Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00179/05.5BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/31/2013
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; SISA, TRADIÇÃO POSSE
Sumário:1. Na vigência do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações, a tradição (transmissão da posse) de bens imóveis era fiscalmente relevante para efeitos de sisa ou de imposto sobre as sucessões ou doações, consoante tivesse sido efetuada a título oneroso ou a título gratuito;
2. Para os efeitos desse Código, constituíam elementos da transmissão da posse o corpus (consubstanciado pelo abandono da coisa pelo transmitente e pela prática dos atos que traduzam os poderes materiais sobre a coisa pelo transmissário) e o animus (a intenção de transmitir e de adquirir essa posse), sendo este último aferido pelo título (ato jurídico porque se transferiu o direito correspondente).
3. Para que fosse possível aferir o animus da posse e a natureza (onerosa ou gratuita) do negócio subjacente, determinava então o artigo 90.º desse Código que o novo possuidor (aquele que praticasse os atos materiais da posse) fosse notificado para apresentar o título da sua posse, presumindo o legislador a aquisição (a título gratuito) do direito correspondente aos atos materiais - corpus - dessa posse se nada dissesse.
4. Se tal diligência não fosse realizada, o animus da posse não se presumia cabendo então à administração tributária a demonstração dos factos que o evidenciassem – artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.
5. A contratação e realização de obras em imóvel com vista à exploração de estabelecimento de health-club e o subsequente exercício da atividade correspondente nesse imóvel não evidenciam a intenção de agir como beneficiário do direito de propriedade desse imóvel, visto que são compatíveis com negócios jurídicos que conferem a mera detenção.
6. A declaração no respetivo contrato de empreitada de que o imóvel foi adquirido por outro título também não constitui indício suficiente da intenção do declarante de agir como beneficiário desse direito, se depois ela o indicado alienante continua a praticar atos de posse e vende o imóvel a outra sociedade que, por sua vez, vem a celebrar com aquele outro um contrato de locação financeira.
7. A insuficiência de indícios da intenção do sujeito passivo de agir como beneficiário do direito a transmitir importa a insuficiência de elementos da transmissão da posse, sendo a liquidação que neles se baseou ilegal por erro nos seus pressupostos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:G..., Lda
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. G…, Lda., n.i.f. 5…, com sede no Edifício…, Vila Real, recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a impugnação judicial de liquidações de imposto municipal de sisa e dos respetivos juros compensatórios, no valor total de € 41.322,74.

Recurso esse que foi admitido com subida imediata nos autos com efeito devolutivo.

Notificada da sua admissão, a Recorrente apresentou as correspondentes alegações, que rematou com as seguintes conclusões:

1. A Recorrente não se conforma com a improcedência da presente impugnação, por considerar que a Sentença a quo apreendeu de forma incorreta a realidade factual e que, salvo o devido respeito, aplicou erradamente o direito.

2. Paralelamente aos erros que se assacam à Sentença, os autos demonstram por si só que não estão reunidos os pressupostos de facto para que a Administração Tributária tivesse procedido á liquidação, nomeadamente por falta de determinação da matéria colectável.

3. Acresce que andou mal a Sentença a quo ao desconsiderar que a Administração Tributária preteriu uma formalidade essencial ao não conceder ao ora Recorrente o exercício do direito de audição, como lhe impunha o artigo 60.º da LGT.

4. Quanto à matéria de facto, tanto a prova documental como testemunhal demonstram uma realidade factual distinta da que determinou a liquidação dos autos e o sentido da Sentença – pelo que há a apontar erro de julgamento no que concerne aos factos numerados como 1,4 e 5.

5. O facto n.º 1 não deveria ter sido dado como provado pois, cotejado com todo o quadro factual do processo, é manifesto que a expressão “adquiriu” ínsita no contrato de empreitada se trata de um erro na declaração, de um lapso porventura motivado pela adaptação pouco cuidada de uma minuta contratual.

6. Quanto ao facto n.º 4 cumpre assinalar que da prova produzida resulta que a Recorrente – que efectivamente efectuou as obras de requalificação mencionadas no probatório, com autorização do proprietário do imóvel – nunca foi possuidora; foi mera detentora, daí sendo falso que, no sentido técnico-jurídico, tivesse utilizado o imóvel dos autos “como se de verdadeira proprietária se tratasse”.

7. Com efeito, a relação contratual existente era a de um comodato e não de compra e venda ou promessa de compra e venda, pelo que a posse que a Recorrente tinha à data da liquidação era meramente precária, outrossim denominada “simples detenção”.

8. O comodato não se subsume a nenhuma das hipóteses contempladas pela norma de incidência real que está na base da liquidação impugnada.

9. Com efeito, resulta à saciedade da prova produzida que a proprietária originária do imóvel cedeu gratuitamente as instalações à Recorrente para que esta realizasse as obras tendentes à exploração do espaço como ginásio/health club com o fito de definirem posteriormente, mediante as perspectivas de negócio, qual o contrato a celebrar (venda ou arrendamento).

10. Deve o facto 5 ser dado com não provado, consistindo uma mera especulação dizer-se que a falta de exibição de contrato promessa de compra e venda radica na assumida relação de confiança e em vantagens recíprocas: o contrato não foi exibido pela simples razão de que não existiu promessa.

11. Tanto mais que, sem prescindir quanto à inexistência de factos que preencham a norma de incidência real convocada, não ficou demonstrada qual a matéria colectável que serviu de base á liquidação, manifestando-se a Sentença completamente omissa quanto a este elemento tributário.

