Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00157/08.2BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/16/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS, DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO, TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA, DESPESAS CONFIDENCIAIS OU NÃO DOCUMENTADAS
Sumário:I. O princípio da livre apreciação das provas, contido no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência.

II. Da decisão da matéria de facto devem constar factos simples e não matéria conclusiva (somente sobre os primeiros, quando controvertidos, deve recair a produção de prova, já que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos). As conclusões de facto e de direito são efectuadas em julgamento pelo tribunal.

III - As despesas confidenciais ou não documentadas pressupõem a existência das operações a que respeitam, daí a sua tributação autónoma.

IV- As facturas falsas respeitam a operações ou serviços não existentes. Não são, assim, passíveis de tributação, por inexistência de facto tributário
Recorrente:N., LDA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

N., Lda., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Rua (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 06/12/2012, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios, relativas aos exercícios de 2002 e 2003, no valor global de €84.468,56.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1. A decisão incorreu em erro de julgamento e incorrecta apreciação e valoração da prova produzida, levando a que se verifique uma falta de fundamentação substancial do acto tributário, reconduzida a vício de violação de lei por falta de verificação dos pressupostos factuais e jurídicos necessários às correções meramente aritméticas levado a cabo pela AT.
2. O objecto do recurso cinge-se a:
a) Erro de julgamento e alteração da matéria de facto e a falta de fundamentação substancial do acto tributário.
b) Erro na qualificação COMO DESPESA CONFIDENCIAL E SUA TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA A TAXA DE 50%: ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO
3. Deve ser alterada e dada como provada a seguinte matéria, corresponde à matéria que o tribunal a quo deu como não provada
1) A madeira constante da factura e venda a dinheiro identificadas da alínea A) da matéria de facto provada, registadas na contabilidade da impugnante, foram efectivamente fornecidas pela S. à Impugnante.
2) A madeira constante das facturas identificadas da alínea B) da matéria de facto provada, registadas na contabilidade da impugnante, foram efectivamente fornecidas pela A. T. à impugnante.
3) A madeira constante da contabilidade da ora impugnante entrou nas suas Instalações, foi trabalhada e contabilizada a correspondente factura,
4) Não corresponde à verdade que os fornecimentos habituais à impugnante rondassem apenas as 20 a 30 toneladas (fls. 74 a 65 do PRG).
4. Os documentos juntos pela impugnante e testemunhas ouvidas, nomeadamente Dr. J., J. e L. comprovam que as empresas emitentes das facturas (S. e A. T.) efectivamente venderam e forneceram à ora Recorrente as madeiras produtos delas constantes.
5. O MMº juiz a quo, desconsiderou erradamente o depoimento dessas testemunhas, que não deixaram de confirmar e reforçar o teor daqueles documentos.
6. As testemunhas foram confrontadas com os documentos Juntos aos autos e que suportam a realidade contabilística, nomeadamente as facturas e vendas a dinheiro de fls. 2/10 do Relatório da Inspecção, os movimentos contabilísticos de fls 3/10, os meios de pagamento de fls. 4/10, as facturas e registos contabilísticos de fls. 6/10 e os cheques e facturas de fls. 7/10.
7. A sua verificação, confronto e explicação foi levada a cabo com os intervenientes directos na sua emissão. Da parte da impugnante, o Dr. J. e do Dr. C. e da parte dos operadores emitentes das facturas e recibos, com o intermediário do negócio, L..
8. O depoimento do L., coerente com o de J. e J., permitiu poder concluir que:
a) Foi intermediário das compras e vendas quer da S., quer da A. T.;
b) Existe, tem existência fiscal e válida (NIF (…)), exerce a actividade no sector (exploração florestal);
c) Lhe foram feitos pagamentos em dinheiro, por conta, explicados pela necessidade de pagar ao pessoal de corte e extracção em mata, para pagamento do gasóleo dos camiões transporte, pela confiança tida com a impugnante, por com ela trabalhar há cerca de 20 anos (quer como fornecedor, quer como intermediário, conforme doc. nº 1 e 2 junto com a p.i.);
d) Lhe cabia, face à confiança tida, fazer o transporte, em camiões próprios (veículo Mitsubishi Fuso e reboques) da madeira para instalações da impugnante, entregar facturas e receber pagamentos, quer em dinheiro, quer em cheques, como todos os que se exibem como doc. nº 5, com vinte páginas.
e) funcionou como intermediário com estas duas fornecedoras e não directamente, face às dificuldades económicas que, em 2002/2003, passava, tanto mais que naquele período estava construir a sua casa.
9. O depoimento do L., coerente com o de J. e J. mais permitiu confirmar o que se alegou nos artsº 26º, 33º a 38º, 69º, 70º, 73º, 80º, ou seja:
a) A forma de entrada na madeira nas instalações;
b) A forma como era pesada e anotada (nota avulsa à pesagem, ida ao escritório da impugnante, arquivada até emissão da factura);
c) O facto de apenas e só quando a madeira é pesada na balança da empresa se calcula com precisão o peso certo da quantidade transportada, sendo esse o valor que releva para emissão das facturas, quer para fornecedor, intermediário e quer para aqui impugnante compradora.
10. A forma como decisão recorrida (des)valorizou o depoimento das testemunhas arroladas pela recorrente revela, salvo o devido respeito, pré-juízo, de um preconceito do próprio julgador que revela, ignorância da realidade e actividade económica de um sector como o da serração de madeiras, onde é habitual, e resultou do próprio depoimento do L., tanto ser intermediário e mesmo comissionista como ser fornecedor de madeira (como resulta do doc. nº 1 e 2 junto com a p.i.), dependendo das oportunidades de mercado e das matas e negócios disponíveis.
11. As testemunhas ouvidas, foram claras e inequívocas quanto à grandeza dos fornecimentos da S. e A. T. (artº 39º e 40º da p.i.), mais sendo claras (Dr. J. e Dr. C. e L.), face ao alegado nos arts 67º e 68 da mesma p.i. e respectivo documento nº 8, que sem as quantidades constantes das facturas da S. e da A. T. ter-se-ia de verificar uma quebra considerável no consumo de energia e de gasóleo e no volume de negócios como verificado (doc. nº 9).
12. Mais se demonstrou que, nos anos de 2002 e 2003, as compras à S. e A. T., intermediadas pelo L., ocuparam grande parte capacidade produtiva instalada da impugnante a nível de madeira de pinho de grande porte (toros).
13. A matéria vertida nos artºs 41º a 54º e 79º (os pagamentos, a conferência dos cheques para controlo entre os valores constantes da contabilidade relevados em cheque e o valor de emissão dos mesmos, bem como a quem haviam sido emitidos), a prova testemunhal (Dr. J. e Dr. C.) conjugada com a documental já junta, docs. nºs 5 e 6, e devidamente confrontada com estes documentos, permitiu concluir que:
a) Os valores constantes entre os cheques e o extracto bancários são os mesmos;
b) Não há cheques ao portador, que, estes sim, permitiriam esconder a quem seriam emitidos e os respectivos beneficiários;
c) Os cheques estão todos emitidos à S. e à A. T.;
d) A responsabilidade da emissão da impugnante termina quando emite o cheque;
e) Não havia qualquer razão de desconfiança quanto à pessoa a quem os cheques eram entregues, o intermediário L.;
14. A própria AT entra em contradição quando afirma que as operações não titulam operações reais (fls. 4/10), mas ela própria aceita que a operação tenha sido feita por intermediário (fls. 4/10), perfeitamente identificado (o tal L., com um NIF válido), posteriormente (a fls. 5/10) ainda não questiona que a impugnante tenha adquirido as quantias aproximadas às constantes dos documentos da S. e da A. T..
