Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00051/15.0BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/10/2023
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS; PROCESSO DISCIPLINAR;
REVISÃO DA PENA DISCIPLINAR; AMNISTIA DE INFRACÇÕES DISCIPLINARES;
CASO JULGADO;
Sumário:1 - Sendo legalmente devido que o Autor possa formular, ao abrigo do disposto no Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis, de 22 de fevereiro de 1913, e a todo o tempo, pedido de revisão da pena disciplinar que lhe foi aplicada, tem todavia para tanto, face ao disposto nos seus artigos 40.º e 41.º, que alegar circunstâncias susceptíveis de justificar a sua inocência, apresentando provas justificativas.

2 - Não tendo o Autor alegado e provado a ocorrência de circunstâncias e factos novos demonstrativos da sua inocência, pese embora três dos factos terem ocorrido em data anterior a 25 de março de 1999, e de a Ré não ter valorado autonomamente com uma pena disciplinar cada um dos demais factos provados, para assim se aferir de que modo se formou o cúmulo jurídico, o pedido de revisão não pode servir agora para colocar em causa a pena disciplinar aplicada, quando não demonstra o Autor, em termos mínimos, que por cada um dos factos isoladamente considerados não lhe seria aplicada a pena de despedimento, e bem assim, que por todos eles, em cúmulo jurídico, a pena não deixaria de ser essa mesma.

3 - Sendo múltiplos os factos dados como provados no processo disciplinar e em que a sua grande maioria foi praticada em data posterior ao dia 25 de março de 1999, e como patenteado no relatório final, atenta a sua pesada gravidade e o abalo da confiança por parte de quem tinha a seu cargo, como principal responsabilidade, a gestão de uma agência bancária, nunca poderia o Recorrente estar abrangido pela amnistia a que se reporta a Lei n.º 29/99 de 12 de maio, mais concretamente pelo seu artigo 7.º, alínea c).

4 - Tendo o Autor, em 05 de janeiro de 2011, impugnado judicialmente a decisão de despedimento com justa causa proferida pela Ré em 26 de abril de 2000, e tendo o Tribunal vindo a julgar pela ocorrência da caducidade do direito de acção, dada a ultrapassagem do prazo peremptório para impugnação de actos anuláveis a que se reporta o artigo 58.º, n.º 2, alínea b) do CPTA, e tendo essa decisão transitado em julgado, está vedado ao Autor, ora Recorrente, tornar a suscitar perante os Tribunais a apreciação dos termos e fundamentos em que foi proferida a decisão determinante do seu despedimento, pois que se formou caso julgado em face do que foi o resultado da aplicação do direito à situação em causa, não podendo o que nela foi decidido vir a ser submetido a posterior novo julgamento, o que torna a Sentença inatacável, com o que se alcança assim, a segurança jurídica, a paz social, e a final, o prestígio dos tribunais.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