12. Tal omissão resulta do facto de a inspecção tributária ter violado o artigo 55.º do RCPIT, fazendo repousar a fundamentação do acto tributário (e em concreto a determinação da matéria colectável) em supostas declarações, sem que tivesse lavrado o obrigatório termo.

13. Acresce ainda que a Administração Fiscal procedeu à liquidação do imposto “directamente”, ou seja, sem que a liquidação impugnada tivesse sido precedida da notificação á Recorrente, para os termos do disposto no art. 60º, alínea a) da L.G.T.

14. Não é de acolher a tese da Sentença que considera que no caso vertente, em juízo de prognose póstuma, se verifica que o não cumprimento do artigo 60º da L.G.T. se degenera em formalidade não essencial, sendo por demais evidente que os dados recolhidos pela Inspecção Tributária não são objectivos nem suficientes.

15. Por um lado porque, através do exercício do direito de audição, a ora Recorrente poderia, logo no procedimento, demonstrar que o desiderato de que hoje nos ocupamos não assenta em factos concretos e sustentados,

16. Por outro lado porque não estamos perante um caso em que a actuação da A.F. seja estritamente vinculada e em que o único desfecho possível fosse a prática do acto em escrutínio com o concreto conteúdo que ele tem.

17. Em suma, o não cumprimento do direito de audição consubstancia a preterição de uma formalidade essencial, conquanto se constata que o acto não deveria ter sido praticado (por se demonstrar preenchida a norma de incidência real) e que foi mal praticado por insuficiência de elementos essenciais à liquidação do imposto (falta de quantificação da matéria colectável).

18. Assim, e s.m.o., a Sentença a quo violou o artigo 2º do CIMSISSD e o artigo 60.º da L.G.T., pelo que não poderá manter-se na Ordem Jurídica que assim foi violada.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a Sentença a quo ordenando-se a anulação da liquidação adicional dos autos.

Com o que V. Exas. Farão a habitual Justiça.

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

Recebidos os autos neste tribunal, foi aberta vista à Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta, a qual emitiu douto parecer, no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso com manutenção na ordem jurídica da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.


2. Do Objeto do Recurso

São os seguintes os fundamentos do recurso:

1º. Erro no julgamento de facto, uma vez que os factos referidos na sentença recorrida sob os nºs 1, 4 e 5 deveriam ter sido dados como não provados [conclusões “4” a “10”];

2º. Erro na aplicação do direito aos factos, uma vez que não estão reunidos os pressupostos de facto para que a administração tributária tivesse procedido à liquidação [conclusões “2” e “11” a “12”];

3º. Erro na aplicação do direito aos factos, uma vez que o não cumprimento do direito de audição consubstancia preterição de formalidade essencial [conclusões “13” a “18”].


3. Do Julgamento de Facto

3.1. Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância:

«Com base nos elementos constantes dos autos (articulados, documentos e depoimentos das testemunhas), resulta provada a seguinte matéria de facto com interesse para a decisão a proferir:

1. Em 3 de Março de 2003, a ora Impugnante (“G…, LDA.”) celebrou contrato de empreitada no qual se estabeleceu que aquela «(…) adquiriu uma parte de um edifício, em tosco, destinado a um Health-club, sito em …, Vila Real, no qual pretende realizar as restantes obras» [cláusula primeira (n.º 1)], que «os trabalhos terão o seu início de execução a 05/Março/2003 e deverão estar concluídos a 31/Agosto/2003»» [cláusula quinta (n.º 1)], e que «O valor de adjudicação é de 125.000,00 € (cento e vinte e cinco mil euros), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor» [cláusula sétima];

Cfr., nomeadamente, contrato de empreitada e factura correspondente (factura nº 30002), ambos constantes do processo administrativo apenso aos autos (art 523º e segs do CPC), bem como afirmações e confissões expressas nos articulados (arts 38º, 490º e 567º do CPC);

2. Contrato esse correspondentemente assumido, executado e não impugnado, bem como facturado nos termos que constam da correspondente factura nº 30002 da qual se destaca o seguinte:

Preço …………………€ 125.000

IVA (taxa de 19%)…...€ 23.750

Total…………………€ 148.750

Cfr., nomeadamente, contrato de empreitada e factura correspondente (factura nº 30002), ambos constantes do processo administrativo apenso aos autos (art 523º e segs do CPC), bem como afirmações e confissões expressas nos articulados (arts 38º, 490º e 567º do CPC);

3. A ora Impugnante (“G..., LDA.”), na respectiva declaração apresentada nas Finanças (DGCI), reportou à data de 5 de Março de 2003 o início da sua actividade, actividade que identificou com o Código da Actividade Económica (C.A.E.) n.º 093042 (“Manutenção Física, N.E.”), após o que apresentou declarações periódicas de IVA nas quais se constata que no segundo trimestre de 2003 (Abril, Maio e Junho) apenas realizou operações passivas mas onde o terceiro trimestre de 2003 (Julho, Agosto e Setembro) já declarou ter realizado operações activas em montante que ascende a € 21.752,31;

Cfr., nomeadamente, documentos juntos com a contestação deduzida pela Fazenda Pública, bem como facturas/vendas a dinheiro constantes do processo administrativo apenso aos autos;

4. A ora Impugnante (“G..., LDA.”) obteve desde o dia 5 de Março de 2003 a entrega do imóvel, por parte de “CONSTRUÇÕES…, LDA”, nele tendo mandado efectuar obras de adaptação, no valor de 125.000,00 + IVA, com vista ao exercício da sua actividade comercial (Ginásio/Health Club), tendo passado a usufruir do imóvel como se de verdadeira proprietária se tratasse;