15. O Mmº juiz a quo extraiu ilações e conclusões alheias às regras da experiência comum e do bom senso.
16. A decisão recorrida viola o princípio da prova livre (artº 655º do CPC) pois não assenta a fundamentação nas balizas que este princípio impõe, entrando, salvo o devido respeito, numa deriva de raciocínio de arbitrariedade e não de vinculação à lei.
17. A prova documental e testemunhal produzida (ainda para mais gravada) não sustenta as congeminações subjacentes à fundamentação que o julgador faz da matéria de facto e, por isso, se impõe a sua alteração no sentido preconizado nestas alegações.
18. A prova produzida em inquirição e a documental dos autos, nomeadamente a trazida pela impugnante, permitiu tirar todas as dúvidas quanto à veracidade e materialidade das operações e transacções tituladas pelas facturas da S. e da A. T..
19. As facturas da S. e da A. T. registadas e documentadas na contabilidade são formalmente regulares, cumprindo as exigências previstas pelo arte 35º, nº 5 do CIVA.
20. Não há razões para que não se aceitem como válidos e consubstanciadores de operações reais e verdadeiras os documentos constantes da empresa, ou seja, se preferir, não há razões para que a veracidade da contabilidade e das declarações e dos documentos delas constantes deva ser posta em causa, nos termos 75º da LGT.
21. Não é aceitável qualificação da despesa como despesa confidencial e sua tributação autónoma à taxa de 50%
22. A AT esquece-se, e o Mmº Juiz a quo também, que, nos pagamentos de 2002, dos € 75.940,59, a quantia de € 29.700,00 se mostram titulados por cheque para qualificar a despesa como confidencial (parágrafo 8 de fls 5/10 e parágrafo 9 de fis 8/10).
23. E na mesma medida, nos relativos a 2003, de € 77.803,16, € 37.475,00 se mostram também pagos por cheque.
24. Ou seja, os cheques estão correctamente emitidos; foi solicitada à impugnante e autorizada a emissão pelo banco de cópia, frente e verso; foram verificados, não podendo ser assacada responsabilidade sobre os mesmos após a sua emissão.
25. Pelo que, a quantia titulada de € 64.175,00 (€ 29.700,00 + € 37.475,00), nesta ordem de raciocínio nunca pode ser tida e apelidada como confidencial.
26. Não cabendo à impugnante saber, averiguar e justificar se os seus beneficiários foram ou não as entidades a quem os mesmos foram emitidos, tanto mais que não tem, nem tem que ter, os meios à sua disposição para esse fim, até pelas razões aduzidas na petição inicial e como resultou, à saciedade, provado em sede de instrução e de prova.
27. A própria AT não duvida da aquisição e da entrada da madeira nas instalações da aqui impugnante.
28. As aquisições mostram-se documentadas por facturas e venda a dinheiro que cumprem todos os requisitos legais, nomeadamente os do artº 35º, nº 5 do CIVA.
29. As contas correntes relativas às duas entidades em causa, reflectem todos os movimentos efectuados, bem como o momento e forma como aconteceram.
30. As despesas confidenciais são as que não especificam a sua natureza, origem e finalidade, como se escreve no Ac. do STA de 23/3/94, rec. 17812 (Ap. DR de 28/11/96, pág. 1145) e de 3/12/2003, in www.dgsi.pt em que se escreve:
"Não é confidencial a despesa, titulada por documento, do qual constam as identidades do vendedor, adquirente e a designação do bem transmitido e respectivo preço"
31. Os documentos constantes da contabilidade da impugnante exteriorizam-se por iguais características e, como tal, também não podem ser classificadas de confidenciais ou indocumentadas.
32. Desde que as despesas se mostrem documentadas, ainda que porventura indevidamente (o que só em tese se admite), não podem ser classificadas como confidenciais e objecto de tributação autónoma. Cfr. no mesmo sentido, ibidem, o mesmo Ac. do STA de 3/12/03.
33. Sendo certo, de qualquer forma, que mesmo que determinada transacção e/ou determinada despesa possa não ser considerada como custo, não se pode concluir, sem mais, que a mesma assume carácter de despesa confidencial e ser alvo de tributação autónoma em IRC.
34. O acto tributário padece de erro sobre os pressupostos de direito e de facto.
35. A AT e Mmº Juiz não podem, por um lado, pretender qualificar as compras, operações e os documentos (facturas e venda a dinheiro) como fictícios ou falsos e, ao mesmo, tempo as qualificar como despesas confidenciais e sujeitas a tributação autónoma.
36. Isto porque as despesas confidenciais pressupõem a existência das operações a que respeitam, dai a sua tributação autónoma.
37. Em sentido oposto, as facturas falsas respeitam a operações ou serviços não existentes e, como tal não assim passíveis de tributação por inexistência de facto tributário.
Termos em que deve o recurso ser julgado procedente, revogada a sentença recorrida, julgando-se a impugnação judicial procedente, por provada, e, em consequência devem ser anuladas a liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios, relativas ao ano de 2002 e 2003 e deve ser ordenada a restituição do que foi pago a título de imposto e acréscimos legais, no valor de € 84.468,56, desde 17/5/06 e 17/7/2006, respectivamente, até integral reembolso, acrescido dos juros indemnizatórios devidos, assim fazendo a sã e costumada JUSTIÇA!”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e, consequentemente, de direito, no que tange à desconsideração dos custos que assentaram em “facturação falsa” e quanto à tributação autónoma.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
De facto.
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:
A) No exercício de 2002 a impugnante registou na sua contabilidade, entre outras, as seguintes factura e venda a dinheiro emitidas pela "S. , Ld.ª", pessoa colectiva n.º (…), abreviadamente designada S. (relatório de inspecção tributária (RIT) junto ao processo de reclamação graciosa (PRG)):
DataDocumentoDescriçãoQtdPr. Unit.BaseIVATotal
28/2/2002Factura n° 220004Toros de pinho218Ton.€64,84€14.135,12€2.402,97€16.538,09
19/6/2002Venda a dinheiro n° 1052Madeira Rolaria302 Ton.€64,84€19.581,68€3.720,52€23.302,20
Total 520 Ton. €33.716,80€6.123,49€39.840,29
B) No exercício de 2003 a impugnante registou na sua contabilidade, entre outras, as seguintes facturas emitidas pela "A. T. , Ld.ª", pessoa colectiva n.º (…), abreviadamente designada A. T. (Rrr):
DataDocumentoDescriçãoQtd / Ton.Pr. Unit.BaseIVATotal
25/4/2003Factura n° A-1Toros de pinho242,20€60,00€14.532,00€2.761,08€17.293,08
31/7/2003Factura n° A-75Toros de pinho352,70€60,00€21.162,00€4.020,78€25.182,78
29/8/2003Factura n° A-96Toros de pinho273,30€60,00€16.398,00€3.115,62€19.513,62
15/9/2003Factura n° A-103Toros de pinho112,44€60,00€6.746,40€1.281,82€8.028,22
30/9/2003Factura n.° A-111Toros de pinho109,04€60,00€6.542,40€1.243,06€7.785,46
27/11/2003Factura n.° A-140Toros de pinho172,24€60,00€10.334,70€1.963,59€12.298,29
Total 1.296,92 €75.715,50€14.385,95€90.101,45
C) A impugnante deduziu IVA constante das facturas e da venda a dinheiro, constantes das alíneas A) e B), nas respectivas declarações periódicas do IVA (RIT).
