite assegurar a sua fiabilidade porque impossibilita o controlo dessas mesmas ocorrências.
Considerando que as fichas de ocorrências foram apresentadas muito depois da data prevista para a realização das formações e só na sequência da notificação do projecto de revogação do financiamento – circunstância que tem de ser tida em conta em termos probatórios, sob pena de se admitir a sanação de eventuais irregularidades -, bem andou a entidade demandada ao não considerar as referidas alterações de horários….
Efectivamente, estamos perante um procedimento de concessão de incentivos financeiros que assenta, em grande medida, nas declarações das entidades beneficiárias e, por isso, na boa fé da sua actuação, o que implica um rigoroso e escrupuloso cumprimento de formalismos, de modo a permitir o adequado controlo que necessariamente tem de existir sobre o cumprimento das obrigações contratuais do beneficiário, designadamente quanto à aplicação dos dinheiros que lhe são concedidos. Por conseguinte, sem registo comunicado atempadamente, nos termos acima referidos, não podemos concluir no sentido de que houve uma efectiva alteração dos horários susceptível de justificar as presenças dos formandos em causa em ambos os cursos em causa. Finalmente, uma nota para dizer que a circunstância de os cursos de formação serem ministrados por entidades formadoras não coincidentes com as entidades beneficiárias dos financiamento (como é o caso do autora) não a torna “alheia” – como a própria refere - à falta de cumprimento das formalidades exigíveis quanto à alteração de horários ou datas dos cursos pois que, sendo a mesma parte no contrato de concessão de incentivos e decorrendo do mesmo bem como do respectivo regime jurídico aplicável a obrigação de cumprimento de tais formalidades, tem a mesma o ónus de supervisionar toda a actividade formativa, de modo a prestar contas às entidades que têm a seu cargo a fiscalização da aplicação do financiamento concedido…
Aqui chegados, resta-nos concluir no sentido de que a autora não provou a realização efectiva dos cursos de formação que foi posta em causa com a decisão impugnada e, assim, não se provou qualquer erro nos pressupostos de facto do acto impugnado.
E de referir, desde já, que o assim decido é de manter.
A recorrente foi notificada para efeitos de audiência prévia sobre a proposta de revogação da decisão de aprovação do pedido de financiamento uma vez que tinham sido detectadas diversas sobreposições de formações.
A recorrente, quando da audiência prévia, junta vários documentos, que refere, vêm contrariar que tenham ocorrido as referidas sobreposições.
Ora, a audiência prévia, constitui uma forma de audição dos interessados sobre o procedimento antes da decisão final, conforme refere o actual artigo 121º do CPA (antigo artigo 100º). É evidente, e quanto a esta questão não há dúvidas, os interessados, quando da audição, podem juntar documentos que possam refutar o projecto de decisão sobre os quais foram ouvidos. No entanto não é esta a questão que está aqui em causa. No caso dos autos, quando da análise da documentação existente no processo pedagógico concluiu-se que havia várias sobreposições relativas a duas acções de formação. Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 18º da Portaria 799-B/2000, de 20 de Setembro, as entidades titulares dos pedidos de financiamento, bem como as entidades associadas no caso de pedidos de financiamento relativos a plano integrado de formação, ficam obrigadas a organizar um processo técnico do projecto, de onde constem os documentos comprovativos da execução das suas diferentes fases, que, no caso das acções de formação, corresponderá ao seu processo pedagógico.
Por seu lado, nos termos do n.º 2 alínea f) do mesmo artigo, desse projecto pedagógico devem constar: fichas de registo ou folhas de presença de formandos e formadores.
O processo técnico /pedagógico referido no n.º 2, refere o n.º 4 do mesmo artigo 18º, deve estar sempre actualizado e disponível no local onde normalmente decorre a acção.
Ora, quando da análise do processo pedagógico relativamente às acções de formação referenciadas e ora em crise verificou-se que havia sobreposição de diversas acções. A recorrente veio na audiência prévia juntar documentos pretendendo demostrar que essas acções se realizaram, mas noutros períodos de tempo. No entanto, quando da análise do processo pedagógico esses documentos não se encontravam no processo, e deviam estar, como se refere no n.º 4 da Portaria que vem sendo citada. A audiência prévia não pode servir para juntar documentos que deveriam fazer parte de um determinado processo.
