Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00077/10.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2012
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:OPOSIÇÃO; PETIÇÃO INICIAL; REJEIÇÃO; MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA.
Sumário:I. O indeferimento liminar da petição de oposição, baseado na manifesta improcedência, não pode deixar de constituir uma situação de natureza excepcional, a utilizar com parcimónia, com prudência, já que elimina, ab initio, qualquer expectativa do oponente de ver apreciada e julgada a sua pretensão.
II. É necessário, pois, que se trate de uma razão evidente, indiscutível, em termos de razoabilidade, que permita considerar dispensável a audição das partes, em sintonia com o preceituado no nº3 do art. 3º do CPC.
III. Daquilo que se trata, e assim é no caso previsto no artigo 209º, nº1 do CPPT, é de perante a análise da p.i de oposição ressaltar de forma absolutamente incontornável, sem margem para dúvidas, que a oposição é inviável, a ponto de se poder concluir que o seguimento do processo não tem qualquer razão de ser.
IV. Tal não sucede no caso dos autos em que o oponente invoca a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade e se a notificação da liquidação produziu os seus efeitos por ter observado as regras legais aplicáveis às notificações e se a dívida é exigível, questões relativamente às quais não se vislumbra que se possa dar resposta cabal, no sentido da sua manifesta improcedência, pela mera análise da p.i, através de uma decisão liminar que, além de impedir qualquer intervenção ulterior do oponente, exclui a Fazenda Pública de qualquer intervenção nos autos.
Recorrente:N(...)
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
1. Relatório
N(...), não se conformando com o despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que, ao abrigo do disposto no artigo 209º, alíneas b) e c) do CPPT, rejeitou liminarmente a p.i de oposição judicial deduzida contra a execução fiscal nº 2712200901002295, instaurada pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Paiva, para cobrança coerciva de dívida proveniente do IRS de 2005, no montante de € 19.382,37 e acrescido, dela veio interpor o presente recurso.
A culminar as respectivas alegações, formulou o Recorrente as seguintes conclusões:
1 - O ora recorrente foi citado que contra si tinha sido instaurado o processo de execução fiscal n.º 2712200901002295, devendo proceder ao pagamento da dívida exequenda no prazo de 30 dias, no total de 20.407,48€. Ora,
2 - O recorrente inconformado apresentou oposição em 2010/01/27. Para tanto,
3 - Alegou a nulidade da citação, em virtude não ter sido devidamente efectuada, por na carta registada não ter sido usado o aviso de recepção,
4 - Violando-se, assim, o disposto no artigo 38.°, n.º 1 e 39.º, n.º 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT). Para além disso,
5 - O ora recorrente invocou igualmente a caducidade do direito à liquidação.
Acrescentando ainda que,
6 - A notificação é extemporânea por ter sido realizada depois da ocorrência da caducidade do direito à liquidação. Ora,
7 - Em douta sentença proferida em 2011-02-25 pelo Tribunal a quo decidiu-se pela, rejeição liminar da presente oposição. Para tanto,
8 - A douta sentença conclui o seguinte: "o fundamento não integra o elenco dos admitidos para a oposição e, mesmo que o fosse a sua improcedência é manifesta; a manifesta improcedência verifica-se também quanto aos outros fundamentos. Pelo que, sem mais considerandos, rejeito liminarmente esta oposição (cfr. artigo 209. nº1, alíneas b) e c) do CPPT ". Todavia,
9 - Não pode o oponente, ora recorrente, conformar-se com tal indeferimento.