AA [devidamente identificado nos autos] Autor na acção que intentou contra a Banco 1... [também devidamente identificada nos autos], na qual foi requerida a revogação da deliberação de 07 Outubro de 2014 da Comissão Executiva da Banco 1..., S.A., que desatendeu o pedido de revisão do processo disciplinar que havia apresentado em setembro de 2014, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, pela qual a acção foi julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido, veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES:
A. Faz parte da deliberação referida no artigo 26.04.2000 o Relatório Final do P.D. o
qual se encontra na fls. 250 e ss do apenso com o nº
B. Tal matéria não consta da matéria dada como provada e deveria sê-lo.
C. Tal matéria devera transitar para a matéria de facto provada por ser essencial a decisão do mérito da causa
CD – do qual se tran[s]creve as co[n]clusões: . Do que vem dito, resulta provado que o arguido prestou favorecimento pessoal a um conjunto de clientes, ligados por laços familiares diretos (pais e filhos). Os correspondentes actos infratores traduziram-se, nomeadamente:
− Na retenção na sua pessoa de fichas de duas contas, sendo que uma delas nem sequer se encontrava assinada pelos seus titulares, situação que não impediu que estes movimentassem, livremente, as aludidas contas.
− Na promoção de práticas artificiosas na movimentação das contas dos mesmos clientes (família BB), consubstanciadas em operações fictícias, para permitirem a concretização de outras que, de outro modo, o não poderiam ser.
− Na prática de várias actos de gestão sobre contas dos mesmos clientes, bem sabendo que não tinha competência delegada para tal.
− Na atribuição de cheques a um desses clientes, apesar do mesmo fazer parte da lista de utilizadores de risco do Banco de Portugal, estando inibido o seu uso.
− Na concessão, juntamente com uma empregada (filha do titular da conta), que não tinha poderes para o acto e nem sequer se encontrava colocada naquela Agência, de um LDN e com base na mesma fonte de rendimentos com que já lhe havia atribuído um outro.
− Na regularização do saldo negativo da sua conta pessoal, no valor de 1.384.937$10, com parte de um empréstimo de 5.000 contos, que concedeu sem poderes para o efeito, a um dos aludidos clientes (pertencentes à dita família), na qualidade de empresário em nome individual mas com créditos em contencioso e que fazia parte da lista de utilizadores de risco do Banco de Portugal.
− No exercício de funções nos corpos sociais de uma empresa (sócio-gerente), não tendo dado, oportunamente, conhecimento à Banco 1... de tal situação.
Associada a esta mesma empresa está a aludida família, nomeadamente o cliente a quem concedeu o empréstimo de 5.000 contos.
Tais actos consubstanciam nítidas infrações disciplinares, traduzidas na violação grave de deveres profissionais que sobre o arguido impendem, nomeadamente os de zelo e lealdade.
Alguns do actos imputados ao arguido, e dados como provados, considerados isoladamente, como serão o caso:
− da retenção das fichas de contas na sua posse;
− do fornecimento de livro de cheques a um cliente inibido do seu uso pelo Banco de Portugal;
− da falta de comunicação à Banco 1... do exercício da sua qualidade de sócio gerente de uma firma pertencente à mesma família, apesar de se revestirem de pesada gravidade e de abalarem a confiança em que assenta a relação laboral – tanto mais que foram praticados por pessoa que tinha a principal responsabilidade pela gestão de uma Agência -, poderia cada um deles ser sancionado, ainda assim, com uma pena disciplinar meramente corretiva, afigurando-se adequada à gravidade respetiva, a sanção constante da CL.ª 117.ª n.º1, alínea d), com os limites do n.º 3 da referida cláusula do ACT em vigor no Sector Bancário (“suspensão de trabalho com perda de retribuição”, não podendo “exceder 24 dias por cada infração e, em cada ano civil, o total de 60 dias”).
Mas a verdade é que cada uma das restantes infrações afasta, mesmo, irreversivelmente, a tal referida confiança.
Com efeito, estamos perante irregularidades visando o favorecimento pessoal a um conjunto de clientes, ligados por laços familiares diretos (pais e filhos), sendo o próprio arguido sócio gerente de uma firma comercial à qual está associada diretamente a referida família.
Aliás, a regularização do saldo negativo da conta pessoal do arguido, no montante de
1.384.937$10, feita através de parte do produto de um empréstimo de 5.000.000$00, que concedeu a um dos clientes em causa, sem que o arguido tivesse poderes para o efeito e, mesmo, sem a existência do necessário processo (sendo que, em boa verdade, do total do empréstimo, foram creditados 2.268.000$00 na sua conta pessoal), não pode deixar de considerar-se como uma conduta de pesadíssima gravidade.
Por outro lado, é manifesta a promiscuidade neste relacionamento de um Gerente com um cliente, em que aquele diz emprestar dinheiro a este que cobra, a seguir, com parte de um empréstimo que ele próprio Gerente lhe concede.
Acresce que o arguido, deliberadamente, não submeteu à apreciação superior a operação referida no art.º 3.º da Nota de Culpa porque sabia, como ele próprio assumiu no seu depoimento de fls. 104 v.º, que viria a ser indeferida.
Também as operações fictícias que ordenou aos “front-offices” que executassem, fazendo crer aos mesmos, seus subordinados, que eram lícitas e regulares, é uma prática artificiosa e demonstra como o arguido geria o Balcão ao arrepio das normas em vigor, comportamento este contrário ao bom senso e equilíbrio que se exige de um Gerente.
E uma tal conduta subsume-se no conceito de justa causa de despedimento que nos é dado pelo n.º 1 do art.º 9.º do Decreto-lei n.º 64-A/89, de 27 de janeiro.
E convenhamos, assim, sem esforço, que o favorecimento pessoal a um conjunto de clientes pertencentes a uma mesma família (pais e filhos) a que ele próprio estava ligado, enquanto sócio-gerente de uma firma a ela pertencente (os pais), traduzido, nomeadamente, na promoção de práticas artificiosas na movimentação das contas dos mesmos; na prática de actos de gestão visando as referidas contas, bem sabendo que não tinha competência delegada para tal; concessão de um LDN, juntamente com uma empregada (filha do titular da conta), que não tinha poderes para o acto e nem sequer se encontrava colocada naquela Agência; regularização de um saldo negativo da sua conta pessoal, com parte de um empréstimo, que ele próprio concedeu, sem poderes para o efeito, a um desses mesmos clientes, na qualidade de empresário em nome individual, mas com créditos em contencioso e fazendo parte da lista de utilizadores de risco do Banco de Portugal; no aumento de plafond de um cartão de crédito, com ultrapassagem dos seus poderes delegados, sem que, deliberadamente, o tenha submetido à apreciação superior, porque, como ele próprio
assumiu, bem sabia que a operação seria indeferida, atenta a sua gravidade e todo o
circunstancialismo que o envolveu, e que, como acima se referiu, se encontrava sobejamente demonstrado nos autos, demonstram falta de lealdade por parte do arguido.
De facto, um empregado de bancário que toma atitudes destas não pode ser credor de confiança, mais ainda, tratando-se de pessoa que exercia funções de grande responsabilidade como são as de Gerente de uma Agência, pelo que o juízo de censura ético-jurídico a dirigir lhe, repete-se, não poderá deixar de consubstanciar-se na aplicação ao mesmo da pena expulsiva.
Por tudo isto, feito o cúmulo jurídico das penas que, em abstracto, lhe poderiam ser aplicadas, a sanção adequada à conduta infractora do arguido é o despedimento com justa causa.
É certo que da conduta do arguido não foram apurados prejuízos.
Todavia, como é jurisprudencial e doutrinariamente aceite, a gravidade intrínseca das
infrações disciplinares não se mede pelo resultado – que é, apenas, uma circunstância agravante -, já que a infração disciplinar é, pela sua própria natureza, uma infração de perigo.
Atente-se, a propósito, no seguinte Acórdão da Relação de Coimbra, de 98.03.19, in BMJ n.º 475, pp. 779:
“Atividade Bancária – Perda de Confiança. Constituindo a atividade prestada pelos trabalhadores bancários uma função essencialmente baseada na confiança, para a perda desta não se exige que seja ocasionado à entidade patronal um prejuízo efetivo, bastando que pelo trabalhador seja criada uma situação potencialmente geradora do perigo dessa ocorrência.”
E o perigo da ocorrência de prejuízos resulta, claramente, da própria natureza intrínseca dos actos imputados ao arguido, justificativos do despedimento, a que acima nos referimos.
V. Proposta
24. Nestes termos, tudo visto e ponderadas as circunstâncias agravantes e atenuantes, de acordo com o disposto nas Cl.ªs 34.ª, alínea b), 115.ª e 117.ª n.º 1, alínea e), do ACT do Sector Bancário, alíneas b), d) e g) do n.º 1, do art.º 20.º do D.L. n.º 49408, de 69.11.24, e, ainda, o n.º 1 do art.º 9.º do D.L. n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, aplicáveis à Banco 1... ex vi Despacho n.º ...3, de 11/8, do Conselho de Administração, proponho que o arguido seja sancionado com a pena disciplinar de despedimento com justa causa.
A Exma. Administração, porém, dignar-se-á determinar.
Lisboa, 13 de Marços de 2000.»
E – A decisão de despedimento com justa causa aplicada ao recorrente foi-o em cúmulo juridico na conclusão da ponderação de toda a matéria de facto provada no termo do P.D.
F – E na matéria de facto provada as infrações imputadas nos artigos 1º, 2º, 7º, 10º e
11º da Nota de culpa e dadas como provadas ocorreram antes de Março de 1999 e, por isso, por se encontrarem amnistiadas, terão de ser ponderadas à luz do artigo 7º da Lei 29/99 e tendo como referencia o Regulamento Disciplinar de 1913 e não C. Trabalho, não podendo,se amnistiadas, influenciar o doseamento da pena unica
G – As infrações todas ou tão só as remanescentes nunca foram ponderadas autonomamente e muito menos ao abrigo do Regulamento de1913
H – Não se conhece pois, qual a pena a aplicar ás infrações que subsistem retiradas as amnistiadas
I - A realidade destes factos subsistentes é diferente da realidade integrativa de todos os factos imputados e em analise.
I - A Amnistia opera “ope legis
J - Pelo que o processo de revisão é um dos meios adequados para impor a aplicação da lei da amnistia, porquanto tal configura circunstâncias susceptíveis de justificar a inocência do funcionário em relação a essas infracção e pode ser requerido a todo o tempo
L – A não aplicação da lei da amnistia ao recorrente viola o principio constitucional da igualdade, discriminando-o injustificadamente
M – Mal andou a douta sentença em crise no que diz respeito aos pontos II e III da fundamentação de Direito tendo violado o disposto no artigo 7ºs Lei 29/99; artigo 6º e 40º e ss do ED 1913; artigo 13º; 53º, 58º, 266 todos da CRP e artigos 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigo 1º do Protocolo nº 12 da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades fundamentais
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO MERECER PROVIMENTO E, EM CONSEQUENCIA, REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA EM CRISE E SUBSTITUIR-SE POR OUTRA QUE CONDENE A RECORRIDA COMO SE PEDE NA P.I. COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUENCIAS E LEGAL TRAMITAÇÂO COMO é DE INTEIRA JUSTIÇA.
[…].”