Cfr., nomeadamente, documentos integrados e apensos aos autos, bem como depoimentos das testemunhas;

5. A falta de exibição do contrato promessa de compra e venda (contrato do foro privado) que formalize, por escrito, a utilização daquele imóvel no período que vai desde o dia 5 de março de 2003 até ao dia 16 de Dezembro de 2004 (data em que foi celebrada a respectiva escritura pública de compra e venda), radica na assumida relação de confiança e no evidente cruzamento de vantagens recíprocas entre os sócios das sociedades, a saber, por um lado a sociedade “CONSTRUÇÕES …, LDA” (na qual o Eng R…, não apenas era sócio com a quota de 25%, mas também era gerente), e, por outro lado, a sociedade “G..., LDA.” na qual aquele mesmo Eng R… detinha interesse por via de ser igualmente sócio da referida “G…-”), em acréscimo se indicando que a sua mulher D… também era sócia daquela “G…”;

Cfr., nomeadamente, documentos integrados e apensos aos autos, bem como depoimentos das testemunhas;».

3.2. Entre os fundamentos do recurso encontra-se o erro de julgamento de facto. Considera a Recorrente que na resposta à matéria de facto contida nos pontos “1”, “4” e “5” dos factos provados na sentença recorrida está inserida factualidade para a qual não existe qualquer suporte probatório nos autos.

Estão em causa a expressão «adquiriu», contida no facto “1”, a expressão «como se de verdadeira proprietária se tratasse», contida no facto “4” e a primeira parte do facto “5”, onde se diz que «A falta de exibição do contrato promessa de compra e venda (…) radica na assumida relação de confiança e no evidente cruzamento de vantagens recíprocas entre os sócios das sociedades».

No entanto, a Recorrente não tem razão quando alega, a respeito da expressão «adquiriu», contida no facto “1”, que não existe qualquer suporte probatório nos autos. O seu suporte probatório é constituído pelos documentos que o M.mº Juiz a quo ali expressamente refere e que se limita a transcrever parcialmente. Sendo que não está em causa que aquela celebrou com o empreiteiro o contrato em causa nem os termos em que o fez. A questão de saber qual o sentido que deve ser atribuído a essa expressão já não tem a ver com a resposta à matéria de facto mas com as conclusões que dela devem ser extraídas.

Mas tem razão a Recorrente, quando se insurge contra a inserção, no facto “4”, da expressão «como se de verdadeira proprietária se tratasse». De um lado, porque não temos ali nenhuma referência a uma ocorrência da vida real que pudesse ser objeto de uma apreciação do tipo cognoscitivo e que coubesse apreciar na resposta à matéria de facto (mas um juízo notoriamente conclusivo a extrair noutra fase de julgamento – na aplicação do direito aos factos – das circunstâncias fácticas que fossem concretamente apuradas). De outro lado, porque não se descortina a sua alegação nos articulados, sendo que só deve ser inserido na resposta à matéria de facto o que, sendo essencial à pretensão de alguma das partes, tiver por elas sido concretamente alegado, como decorre dos artigos 264.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, 99.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 13.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Idêntico juízo deve, nesta parte, merecer a expressão «obteve desde o dia 5 de Março de 2003 a entrega do imóvel», também ali contida, visto que a expressão é ali utilizada com um evidente cunho jurídico, com ela se pretendendo aludir abstratamente à tradição do imóvel. Facto seria a referência concreta aos factos que consubstanciassem o modo de entrega, fossem eles as declarações prestadas pelo anterior possuidor, a entrega de uma chave ou quaisquer outros.

E a Recorrente também tem razão quando se insurge contra a inserção, no facto “5”, da expressão «A falta de exibição do contrato promessa de compra e venda (…) radica na assumida relação de confiança e no evidente cruzamento de vantagens recíprocas entre os sócios das sociedades». Porque tem pressuposta uma conclusão de facto (a de que foram emitidas determinadas declarações negociais que não foram reduzidas a escrito) não suportada, por sua vez, em dados factuais (não foi dada como provada a emissão dessas declarações) e uma conclusão de direito (a de que essas declarações seria submetidas a regras legais prescritas para o contrato promessa).

Razão porque, atento o disposto nos artigos 664.º e 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, se decide considerar não escritas essas expressões, sendo o seguinte o teor a considerar dos respetivos pontos de facto:

4. A ora Impugnante (“G..., LDA.”), mandou efetuar, em 5 de Março de 2003, obras de adaptação no imóvel identificado no processo administrativo em apenso, no valor de 125.000,00 + IVA, com vista ao exercício da sua atividade comercial (Ginásio/Health Club);

5. O Eng R… era sócio, com a quota de 25%, e gerente da sociedade “CONSTRUÇÕES …, LDA” e, juntamente com sua mulher, sócio a sociedade “G..., LDA.”.