Sobre a questão em apreço, ainda que a situação de facto não seja perfeitamente coincidente, pronunciou-se recentemente este Tribunal no processo 651/09.8BEAVR, de 22-10-2015, e onde se refere sobre esta questão ora em apreço, citando ainda um outro processo deste Tribunal:
Em primeiro lugar deve precisar-se que os pressupostos de facto relevantes da decisão do IAPMEI ora impugnada consistem na falta de documentação idónea para preencher a exigência legal de “processo técnico do projeto actualizado, com a informação sobre a formação ministrada, conteúdos pedagógicos, horários e presenças”, o que é conceitualmente desligável da “verdade material” de que fala a Recorrente, no sentido de as ações de formação previstas terem sido efetivamente ministradas nos dias e horas constantes de fichas de ocorrências, posteriormente elaboradas, diga-se, com o intuito de suprir a referida irregularidade do processo técnico.
Esta necessidade de suprimento das ditas e confessadas irregularidades confirma, pela sua extemporaneidade, pelo menos, a falta de um processo técnico do projeto actualizado e, nessa medida, demonstra a violação das obrigações impostas pelo artigo 18º/4 da Portaria 799-B/00, de 20 de Setembro que fundamentam a decisão do IAPMEI.
Isto mesmo se refere no acórdão recorrido:
«Assim, nos termos do normativo transcrito, a Autora tinha obrigação de possuir um processo técnico do projecto actualizado, com a informação sobre a formação ministrada, conteúdos pedagógicos, horários e presenças.
Contudo, não obstante as razões mencionadas pela Autora, esta entregou ao IAPMEI elementos referentes à formação que não correspondiam à verdade, uma vez que as Folhas de Sumários e Presenças entregues constituem declarações inexactas e desconformes com o processo formativo, afectando de modo substantivo a justificação do subsídio recebido.»
A Recorrente interpõe neste passo do raciocínio a objecção de que se trata de uma construção “puramente formalista” que “desconsidera a verdade material” de a formação proposta ter sido ministrada sem qualquer fraude. E que esta verdade material está reflectida nas “folhas de ocorrência”.
Seriam as ditas irregularidades supríveis deste modo?
Entende-se que a resposta é negativa, não só por tal meio não ter o condão de sanar iniludivelmente a pré-existente irregularidade/desactualização da informação constante do projecto técnico, como pela sua inadequação formal e probatória à situação em causa, como se demonstrou em caso similar, no Acórdão de 26-09-2013, Proc. 02994/09.1BEPRT deste TCAN, assim:
«Apenas, acrescentaremos que as fichas de ocorrências têm essencialmente por finalidade o seu uso em imprevistos, pelo que daqui decorre o seu carácter excepcional, sendo assim destinadas, sobretudo, para situações que fogem ao normal desenrolar do processo formativo. Ora, face ao carácter excepcional das fichas de ocorrência, estas não serão os elementos documentais por excelência que deverão suportar as declarações prestadas pelas entidades financiadas. Esses documentos serão, sem dúvida, os sumários e as fichas de presença, pois só esses elementos permitem assegurar a veracidade do plano formativo, servindo as fichas de ocorrências para complementar situações pontuais. Realce-se que, as folhas de presença e de sumário são aqueles elementos que devem acompanhar as sessões formativas, devendo ser preenchidas no decurso da sessão a que respeitam, conforme resulta do probatório.
A finalidade dos registos de presença e sumários, que devem instruir o dossier técnico-pedagógico visam atestar que (i) os formandos inscritos em determinada acção de formação, efectivamente, a frequentaram, que (ii) o formador ministrou o número de horas de formação que constituem a referida acção, que (iii) a mesma ocorreu nos dias e horas assinalados para o efeito e que (iv) foram ministrados os conteúdos pedagógicos identificados para a acção. Já a ficha de ocorrências, como resulta do seu próprio nome, visa apenas registar situações que ocorram de forma inesperada e imprevista, não se podendo fazer deste registo uma forma de colmatar irregularidades detectadas, com vista a despistá-las. E o facto de se ter constatado que estes registos de ocorrências não foram apresentados ab inicio, mas só depois da recorrente ter sido confrontada com as irregularidades detectadas, naturalmente que têm de ser sopesadas em termos probatórios, sob pena de, se assim, não fosse, vingar a tese da recorrente, que com esta apresentação de folhas de registo de ocorrência tenta sanar todas as irregularidades detectadas. Acresce que, no mínimo, aquando do pedido de pagamento de saldos devia a A./recorrente, desde logo, fazer acompanhar esse pedido com todos os elementos físicos essenciais ao controlo das despesas, sendo os sumários, as folhas de presença e as fichas de ocorrência [quando se pretenda justificar alterações aos demais] elementos essenciais a juntar, a fim de comprovar a realização da formação da qual se pretende o restante pagamento. Ora, apesar das várias alterações documentadas em fichas de ocorrência, não foram estas juntas com o pedido de pagamento de saldo, mas tão-só os sumários e as folhas de presenças, pois, tal como resulta do probatório, estas só foram juntas aquando da audiência prévia. Assim, podemos concluir que as fichas de ocorrência não permitem assegurar a fiabilidade da informação prestada, ou seja, não asseveram que ocorreram as alterações conforme delas constam. Aliás, a ser como pretende a recorrente, qual seria afinal a justificação para o tribunal dar “preferência probatória” aos registos de ocorrência elaborados pela recorrente, somente depois de ser confrontada pelo recorrido com as irregularidades detectadas? A ser assim estava descoberta uma forma airosa de impedir que as acções de fiscalização exercessem verdadeiramente as suas funções e os respectivos agentes agissem em conformidade com a realidade apurada, porque sempre seria, posteriormente, apresentado um registo de ocorrência com vista a sanar o problema detectado. Com efeito, estes registos de ocorrência, apenas podiam e deviam ser valorados, se constassem ab inicio, como deviam, do processo técnico-pedagógico e não moldados às situações apontadas pelo recorrido.»