**

A Recorrida Banco 1... apresentou Contra Alegações das quais para aqui se extraem as respectivas conclusões, como segue:

CONCLUSÕES:
1. O presente recurso vem interposto da douta sentença de Fls. , que muito doutamente julgou a acção totalmente improcedente.
2. A douta sentença não merece o reparo que lhe faz o Recorrente.
3. Muito embora a extensa e prolixa alegação do Recorrente, se a Recorrida bem compreende, o objecto do recurso, que é delimitado pelas conclusões, circunscreve-se à pretendida aplicação da Lei da Amnistia.
4. Sem prejuízo, dir-se-á que a douta sentença recorrida fez uma detalhada análise dos fundamentos invocados pelo Autor, ora Recorrente, não lhes reconhecendo qualquer razão.
5. A Recorrida adere in totum à fundamentação expendida na douta sentença recorrida, limitando-se a alegar apenas sobre a pretendida aplicação da Lei da Amnistia.
6. No caso do Recorrente está em causa uma infracção laboral o que, de per si, afasta a aplicação da amnistia, porquanto a referência a “ilícito laboral” não pode restringir-se às infracções disciplinares praticadas em contexto de contrato individual de trabalho mas sim a quaisquer infracções de âmbito laboral, independentemente da natureza privada ou pública do vínculo laboral em questão.
7. Mas, mesmo que assim se não entenda, a Lei da Amnistia também não poderia ter sido considerada pelo Tribunal a quo.
8. No caso dos autos, pretende o Recorrente a anulação da decisão obre o seu pedido de revisão do procedimento disciplinar.
9. Tal pedido de revisão encontra previsão no artigo 40.º, do Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis de 22 de Fevereiro de 1913.
10. Conforme dispõe o citado artigo 40.º do Regulamento Disciplinar em causa “A todo o tempo pode ser pedida a revisão dos processos disciplinares, quando se aleguem circunstâncias susceptíveis de justificar a inocência dos funcionários neles condenados.”
(bold e sublinhado nossos)
11. O âmbito da revisão é apenas e tão só este, sendo certo que a aplicação da Lei da
Amnistia não constituiu qualquer circunstância susceptível de justificar a inocência do Recorrente.
12. Ainda que a aplicação da Lei da Amnistia tenha sido suscitada pelo Recorrente no seu pedido de revisão e, por isso, apreciada pela Recorrida na decisão impugnada, a não aplicação da Amnistia ao Recorrente não representa qualquer violação da Lei da Amnistia pois essa aplicação não pode constituir fundamento do pedido de revisão.
13. Acresce que como expressamente decorre do artigo 7.º da invocada Lei n.º 29/99, de 12 de maio, a amnistia pressupõe que a sanção aplicável às infracções disciplinares não seja superior à suspensão.
14. No caso concreto, esse pressuposto não se verifica, já que a sanção aplicada foi o despedimento – medida claramente superior à mesma suspensão – pelo que o caso dos autos sempre está excluído do âmbito das infracções disciplinares amnistiadas.
15. Deve, pois, negar-se provimento ao recurso, confirmando-se integralmente a douta sentença recorrida, absolvendo-se, consequentemente, a Ré de todos os pedidos.
Termos em que, negando provimento ao recurso e confirmando a douta sentença recorrida, farão V. Exas JUSTIÇA!
[…]”

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitada pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões apresentadas consistem, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida padece erro de julgamento em matéria de facto e de direito.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]
Com interesse para a decisão da presente lide, julga-se provados os seguintes factos:
A. Em 26-04-2000, o Conselho de Administração da Ré deliberou aplicar ao Autor a sanção disciplinar de despedimento, com a fundamentação que infra se reproduz (doc. junto com a petição dos autos n.º 40/11.4BEPNF a fls. 24-25, que correram termos no presente tribunal):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

B. Em 22-02-2013 foi proferida sentença no âmbito do processo n.º 40/11.4BEPNF que correu termos neste tribunal, na qual se julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção e se absolveu a aqui Ré do pedido (fls. 76-78 dos referidos autos);
C. Em 14-06-2013, foi proferido acórdão no Venerando Tribunal Central Administrativo Norte no qual se confirmou a decisão a que se alude no ponto B do probatório (fls. 196-207 dos referidos autos);
D. Em 08-09-2014, o Autor remeteu ao Presidente do Conselho de Administração do Réu carta registada na qual pediu a revisão da sanção disciplinar que lhe foi aplicada, com o conteúdo que infra se reproduz (fls. 1-3 do processo disciplinar junto aos autos):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

E. Em Outubro de 2014, o Autor recebeu uma missiva do Director Central a deliberação da Comissão Executiva do Conselho de Administração da Ré, com o assunto “Pedido de Revisão de Processo Disciplinar”, com o conteúdo que infra se reproduz (doc. ... junto com a p.i.):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
F. Em anexo à missiva mencionada no ponto E do probatório, foi ainda remetida deliberação do Conselho de Administração da Ré, com o conteúdo que infra se reproduz (doc. ... junto com a p.i.):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
G. Previamente à notificação a que se refere o ponto E do probatório, o Autor não recebeu qualquer notificação para exercício do direito de audiência prévia (PA junto aos autos);
Com interesse para a decisão da lide, não há factos que cumpra julgar não provados.
A convicção do Tribunal formou-se com recurso aos meios de prova indicados junto de cada facto dado como provado (documentos juntos aos autos e não impugnados pelas partes – cf. 362.º e ss. do CC).

*

Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, densificamos a alínea A) da matéria de facto, nos termos que seguem:

A1) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do Relatório final elaborado no processo disciplinar, datado de 13 de março de 2000, sobre o qual recaiu a deliberação do Conselho de Administração da Ré, datada de 26 de abril de 2000 – Cfr. fls. 249 a 279 do Processo Administrativo, Volume I.