D) O valor das facturas e da venda a dinheiro referidas nas alíneas A) e B) contribuíram para a determinação do lucro tributável da impugnante nos exercícios de 2002 e 2003 (RIT).
E) A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva ao IRC e IVA dos exercícios de 2002 e 2003, na sequência das informações provenientes da Direcção de Finanças de Braga e Vila Real, sobre as acções inspectivas realizadas à S. e A. T. (RIT e RIT da S. e da A. T. juntos ao processo administrativo (PA)).
F) Com base nos factos apurados no RIT, que consta de fls. 126 a 138 do PRG, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, os serviços de inspecção tributária consideraram que a factura e a venda a dinheiro emitidas pela S., referidas na alínea A), e as facturas emitidas pela A. T., referidas na alínea B), registadas na contabilidade da impugnante, não titulam operações económicas efectivas e decidiram que essas facturas não conferiam o direito à dedução do IVA, nos termos do art. 19.°, n.º 3, do CIVA, nem são dedutíveis para efeito da determinação do lucro tributável, nos termos do art. 42.°, n.º 1,alínea g), do CIRC (RIT).
G) Os SIT consideraram que o IVA dessas facturas foi indevidamente deduzido pela impugnante nas respectivas declarações periódicas e que o valor dessas facturas e da venda a dinheiro foi indevidamente deduzido na determinação do lucro tributável dos respectivos exercícios (RIT).
H) Os SIT consideraram ainda que os pagamentos referentes às facturas e venda dinheiro identificados nas alíneas A) e B) registados na contabilidade da impugnante são confidenciais ou não documentadas por respeitarem a operações económicas fictícias e não identificarem os seus efectivos beneficiários (RIT).
I) Em consequência a administração tributária procedeu à correcção meramente aritmética (fls. 126 a 129 do PRG):
I.1) À matéria tributável do IRC dos exercícios de 2002 e 2003 de, respectivamente, €33.716,80 e €75.715,50; e
I.2) Do IVA, tendo apurado um IVA em falta nos exercícios de 2002 e 2003 de, respectivamente, €6.123,49 e €14.385,95.
J) Por isso, a administração tributária procedeu à correcção meramente aritmética do IRC dos exercícios de 2002 e 2003, tendo sido apurado um IRC em falta de €37.970,30 e €38.901,58 (fls. 126 a 129 do PRG).
K) Nos anos de 2002 e 2003 foi ainda determinada a liquidação por tributação autónoma por despesas confidenciais no valor de, respectivamente, €37.970,30 e €38.901,58, que correspondem a 50% dos pagamentos efectuados nesse exercícios à S. e à A. T., nos montantes de €75.940,59 e €77.803,16 (fls. 126 a 129 do PRG).
L) Estas correcções deram origem às liquidações impugnadas de IRC e juros compensatórios de 2002 e 2003, no valor de €42.093,97 e de €41.574,59, respectivamente (fls. 118 a 121 do PA).
M) No ano de 2002 a impugnante adquiriu madeira em quantidades aproximadas às constantes das facturas emitidas em nome da S. (RIT).
N) No ano de 2003 a impugnante adquiriu madeira em quantidades aproximadas às constantes das facturas emitidas em nome da A. T. (RIT).
O) L., contribuinte fiscal n.º 128 266 856, exerce a actividade de exploração florestal e é fornecedor da impugnante (RIT).
P) A impugnante pagou o valor das liquidações impugnadas de €42.093,97 e de €41.574,59, respectivamente, em 17/5/2006 e 17/7/2006 (fls. 118 a 121 do PA).
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga não provado:
1) A madeira constante da factura e venda a dinheiro identificadas da alínea A) da matéria de facto provada, registadas na contabilidade da impugnante, foram efectivamente fornecidas pela S. à impugnante.
2) A madeira constante das facturas identificadas da alínea B) da matéria de facto provada, registadas na contabilidade da impugnante, foram efectivamente fornecidas pela A. T. à impugnante.
3) A madeira constante da contabilidade da ora impugnante entrou nas suas instalações, foi trabalhada e contabilizada a correspondente factura.
4) Não corresponde à verdade que os fornecimentos habituais à impugnante rondassem apenas as 20 a 30 toneladas (fls. 37 a 48).
3.1.1 - Motivação.
O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art. 74.°, n.º 1, da LGT).
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art. 516.° do CPC).
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.° da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.°, n.º 1, da LGT e 362.° e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos.
Além disso relevou ainda os depoimentos das testemunhas, sobretudo das arroladas pela administração tributária que com depoimentos coerentes corroboraram os factos constantes do RIT da impugnante e das acções inspectivas realizadas à S. e à A. T., também juntas aos autos, conjugados com a restante prova já carreada para o processo e com as regras da experiência.
A matéria de facto não provada resultou da insuficiência da prova.
Sendo factos alegados pela impugnante recaía sobre ela o respectivo ónus da prova (art. 74.°, n.º 1, da LGT), pelo que perante a insuficiência da prova produzida os factos alegados foram julgados contra si, tendo, por isso, sido julgados não provados (art. 516.° do CPC).
Para prova dos factos alegados, além dos documentos já juntos aos autos, a impugnante juntou documentos com a petição inicial e no decorrer deste processo e arrolou testemunhas.
Os documentos juntos só por si não são suficientemente consistentes para comprovar que as empresas emitentes das facturas desconsideradas pela administração tributária efectivamente venderam/forneceram à impugnante os produtos que delas constam.
Os documentos juntos aos autos pelas partes, bem como os documentos constantes do RIT, apesar de abstracta e formalmente revelarem o fornecimento de madeiras, não comprovam que as madeiras constantes das facturas foram efectivamente fornecidas / vendidas pela S. e pela A. T.. Os documentos representam apenas o aspecto formal do movimento comercial e contabilístico.
Os documentos apresentados pela impugnante não são bastantes para comprovar que a madeira que consta das facturas desconsideradas pelos SIT foi efectivamente fornecida pelas empresas em nome das quais foram emitidas as facturas.
Por outro lado, o depoimento das testemunhas não se revelou suficientemente consistente para convencer o tribunal dos factos julgados não provados, isto é, que foram as empresas que emitiram as facturas efectivamente venderam à impugnante as madeiras que delas constam.
«As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos» (art. 341.° do CC).
No caso em apreço, o facto relevante é a materialidade da operação comercial subjacente às facturas desconsideradas pela administração tributária, ou seja, é demonstrar-se que foi a S. e a A. T. que efectivamente forneceram à impugnante as madeiras que constam das facturas emitidas em seu nome.
Para prova destes factos o depoimento relevante era o da testemunha L., sobretudo para os alegados fornecimentos da S., porquanto terá sido ele a apresentar a empresa à impugnante.
Porém, o seu depoimento não se revelou suficientemente coerente e consistente para convencer o tribunal na formação da sua convicção. O depoimento desta testemunha além de vago e impreciso, foi prestado sem espontaneidade e assertividade bastante para poder relevar na formação da convicção do tribunal.