3.3. Por terem interesse para a descoberta da verdade e se encontrarem documentalmente provados, ao abrigo do artigo 712.º do Código de Processo Civil, aditam-se aos factos provados os seguintes, diretamente alegados ou por remissão para os documentos juntos:

6. Em cumprimento da ordem de serviço n.º 43121 de 2003-10-21, os serviços de inspeção tributária da Direção Distrital de Finanças de Vila Real procederam, entre 4 e 5 de Novembro do mesmo ano, a uma ação inspetiva, envolvendo a análise externa da escrita da Recorrente do período de 2003, em resultado da qual foi elaborado, em 6 de Novembro, o relatório de inspeção tributária de que se junta cópia de fls. 8 a fls. 18 do processo administrativo em apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e feitos e de onde, além do mais, consta o seguinte:

«Na sequência da ordem de serviço supra citada, foi dado início à acção de inspecção, tendo-se para o efeito contactado a empresa na sua sede. Nas conversas havidas entre o técnico da administração tributária e o senhor R…, na qualidade de gerente da sociedade, e no decurso da visita às instalações podemos observar a existência de condições físicas (instalações) para o normal desenvolvimento da actividade, bem como podemos observar e conferir a existência dos investimentos que deram origem ao presente pedido de reembolso. Fomos ainda informados que a empresa está a ultimar um outro pedido de reembolso, refere (…) período 03/09T, por força dos investimentos que executou nesse período, apesar de ter começado a realizar operações activas em Julho/2003.

Não obstante o acima referido, questionamos a sociedade, na pessoa do seu gerente, se já tinha sido efectuada a comunicação, ao Serviço de Finanças, para efeitos de pagamento de SISA. Fomos informados que tal não aconteceu, pois desde Dezembro de 2002 que foi entregue na Câmara Municipal de Vila Real, um pedido de propriedade horizontal, pois no licenciamento inicial não se pretendia que assim fosse. Segundo a gerência, tal facto impossibilita a referida comunicação para efeitos pagamento de SISA, pois ainda não existe um artigo para a fracção do prédio que adquiriram, através de contrato verbal pelo valor de 400.000,00€.

No entanto podemos constatar que a empresa já exerce a actividade desde Julho, conforme fotocópia da 1ª e 2ª venda a dinheiro que se anexa. Acresce ainda a este facto que existe um contrato, o qual anexamos, que refere o início das obras de adaptação das instalações, em 05 de Março de 2003, o que pressupõe que a sociedade já nessa data detinha a posse do imóvel, isto é, já se tinha verificado a tradição o bem, logo nos termos do nº2 do artigo 2º CIMS, está sujeito a SISA desde aquela data (05/03/2003).

À consideração superior».

[Facto alegado no artigo 2.º da douta petição inicial e expressamente reconhecido na douta contestação]

7. Sobre as conclusões do relatório a que alude o n.º anterior incidiu o seguinte despacho:

«Sanciono as conclusões do presente relatório de Inspecção tributária relativamente ao pedido de reembolso do período de 0306T no montante de € 500.000,00

Para efeitos de exigência do imposto municipal de sisa devido, remeta-se cópia da informação prestada ao SF de Vila Real.

Vila Real, 2003.11.10

O Director de Finanças, p.d.

(assinatura)

(DR II série n.º 96, de 24.04.03)».

[Facto extraído do alegado, no artigo, 2.º da douta petição inicial, por remissão para o processo administrativo em apenso e confirmado a fls. 7 do mesmo]

8. Através do ofício n.º 13127, de 2003.11.14, recebido em 2003.11.18, foi remetida ao Serviço de Finanças informação sobre as conclusões do relatório a que se alude nos números anteriores.

[Facto extraído do alegado, no artigo, 2.º da douta petição inicial, por remissão para o processo administrativo em apenso e confirmado a fls. 4 do mesmo]

9. Com base na informação a que aludem os números anteriores foi instaurado no Serviço de Finanças de Vila Real o processo de imposto municipal de sisa, ao qual foi atribuído o n.º 14/2003, tendo o senhor Chefe do Serviço de Finanças emitido, em 2004.04.16, ordem de serviço para a sua instrução e realização de diligências necessárias.

[Facto extraído do alegado, no artigo, 2.º da douta petição inicial, por remissão para o processo administrativo em apenso e confirmado a fls. 20 do mesmo]

10. Em 2005.01.07, é lavrada no Serviço de Finanças de Vila Real a seguinte informação:

«Em cumprimento do despacho a que se refere os nºs 4 e 5 do artº 46º do RCPIT, DI200400092 de 08/11/04, da Direcção de Finanças de Vila Real, e em resultado da visita efectuada ao sujeito passivo acima identificado, cumpre-me informar V. Ex.ª o seguinte:

1.º) – A identificação matricial do imóvel objecto de transmissão corresponde à fracção A do pedido de constituição de propriedade horizontal do prédio urbano sito no loteamento da Quinta …, freguesia de Mateus, de 2 de Fevereiro de 2004 do Departamento de Gestão do Território do Município de Vila Real, a requerimento de Construções …, Lda, conforme fotocópia em anexo.

2.º) – A data da tradição do citado imóvel, foi em 05 de Março de 2003, como se depreende da cláusula 5.ª (Prazo de execução da empreitada) do contrato de empreitada efectuado entre o G... – Health Club, Lda e a C… – Sociedade de Construção, Lda., conforme fotocópia em anexo, assim como, da data de início de actividade da firma em questão.

3.º) – Do contrato de empreitada acima mencionado, realizado em 03.03.2003, entre os intervenientes acima identificados depreende-se na sua 1.ª cláusula (Objecto de empreitada) que, a firma G… adquiriu uma parte de um edifício, em tosco, destinado a um Health-Club, sito em Mateus, Vila Real, no qual pretende realizar as restantes obras, pelo que, à data da tradição do imóvel já existiam benfeitorias efectuadas no mesmo.