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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 25 de maio de 2020, que apreciou a pretensão deduzida pelo Autor atinente ao pedido de revogação da deliberação consubstanciada na deliberação de 07 Outubro de 2014 da Comissão Executiva da Banco 1..., S.A., que desatendeu o pedido de revisão do processo disciplinar que havia apresentado em setembro de 2014, pela qual a acção foi julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.

Conforme deflui da Sentença recorrida, e com reporte à causa de pedir e ao pedido deduzido a final da Petição inicial, o Tribunal a quo identificou seis questões a apreciar e decidir, a saber, i) da incompetência absoluta; ii) do erro nos pressupostos da decisão de indeferimento do pedido de revisão; iii) da aplicação do regime da amnistia; iv) da falta de fundamentação; v) da preterição do direito de audiência prévia; e, vi) da insuficiência do conteúdo da notificação, sendo que, em torno do seu mérito, veio a julgar pela sua não ocorrência/verificação de nenhuma das apontadas invalidades, e a final, pela improcedência do pedido formulado.

E como resulta da Sentença recorrida, o Tribunal a quo apreciou todas essas invalidades assacadas pelo Autor ora Recorrente à deliberação impugnada, sendo que, em face do que levou às conclusões das suas Alegações de recurso [Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA], o que empreende o Recorrente, agora neste Tribunal de recurso, em suma, é a reactivação dos pressupostos da sua punição, tendo por base a invocação de que o Tribunal a quo não considerou o relatório final do processo disciplinar, assim como a invocação de que a Lei da amnistia, n.º 29/99, de 12 de maio, constitui no seu entender circunstância justificante da sua inocência.

Como assim dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, para efeitos de poderem ser evidenciadas perante o Tribunal Superior as irregularidades de que a Sentença pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a Sentença do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Aqui chegados.

Inconformado com a Sentença proferida, veio o Autor apresentar recurso de Apelação, com fundamento em erro de julgamento em matéria de facto e de direito.

Em sede do invocado erro de julgamento em matéria de facto, o Recorrente sustentou sob as respectivas conclusões A), B) e C), em suma, que o relatório final do processo disciplinar faz parte da deliberação impugnada, mas que não foi levada ao probatório, e que devia tê-lo sido, e que dessa forma, “A matéria de facto transcrita na douta sentença em crise é exígua para a decisão de mérito da causa.

Perante o que assim vem sustentado pelo Recorrente, não vislumbramos qualquer erro de julgamento do Tribunal recorrido em matéria de facto, mormente, por que termos e pressupostos é que a não inclusão do relatório final na matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo é/pode ser determinante da procedência do recurso interposto, já que, pelo que decorre do teor do facto elencado sob a alínea A) do probatório, o Conselho de Administração da Ré deu o seu acordo aos fundamentos de facto e de direito constantes do relatório final, o que tudo redunda, a final, na apropriação do teor desse relatório, e neste domínio, não imputa o Recorrente qualquer erro de julgamento que seja/fosse decorrente da não consideração desse relatório na convicção formada pelo Mm.º Juiz, ou ainda que apenas quanto a parte dele.

De todo o modo, como já deixamos enunciado supra em sede do probatório, densificamos a alínea A) da matéria de facto, mais perdendo assim de sentido a apreciação do que ora vem sustentado pelo Recorrente.

Prosseguindo.

No mais que vem sustentado nas Alegações de recurso, sob as alíneas E) a M) das respectivas conclusões, é que a Sentença recorrida incorreu em erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, violando o disposto no artigo 7.º Lei n.º 29/99, de 12 de maio, os artigos artigo 6.º e 40.º e seguintes do Estatuto Disciplinar de 1913, os artigos 13.º, 53.º, 58.º e 266.º, todos da CRP, o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 1.º do Protocolo n.º 12 da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

Ou seja, o que constitui o cerne da pretensão recursiva deduzida pelo Recorrente, assenta no facto de a pena de demissão que lhe foi aplicada resultar de “cumulo jurídico”, e que nessa medida, por não terem as infracções por si cometidas sido objecto de apreciação autónoma e ao abrigo do disposto no RD de 1913, e que por algumas delas terem sido cometidas antes de março de 1999, que estão as mesmas amnistiadas, e assim deviam ter sido ponderadas ao abrigo do artigo 7.º da Lei n.º 29/99, de 12 de maio, o que não ocorreu, invocando ainda o Recorrente que fica por se saber quais as penas disciplinares que seriam aplicadas às infracções não amnistiadas por terem sido praticadas depois de março de 1999, o que no seu entender tudo é fundamento para o pedido de revisão da sanção disciplinar que lhe foi aplicada, para efeitos de lhe ser aplicada a lei da amnistia, por configurarem circunstâncias susceptíveis de justificar a sua inocência em relação a essas infracções e que esse pedido pode ser feito a todo o tempo.

Vejamos.

É uma realidade, a de que as infracções cometidas pelo arguido/Autor, ora Recorrente, deveriam ter sido objecto de instrução e apreciação segundo o disposto no Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis, de 22 de fevereiro de 1913, e não segundo o regime do direito privado, como de facto assim aconteceu, já que o mesmo se encontrava vinculado à Banco 1... por contrato de provimento - Cfr., neste sentido, o Acórdão do STA, datado de 18 de novembro de 2009, proferido no Processo n.º 0434/09, e o Acórdão do STA datado de 17 de junho de 2010, proferido no Processo n.º 14/10.

Mas do facto de o Recorrente entender [continuar a entender] que tal assim é/devia ser, não podemos obliterar, como de resto assim resulta das alíneas B) e C) do probatório constante da Sentença recorrida, que o mesmo [Autor, ora Recorrente] sindicou junto do Tribunal a Administrativo e Fiscal de Penafiel a deliberação da Ré ora Recorrida, datada de 26 de abril de 2000, pela qual foi deliberado sancionar as infracções por si cometidas com a pena disciplinar de despedimento com justa causa [ainda que sob o regime disciplinar de direito privado], cujos autos correram termos sob o Processo n.º 40/11.4BEPNF, onde foi julgado ocorrer a excepção atinente à caducidade do direito de acção, por Sentença datada de 30 de maio de 2012, do que foi interposto pelo Autor, recurso de Apelação para este TCA Norte, que por seu Acórdão datado de 14 de junho de 2013 negou provimento ao recurso confirmando assim a Sentença recorrida, e quanto ao que o Autor deduziu recurso de Revista para o STA, que não foi admitido por Acórdão datado de 06 de fevereiro de 2014, assim como recurso para o Tribunal Constitucional que não foi admitido pela Decisão sumária n.º 374/2014, de 29 de abril, bem como Reclamação para a Conferência do Tribunal Constitucional, a qual foi indeferida pelo Acórdão n.º 519/2014, de 26 de junho.