Este depoimento apresenta ainda incoerência quando confrontado com as declarações prestadas pelo sócio gerente da impugnante de fls. 93 a 95 do PA, abalando a credibilidade de ambos e a consistência da versão da impugnante. Note-se que L. refere ter sido intermediário da S. e da A. T. e de realizar os transportes da madeira para as instalações da impugnante, quando o sócio gerente da impugnante declarou que L. ofereceu um lote de madeira em nome da S. e não refere qualquer intervenção ou mediação dele nos alegados fornecimentos da A. T. e no seu transporte.
Estas incongruências são ainda reforçadas pelo facto do sócio gerente da impugnante ter-se referido à oferta de um lote de madeira da S. e ter sido emitida uma factura e uma venda a dinheiro para contabilização desse lote com 4 meses de intervalo e de tipos de madeira distintos.
Outra incongruência que abala a coerência e credibilidade deste depoimento consiste no facto de L. ser fornecedor da impugnante e aparecer aqui como intermediário de outras empresas a fazer concorrência à sua própria actividade, o que revela uma incompreensível falta de verosimilhança. Acresce que esta incongruência não é explicada pela versão apresentada pela testemunha J., de que nos anos de 2002 e 2003 L. foi intermediário da impugnante porque estava com dificuldades económicas por estar a construir uma casa. Esta versão não é, de todo, plausível.
Desde logo, se estava a construir uma casa mais razões tinha para trabalhar como fornecedor e não como mero intermediário, tanto mais que dessa forma obteria maiores rendimentos.
Por outro lado, se havia tanta confiança entre a impugnante e L. para lhe confiar os alegados pagamentos em dinheiro da intermediação entre ela a S. e a A. T. e se era tão habitual fazerem-se pagamentos em dinheiro para adiantamentos de compras de madeiras e para pagamentos dos custos de abate e transporte, a construção da casa e a alegadas dificuldades económicas não impediriam L. de continuar a exercer a sua actividade de fornecedor da impugnante, porquanto a impugnante sempre poderia adiantar-lhe os pagamentos para exercer a sua actividade.
Finalmente, não se compreende que as alegadas dificuldades impedissem L. de trabalhar como fornecedor da impugnante e permitissem que ele trabalhasse como alegado transportador da A. T., conforme ele próprio declarou.
O depoimento de J., funcionário da impugnante, que declarou que chegou a fazer cargas da A. T. no regresso às instalações da impugnante (versão que conjugada com o depoimento de C. é corroborada por ele) por ordem do patrão e que chegou a fazer pesagens, também não relevou. Este depoimento também não demonstra que os fornecimentos de madeiras eram efectivamente feitos pela S. e A. T. e ao invés até revelam que não seriam fornecimentos realizados por essas empresas, porquanto desmentem as declarações do sócio gerente da impugnante de fls. 93 a 95 do PA, que afirmou que os fornecimentos dessas empresas tinham sido realizados por L., no caso da S., e pela A. T., quer em carros próprios quer por transportadores a seu cargo, e contrariam o depoimento de L. na medida em que afirma que fazia os transportes em camiões próprios. Quanto às alegadas pesagens o facto de declarar que eram realizadas, que era esse o procedimento da empresam, não é bastante para comprovar que foram efectivamente realizadas no caso dos alegados fornecimentos da S. e da A. T. e que peso tinham. Aqui a prova documental feita pelos instrumentos de pesagem era essencial ou pelo menos uma confirmação da correspondência entre a alegada pesagem e o valor constante das facturas, como forma de corroborar essa correspondência, até para salvaguarda da própria impugnante em caso de eventual reclamação. A alegada falta de arquivamento dos documentos de pesagem e a sua inutilização depois da emissão da factura, sem a validação e confirmação feita de forma autêntica nas respectivas facturas revela um procedimento inverosímil, porquanto não ficou atestada e comprovada a alegada pesagem.
C. corroborou genericamente a versão da impugnante, a sua forma de trabalhar e de contabilizar os fornecimentos, mas o seu depoimento tem de ser ponderado atendendo que é funcionário da impugnante. Por outro lado, tem ainda de ponderar-se que não se referiu a qualquer contacto concreto com os alegados fornecedores em causa, nem qualquer contacto efectivo material com eles.
O depoimento das restantes testemunhas não se revelaram relevantes porquanto não tinham conhecimento directo dos factos, quanto ao fornecimento efectivo das madeiras das facturas em causa nestes autos. As restantes testemunhas descreveram a forma de exercício da actividade em geral e da forma de trabalhar da impugnante, mas não tiveram contacto directo com os alegados fornecedores em causa nos autos. Essas testemunhas não tiveram qualquer participação directa nos alegados fornecimentos da S. e A. T.. De resto a própria testemunha J. que acabou por admitir no seu depoimento que o conhecimento que tem dos factos foi-lhe transmitido pela gerência da impugnante e pelo contacto que teve com o tratamento contabilístico dos documentos, o que revela que não teve contacto directo com as circunstâncias que rodearam os alegados fornecimentos de madeira constantes das facturas em causa nestes autos.
Como melhor decorrerá da fundamentação, ponderada a prova produzida constatamos que, de um lado, temos uma prova objectiva e consistente, sustentada em provas documentais e em declarações do gerente da impugnante (por vezes até conjugada com a prova das testemunha da impugnante), provas objectivas e credíveis, que revelam de forma coerente e verosímil a existência de fortes indícios que as facturas emitidas em nome da S. e A. T. não têm subjacente uma operação económica real, porquanto essas empresas efectivamente não forneceram à impugnante a madeira que consta dessas facturas.
Esta prova é susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita da impugnante e dos respectivos documentos de suporte (art. 75° da LGT).
Cabia então ao sujeito passivo (à impugnante) provar que as operações económicas constantes das facturas correspondiam a transacções reais.
Porém, a prova produzida pela impugnante supra referida, documental e testemunhal, não foi suficientemente consistente para convencer o tribunal que a madeira constantes das facturas emitidas em nome da S. e da A. T. foi efectivamente fornecida.
Na falta de produção de prova bastante, tais factos têm de ser julgados contra a impugnante, sobre quem recaía o respectivo ónus da prova (arts. 74°, n.º 1, da LGT e 516.° do CPC). Motivo pelo qual julgaram-se não provados os factos que constam da matéria de facto não provada.
Aqui cumpre esclarecer os pontos 3 e 4.
Quanto ao ponto 3 o tribunal julgou-o não provado, porquanto resultou da matéria de facto provada que os alegados fornecimentos constantes da venda a dinheiro e das facturas emitidas em nome da S. e da A. T. não correspondiam a transacções económicas reais, pelo que apesar de terem sido registados na contabilidade da impugnante, foram-no indevidamente pelo que não pode dizer-se que toda a madeira da contabilidade da impugnante entrou nas suas instalações, foi trabalhada e contabilizada a correspondente factura.
Com efeito, não pode dizer-se que a madeira a que se reportam as facturas e a venda a dinheiro em causa nestes autos entrou na contabilidade da impugnante e nas suas instalações, foi trabalhada e contabilizada a correspondente factura. Apenas pode dizer-se que as referidas facturas e venda a dinheiro foram registadas e contabilizadas na impugnante, mas não pode dizer-se que a madeira correspondente foi contabilizada pela impugnante, entrou nas suas instalações foi trabalhada e facturada, porque as operações económicas subjacentes não são reais.