Assim improcedem as conclusões em análise.
Por todo o exposto se conclui que não podem proceder estas conclusões da recorrente.

V- Nas conclusões XXIII a XXIX vem a recorrente sustentar que ocorre erro de julgamento de direito porque no Acórdão recorrido se confundiu processo técnico/pedagógico com processo formativo. A alínea n) n.º 1 do artigo 23º da Portaria refere-se a declarações inexactas sobre o processo formativo que possa afectar de modo substantivo a justificação do subsídio, enquanto que a alínea f) do n.º 2 do artigo 18º se refere ao processo técnico-pedagógico.
De notar que não se percebe o alcance desta argumentação da recorrente.
A revogação da decisão de aprovação do financiamento ora em causa teve como base, como consta do acto impugnado, o artigo 23º, n.º 1, alínea n), da Portaria 799-B/2000, de 20 de Setembro. Refere esta alínea que os fundamentos para a revogação são os seguintes:
Declarações inexactas, incompletas e desconformes sobre o processo formativo que afectem de modo substantivo a justificação do subsídio recebido e a receber.
Ora, se estamos perante declarações inexactas constantes do processo técnico /pedagógico, é evidente que essas declarações se reflectem no processo formativo. O processo técnico/pedagógico integra o processo formativo. É a forma de organização do desse processo. Não se vê que estejamos perante qualquer erro de julgamento de direito.

VI- Nas conclusões XXX a XXXVII vem a recorrente sustentar que o Acórdão recorrido não deveria ter aceitado como boa a decisão da entidade recorrida quando concluiu como limite máximo de admissão de erros os 2% das despesas controladas, para densificar o conceito indeterminado constante da alínea n) do artigo 23º da Portaria ora em análise, quando refere que é motivo de revogação as declarações inexactas, incompletas e desconformes que afectem de modo substantivo a justificação do subsídio recebido e a receber.
Sustenta ainda que andou mal o Tribunal a quo ao não sindicar este conceito indeterminado.
Nas suas conclusões XLVI a XLVIII vem a recorrente colocar em crise a alegada percentagem fundamento de resolução.
Quanto a estes aspectos refere a decisão recorrida:
Quanto à invocação do erro acima dos 2% invocado na fundamentação do acto impugnado, resulta do teor do mesmo que foi definido pela entidade decisora esse “limiar de fiabilidade aceitável no âmbito das intervenções estruturais”. Considerando que a norma da alínea n) do n.º 1 do artigo 23.º da Portaria n.º 799-B/2000, de 20 de Setembro, estabelece que é fundamento para a revogação da decisão de aprovação do pedido de financiamento a existência de declarações inexactas, incompletas e desconformes sobre o processo formativo que afectem de modo substantivo a justificação do subsídio recebido e a receber, ao estabelecer aquele “limiar”, a entidade decisora está a definir o que considera uma afectação substantiva do subsídio. Ou seja, entende a mesma que se as desconformidades detectadas corresponderem a um erro acima de 2%, “em termos de dias e horários de formação”, as mesmas afectam de modo substantivo a justificação do subsídio recebido e a receber.