Ou seja, do que foi apreciado e decidido naquele Processo n.º 40/11.4BEPNF, em que foi Autor o ora Recorrente e Ré a ora Recorrida, e cujo objecto era precisamente o pedido de anulação da deliberação da Ré datada de 26 de abril de 2000, onde foi decidido pelo despedimento com justa causa do Autor, e de cuja decisão foi o mesmo notificado em 17 de maio de 2000, cuja impugnação veio a requerer aos Tribunais da jurisdição administrativa em 05 de janeiro de 2011, ou seja, transcorridos que eram mais de 10 anos, é que o direito do Autor ver sindicado a validade/ilegalidade da decisão punitiva, já há muito que estava ultrapassado, por estarem em causa invalidades que a padecerem de algum vício eram determinantes da sua mera anulabilidade, cuja impugnação devia ter sido requerida no prazo [de 90 dias/3 meses] a que se reporta o artigo 58.º, n.º 2, alínea b) do CPTA, o qual reveste natureza peremptória.

Em face das decisões contidas naquele Processo n.º 40/11.4BEPNF, formou-se caso julgado.

Neste conspecto, em torno da formação de caso julgado e da autoridade que daí advém da decisão nele proferida, e por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte do Acórdão deste TCA Norte, datado de 14 de janeiro de 2022, proferido no Processo n.º 2038/20.2BEBRG, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Como é consabido, uma vez transitadas em julgado, as decisões dos tribunais tornam-se estáveis, isto é, o nelas decidido, não pode vir a ser submetido a posterior novo julgamento (Manuel Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 306 e 307; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manuel de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, págs. 704 e 705.)
Essas decisões, porque dirimiram o concreto conflito que foi submetido pelas partes à decisão do tribunal, logo que transitem em julgado, por não admitirem recurso ordinário, ficam a ter força obrigatória dentro e fora do processo, mas nos limites fixados pelos arts. 580º e 581º do CPC (art. 619º, n.º 1 do mesmo Código), impondo-se, de modo absoluto, a todos os tribunais, às partes e, inclusivamente, dentro de determinados limites e pressupostos, a terceiros, intra e extra processualmente.
Deste modo é que, como referido, o art.º 619º, n.º 1 do CPC., “transitada em julgado a sentença ou despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º”, e nos termos do art. 621º “a sentença constitui caso julgado nos precisos termos em que julga”. Esta imutabilidade e indiscutibilidade da decisão transitada em julgado, como «garantia processual de fonte constitucional enquanto expressão do princípio da segurança jurídica, própria do Estado de Direito (cf. artigo 2.º da Constituição)» ( cfr. RUI PINTO, in Código de Processo Civil anotado, Almedina, vol. II, Almedina, 2018, nota 2-I ao art.619, pág.185) manifesta-se, de acordo com a construção doutrinária e jurisprudencial do caso julgado:
a) Num efeito negativo e formal, que opera como exceção dilatória e que evita que o Tribunal julgue a ação repetida (entre os mesmos sujeitos e sobre o mesmo objeto processual) e reproduza ou contradiga a decisão anterior, nos termos dos arts. 577º/i), 578º, 580º e 581º do C. P. Civil: «Entre as mesmas partes e com o mesmo objeto (isto é, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir), não é admissível nova discussão: o caso julgado opera negativamente, constituindo uma exceção dilatória que evita a repetição da causa (efeito negativo do caso julgado)»[ LEBRE DE FREITAS, in «Um polvo chamado Autoridade do Caso Julgado», pág.693, in www.portal.oa.pt ).
Neste caso, a decisão anterior impede o conhecimento do objeto posterior (Ac. do TRG de 07.08.2014, proferido no processo nº600/14.TBFLG.G1.)
b) Num efeito positivo e material, que opera no conhecimento de mérito da causa, através da autoridade do caso julgado, quando, apesar de existir identidade de sujeitos ou via equiparada a esta, se está perante objetos processuais distintos.
«Entre as mesmas partes, mas com objetos diferenciados entre si e ligados por uma relação de prejudicialidade, a decisão impõe-se enquanto pressuposto material da nova decisão: o caso julgado opera positivamente, já não no plano da admissibilidade da ação mas no do mérito da causa, com ele ficando assente um elemento da causa de pedir (efeito positivo do caso julgado)- LEBR DE FREITAS, in artigo citado in ii, pág.693.
Temos, assim, que o caso julgado tem “por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior” e, na sua vertente positiva, não implicando a tríplice identidade quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir, “tem o efeito positivo de impor a primeira decisão como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito” ( cfr. Ac do STJ de 26/2/2019, processo nº 4043/10.8TBVLG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Em conclusão, a autoridade de caso julgado decorre de “uma exigência de boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, dando expressão aos valores da segurança e certeza inerentes a qualquer ordem jurídica: a res judicata obsta a que uma mesma ação seja instaurada várias vezes, impede que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante uma composição, tendencialmente definitiva, dos litígios que os tribunais são chamados a resolver: a intangibilidade (tendencial) do caso julgado visa evitar a existência de decisões, em concreto, incompatíveis. A força e autoridade de caso julgado tem por finalidade evitar que a regulação jurídica da relação jurídica possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica” (Ac STJ de 14/5/2019, processo 1049/18.2T8GNR-A.S1, disponível em www.dgsi.pt15].
No que concerne às decisões proferidas pelos tribunais administrativos, o n.º1 do artigo 158.º do CPTA, reafirmando o princípio constitucional da obrigatoriedade das decisões dos tribunais e da prevalência sobre as decisões de quaisquer outras autoridades estabelece expressamente que tais decisões «são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas». E no seu n.º2 prevê-se que « A prevalência das decisões dos tribunais administrativos sobre as das autoridades administrativas implica a nulidade de qualquer ato administrativo que desrespeite uma decisão judicial e faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar, nos termos previstos no artigo seguinte». Reafirma-se neste preceito a regra de que são nulos os atos administrativos que ofendam os casos julgados, estabelecida no artigo 161.º, n.º2, alínea i) do CPA.
[…]”
Fim da transcrição

Em suma, e para o que ora releva, está vedado ao Autor, ora Recorrente, tornar a suscitar perante os Tribunais a apreciação dos termos e fundamentos em que foi proferida a deliberação do Conselho de Administração da Ré, datada de 26 de abril de 2000, pela qual foi determinado o seu despedimento com justa causa, pois que pela Sentença do TAF de Penafiel proferida no Processo n.º 40/11.4BEPNF, formou-se caso julgado quanto ao que nele foi apreciado e decidido, [o que tem por pressuposto que essa Sentença proferida não seja susceptível de recurso ordinário, situação em que a mesma se torna inatacável - o que é o caso dos autos, pois a questão foi ainda suscitada perante o STA e o Tribunal Constitucional], com o que se alcança assim, a segurança jurídica, a paz social, e a final, o prestígio dos tribunais.