4.º) – Refira-se ainda que, todas as licenças de construção do imóvel, assim como, do alvará de licença de utilização dos estabelecimentos, aonde figura o G..., como entidade exploradora, foram todas emitidas em nome das Construções…, Lda. conforme fotocópia em anexo.

5.º) – Por último, informa-se que a declaração modelo 1 do CIMI, foi entregue em 20.04.2004, pela firma Construções…, Lda.

É o que me cumpre e tenho a honra de informar a V. Ex.ª»

[Facto extraído do alegado, no artigo, 2.º da douta petição inicial, por remissão para o processo administrativo em apenso e confirmado a fls. 33 a 47 do mesmo]

11. Com base na informação a que alude o número anterior foi efetuada, em 2005.12.13 a seguinte liquidação:
PREDIOPREÇO
Fracção “A” Artº… (Mateus)€400.000,00
SISA - € 400.000,0 x 10%
= € 40.000,00
Juros compensatórios
= € 1.322,74
Total
= € 41.322,74
[Fls. 48 do processo administrativo em apenso]

12. Através dos ofícios 424 e 425, ambos de 2005-01-28, foi a ora Recorrente notificada da liquidação a que alude o n.º anterior e para, além do mais, proceder ao pagamento dos montantes liquidados no prazo de 30 dias a contar da assinatura do aviso de receção.

[Facto reconhecido no artigo 1.º da douta petição inicial; Fls. 49 e 50 do processo administrativo em apenso]

13. A sociedade ora Recorrente foi constituída em 2003, apresentando a respetiva Declaração de Inscrição do Registo/Início de Atividade em 2003-03-05

[Facto alegado no artigo 83.º da douta petição inicial; já vinha confirmado no ponto C) 1) do relatório de inspeção tributária a que se alude em 6 supra e no doc. de fls. 39 do processo administrativo em apenso]

14. Por escritura de compra e venda lavrada em 2004-12-16 no Sétimo Cartório Notarial do Porto e exarada de fls. 82 a fls. 83v. do Livro 331-D de escrituras diversas, R…, na qualidade de sócio gerente e em representação de “Construções …, Lda” declarou vender a “I…– Sociedade de Locação Financeira” e o Dr. A…, na qualidade de procurador desta última, declarou comprar, pelo preço de € 465.000,00, a «Fracção autónoma designada pela letra “A”, destinada a Health-Club, no rés-do-chão esquerdo, com acesso pelas entradas A do arruamento poente e D do arruamento Norte, composta de primeira cave, rés-do-chão e primeiro andar» e «Fracção que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no Lugar…, freguesia de mateus, concelho de Vila Real, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real, sob o número… – Mateus, afecto ao regime da propriedade horizontal pela inscrição F-dois, registada definitivamente a favor da sociedade vendedora pela inscrição G-um».

[Facto extraído do alegado nos artigos 101.º e 102.º da douta petição inicial por remissão para o documento n.º 3 inserto de fls. 27 a fls. 31 dos autos, que confirma essa alegação nos termos transcritos]

15. Na mesma data a que alude o n.º anterior foi celebrado entre a “I… – Sociedade de Locação Financeira” e a ora Recorrente o contrato denominado de «Locação Financeira Imobiliária nº 600529 (Aquisição)» de que se junta cópia de fls. 16 a fls. 26 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos e de onde, além do mais, consta o seguinte:


Condições particulares

1. Imóvel: Fracção autónoma designada pela letra “A” (Health-Club – rés-do-chão esquerdo, com acesso pelas entradas A do arruamento poente e D do arruamento Norte), do prédio urbano situado no Lugar…, Freguesia de Mateus, Concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real, sob a ficha número … (…), da mencionada Freguesia, e inscrito na matriz predial sob o artigo ….

2. Afectação do imóvel: o imóvel destina-se a Ginásio.

3. Financiamento:

3.1. Valor de compra: 465.000,00Eur (Quatrocentos e sessenta e cinco mil euros).

3.2. IMT: 30.225,00Eur (Trinta mil duzentos e vinte e cinco euros).

3.3. Outros impostos e despesas: 4.481,80Eur (Quatro mil quatrocentos e oitenta e um euros e oitenta cêntimos).

3.4. Montante global do financiamento: 499.706,80Eur (Quatrocentos e noventa e nove mil setecentos e seis euros e oitenta cêntimos).

4. Prazo: 120 (sento e vinte) meses, com início na data da celebração do presente contrato.

5. Renda:

5.1. Número e montante das rendas: 120 de 4.753,23Eur (Quatro mil setecentos e cinquenta e três euros e vinte e três cêntimos)

5.2. Tipo: Indexadas

5.3. Periodicidade: Mensal

5.4. Modalidade de pagamento: Antecipado

5.5. Vencimento das rendas: A primeira renda vence-se na data do início do contrato e as restantes no dia 10 dos meses seguintes.

6. Valor residual: 25.000,00 (Vinte e cinco mil euros).

(…)


Condições Gerais

(…)

10ª – Opção de compra

1. O Locatário tem o direito de optar pela compra do imóvel objecto do presente contrato, no termo do prazo de vigência, contra o pagamento do valor residual e desde que se encontrem integralmente cumpridas todas as suas obrigações contratuais (…).

[Facto alegado no artigo 100.º da douta petição inicial; confirmado pelo documento para que se remete, não impugnado na sua origem nem no seu teor pela parte contrária e valorado positivamente pelo tribunal]

16. Em 2004-12-14, a “I…– Sociedade de Locação Financeira” tinha apresentado no Serviço de Finanças do 6.º Bairro Fiscal do Porto a declaração modelo 1 para liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis e procedido ao pagamento do imposto correspondente, no montante de € 30.225,00 relativo à aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel supra identificado.