A afectação substantiva da justificação do subsídio configura um conceito indeterminado que atribui poder discricionário à Administração para aferir, em concreto, da respectiva verificação. No caso em apreço, para a densificação de tal conceito indeterminado, a entidade decisora socorreu-se do referido “limiar de 2%”, justificando-o com igual parâmetro estabelecido na Decisão da CE acerca das Orientações relativas ao Encerramento das Intervenções dos Fundos Estruturais, o qual, embora admitindo que seja definido “no nível de controlo macro”, entende adequado ser de aplicar nos casos concretos de sobreposições por os mesmos integrarem o relatório global de encerramento, com vista a garantir a uniformidade de procedimentos.
Estando em causa o exercício de poder discricionário – quanto a saber se um erro acima de 2% configura uma afectação substantiva da justificação do subsídio -, o controlo judicial da actividade administrativa limita-se a aferir do cumprimento da legalidade em termos de exigências legais de fundamentação e da observância dos princípios gerais que regem a actividade administrativa, não se podendo falar, a este propósito em violação da norma contida na alínea n) do n.º 1 do artigo 23.º da Portaria n.º 799-B/2000, de 20 de Setembro. Efectivamente, com a atribuição de poder discricionário à Administração através de conceitos indeterminados, pretende o legislador que aquela, em função das circunstâncias do caso concreto, afira do seu preenchimento por entender que só assim – e não em abstracto – se alcança o resultado mais conforme com a justiça material.
Não podemos concordar com esta posição.
Se estamos perante um conceito indeterminado, é de louvar que a entidade recorrida tenha estabelecido uma auto-vinculação a esse mesmo conceito. Ou seja, considera que as declarações inexactas, incompletas e desconformes só afectam o processo formativo de modo substantivo quando haja uma variação das irregularidades detectadas superior 2%. A recorrente não vem colocar em crise o montante do 2%, ou seja, o montante do desvio considerado admissível, mas refere que não se encontra demonstrado que tivesse ocorrido um desvio superior a esse montante.
O Tribunal debruçou-se precisamente sobre esse problema nos termos atrás referidos, pelo que não se pode concluir que não tenha havido uma sindicação do Tribunal sobre tal matéria. Pode a recorrente não concordar com a mesma, mas não pode é referir que o problema não foi sindicado.
Questão diferente e a que decorre das conclusões XLVI a XLVIII, ou seja, saber se resultado dessa auto-vinculação ocorre erro nos pressupostos de facto.
É que a partir do momento em que a Administração, no uso de poderes discricionários se auto-vincula a uma solução, as regras assim estabelecidas passam a ser vinculadas para a resolução da situação em concreto, sob pena de se poder cair no arbítrio.
Ver, neste sentido, Acórdão STA proc. n.º 028597 de 23-01-992, quando refere:
I - É licita a auto-vinculação do poder discricionário, quando dirigida apenas a caso ou situação delimitada e definida e se esgote com o seu uso nessa situação.
II - Sendo licita essa auto-vinculação, as suas regras passam a constituir elementos vinculados do exercício do poder em causa
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No caso em apreço está em causa o disposto na alínea n) do n.º 1 do artigo 23.º da Portaria n.º 799-B/2000, de 20 de Setembro, quando refere que são fundamentos para revogação do acto, entre outros, as declarações inexactas, incompletas e desconformes sobre o processo formativo que afectem de modo substantivo a justificação do subsídio recebido e a receber.
Ou seja, temos de estar perante declarações inexactas, desconformes ou incompletas, mas estas apenas se tornam relevantes quando afectam de modo substantivo a justificação do subsídio recebido e a receber.
Para preencher este conceito indeterminado refere a entidade recorrida, no acto ora impugnado, que o erro apresentado pelo promotor se situa acima dos 2%, e, por esta razão, o erro fica acima do limiar da fiabilidade aceitável no âmbito das intervenções estruturais.
Ou seja, a entidade recorrida considera que um erro acima dos 2% já afecta de modo substantivo a justificação do subsídio a receber e por tal facto deve o mesmo ser revogado.
Tendo a Administração vinculada a sua decisão a este montante, esta regra passa a ser vinculativa para a apreciação do caso em concreto, razão pela qual não podemos concordar com a decisão recorrida, quando refere que o Tribunal não pode sindicar esta questão.
Se a entidade recorrida refere que só considera que as irregularidades superiores a 2% afectam de modo substantivo a justificação do subsídio, nada obsta, antes pelo contrário, que o tribunal possa sindicar este montante, até porque passou a ser vinculado para quem o proferiu.
A questão agora que se coloca é a de saber se as irregularidades detectadas ultrapassam ou não estes 2% de desvio.