Como refere M. Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 2.ª edição, 1997, página 567, “O caso julgado traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário. O caso julgado torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal, ou seja, o conteúdo da decisão deste órgão”.

Neste patamar, julgamos assim que têm de falecer as conclusões E), F), G) e H) das Alegações de recurso, e no que fica remanescente para efeitos de ser apreciado por este Tribunal de recurso, é saber se o Tribunal a quo errou no julgamento por si prosseguido em torno da não aplicação do disposto no artigo 7.º da Lei n.º 29/99, de 12 de maio, na decorrência do que por si foi requerido no âmbito do pedido de revisão da sanção disciplinar, que formulou junto da Ré ora Recorrida pelo seu requerimento datado de 08 de setembro de 2014, e relativamente ao qual foi proferida a deliberação datada de 07 de outubro de 2014 [Cfr. conclusões I), J), L) e M) das Alegações de recurso].

Ora, como assim resulta do probatório [Cfr. alíneas D) e E)], a Banco 1... apreciou o pedido que o Autor ora Recorrente lhe formulou em sede do pedido de revisão da pena disciplinar, tendo subjacente o Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis, de 22 de fevereiro de 1913, e quanto ao mérito dessa pretensão, o que foi concluído é que não estavam reunidos os requisitos necessários para a sua apreciação, por não ter o requerente alegado, nem provado, nenhumas circunstâncias, nem factos novos demonstrativos da sua inocência, que não devessem já ter sido apesentados no âmbito do processo disciplinar, e mais ainda, que o pedido de revisão não pode servir de modo de revisão das razões e fundamentados já apresentados e debatidos em sede do Processo n.º 40/11.4BEPNF, nem que o seu despedimento tenha ficado a coberto da Lei 29/99, de 12 de maio, pois que a sanção disciplinar que lhe foi aplicada foi superior à pena de suspensão.

Neste conspecto, cumpre para aqui extrair a essencialidade da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo para efeitos de ter negado provimento ao pedido formulado pelo Autor ora Recorrente a final da Petição inicial, na parte em que é objecto de recurso nos termos patenteados nas Alegações de recurso, como segue:

Início da transcrição
“[…]
iii. Da aplicação do regime de amnistia
O Autor invoca o regime da amnistia previsto no art. 7.º/c) da Lei n.º 29/99 de 12-05.
A Ré, na sua contestação, defende que o referido regime se aplica apenas aos casos de aplicação de sanção disciplinar inferior à suspensão, o que não é o caso.
Vejamos.
O art. 7.º da Lei n.º 29/99 prevê o seguinte:
Desde que praticadas até 25 de Março de 1999, inclusive, e não constituam ilícito antieconómico, fiscal, aduaneiro, ambiental e laboral são amnistiadas as seguintes infracções:
a) As contravenções a que correspondam unicamente penas de multa;
b) As contra-ordenações cujo limite máximo de coima aplicável não exceda 500 contos em caso de dolo e 1000 contos em caso de negligência;
c) As infracções disciplinares e os ilícitos disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável não seja superior à suspensão ou prisão disciplinar;
d) Os crimes cuja pena aplicável não seja superior a um ano de prisão ou multa, com exclusão dos cometidos através da comunicação social.
De acordo com o teor literal da norma, são amnistiadas apenas as infracções que não constituam igual ilícitos penais e cuja sanção aplicável não seja superior à suspensão (tratam-se de dois requisitos cumulativos, conforme se retira da conjunção copulativa) Não é possível retirar daqui a conclusão jurídica pretendida pelo Autor, isto é, de apesar de ter sido sancionado com pena extintiva da relação jurídica laboral, este deveria ter sido amnistiado (art. 9.º/2 do CC).
O Autor foi sancionado com a demissão (o que pressupõe ter-se considerado esta a sanção aplicável) - sanção mais gravosa do que a suspensão (uma vez que a suspensão afecta apenas temporariamente a relação laboral enquanto a demissão a extingue definitivamente) – pelo que nunca se poderia considerar verificado o âmbito objectivo da norma.
Não releva o facto de o Autor defender que não se lhe devia ter aplicado tal sanção – o acto administrativo que a aplicou consolidou-se na ordem jurídica e não este pode agora invocar uma ilegalidade do acto para extrair através da impugnação judicial da decisão de procedimento de revisão o efeito jurídico que não conseguiu obter em sede de impugnação da própria decisão punitiva, sob pena de se desvirtuar os ónus de impugnação previstos na lei processual administrativa.
Nestes termos, improcede a alegação do Autor.
[…]
Fim da transcrição

Este julgamento do Tribunal a quo, tem de manter-se, por não ser merecedor da censura jurídica que lhe dirige o Recorrente.

Vejamos então.

As infracções imputadas ao arguido ora Recorrente, como assim constantes da nota de culpa, foram todas elas dadas como provadas.

O que não coloca em causa o Recorrente é que não tenha cometido essas infracções, ou que tenha havido erro na sua apreciação, e de outro modo, que a terem sido bem conhecidas no seu mérito, que seria determinante a conclusão em torno da sua inocência.

O que o Autor ora Recorrente coloca em causa é a aplicação da lei que entende ser convocável para efeitos da revisão da pena disciplinar, situando-nos por isso no domínio da violação de lei.

O vício de violação de lei configura uma ilegalidade de natureza material quando é a própria substância do acto administrativo que contraria a lei. A ofensa da lei não se verifica nem na competência do órgão, nem nas formalidades ou na forma que o acto reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objecto do acto - Cfr. Freitas do Amaral, in Lições de Direito Administrativo, III vol., página 304. Tal vício produz-se normalmente no exercício de poderes vinculados, mas também pode ocorrer no exercício de poderes discricionários, quando, designadamente, sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, maxime os princípios constitucionais, da imparcialidade, da igualdade, da justiça [Cfr. Freitas do Amaral, in Lições de Direito administrativo, II vol., pág. 301 e seguintes; Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo, I vol., pág. 491 e segs.; Sérvulo Correia, in Noções de Direito administrativo, páginas 380 e seguintes).