E esta conclusão não é contraditada pela matéria de facto provada das alíneas M) e N). Essas alíneas demonstram que a impugnante adquiriu madeira equivalente à quantidade constante das facturas e venda a dinheiro em causa nestes autos, até porque só assim se consegue compreender que a impugnante tenha mantido o seu nível de actividade.
Porém, esta constatação não revela que a S. e a A. T. efectivamente forneceram à impugnante a madeira que consta das referidas facturas e venda a dinheiro. Ao invés, esta constatação corrobora a conclusão da administração tributária, de resto parcial e tacitamente admitida pela impugnante, que neste tipo de actividade a aquisição de madeira é muitas vezes realizada a particulares não registados fiscalmente e avessos à emissão de documentação fiscalmente válida, pelo que as facturas e a venda a dinheiro em causa nestes autos serviam para regularizar contabilisticamente os fornecimentos de madeiras que não tinham documentos fiscais válidos, pois só assim é que a impugnante conseguia manter a sua contabilidade organizada.
Mas esta alegada regularização da contabilidade com as facturas e venda a dinheiro emitidas em nome da S. e da A. T. não é fiscalmente válida e não pode ser contabilizada não só por não terem subjacente transacções económicas reais, como por não corresponderem aos custos eventualmente suportados com a aquisição dos fornecimentos de madeira sem documentos válidos, porquanto não se sabe qual foi a quantidade e o custo efectivo dessas aquisições desconhecendo-se, de todo, se elas coincidem ou não com os valores dessas facturas e venda a dinheiro (que iriam ser dissimuladas pela referidas facturas e venda a dinheiro).
Donde resulta que nem toda madeira efectivamente adquirida pela impugnante foi contabilizada, porque houve parte dela que não tinha documentos válidos (que iriam ser dissimuladas, pelo menos em parte, pelas facturas e venda a dinheiro em causa nestes autos), e a madeira constante das facturas e venda a dinheiro da S. e da A. T. não foi efectivamente fornecida à impugnante e como tal não podia ter sido registada na contabilidade da impugnante.
O tribunal julgou não provado o ponto 4 porquanto o que está em causa são os fornecimentos concreta e individualmente realizados e não o valor total constantes das facturas. No caso da venda a dinheiro e das facturas em causa nestes autos temos fornecimentos de madeira entre 109 e 352 toneladas, ao passo que conforme resulta dos documentos juntos pela impugnante os fornecimentos constantes dessas facturas são todos de entre cerca de 11 e 33 toneladas, e só o englobamento de diversos fornecimentos destes numa única factura é que permitem alcançar o valor de 100 ou mais toneladas por factura, mas que como se disse correspondem a inúmeros fornecimentos.
Isto é, os SIT alegam que cada fornecimento/carga de madeira ronda as 20 a 30 toneladas, ao passo que a impugnante para credibilizar a sua versão alega que são normais os alegados fornecimentos de 200 toneladas, invocando facturas que totalizam esses montantes, mas apenas porque englobam diversos fornecimentos, E aqui reside a diferença e a falta de coerência da impugnante, porquanto na venda a dinheiro e nas facturas em causa nestes autos não se discriminam diversos fornecimentos que totalizem as referidas 109 a 352 toneladas. Cada factura tem essa carga sem que esteja discriminado ou demonstrado englobamento de diversas cargas que totalizem esse valor, o que significa que cada uma dessas facturas e a venda a dinheiro correspondem a um fornecimento.
Logo, o tribunal julgou não provado tal facto porque considerou que a que está em causa não é o valor global de mercadoria constante de cada factura, mas o peso de cada fornecimento concreta e individualmente realizado à impugnante, donde resulta que corresponde à verdade que cada fornecimento realizado à impugnante ronda, em regra, as 20 a 30 toneladas e não as 109 a 352 (valor que resulta das facturas em que são englobados diversos fornecimentos, como sucede no caso das facturas da M., Ld.ª, juntas pela impugnante ao PRG e a estes autos de fls. 37 a 48), conforme pretende fazer crer a impugnante.
A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa. Designadamente a alegada forma de trabalhar deste tipo de actividade e a intervenção dos intermediários porque é irrelevante para o caso em apreço.
Por um lado, porque a forma de trabalhar em geral não significa, só por si, que tenha sido exactamente a forma de trabalhar com as alegadas empresas que emitiram as facturas.
Por outro lado, porque conforme resulta do depoimento das testemunhas, sobretudo de C., a alegada intervenção dos intermediários e os pagamentos em dinheiro ocorrem em pequenos fornecedores, tendo ainda sido referido por L. que os pagamentos em dinheiro destinavam-se a pagar a trabalhadores e as despesas de extracção em mata e de transporte. Sendo a S. e a A. T. alegadamente empresas fornecedoras da impugnante por um lado não são pequenos fornecedores e por outro lado era a elas e não à impugnante que competia pagar as despesas dos trabalhadores e da extracção em mata e dos transportes. Com efeito, se L. era intermediário entre essas empresas e a impugnante, eram essas empresas que tinham que arcar com essas despesas e não a impugnante, pelo que não havia motivo para proceder a esses pagamentos.”
*
2. O Direito

O cerne do recurso interposto passa por saber se a sentença errou no julgamento da matéria de facto – cfr. conclusões 3.ª a 18.ª das alegações de recurso.
Desde logo, pretende a Recorrente a alteração da decisão da matéria de facto, devendo ser considerada provada a matéria que o tribunal recorrido levou aos factos não provados:
1) A madeira constante da factura e venda a dinheiro identificadas da alínea A) da matéria de facto provada, registadas na contabilidade da impugnante, foram efectivamente fornecidas pela S. à Impugnante.
2) A madeira constante das facturas identificadas da alínea B) da matéria de facto provada, registadas na contabilidade da impugnante, foram efectivamente fornecidas pela A. T. à impugnante.
3) A madeira constante da contabilidade da ora impugnante entrou nas suas instalações, foi trabalhada e contabilizada a correspondente factura.
4) Não corresponde à verdade que os fornecimentos habituais à impugnante rondassem apenas as 20 a 30 toneladas (fls. 74 a 65 do PRG).

O tribunal “a quo” pronunciou-se sobre a factualidade alegada e a matéria de facto fixada na decisão recorrida contemplou toda a prova produzida nos autos, incluindo os depoimentos das testemunhas que foram inquiridas no âmbito do processo n.º 156/08.4BEPNF, cuja prova foi aproveitada. Como se constata da leitura da sentença recorrida, o tribunal recorrido enunciou os factos apurados e fundamentou essa sua decisão ao considerar que a prova apresentada pela impugnante era insuficiente para provar a veracidade das operações, fazendo um exame crítico do depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante.
Partindo da fundamentação constante do relatório de inspecção tributária, o tribunal recorrido constatou que a AT não questiona que a ora Recorrente tenha adquirido matérias-primas em quantidades aproximadas às constantes dos documentos supostamente emitidos pelas sociedades “S. , Lda.” e pela “A. T. e C.ª, Lda.”, mas verificou que a AT reuniu factualidade suficientemente indiciadora de que a entrada dessas quantidades não ocorreu nos ritmos e teria origens distintas das constantes das facturas em crise. A AT revelou ser conhecedora do sector de actividade em que a Recorrente opera (actividade de serração de madeira), destacando que lida com diversos particulares e operadores não registados, avessos à emissão de documentação fiscalmente válida, o que lhe dificulta o processo de adquisição de matérias-primas fiscalmente relevantes, podendo ter, portanto, necessidade de documentar essas despesas.