Porquanto,
10 - O ora recorrente na sua petição inicial requereu a junção aos autos de determinados documentos em posse da Fazenda Pública, designadamente, documento comprovativo da assinatura do aviso de recepção. Contudo,
11 - Nem o Serviço de Finanças de Vila Nova de Paiva procedeu a tal junção, nem tampouco lhe foi ordenado que o fizesse. Ora,
12 - No processo tributário vigora em pleno o princípio do inquisitório, patente nomeadamente no artigo 99.º da Lei Geral Tributária (LGT). Sendo certo que,
13 - De acordo com o artigo 98.º da LGT "As partes dispõem no processo tributário de iguais faculdades e meios de defesa”. Acresce que,
14 - O artigo 206.° do CPPT prevê expressamente que com a petição inicial em que se deduza oposição se apresentará todos os documentos e requererá as demais provas. Ora,
15 - O mencionado SF não fez essa junção nem lhe foi ordenado que o fizesse. Mais, " 16 - O Tribunal a quo não se pronunciou sequer quanto à diligência de prova requerida pelo oponente. Pelo que,
17 - Houve claramente omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo. O que,
18 - Conduz inevitavelmente à nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 125°, n.º 1 do CPPT. E,
19 - Mesmo que se considere que os fundamentos aduzidos pelo oponente não se integram nos admitidos pelo n.º 1 do artigo 204.° do CPPT, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo continua adstrito à descoberta da verdade material, de acordo com o disposto no artigo 265.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 2.° do CPPT e 13º, n.º 1 do CPPT. Ora,
20 - Havendo erro na forma do procedimento, o artigo 52.° do CPPT determina se "puderem ser aproveitadas as peças úteis ao apuramento dos factos, será o procedimento oficiosamente convolado na forma adequada". E, no mesmo sentido,
21 - O artigo 98.°, n.º 4 do CPPT. Acresce que,
22 - O Tribunal a quo ao não conhecer um pedido de prova da oponente violou, ainda, o n.º 4 do artigo 268.° da Constituição da República Portuguesa (CRP), na medida em que,
23 - Não foi assegurada a tutela jurisdicional efectiva dos interesses da oponente, ora reclamante. Por último, resta realçar que,
24 - Em relação à caducidade do direito à liquidação, não houve qualquer pronúncia por parte do tribunal a quo. Pelo que,
25 - Também por aqui se considera que houve omissão de pronúncia da douta sentença de que ora se recorre, violando-se, assim, o artigo 125.º do CPPT. Pois,
26 - De acordo com a douta sentença, a liquidação teve na base declaração Modelo 3, do ano de 2005. Ou seja,
27 - Tal circunstância insere-se na l ª parte do n.º 2 do artigo 45.º da LGT. Logo,
28 - A caducidade do direito à liquidação está sujeita ao prazo de três anos. Pelo que,
29 - E tal como é reconhecido na douta sentença, o oponente tendo sido notificado em 17-08-2009 da liquidação que originou a divida exequenda, foi notificado depois de ter ocorrido a caducidade do direito à liquidação. E isto,
30- Sucede assim, mesmo tendo em conta que estamos perante um imposto periódico (IRS), contando-se, nos termos do n.º 4 da LGT, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. Ou seja,
31 - O tribunal a quo, ao rejeitar liminarmente a presente oposição, escusou-se a conhecer questões a que estava adstrito a conhecer.
32 - Incorrendo, assim, em manifesta omissão de pronúncia, nos termos estabelecidos no artigo 125º do CPPT.
Nestes termos e nos melhores de Direito,
Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, ser revogada a douta decisão e substituída por outra que admita a oposição apresentada.
Assim se fazendo a acostumada Justiça!
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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Norte teve vista nos autos.
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Cumpre, assim, decidir o presente recurso, já que a tal nada obsta.
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Fundamentação
Com vista à decisão a proferir o Mmo. Juiz a quo consignou as seguintes ocorrências processuais:
A) O Oponente foi notificado, por carta registada entregue em 17-08-2009, da liquidação que originou a dívida exequenda a qual constitui objecto do processo de execução n° 2712200901002295, instaurada em 08-10-2009, cfr f1s. 8, 9, e 18 a 21, ponto 1, que aqui se dão por reproduzidos, o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos;
B) Liquidação que teve na base declaração Modelo 3, do ano de 2005, que o Oponente entregou, via internet, em 30-07-2007, liquidação emitida em 07-08-2009, vide doc. de fls. 57 a 65 e18a20;
C) Na declaração vinda de referir, no anexo G), consignou-se a alienação onerosa de imóvel que ocorreu através de escritura de compra e venda outorgada em 11 de Março de 2005, cfr. fls. 10 a 12 e 62;
D) Os presentes autos de Oposição tiveram origem em petição inicial apresentada em 28-01-2010, vide fls. 5.