Como assim se extrai dos pontos 1.º a 12.º constantes da nota de culpa, e em torno da temporalidade em que ocorreram os factos ilícitos que subjazem às identificadas infracções disciplinares, apenas a factualidade constante dos artigos 2.º, 7.º e 11.º são reportadas a factos ocorridos até 25 de março de 1999, pelo que, nessa medida, e abstractamente considerado, seria possível pensar que essas infracções, isoladamente consideradas, estariam amnistiadas face ao disposto no artigo 7.º da Lei n.º 29/99, de 12 de maio, o que havia de ser apreciado e decidido mas que assim não o foi pela deliberação punitiva, o que, como já vimos supra, está já a coberto da autoridade do caso julgado, não sendo assim essa matéria susceptível de poder vir a ser novamente sindicada jurisdicionalmente.

Como assim julgamos, confunde o Autor o estado de inocência com a aplicação da Lei da amnistia a infracções disciplinares cometidas.

De todo o modo, como assim se extrai do relatório final, aí foi referido que os actos que foram imputados ao ora Recorrente “… consubstanciam nítidas infracções disciplinares, traduzidas na violação grave de deveres profissionais que sobre o arguido impendem, nomeadamente os de zelo e de lealdade.”, e que apesar de os factos referidos sob os pontos 1.º, 11.º e 12.º revestirem pesada gravidade e de abalarem a confiança em que assenta a relação laboral, e poder ser cada um destes sancionado com uma pena disciplinar meramente correctiva, e nesse domínio ser aplicável a pena de suspensão de trabalho com perda de retribuição, que de todo o modo, “… cada uma das restantes infracções afasta, mesmo, irreversivelmente, a […] confiança.”, tanto mais que o ora Recorrente exercia funções de gerente de uma dependência bancária.

Ora, como assim apreciou a Ré ora Recorrida, sendo certo que os factos enunciados nos artigos 1.º, 11.º e 12.º da nota de culpa eram passíveis de ser cada um deles sancionado com a pena de pena de suspensão de trabalho com perda de retribuição, mesmo assim, parte desses factos, ou seja, apenas os vertidos no artigo 11.º ocorreram em data anterior a 25 de março de 1999, ou seja, em 06 de janeiro de 1999, sendo que, quanto a todos os demais, isto é aqueles que já eram passíveis de outra decisão sem carácter disciplinar meramente correctivo, e neste conspecto, como assim fundamentou a Ré, de despedimento com justa causa, por perda da confiança nesse trabalhador, apenas os factos descritos sob os artigos 2.º e 7.º da nota de culpa é que também ocorreram em data anterior a 25 de março de 1999 [respectivamente, em 07 e 06 de janeiro de 1999].

Ou seja, todos os outros ocorreram em data posterior ao dia 25 de março de 1999, e como patenteado no relatório final, atenta a sua pesada gravidade e o abalo da confiança por parte de quem tinha a seu cargo, como principal responsabilidade, a gestão de uma agência bancária, leva-nos a julgar que na medida em que a conduta do ora Recorrente se reporta, essencialmente, a factos ocorridos no período posterior ao dia 25 de março de 1999, que nunca poderia o Recorrente estar abrangido pela amnistia a que se reporta a Lei n.º 29/99 de 12 de maio, mais concretamente pelo seu artigo 7.º, alínea c).

Por outro lado, também não lhe seria aplicável o disposto no referido normativo, porque a pena disciplinar que lhe foi concretamente aplicada foi a de demissão, que não cai naquela previsão normativa, pois que aí apenas se prevê a amnistia de infracções que tenham sido punidas com pena disciplinar não superior a demissão, o que como assim resultou provado não foi o caso do Autor, sendo que a pena que assim foi fixada, é agora insusceptível de ser sindicada.

E quanto à invocada violação dos artigos 6.º e 40.º e seguintes do Estatuto Disciplinar de 1913, dos artigos 13.º, 53.º, 58.º e 266.º, todos da CRP, o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 1.º do Protocolo n.º 12 da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, também não assiste razão alguma ao Recorrente.

De resto, em situação em que a questão a decidir era similar à que ora é trazida sob este recurso, já se pronunciou o STA pelo seu Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2016 do STA, datado de 18 de fevereiro de 2016, proferido no Processo n.º 581/11, a cujo julgamento aderimos sem reservas [com as adaptações que se mostrem devidas, designadamente em termos de matéria de facto], a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito [cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil], e que aqui reiteramos como segue:

Fim da transcrição
“[…]
7 - A ora recorrente, nas suas conclusões, entende que a «solução adoptada no acórdão fundamento» é a imposta pelos «artigos 3.º do CPA, 3.º n.º 2, 13.º, 17.º, 20.º n.º 4, 32.º n.º 10, 269.º n.º 3, da CRP, e 6.º da CEDH».
No fundo, a sua luta, ao invocar os princípios da legalidade [artigos 3.º, n.º 2, da CRP, e 3.º do CPA], da igualdade [artigo 13.º da CRP], da audiência e defesa [artigos 32.º, n.º 10, 269.º, n.º 3, e 17.º da CRP], bem como o direito a um processo equitativo [artigos 20.º, n.º 4, da CRP, e 6.º da CEDH], tem a ver com a tese de que o processo disciplinar que lhe foi movido e a sanção expulsiva que no seu termo lhe foi aplicada não podia ter ocorrido fora do âmbito do estatuto disciplinar que lhe devia ter sido aplicado, ou seja, o RD de 1913, uma vez que não optou, ao abrigo do artigo 7.º, n.º 2, do DL n.º 287/93, de 20.08, pelo RJCIT.
Mas isto é, precisamente, o que está em causa desde o início. Os acórdãos em confronto não duvidam de que deveria ter sido aplicado à recorrente, enquanto arguida, o referido regime disciplinar público, a discordância entre eles situa-se no efeito invalidante desse assumido erro de direito.
Na solução do acórdão recorrido, e aqui perfilhada, é claro que o princípio da legalidade não se mostra cabalmente cumprido, pois não o foi no seu aspecto puramente formal. Mas entende-se que o seu cumprimento material torna, no caso, irrelevante esse seu cumprimento imperfeito.
E nesta linha, o facto de a ora recorrente, enquanto arguida, ter sido ouvida, e se ter defendido no âmbito do processo disciplinar, ao abrigo de regras jurídicas privatísticas em vez de públicas, torna-se no caso irrelevante se esses princípios foram irrepreensivelmente cumpridos, como foram, no seu plano substancial.
Tudo ocorreu, como já tivemos oportunidade de sublinhar, por via das dúvidas que na altura se colocavam sobre o regime disciplinar aplicável aos funcionários da Banco 1... que não optaram pelo RJCIT, pois por um lado parecia impor-se à Banco 1... o Despacho do seu CA n.º ...3, por outro lado a ilegalidade deste vinha sendo já suscitada pelos tribunais. Ora, perante esta dúvida fundamentadora do litígio faz pouco sentido a exigência de tratamento igual feita pela ora recorrente, no sentido de querer ser tratada, a nível disciplinar, da forma clara com que o são os colegas que, na altura devida, optaram pelo RJCIT.
A invocação do direito a um processo disciplinar equitativo, também feita pela ora recorrente, acaba por compendiar as referidas invocações parcelares, pois, na economia da sua alegação, esse processo equitativo seria o que tivesse sido tramitado à luz do regime disciplinar público, sob cuja égide tivesse sido ouvida e se tivesse defendido.
Cremos, porém, que a figura do «processo equitativo» não deverá ser definida em abstracto, mas ser aferida «segundo as circunstâncias particulares de cada caso», e tomando o respectivo processo no seu conjunto, sendo seu «elemento co-natural que cada uma das partes tenha possibilidades razoáveis de defender os seus interesses numa posição não inferior à da parte contrária» [ver Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Anotada, Coimbra Editora, 3.ª edição, página 132].
Ora, a verdade é que, fruto de quanto já dissemos, e adaptando tais exigências ao processo disciplinar, não poderemos deixar de concluir que não foi violado o direito da então arguida a um processo equitativo na medida em que, tendo em conta as circunstâncias particulares do caso, ficaram cumpridas, em substância, todas as regras e princípios jurídicos que visavam proteger a sua posição.
[…]”
Fim da transcrição