Com efeito, a AT observou, através de informação constante do sistema informático da DGCI, que a emitente S. se encontra oficiosamente cessada pelos Serviços Centrais do IVA, com efeitos a 31/12/2001, tendo os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Braga encetado acção inspectiva e, após diversas diligências efectuadas, concluíram que a S. se encontrava inactiva desde 1999, sendo fictícias as vendas e as prestações de serviços realizadas nos exercícios de 2001 a 2004.
Nos exercícios de 2002 e 2003, aqui em causa, encontram-se registados na escrituração da Recorrente diversos documentos relativos a compras de matérias-primas – madeira em bruto, os quais divergem substancialmente das demais compras pelo facto de a quantidade de madeira adquirida ser superior aos fornecimentos habituais. De acordo com a informação proveniente dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Vila Real foram recolhidos elementos que indicam que às facturas emitidas pela sociedade A. T. não estarão associadas operações reais, designadamente pelo facto de as aquisições desta A. T. terem como documentos de suporte facturas emitidas pela S..
No fundo, estas situações traduzem que a Recorrente, não dispondo de documentos que permitissem validar fiscalmente as aquisições de matérias-primas, recorreu a facturas fictícias, sendo que, no exercício de 2003, envolveu uma nova sociedade – A. T. – embora não passe de uma triangulação para disfarçar a óbvia inexistência de actividade da S..
Também foram recolhidos diversos elementos junto da Recorrente, que tornam mais sólidos os factos já carreados, de que os documentos emitidos pelas emitentes S. e A. T. não consubstanciam operações reais, nomeadamente no que respeita às formas de pagamento ou ao facto de a Recorrente não estar na posse de quaisquer registos de controlo de entrada ou correspondência que permitissem validar essas aquisições, sendo que em ambas as situações os contactos poderão ter sido realizados através de um intermediário, sem que existam quaisquer elementos de conferência por pesagem, por exemplo.
É neste resumido contexto que a sentença recorrida concluiu estarem reunidos indícios de “facturação falsa”, considerando cumprido o ónus da prova que cabia à AT. Sendo que julgou incumprido o ónus da prova que incumbia à aqui Recorrente quanto à veracidade da operações comerciais em apreço, tendo decidido levar à factualidade não provada os quatro pontos que, agora, a Recorrente pretende incluir no probatório, na medida em que terá ocorrido uma errada valoração da prova.
Salientamos que o pretendido será a demonstração de que as matérias-primas referidas nas facturas desconsideradas tenham sido efectivamente compradas e fornecidas pelos emitentes das facturas (e não por outro operador económico ou fornecedor diferente, por exemplo).
Analisando a matéria que o tribunal recorrido incluiu nos “factos não provados”, facilmente evola que não elencou na decisão da matéria de facto factos simples, mas antes, em alguns casos, juízos de valor e conclusões de facto que condicionam irremediavelmente a subsunção ao direito e o desfecho da acção.
Seguramente, de factos apurados, o que se pretenderia retirar seria precisamente se a madeira constante das facturas e venda a dinheiro emitidas e identificadas nas alíneas A) e B) da matéria de facto provada, registadas na contabilidade da Recorrente, foram efectivamente fornecidas pela S. e pela A. T. à Impugnante, respectivamente. Logo, os pontos 1 e 2 dos “factos não provados” são conclusões que poderão resultar da invocação (e não-prova) de factos simples. Sendo conclusões de facto, não podem manter-se na decisão da matéria de facto, seja na matéria apurada, seja na matéria não provada, pois condicionariam, desde logo, o desfecho da causa.
A matéria vertida no ponto 3, que a Recorrente também peticiona que integre a factualidade provada, enferma do mesmo problema, além de ser vaga e genérica. Recordamos que a AT não questiona que a madeira que a contabilidade da ora Recorrente reflecte tenha entrado nas suas instalações, a grande dúvida reside no facto de ter sido emitida a correspondente factura pelos efectivos fornecedores da matéria-prima. Logo, verter na decisão da matéria de facto que a madeira constante da contabilidade da ora impugnante entrou nas suas instalações, foi trabalhada e contabilizada a correspondente factura, também resolverá de forma definitiva, sem mais, a lide, pelo que, igualmente, não poderá integrar a decisão qua tale.
Quanto à matéria ínsita no ponto 4 dos “factos não provados” - Não corresponde à verdade que os fornecimentos habituais à impugnante rondassem apenas as 20 a 30 toneladas – consubstancia a transposição, quase ipsis verbis, do invocado no artigo 42.º da petição inicial, encerrando um juízo de valor.
Nesta conformidade, a matéria vertida nos pontos 1, 2, 3, e 4 (factos não provados) da decisão recorrida nunca poderia manter-se, tendo-se como não escrita, nos termos do disposto no artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, na redacção aplicável à data.
Consequentemente, adianta-se, é forçoso improcederem as conclusões 3.ª a 18.ª das alegações do recurso.
Ainda neste contexto, não podemos deixar de alertar que o maior problema dos autos se reporta à forma de invocação na petição de impugnação, importando chamar à colação a factualidade que a Recorrente alegou na sua petição inicial, designadamente, a que foi objecto de prova testemunhal (cfr. actas de diligência de inquirição de testemunhas), ou seja, a matéria vertida nos artigos 3.º, 5.º a 9.º, 11.º a 14.º, 17.º a 33.º, 35.º a 39.º, 40.º a 85.º.
Desde logo, a grande maioria destes artigos encerram juízos, perplexidades, generalidades quanto à forma como se labora no sector da madeira/serração, conclusões de facto e de direito.
Nos artigos 26.º e 27.º invoca-se que o intermediário do negócio da impugnante com a S. existe (L.), tem existência fiscal e válida (NIF (…)), exerce a actividade no sector (exploração florestal) e é seu fornecedor desde há muitos anos. Afirma-se, ainda, ser perfeitamente corrente a existência de intermediários no negócio, que era ele a pessoa que fazia o transporte, em camiões próprios, da madeira para as instalações da impugnante, que entregava as facturas e recebia os pagamentos. No artigo 29.º da petição inicial alega-se que a madeira entrou na impugnante, foi pesada, foi laborada, facturada e paga. O mesmo se afirmando quanto ao ano de 2003 no artigo 76.º da petição de impugnação. O artigo 79.º é uma alusão às declarações do gerente da A. T. – segundo o mesmo depoimento, o indivíduo que fez os contactos era de nacionalidade espanhola e se apresentou como sendo proprietário da empresa, não havendo razões de desconfiar para que assim não fosse, também pelas razões atrás aduzidas.
Verificamos, portanto, que toda a alegação é demasiado vaga, impossibilitando a produção de prova de factos simples, concretos, que permitissem relacionar os bens, as quantidades, os montantes descritos nos documentos (facturas e vendas a dinheiro) com os emitentes dos mesmos.
A restante matéria invocada na petição de impugnação que aludimos limita-se a alegações conclusivas, que encerram ilações de facto, condicionando a prova, dado que o mais adequado seria invocar factos simples que permitissem ao tribunal retirar essa ilação de facto. A mesma técnica é repetida para os dois emitentes indicados nas facturas, para concluir que os bens foram efectivamente fornecidos por estes emitentes, portanto, foram as facturas devidamente registadas e lançadas na contabilidade – cfr. artigos 28.º, 29.º, 76.ºe 77.º da petição inicial.