E) Face ao vindo de referir em 06-01-2011 foi proferido despacho, notificado ao Oponente, com o seguinte teor:
“Atendendo aos fundamentos invocados na petição inicial, conjugando-os com a informação constante de fls. 21 perspectiva-se o indeferimento liminar deste processo.
Assim, para que o Oponente, querendo, possa reagir, comunique-lhe o presente despacho e a aludida informação”.
F) O Oponente reagiu defendendo que a liquidação em causa nestes autos adveio de uma acção inspectiva levada a cabo pela Administração Fiscal. Atenta a referida reacção diligenciou-se no sentido de juntar aos autos cópia da declaração remetida pelo Oponente, via internet, cfr. fls. 54 a 65.
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2.2. O direito
Vem interposto recurso do despacho proferido, em 25/02/11, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, nos termos do qual se decidiu, em conclusão, que “…o 1º fundamento não integra o elenco dos admitidos para a oposição e, mesmo que assim não fosse a sua improcedência é manifesta; a manifesta improcedência verifica-se também quanto aos outros fundamentos. Pelo que, sem mais considerandos, rejeito liminarmente esta oposição (cfr. artº 209º, nº1, alíneas b) e c) do CPPT”.
Os alegados fundamentos, tal como constam elencados no despacho sob recurso (concretamente no segmento em que aí se refere analisemos os fundamentos apresentados pelo Oponente) são, por esta ordem: a nulidade da citação, a falta de notificação da liquidação e a caducidade do direito de liquidar.
Antes de prosseguirmos, importa fazer uma precisão. É que os três fundamentos assim elencados não coincidem, em absoluto, com o que ficou consignado na parte introdutória do despacho recorrido, concretamente no que respeita à aludida nulidade da citação. Com efeito, o despacho, naquela parte inicial, refere que o oponente deduziu oposição invocando como fundamentos a nulidade da notificação da liquidação por preterição de formalidade legal prevista no artigo 38° e 39°, n°3 do Código de Procedimento e de processo tributário; a aludida notificação ocorreu passados 4 anos desde a verificação do facto tributário em 11 de Março de 2005; o prazo será de três anos previsto no artigo 45°, nº 2 porque a liquidação em causa resultou de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo; a falta de notificação válida origina inexigibilidade da dívida exequenda.
E, na verdade, lendo e relendo a p.i de oposição não se vislumbra aí nada que se assemelhe à invocação da nulidade da citação. Com efeito, o que ali se refere e que terá sido interpretado como nulidade da citação é, isso sim, a não observância das regras legais aplicáveis à notificação do acto tributário de liquidação de IRS que está subjacente à dívida exequenda, concretamente a questão da notificação ter sido efectuada por registo postal simples e não por registo postal com aviso de recepção.
Feito este esclarecimento inicial, comecemos por balizar a questão que, tal como resulta das conclusões da alegação do recurso, vem posta à apreciação deste Tribunal.
O Recorrente alonga-se por 32 conclusões defendendo, em síntese útil, que o despacho é nulo por omissão de pronúncia, invocando, para tal, o artigo 125º do CPPT. Na sua perspectiva, tal omissão de pronúncia consubstanciou-se na circunstância de a decisão recorrida nada ter dito quanto às diligências de prova requeridas pelo oponente na p.i e, bem assim, no facto de o despacho não se ter pronunciado sobre a invocada caducidade do direito à liquidação.
Ora, a nulidade de sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões sobre as quais deveria ter-se pronunciado [arts. 125.º do CPPT e 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC]. Tal nulidade está conexionada com os deveres de cognição do Tribunal, previstos no art. 660.º, n.º 2, do CPC, no qual se estabelece que o juiz tem o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Importa relembrar que a decisão recorrida consubstancia um despacho liminar de rejeição da p.i de oposição por, por um lado, tal como foi entendido, um dos fundamentos invocados não se incluir entre o elenco taxativo previsto no artigo 204º, nº1 do CPPT (“e mesmo que o fosse a sua improcedência é manifesta”) e, por outro lado, quanto ao demais invocado, por se ter considerado que tais fundamentos eram manifestamente improcedentes.