[Facto alegado no artigo 102.º da douta petição inicial; confirmado pelo documento n.º 4 junto com o douto articulado, fls. 32 e 33 dos autos]

4. Do Julgamento de Direito

4.1. Assim estabilizada a matéria de facto importa dela extrair as devidas consequências para o mundo de direito e, designadamente, aferir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito aos factos ao concluir que nem a liquidação impugnada padecia de erro nos seus pressupostos nem os respetivo procedimento preteriu formalidades essenciais.

Analisemos primeiro o erro de julgamento quanto à verificação dos pressupostos de facto da liquidação impugnada, por ser o primeiro que vem alegado.

É sabido que o nosso direito fiscal é pródigo na formulação fragmentária de normas jurídicas, dispondo por diferentes preceitos legais os elementos constitutivos do tipo (a formulação dos pressupostos da obrigação tributária), através de proposições jurídicas incompletas que só podem ser apreendidos no seu todo relacionando esses preceitos entre si (sobre esta matéria, ver Ana Paula Dourado, in «O Princípio da Legalidade Fiscal», págs. 595/596).

Era, sem dúvida, o que se passava com a determinação dos elementos constitutivos do facto tributário de que derivava a obrigação do pagamento de sisa, e do seu elemento objetivo em particular (também designado de pressuposto ou regra de incidência real), que se encontrava dispersa por diferentes disposições legais semeadas ao longo do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41 969, de 24 de Novembro de 1958.

Assim, o Código começava por referir no seu artigo 1.º que a sisa incidia sobre atos translativos de bens qualquer que fossem o título por que se operassem. Donde decorria de um lado, que relevavam para o imposto quaisquer transferências de bens, qualquer que fosse o título porque se operassem e ainda que não existisse título de transmissão prescrito na lei civil, desde que tivesse reflexo económico no valor do património do transmissário.

Concretizava depois o seu artigo 2.º que essas transmissões só relevavam para efeitos de sisa se fossem efetuadas a título oneroso e incidissem sobre o direito de propriedade ou direitos reais limitados de bens imóveis. Acrescentando, porém, nos parágrafos 1.º e 2.º do mesmo artigo diversas situações «que não envolvendo, embora, transmissão jurídica da propriedade dos bens, proporcionam ao adquirente direitos de uso e fruição equivalentes, do ponto de vista económico, ao direito de propriedade e susceptíveis de conduzirem na, prática, a resultados idênticos ao da transmissão, e que a usucapião poderá consolidar» (F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, in Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações Anotado e Comentado, 4.ª edição 1997, Rei dos Livros, pág. 33).

Seria o caso da promessa de compra e venda ou troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente comprador ou para os promitentes permutantes. Embora a promessa com tradição da coisa não confira mais do que uma posse precária ou mera detenção (a prática de atos materiais da posse – «corpus» – sem intenção de agir como beneficiário do direito correspondente – sem «animus», portanto; cfr. artigo 1253.º, alínea a), do Código Civil) e não seja, por isso, uma forma de aquisição nem da verdadeira posse nem do direito correspondente, o legislador terá ponderado que é corrente, na prática, o titular da promessa de aquisição (com tradição da coisa prometida) aceder a uma posse em nome próprio por tradição brevi manu (em que a promessa que justifica a detenção é substituída por acordo que confere uma posse em nome próprio suscetível de consolidar o direito correspondente na esfera do promitente comprador), factos e negócios estes que, em regra, escapam ao controlo externo das finanças e seriam potenciais instrumentos de evasão fiscal se a lei não estendesse especialmente a obrigação do pagamento do imposto a estas situações.

Adiante, o seu artigo 8.º exemplificava diversas situações suscetíveis de operar transmissões sujeitas a sisa, fazendo «uma interpretação autêntica da noção de transmissão deferida no corpo do artigo 2.º, justificada não só pelas eventuais dúvidas que o silêncio sobre certos casos poderia acarretar se houvesse apenas que lidar com o preceito geral, mas também para que, dos exemplos, o intérprete» pudesse «recolher os critérios que lhe» permitissem «fixar a real dimensão da incidência desse mesmo preceito geral» (ob. cit., pág. 122).

Mais adiante, o artigo 90.º do Código estabelecia mecanismos de fiscalização de situações que pudessem indiciar a transmissão de bens. No que para o caso interessa, este preceito servia também para interpretar e delimitar o conceito de transmissão para efeitos do código, dele resultando claramente que o simples facto da mudança nos possuidores de bens imóveis poderia obrigar ao pagamento de sisa desde que houvesse prova inequívoca dessa mudança. Como referem F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes (in ob. cit., pág. 630), «o próprio contrato verbal acompanhado de posse pelo adquirente cai na esfera da incidência, sendo de todo irrelevante a inexistência de título translativo» (válido – nota nossa) «da propriedade dos bens. A simples mudança de possuidores é uma presunção legal da sua transmissão, acabando a tradição por suprir mesmo os vícios de forma dos negócios».

Finalmente o artigo 152.º, segundo parágrafo, estabelecia que não seria de anular a sisa por não se ter verificado o facto translativo desde que tivesse havido transmissão dos bens para o sujeito passivo ou este os tivesse usufruído. Esta norma era também invocada para demonstrar que fora intenção do legislador abranger nas normas de incidência quaisquer situações de facto que importassem – para os efeitos do código e ainda que suportadas numa presunção legal – a tradição dos bens, isto é, a transmissão da sua posse, visto que a constatação ulterior de que a posse foi revertida ou o direito não chegou a ser transmitido não chegaria, no caso, para afastar a incidência e, com tal fundamento, anular a liquidação.