Ou seja, não podemos acolher a alegação do Recorrente em torno da invocação em massa, da violação dos princípios fundamentais por que se rege a Administração Pública, da violação do direito à igualdade e à não discriminação, assim como do direito ao trabalho e à segurança no emprego, e a uma decisão disciplinar justa e equitativamente fixada, pois que o Recorrente foi alvo de um processo disciplinar onde teve a ampla oportunidade de poder apresentar a sua defesa, e bem assim, de poder sindicar jurisdicionalmente a decisão punitiva.

Com efeito, atento trânsito em julgado da Sentença proferida no Processo n.º 40/11.4BEPNF, e em face da autoridade de caso julgado que daí advém, e não estando em causa, como assim constante da deliberação da Ré sob impugnação, datada de 07 de outubro de 2014, a alegação e prova por parte do Autor ora Recorrente, de circunstâncias e factos novos demonstrativos da sua inocência que não pudessem ter sido já considerados no âmbito do processo disciplinar, não padece de nenhuma censura o julgamento do Tribunal a quo, pois que apesar de três dos factos terem ocorrido em data anterior a 25 de março de 1999, e de a Ré não ter valorado autonomamente com uma pena disciplinar cada um dos demais factos provados, para assim se aferir de que forma se formou o cúmulo jurídico, não pode servir agora para colocar em causa a pena disciplinar aplicada, pois que não demonstra o Autor, em termos mínimos, que por cada um dos factos não lhe seria aplicada a pena de despedimento, e que por todos eles, em cúmulo jurídico, a pena não deixaria de ser essa mesma.

Não demonstrou o Recorrente, no que é essencial, que ocorreram factos, e quais, que por si sejam susceptíveis de justificar a sua inocência, e nesse patamar de entendimento, que a medida da pena que lhe foi aplicada na base de uma discricionariedade da Ré, enferma de erro grosseiro ou manifesto.

De maneira que, a pretensão recursiva do Recorrente tem assim de improceder na sua totalidade, por inexistir qualquer fundamento no invocado erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, em torno do disposto no artigo 7.º Lei n.º 29/99, de 12 de maio, dos artigos artigo 6.º e 40.º e seguintes do Estatuto Disciplinar de 1913, dos artigos 13.º, 53.º, 58.º e 266.º, todos da CRP, do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e do artigo 1.º do Protocolo n.º 12 da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Banco 1...; Processo disciplinar; Revisão da pena disciplinar; Amnistia de infracções disciplinares; Caso julgado.

1 - Sendo legalmente devido que o Autor possa formular, ao abrigo do disposto no Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis, de 22 de fevereiro de 1913, e a todo o tempo, pedido de revisão da pena disciplinar que lhe foi aplicada, tem todavia para tanto, face ao disposto nos seus artigos 40.º e 41.º, que alegar circunstâncias susceptíveis de justificar a sua inocência, apresentando provas justificativas.

2 - Não tendo o Autor alegado e provado a ocorrência de circunstâncias e factos novos demonstrativos da sua inocência, pese embora três dos factos terem ocorrido em data anterior a 25 de março de 1999, e de a Ré não ter valorado autonomamente com uma pena disciplinar cada um dos demais factos provados, para assim se aferir de que modo se formou o cúmulo jurídico, o pedido de revisão não pode servir agora para colocar em causa a pena disciplinar aplicada, quando não demonstra o Autor, em termos mínimos, que por cada um dos factos isoladamente considerados não lhe seria aplicada a pena de despedimento, e bem assim, que por todos eles, em cúmulo jurídico, a pena não deixaria de ser essa mesma.

3 - Sendo múltiplos os factos dados como provados no processo disciplinar e em que a sua grande maioria foi praticada em data posterior ao dia 25 de março de 1999, e como patenteado no relatório final, atenta a sua pesada gravidade e o abalo da confiança por parte de quem tinha a seu cargo, como principal responsabilidade, a gestão de uma agência bancária, nunca poderia o Recorrente estar abrangido pela amnistia a que se reporta a Lei n.º 29/99 de 12 de maio, mais concretamente pelo seu artigo 7.º, alínea c).

4 - Tendo o Autor, em 05 de janeiro de 2011, impugnado judicialmente a decisão de despedimento com justa causa proferida pela Ré em 26 de abril de 2000, e tendo o Tribunal vindo a julgar pela ocorrência da caducidade do direito de acção, dada a ultrapassagem do prazo peremptório para impugnação de actos anuláveis a que se reporta o artigo 58.º, n.º 2, alínea b) do CPTA, e tendo essa decisão transitado em julgado, está vedado ao Autor, ora Recorrente, tornar a suscitar perante os Tribunais a apreciação dos termos e fundamentos em que foi proferida a decisão determinante do seu despedimento, pois que se formou caso julgado em face do que foi o resultado da aplicação do direito à situação em causa, não podendo o que nela foi decidido vir a ser submetido a posterior novo julgamento, o que torna a Sentença inatacável, com o que se alcança assim, a segurança jurídica, a paz social, e a final, o prestígio dos tribunais.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente AA, confirmando a Sentença recorrida.

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Custas a cargo do Recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.




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Notifique.

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Porto, 10 de março de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Fernanda Brandão, em substituição
Helena Ribeiro