Interpretadas as alegações e respectivas conclusões, parece-nos medianamente claro que, sob a denominação de nulidade por omissão de pronúncia, o que o Recorrente pretende efectivamente atacar é a decisão de rejeição liminar e o juízo que está subjacente à mesma, concretamente no que toca à invocada manifesta improcedência dos fundamentos aduzidos.
Com efeito, só assim se compreende que o Recorrente dirija a este Tribunal um pedido no sentido de o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, ser revogada a douta decisão e substituída por outra que admita a oposição apresentada e, bem assim, que se insurja contra a falta de realização de diligências instrutórias com base nas quais pretende ver reconhecido o bem fundado da sua pretensão.
Portanto, sendo certo que o Tribunal não está vinculado ao nomen juris que as partes atribuem aos vícios da decisão objecto de recurso, pois que, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação do direito (vide, artigo 664º do CPC), temos por seguro que, in casu, daquilo que se trata é, efectivamente, de saber se a decisão recorrida fez errado julgamento quando indeferiu liminarmente a petição inicial com base na manifesta improcedência.
É, pois, nesta perspectiva que passaremos a analisar do presente recurso jurisdicional.
Vejamos, então.
O artigo 209º, nº1 do CPPT indica três motivos de rejeição imediata da oposição: a intempestividade, a não invocação de um fundamento enquadrável no nº1 do artigo 204º do CPPT e a manifesta improcedência.
Como bem se compreende, o indeferimento liminar da petição de oposição, baseado na manifesta improcedência, não pode deixar de constituir uma situação de natureza excepcional, a utilizar com parcimónia, com prudência, já que elimina, ab initio, qualquer expectativa do oponente de ver apreciada e julgada a sua pretensão. É necessário, pois, que se trate de uma razão evidente, indiscutível, em termos de razoabilidade, que permita considerar dispensável a audição das partes, em sintonia com o preceituado no nº3 do art. 3º do CPC – Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, Vol. III, 6ª edição, 2011, pág. 554.
Nas palavras do Professor Alberto dos Reis “o juiz só deve indeferir a petição inicial, …, quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente que torne inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial” – Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pág. 385.
Daquilo que se trata, e assim é no caso previsto no artigo 209º, nº1 do CPPT, é de perante a análise da p.i de oposição ressaltar de forma absolutamente incontornável, sem margem para dúvidas, que a oposição é inviável, a ponto de se poder concluir que o seguimento do processo não tem qualquer razão de ser.
Ora, volvendo ao caso dos autos, temos por certo que não é esta a situação em análise.
Desde logo, como se conclui da análise à tramitação dos autos, concretamente de fls. 55, daí se retira que o Mmo. Juiz para formar a sua convicção teve necessidade de proceder a alguma instrução, concretamente oficiando à Administração Fiscal … o envio a estes autos de cópia da declaração de rendimentos do ano de 2005 apresentada, via Internet, por N(...), …, em 30-07-2009.
Por outro lado, saber se o oponente carece em absoluto de razão quando invoca a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade (em concreto, a questão de saber se o prazo aí a atender é de 3 ou 4 anos, conforme coloca em discussão o oponente), e se a notificação da liquidação produziu os seus efeitos por ter observado as regras legais aplicáveis às notificações e se a dívida é exigível, são questões às quais não se vislumbra que se possa dar resposta cabal, no sentido da sua manifesta improcedência, pela mera análise da p.i, através de uma decisão liminar que, além de impedir qualquer intervenção ulterior do oponente, exclui a Fazenda Pública de qualquer intervenção nos autos.
E assim sendo, entendemos que o juízo de manifesta improcedência da oposição, determinante da sua rejeição liminar, não encontra apoio em razões tão evidentes e tão indiscutíveis que permitam concluir, ab initio, e sem margem para dúvidas, que o prosseguimento dos autos redundaria numa actividade processual absolutamente inútil.
Por conseguinte, o despacho recorrido não pode manter-se, devendo ser revogado, tal como se determinará.
Procedem, pois, as conclusões da alegação do recurso.
3. Decisão
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao presente recurso, revogar o despacho recorrido e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí prosseguirem, se nada mais a isso obstar.
Sem custas.
Porto, 23 de Novembro de 2012
Ass.: Catarina Sousa
Ass.: Nuno bastos
Ass.: Irene Neves