Conjugando estas normas, verificamos que constituíam factos geradores da obrigação do pagamento de sisa, para efeitos deste código, os factos translativos do direito de propriedade ou de outro direito real de bens imóveis, mas também os factos que evidenciassem a transferência de posse – por título oneroso – desses bens em termos desses direitos reais e ainda os factos que representassem celebração de negócios jurídicos que conferissem a posse precária sobre esses bens, desde que, neste último caso, fossem os tais negócios jurídicos que o legislador, por disposição especial, considerou relevantes para este efeito (como, as promessas de compra e venda ou troca de bem imobiliários, com tradição do bem).

Mas o que se deve entender por transferência da posse para efeitos deste código? Na falta de disposição que consagre um conceito próprio de posse, devemos recorrer aos conceitos que emanam de outros ramos de direito – artigo 11.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária – e aos dos artigos 1251.º e seguintes do Código Civil em particular.

Assim, decorre com interesse do artigo 1263.º, alínea b), do Código Civil [conjugado com o seu artigo 1253.º, alínea a)], que a posse se transmite pela tradição (traditio) material ou simbólica da coisa (corpus), efetuada pelo anterior possuidor ao novo possuidor com intenção de transferir o direito correspondente (animus). Assim, a tradição envolve, de um lado, o abandono do gozo da coisa pelo transmitente (vacua possessio) e a prática dos atos que traduzam os poderes materiais sobre a coisa pelo transmissário (apprehensio), nisto se consubstanciando o corpus da transmissão da posse. E envolve, por outro lado, a intenção de transmitir e de adquirir essa posse, nisto se consubstanciando o animus da transmissão da posse.

Ora, na aquisição bilateral da posse, tem a doutrina entendido que o animus resulta da natureza do ato jurídico porque se transferiu o direito suscetível de posse (teoria da causa): «se a tradição se realizou em consequência de um acto de alienação da propriedade, a intenção que tem o adquirente é a de exercer o direito de propriedade. Se a tradição se realizou em consequência de um acto de locação, pelo qual se transferiu determinado prédio, a intenção do locatário é a de exercer o direito pessoal de arrendatário» (MANUEL RODRIGUES, in «A Posse – Estudo de Direito Civil Português», 3.ª edição 1980, pág. 222).

É assim, mesmo que o negócio jurídico subjacente seja nulo, designadamente por vício de forma. «A razão é que um negócio nulo denuncia, com mais segurança do que qualquer outro processo, a vontade do adquirente e, portanto, (…) na falta de lei, deve ser este ainda o critério do interprete (idem, pág. 224).

Ora, foi precisamente com o objetivo de aferir o animus da posse, na sua aquisição derivada, que o legislador exigiu, no artigo 90.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações que os novos possuidores fossem confrontados com os títulos da sua posse. Ou seja, que aqueles que praticam os aos materiais da posse (corpus) fossem chamados a explicitar com que intenção exerciam essa posse (animus) juntando para o efeito o título correspondente, presumindo-se a aquisição (a título gratuito, se não fosse determinado o contrário), se os títulos não fossem juntos ou se não fosse explicada a razão por que têm a posse.

Apliquemos, agora, estes conceitos ao caso dos autos.

4.3. Decorre dos autos que os serviços de inspeção tributária da Direção Distrital de Finanças de Vila Real, na sequência de uma fiscalização à escrita da Recorrente para efeitos de I.V.A., reuniram alguns indicadores de que esta estava na posse (em nome próprio) do imóvel, a saber: (1) a celebração de um contrato de empreitada para obras nesse imóvel entre a Recorrente e uma empresa construtora com início de execução marcada para 2003-03-05; (2) o facto de na cláusula primeira desse contrato ambas as partes reconhecerem que aquela «adquiriu» o imóvel, sendo uma delas – o empreiteiro – o (anterior) titular do direito de propriedade; (3) o facto de a Recorrente já se encontrar a exercer essa atividade, isto é, já ter realizado as benfeitorias necessárias e ocupado as instalações com equipamentos necessários ao exercício dessa atividade (realização de «operações activas»).

Adiantamos desde já que o primeiro e o terceiro indicadores são compatíveis com negócios jurídicos que não conferem a posse em nome próprio sobre o imóvel nem tendem para algum direito real. O titular do direito ao arrendamento comercial, por exemplo, não detém mais do que um direito de uso e fruição precário do imóvel (é mero detentor), mas nem por isso está impedido – desde que para o efeito esteja devidamente autorizado – de nele realizar as benfeitorias necessárias ao exercício da atividade comercial respetiva e de outorgar para o efeito em contrato de empreitada. Assim sendo, nem o facto de nele terem sido realizadas obras nem o facto de, aquando da inspeção, nele estar a ser exercida a atividade de exploração respetiva permitiria concluir que a Recorrente adquiriu a posse em nome próprio ou a propriedade do imóvel.

Mais significativo seria o segundo indicador, se a Recorrente e a construtora (também titular do direito de propriedade do imóvel) acordam, nas suas relações internas, que aquela «adquiriu uma parte do edifício, em tosco», estamos perante um importante indicador de que foi transmitida a propriedade do mesmo (ainda que por acordo verbal). Ainda aqui, porém, importava saber em que termos o adquiriu e se o foi a título oneroso, até porque só a transmissão onerosa do mesmo estaria sujeita a sisa.