Nas suas conclusões XLVI e sgs. A recorrente vem referir que esse erro seria de 86 h, ou seja, equivaleriam a 0,48% da formação. Mesmo em termos de “ reflexo de número de horas de formação, o erro ascenderia a 1, 48%, mas sempre inferior a 2% (conclusão XLVII).
A entidade recorrida, no acto impugnado, vem apenas referir que esse erro seria superior a 2%.
Nas sua contestação (artigo 71º) a entidade recorrida vem referir que seria de 5,8%.
Uma vez que esta questão era essencial à análise do mérito do recurso foram ouvidas as partes sobre a questão em apreço.
A recorrente, na sua resposta, vem sustentar (fls. 491 e sgs) a posição já anteriormente assumida.
A entidade recorrida vem, a fls. 500 e sgs., sustentar que o erro seria de 6,05% com os fundamentos que constam do anexo (fls. 501), ou de 2, 77 % se não fossem considerados os fundamentos referidos.
Em primeiro lugar é de referir que o que está em causa é o acto que revogou a decisão de financiamento, pelo que será com base na sua fundamentação que temos de verificar se as irregularidades aí detectadas ultrapassam, ou não, os 2%.
Assim sendo, não pode proceder liminarmente a posição da recorrida quando refere, na fundamentação para sustentar que houve um desvio de 6, 05% (fls. 501), o facto de o promotor ter afirmado que alterou o horário de todo o curso. Não é esta questão que está em causa, nem, aliás, nunca tal foi alegado.
Ambas as partes estão de acordo que o curso englobava 10 251 horas de formação. Portanto temos de trabalhar nesta base.
Por seu lado, como se refere no acto impugnado, o que está em causa são as horas que se considera estarem irregulares e não a despesa controlada, como também refere a recorrente.
É o que se retira do acto impugnado quando se refere: o projecto em apreço, e tal como refere na sua alegação, incorre de um erro entre os dados das folhas de sumários e de presenças, em termos de dias e horários de formação, e a formação que o promotor apresenta como ministrada, que se situa acima dos 2% i.e. acima do limiar de fiabilidade aceitável no âmbito das intervenções estruturais.
Estão em causa dois cursos, questão em que também estão de acordo ambas as partes.
No curso MS Office as irregularidade detectadas abrangem 20 horas (é um montante em que estão em acordo ambas as partes).
No que se refere ao curso de Modelação Assistida por Computador é que há divergência nas horas alvo das irregularidades. Analisando a fundamentação do acto impugnado (alínea I da matéria d e facto dada como provada) verifica-se que apenas estão em causa dois formandos e não quatro como vem referir a entidade recorrida e está em causa a sobreposição de 1H30 (das 14H00 às 15h30). Os dias de formação em que houve irregularidades atingem os 22. Ou seja, as irregularidades detectadas abrangem 66 horas.
Assim sendo, no conjunto das duas formações as irregularidades em causa no âmbito do presente processo atingem o montante de 86 horas, ou seja, estão em causa irregularidade que atingem 0,83% do número de horas, um número inferior aos 2% referido pelo recorrido.
Como já mencionámos a entidade recorrida, na fundamentação do acto de revogação, veio sustentar a percentagem de 2% como o limite a partir do qual estaríamos perante irregularidades que afectavam de modo substantivo a justificação do subsídio. Ora, tendo nós concluído que o montante das irregularidades não foi além de 0,83 %, têm de proceder estas conclusões da recorrente, uma vez que se encontra verificado erro nos pressupostos de facto quanto à auto-vinculação a que a entidade recorrida se submeteu.

Nas suas conclusões XXXVIII a XLV vem a recorrente sustentar que se encontra violado o princípio da proporcionalidade. No entanto, como já concluímos que o recurso tem de proceder, facilmente se conclui que o princípio em causa também se encontra violado, até porque o exercício do poder discricionário que a recorrida exerceu através da sua auto-vinculação ao limite das irregularidades a 2% do total de horas de formação se mostrou infundado.
Procedendo o recurso e verificando-se que ocorreu erro nos pressupostos de facto na prolação do acto impugnado tem também de proceder a acção devendo ser anulado o acto impugnado.

3. DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, e julgando procedente a presente acção anulando-se o acto impugnado.

Sem custas nesta instância por não ter havido contra-alegações e custas na 1ª instância pela entidade recorrida

Notifique

Porto, 22 de Janeiro de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luis Miguéis Garcia
Ass.: Esperança Mealha