Note-se que o tribunal recorrido considerou apurado que L., contribuinte fiscal n.º (…), exerce a actividade de exploração florestal e é fornecedor da impugnante – cfr. ponto O) do probatório. E que, no ano de 2002, a impugnante adquiriu madeira em quantidades aproximadas às constantes das facturas emitidas em nome da S. e, no ano de 2003, adquiriu madeira em quantidades aproximadas às constantes das facturas emitidas em nome da A. T. – cfr. pontos M) e N) da decisão da matéria de facto. Porém, inexistem quaisquer factos singulares invocados que permitam relacionar especificamente as quantidades de madeira constantes das facturas com as adquiridas ou que o suposto intermediário L. não tenha intervindo, como sempre interveio em vários anos, somente como fornecedor.
De facto, seriam necessários outros documentos que revelassem a entrada da concreta madeira indicada nas facturas que, em articulação com a prova testemunhal, permitissem observar a natureza do bem e a respectiva quantidade, como talões de controlo, de pesagem, guias de transporte, por exemplo.
Ora, quanto a esta matéria a impugnante limitou-se a esclarecer que os mesmos inexistem, pois tais anotações em folha avulsa, designadamente de pesagem em balança própria, apenas eram arquivadas até à emissão da factura e, após conferência, eram eliminadas – cfr. artigos 37.º e 38.º da petição de impugnação.
No que tange à alegada inexistência de documentos que comprovem a entrada da madeira nas instalações, a impugnante afirmou que a AT parece pressupor que os mesmos tivessem que existir, por serem de obrigação legal, quando sabemos que assim não é – cfr. artigo 36.º da petição inicial. A verdade é que se existissem teriam facilitado a prova em concreto e, provavelmente, afastado alguns factos indiciantes de “facturação falsa”.
Na mesma linha, no concernente às guias de transporte, alegou, no artigo 39.º da petição inicial, que é fácil perceber a razão pela qual as guias de transporte da S., como de qualquer outro fornecedor, não são arquivadas, por não se mostrarem relevantes e com valor externo.
Quanto ao ano de 2003, a impugnante ainda foi menos precisa e detalhada: em suma, e porque a AF para o ano de 2003 utilizou igual método e chegou a igual conclusão do que para 2002, também pelas razões invocadas se considera que as operações são verdadeiras e reais – cfr. artigo 86.º da petição de impugnação.
Não surpreende a razão para constatarmos, da decisão da matéria de facto, quase só estar vertida a matéria dos pontos M), N) e O), não se referindo expressamente a esta alegada factualidade, nem tinha que o fazer, por não estarem em causa factos simples, mas sim matéria conclusiva.
Embora todas as testemunhas tenham respondido, conforme teor das actas de inquirição de testemunhas a fls. 158, 159, 163 a 169 do processo físico (aproveitamento da prova testemunhal produzida no âmbito do processo n.º 156/08.4BEPNF), à matéria aí indicada da petição inicial, como vimos – o certo é que, em rigor, tal matéria não consubstancia factualidade simples, mas antes conclusiva; pelo que a mesma não poderá constar, nem do elenco dos factos assentes, nem da enumeração dos factos não provados. Trata-se, antes, de ilações a que o tribunal poderia chegar em face da factualidade apurada.
Impõe-se acentuar que a forma como a impugnante, ora Recorrente, invocou factualidade na sua petição inicial limita exponencialmente a apreciação em concreto dos fundamentos constantes das suas alegações de recurso. Dado que a prova deve ser produzida sobre factos simples, já que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, que, in casu, foram insuficientemente invocados.
Assim, reiteramos, não se poderá acolher o vertido nas conclusões 3.ª a 18.ª das alegações, não sendo de aditar qualquer matéria ao probatório, na medida em que, ter a madeira sido efectivamente fornecida pelos intervenientes identificados nas facturas, é matéria conclusiva, excluída do mesmo, sendo, por isso, de rejeitar, nesta parte, o recurso.
No entanto, não podemos deixar de acentuar que, se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
O Meritíssimo Juiz a quo exarou a motivação da decisão da matéria de facto, da qual se retira a sua convicção, designadamente quanto às testemunhas indicadas pela impugnante, que não lhe mereceram credibilidade pelos motivos que referiu. Daí a conclusão de que a impugnante não logrou fazer prova suficientemente consistente, coerente e verosímil para abalar a credibilidade da prova da AT e comprovar que as facturas emitidas em crise tiveram subjacente o fornecimento efectivo dos bens aí descritos.
Ora, como o nosso sistema processual consagra o princípio da livre apreciação das provas no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, tal significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência, o que, como veremos, se verifica no caso em apreço.
Pelas razões constantes da fundamentação da decisão da matéria de facto, o tribunal recorrido considerou que os depoimentos das testemunhas não serviram os propósitos da impugnante, pois não demonstraram a veracidade das transacções desconsideradas pela AT.
Aí se refere que as testemunhas, respondendo de forma genérica e não concretizada, não revelaram a certeza e precisão que se impunha (o que não se estranha, pois também não depuseram sobre factos concretos invocados), o que, conjugado com a objectividade da restante prova carreada para os autos pela AT, levou a que o Tribunal não lhes atribuísse credibilidade e consistência suficiente para julgar provado algum facto que permitisse, depois, retirar a ilação de realidade/efectividade das vendas de madeira realizadas pelas emitentes, e, concretamente, que tais quantidades de bens se traduziram nos respectivos montantes, assim como as datas em que ocorreram; pelo que não vislumbramos qualquer erro palmar na fundamentação constante da decisão em crise.
Neste sentido, apesar da prova documental e testemunhal produzida, não existem condições para alterar a decisão da matéria de facto (para além da eliminação da matéria inserida nos factos não provados, que foi considerada não escrita), pois não foi possível, nomeadamente, formar convicção, com a segurança e certeza exigíveis, de que, nos anos de 2002 e 2003, a Recorrente acordou especificamente com cada emitente (ou através de um intermediário) o fornecimento do tipo de madeira descrito nos documentos registados na contabilidade. Saliente-se que tal conclusão seria fulcral para, eventualmente, inverter a decisão recorrida acerca do mérito da causa nesta parte; não se vislumbrando que o tribunal recorrido tenha cometido qualquer erro grosseiro na apreciação e valoração da prova e, consequentemente, não foi violado o comando do artigo 23.º do Código de IRC ou o artigo 75.º da LGT, improcedendo, igualmente, a conclusão 20.ª das alegações de recurso.
Com efeito, tal entronca nesta última conclusão das alegações do recurso quanto à “facturação falsa”: Não há razões para que não se aceitem como válidos e consubstanciadores de operações reais e verdadeiras os documentos constantes da empresa, ou seja, se preferir, não há razões para que a veracidade da contabilidade e das declarações e dos documentos delas constantes deva ser posta em causa, nos termos 75º da LGT - cfr. conclusão 20.ª.
No entanto, a Recorrente não parece discutir os indícios fundados recolhidos pela AT, dado que nem sequer invocou na petição inicial qualquer facto que se destinasse a abalar os factos elencados no relatório de inspecção tributária, tão-pouco se propôs fazer contraprova desses factos.
Estando em causa indícios de facturação falsa, a AT não tem que provar a falsidade das facturas, bastando-lhe demonstrar os indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as facturas são “falsas”, para cumprir o seu encargo probatório.