Relevavam então as declarações prestadas pela «gerência» da Recorrente, segundo as quais o «adquiriram, através de contrato verbal pelo valor de 400.000,00€». Sucede que essas declarações não foram reduzidas a termo como era imposto pelo artigo 55.º, alínea b), do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, o que, na prática, impede a aferição do seu exato teor e interpretação do seu conteúdo, ficando mesmo por saber se a afirmação levada ao relatório constitui o seu sentido autêntico ou apenas o que a fiscalização deduziu do que lhe foi dito. E permitiu, em última análise, que a Recorrente visse impugnar expressamente essas declarações, como ressalta do artigo 53.º da douta petição inicial.

Entrevê-se, de resto, a razão porque o funcionário da inspeção tributária não chegou a lavrar o termo. É que não era essa a sua missão. Ele não estava ali para saber se tinha sido paga a sisa devida, mas para saber se a Recorrente tinha direito ao reembolso do I.V.A. Para a fiscalização e eventual liquidação da sisa devida foi, por isso, enviado um ofício ao Serviço de Finanças de Vila Real.

Sucede que o Serviço de Finanças de Vila Real não tomou (ou não mostrou ter tomado), por sua vez, declarações aos legais representantes da Recorrente. Não foram estes, designadamente, notificados para apresentarem os títulos da sua posse, como dispunha o artigo 90.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações.

Diligências que, então, mais se impunham, porque o Serviço de Finanças acabou por recolher outros indicadores que infirmavam essa aquisição. Afinal, todas as licenças de construção, assim como o alvará de licença de utilização do estabelecimento, foram emitidas em nome da indicada vendedora (“Construções…, Lda.”), ali figurando a Recorrente apenas como exploradora do estabelecimento. E a declaração de inscrição na matriz foi também apresentada pela indicada vendedora.

Por último, aquando da liquidação impugnada, já o Serviço de Finanças sabia que o imóvel estava inscrito em nome da “I…, Sociedade de Locação Financeira Imobiliária, S.A.”, a qual pagou a sisa devida pela aquisição do imóvel à “Construções…, Lda.” (e não à Recorrente). A menos que existissem outros indicadores de que a Recorrente tivesse, entretanto, revendido o imóvel à “Construções…, Lda.”, esta só estaria em condições de transmitir a propriedade do mesmo se a aquisição pela Recorrente nunca tivesse tido lugar.

De todo o exposto decorre que a Recorrente tem razão ao clamar que o Serviço de Finanças não realizou as diligências que, no caso, se lhe impunham no sentido de esclarecer a que título o imóvel foi por ela ocupado no período em causa. Sendo que o ónus de prova dos factos geradores da obrigação do pagamento do imposto recaía sobre este, como decorre do artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.

Pelo que o ato impugnado é ilegal e deve ser revogado. E a sentença que assim não o entendeu merece ser revogada.

Ficando, assim, prejudicado o conhecimento do outro vício alegado.


5. Conclusões

5.1. Na vigência do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações, a tradição (transmissão da posse) de bens imóveis era fiscalmente relevante para efeitos de sisa ou de imposto sobre as sucessões ou doações, consoante tivesse sido efetuada a título oneroso ou a título gratuito;

5.2. Para os efeitos desse Código, constituíam elementos da transmissão da posse o corpus (consubstanciado pelo abandono da coisa pelo transmitente e pela prática dos atos que traduzam os poderes materiais sobre a coisa pelo transmissário) e o animus (a intenção de transmitir e de adquirir essa posse), sendo este último aferido pelo título (ato jurídico porque se transferiu o direito correspondente).

5.3. Para que fosse possível aferir o animus da posse e a natureza (onerosa ou gratuita) do negócio subjacente, determinava então o artigo 90.º desse Código que o novo possuidor (aquele que praticasse os atos materiais da posse) fosse notificado para apresentar o título da sua posse, presumindo o legislador a aquisição (a título gratuito) do direito correspondente aos atos materiais - corpus - dessa posse se nada dissesse.

5.4. Se tal diligência não fosse realizada, o animus da posse não se presumia cabendo então à administração tributária a demonstração dos factos que o evidenciassem – artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.

5.5. A contratação e realização de obras em imóvel com vista à exploração de estabelecimento de health-club e o subsequente exercício da atividade correspondente nesse imóvel não evidenciam a intenção de agir como beneficiário do direito de propriedade desse imóvel, visto que são compatíveis com negócios jurídicos que conferem a mera detenção.

5.6. A declaração no respetivo contrato de empreitada de que o imóvel foi adquirido por outro título também não constitui indício suficiente da intenção do declarante de agir como beneficiário desse direito, se depois ela o indicado alienante continua a praticar atos de posse e vende o imóvel a outra sociedade que, por sua vez, vem a celebrar com aquele outro um contrato de locação financeira.

5.7. A insuficiência de indícios da intenção do sujeito passivo de agir como beneficiário do direito a transmitir importa a insuficiência de elementos da transmissão da posse, sendo a liquidação que neles se baseou ilegal por erro nos seus pressupostos.


6. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso e, em consequência:
a) Revogar a decisão recorrida;
b) Em substituição, anular a liquidação impugnada, com todas as consequências legais.

Custas pela Recorrida.

Porto, 31 de Outubro de 2013

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves

Ass. Pedro Marques