Por força do disposto no artigo 346.º do Código Civil, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, pode a parte contrária (in casu a contribuinte Recorrente) opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e, se o conseguir, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova.
Com efeito, não vislumbramos através de que facto (ou de que prova) a Recorrente tenha conseguido tornar algum facto apurado pela AT duvidoso, nem ela o indica no seu recurso; pelo que não se mostra violado o disposto no artigo 75.º da LGT. Muito menos terá logrado demonstrar, a jusante, a materialidade das operações subjacentes às facturas em apreço.
A ausência de prova quanto à materialidade das operações tituladas pelas facturas questionadas tem de ser valorada contra a Recorrente que, segundo o critério de repartição do ónus da prova, era a parte onerada com a prova dessa matéria, levando consequentemente à desconsideração dos custos documentados por essas facturas e que a Recorrente se arrogava o direito de deduzir como componente negativa do lucro tributável – cfr. artigos 74.º, n.º 1, da LGT e 23.º, n.º 1, do Código do IRC.
Atento ao exposto, e em suma, o Meritíssimo Juiz a quo não errou na apreciação e valoração da prova, não se verificando o invocado erro de julgamento; sendo, portanto, de manter a decisão recorrida nesta parte.

Passemos, agora, à segunda parte do objecto do presente recurso, contendendo com invocação de erro, nos pressupostos de facto e de direito, na qualificação como despesa confidencial e a respectiva tributação autónoma – cfr. conclusões 21.ª a 37.ª das alegações do recurso.
Defende a Recorrente que se as despesas se mostrarem documentadas, ainda que porventura indevidamente (o que só em tese admite), não podem ser classificadas como confidenciais e objecto de tributação autónoma; que mesmo que determinada transacção e/ou determinada despesa possa não ser considerada como custo, não se pode concluir, sem mais, que a mesma assume carácter de despesa confidencial e ser alvo de tributação autónoma em IRC.
A AT, tanto no exercício de 2002 como no de 2003, perante o registo na contabilidade da Recorrente de pagamentos à S. e à A. T., entendeu que tais valores representam uma saída de fundos da Recorrente, os quais, na sua óptica e também na do tribunal recorrido, assumem o carácter de despesas confidenciais, dado corresponderem a saídas efectivas de meios monetários da Recorrente e não ser possível identificar, em concreto, o beneficiário desses fundos, o que viola a lógica do imposto sobre o rendimento, a qual assenta no pressuposto de que um custo numa entidade corresponde a um proveito noutra entidade, tendo presente que estamos perante pagamentos de operações qualificadas como fictícias.
Na redacção vigente à data dos factos, dispunha o artigo 23.º do Código de IRC:
«1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas (…)»
Por outro lado, dispunha o artigo 42.º do mesmo Código sob a epígrafe “Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais” que:
«1 - Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:
(…)
g) Os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial».
E o artigo 81.º, sob a epígrafe “Taxas de tributação autónoma” dispunha:
«1 – As despesas confidenciais ou não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º. (…)»
Como se assinala no Acórdão do STA, de 04/19/2017, proferido no âmbito do processo n.º 01320/16, «A terminologia empregue no art.º 23.º e 81.º é suficientemente esclarecedora de que o legislador estabeleceu diferença entre encargos não devidamente documentados e despesas não documentadas, reservando esta qualificação para as despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental».
Em relação à diferença entre despesas confidenciais e despesas não documentadas, as primeiras serão aquelas relativamente às quais não é revelada a sua natureza, origem e finalidade, enquanto as segundas serão despesas relativamente às quais não existe prova documental, embora não haja ocultação da sua natureza, origem ou finalidade. Todas elas, no entanto, serão despesas não comprovadas documentalmente – cfr., neste sentido, o Acórdão do STA (Pleno da Secção do Contencioso Tributário), de 18/02/2009, processo n.º 0600/08.
Só as despesas confidenciais ou não documentadas são passíveis de tributação autónoma, não se incluindo nas despesas não documentadas os encargos não devidamente documentados, reservando a lei a qualificação de não documentadas para as despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental, sendo que estas, para além de sujeitas a tributação autónoma, não são consideradas custo fiscal. Já os encargos não devidamente documentados, são aqueles que embora tenham suporte documental, este não se encontra devidamente emitido. Estes encargos serão ou não considerados custo fiscal, consoante o sujeito passivo consiga, ou não, justificar a operação contabilizada, em termos de propiciar à Administração fiscal um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor, uma vez que, como se sabe, à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro.
É nossa convicção que, a este propósito, a razão está do lado da Recorrente, dado que a AT não pode pretender afirmar que as operações e os documentos são falsos, por não corresponderem a transacções efectivas ou reais, e, ao mesmo tempo tributar autonomamente essas mesmas despesas. Note-se que as facturas não perdem a sua natureza fictícia pelo facto de a impugnante a elas ter recorrido para a cobertura de reais e efectivas operações com sujeitos passivos não emitentes, posto que os elementos caracterizadores das operações que descrevem não correspondem à realidade.
Realmente, nesta parte, o acto tributário padece de erro sobre os pressupostos de direito e de facto, isto porque as despesas confidenciais pressupõem a existência das operações a que respeitam, daí a sua tributação autónoma. Se inexiste o facto tributário, por as operações serem fictícias ou simuladas, não há lugar a tributação, atenta a ostensiva falta desse pressuposto.
Decorre do exposto que, muito embora o legislador não reconheça às despesas confidenciais ou não documentadas a possibilidade de poderem ser deduzidas para efeito de determinação do lucro tributável, as considera, em todo o caso, fiscalmente, já que as tributa autonomamente e isto porque considera que essas despesas correspondem a operações realizadas.
Já o mesmo não sucede quanto às facturas fictícias e correspondentes despesas que nem são relevadas fiscalmente nem consideradas despesas efectuadas já que não têm subjacentes verdadeiras e reais operações. Pelo que a sua constatação apenas poderá determinar a correcção da matéria tributável, nomeadamente através da mera correcção técnica com o respectivo acréscimo da matéria colectável – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 20/01/2004, proferido no âmbito do processo n.º 00589/03.
Ao sujeitar o encargo contabilizado pela impugnante e ora Recorrente a tributação autónoma, a AT incorreu manifestamente em erro nos pressupostos, sendo censurável, nesta parte, a sentença recorrida que validou este adicional de IRC.
Nesta conformidade, urge conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial parcialmente procedente, anulando as liquidações de IRC impugnadas somente no elemento que respeita à tributação autónoma.

Conclusões/Sumário

I. O princípio da livre apreciação das provas, contido no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência.
II. Da decisão da matéria de facto devem constar factos simples e não matéria conclusiva (somente sobre os primeiros, quando controvertidos, deve recair a produção de prova, já que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos). As conclusões de facto e de direito são efectuadas em julgamento pelo tribunal.
III - As despesas confidenciais ou não documentadas pressupõem a existência das operações a que respeitam, daí a sua tributação autónoma.
IV- As facturas falsas respeitam a operações ou serviços não existentes. Não são, assim, passíveis de tributação, por inexistência de facto tributário.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial parcialmente procedente, anulando as liquidações impugnadas na parte referente à tributação autónoma.

Custas a cargo de ambas as partes, nas duas instâncias, na proporção do decaimento, que se fixa em 50%; sendo que, nesta instância, as custas a cargo da Recorrida não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 16 de Dezembro de 2021


Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares