Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00132/12.2BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:URBANISMO; EDIFICAÇÃO REALIZADA EM ESPAÇO PÚBLICO; ESPLANADA
Sumário:I- A edificação de uma esplanada através de uma pavimentação em ladrilho num passeio, onde se encontra fixa uma estrutura em perfil e vidro, não é uma edificação amovível, ou seja, não é uma edificação que possa ser facilmente desmontada e retirada do local. É antes uma edificação que se encontra incorporada no solo com carácter de permanência, uma vez que a sua remoção necessita de trabalhos de demolição do construido.
II- A realização de uma obra particular num passeio público é ilegalizável, uma vez que o domínio público não pode ser apropriado por particulares e não pode ser comercializado ou objecto de tráfego jurídico.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:P...- Padaria e Pastelaria Lda
Recorrido 1:Município de Ponte de Lima
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
P...- Padaria e Pastelaria Lda. vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 30 de Setembro de 2014, que julgou improcedente a acção interposta contra o Município de Ponte de Lima e onde era solicitado que devia:
a) Ser decretada a anulação do acto administrativo que ordenou a demolição de obra executada no prédio sito no lugar de Regadas, da freguesia de Arcozelo, concelho de Ponte de Lima, praticado pelo Exmo. Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima, por falta de competência para a prática do acto recorrido; subsidiariamente,
b) Ser decretada a anulação do acto administrativo que ordenou a demolição de obra executada no prédio sito no lugar de Regadas, da freguesia de Arcozelo, concelho de Ponte de Lima, praticado pelo Exmo. Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima, por falta de fundamentação legal, subsidiariamente,
c) Ser decretada a anulação do acto administrativo que ordenou a demolição de obra executada no prédio sito no lugar de Regadas, da freguesia de Arcozelo, concelho de Ponte de Lima, praticado pelo Exmo. Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima, pela inexistência de fundamento legal.

Em alegações a recorrente concluiu assim:

I. A sentença recorrida julgou, sem fundamento válido, e numa visão puramente formal da questão, improcedente a presente ação intentada pela aqui Recorrente, absolvendo o Réu, aqui Recorrido, Município de Ponte de Lima dos pedidos contra ele formulados.

II. E isto porque tal sentença assenta em dois pressupostos fundamentais:

III. Considerar, por um lado, que a Autora procedeu à execução de uma obra particular em espaço de domínio público, sem obter previamente licença municipal,

IV. E, por outro lado, que a estrutura edificada pela Autora é uma construção para efeitos urbanísticos “na medida em que dela resulta o aumento do volume”

V. Por que tal sucede, não pode, na verdade, tal decisão judicial produzir eficazmente os seus efeitos,

VI. Já que, desde logo, se deve dar como provado que a aqui Autora procedeu apenas a uma mera beneficiação de uma esplanada, já existente, do conhecimento do Recorrido e devidamente autorizada por este,

VII. Tudo revelado pelos longos anos em que a aqui Autora dela usufruiu, sem qualquer oposição e até com concordância do Recorrido.

VIII. Não sendo, hoje, contrariamente ao entendimento seguido pelo tribunal a quo, de sufragar a ideia de que um simples aumento de volume resultante da ampliação de uma construção já existente, e nas circunstâncias supra referidas, leva à conclusão de que é uma ocupação de um espaço público, sem prévia licença municipal.

IX. Em suma, nessa conformidade, dúvidas não restam de que se tem que considerar como provado que a alteração efetuada consiste na mera alteração da cobertura já existente para uma de vidro e amovível, superior e lateral do espaço,

X. Espaço cuja utilização pela Autora está autorizada pelo Recorrido.

XI. Devendo, também, dar-se como provado que só por razões de salubridade – higiene -, de natureza comercial - melhor serviço ao cliente – e turística – melhor serviço ao visitante – é que tal alteração teve lugar.

XII. E foi levada a cabo com a fundada convicção de que a Recorrente não pretendia, nem pretende apoderar-se de qualquer terreno ou espaço de domínio público,

XIII. Nem tão pouco violar qualquer preceito legal ou regulamentar.

XIV. Tanto mais que se trata de simples objetos colocados sob o solo, a ele não ligados com permanência, como deve ser dado como provado.

XV. A tudo isto acresce que, para se concluir pela revogação da sentença recorrida, esta tal como o ato administrativo ora impugnado pecam por inusitado rigor,

XVI. Concluindo, nessa conformidade, pela manifesta impossibilidade de legalização da construção em causa

XVII. E, portanto, pela inevitabilidade da demolição,

XVIII. Sem terem em conta, sobretudo, o disposto no artigo 56.º, nº1 do Plano de Urbanização de Ponte de Lima que referencia as distâncias em que é possível edificar.

XIX. E olvidando também, que o nº2 do artigo 106.º do Decreto-Lei nº555/99, de 16 de Dezembro preceitua que “a demolição pode ser evitada se a obra for suscetível de ser licenciada ou autorizada ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção e de alteração”

XX. E, nessa sede, a notificação do despacho que originou a presente ação não contém informação suficiente para permitir que o destinatário, aqui Autora, perceba quais as razões de facto e de direito que conduziram a ele

XXI. O que equivale à falta de fundamentação, nos termos do artigo 125.º, nº2 do Código de Procedimento Administrativo.

XXII. E para perceber, além disso, quais as razões políticas que estiveram na génese do ato administrativo ora impugnado.

XXIII. No ato administrativo ora impugnado nada se diz com o necessário rigor, que a lei impõe, quanto aos verdadeiros limites da faixa de proteção non aedificandi respetiva,

XXIV. Nem tão pouco refere a localização da alegada ampliação em face de tal zona.

XXV. Tudo isto a mostrar quão nebuloso é o comportamento do Recorrido vertido no ato em causa.

XXVI. Isto, sem que se deva olvidar, que a demonstração de tais requisitos são imprescindíveis para se indicar a possibilidade de legalização das obras em causa (cfr. Artigo 268.º, nº3 da Constituição da República Portuguesa, que revela a não constitucionalidade do ato praticado, a qual expressamente se invoca para todos os efeitos legais)

XXVII. E, consequentemente, obstar à paradoxal e inusitada demolição da obra ordenada ao abrigo do disposto no nº2 do artigo 106.º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16/12.

XXVIII. Em condições como o presente, a ordem de demolição só é concebível quando o Presidente da Câmara Municipal possa, desde logo, antecipar um juízo sobre a inevitabilidade jurídica da ordem de demolição, que pressupõe a prova clara e inequívoca de todos os factos de onde decorra, não só a ilegalidade, mas também a legalização da construção em causa (cfr. princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa)

XXIX. Que se consubstancia, no que importa agora considerar, no facto de que o Presidente da Câmara Municipal tem o dever de evitar a demolição,

XXX. Mesmo nas situações insuscetíveis de legalização,

XXXI. Sempre que a legalidade possa ser integrada através de medida menos onerosa para o administrado (cfr. André Folque Ferreira in “A ordem municipal de demolição de obras ilegais, pp.21),

XXXII. Pelo que se tem de concluir que o aqui Recorrente não se apoderou de uma espaço de domínio público,

XXXIII. Nem construiu obra inamovível em zona non aedificandi,

XXXIV. Que seja fundamento suficiente para se decidir no sentido da demolição da obra em questão por não ser legalizável, dado estar implantada em domínio público e em zona non aedificandi

XXXV. Como erradamente se decidiu, quer no ato administrativo, objeto da presente ação que não tem qualquer fundamento válido, quer na sentença ora recorrida.

O Recorrido, notificado para o efeito, contra-alegou, mas não apresentou conclusões.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, emitiu parecer nos termos que aqui se dão por reproduzidos, pronunciando-se no sentido de ser confirmada a sentença recorrida.

As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:

— se ocorre erro de julgamento, quando se decidiu que não ocorrem os vícios invocados ao acto impugnado.

2– FUNDAMENTAÇÃO

2.1 – DE FACTO

Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:
1- A Autora é uma sociedade comercial por quotas que tem como objecto a confecção e comercialização de produtos de panificação – cfr. doc. 2 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2- A Autora é proprietária do estabelecimento comercial denominado por P... – 3, sito no Lugar …, concelho de Ponte de Lima.
3- A Autora ocupa um espaço de domínio público defronte ao seu estabelecimento P... – 3.
4- Desde há vários anos que, como contrapartida dessa utilização, é paga a correspondente taxa camarária - cfr. doc. 3 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5- Aquela ocupação consistia na utilização do espaço público para efeitos de exploração de uma esplanada de apoio à padaria e confeitaria P... – 3.
6- Tal esplanada tinha apenas uma cobertura superior.
7- Em 13 de Junho de 2008, a Autora dirigiu requerimento ao Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima a informar que pretendia levar a efeito a beneficiação da cobertura da esplanada do seu estabelecimento e a solicitar autorização para a realização dos respectivos trabalhos – cfr. fls. 1 a 6 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8- Em 16.06.2008, foi elaborada informação técnica com o seguinte teor “O presente requerimento pretende a construção de um volume em estrutura metálica e vidro, adossada ao nível do r/c à fachada do estabelecimento de bebidas existente – P..., pretensão que está sujeita a instrução de processo de licenciamento nos termos da legislação em vigor. Com base no teor desta informação técnica (…) a decisão a tomar (…) apontará para o indeferimento (…)”. - cfr. fls. 7 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9- A supra referida informação técnica mereceu despacho de concordância do vice-presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima - cfr. fls. 8 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10- A Autora foi notificada do referido despacho e para “dar satisfação aos reparos levantados” - cfr. fls. 8 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11- Em visita ao local, realizada a 19.06.2008, a fiscalização municipal constata a existência da obra realizada sem licença municipal e presta informação sobre as suas características - cfr. fls. 9 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
12- Por despacho de 20 de Janeiro de 2009, o Vice-Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima determina a notificação da Autora para se pronunciar sobre a intenção de ordenar a demolição das obras executadas no espaço pertencente ao domínio público e insusceptíveis de legalização - cfr. fls. 13 e 14 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
13- A Autora foi notificada do referido despacho por ofício datado de 23.01.2009 - cfr. fls. 15 a 19 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
14- A 17.02.2009, a Autora pronunciou-se sobre a intenção de demolição nos termos constantes de fls. 19 a 21 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
15- Em visita ao local, realizada a 31.03.2011, a fiscalização municipal verifica que “as obras executadas posteriormente à informação destes serviços, datada de 19 de Junho de 2008, são as seguintes: Colocação de cobertura em estrutura metálica, apoiada no alçado principal do edifício e 4 prumos metálicos e preenchida com vidros laminados com protecção UV, ocupando a área de 27m2 do domínio público” - fls. 23 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
16- Por despacho de 2 de Agosto de 2011, o Vice-Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima determina nova notificação da Autora para se pronunciar sobre a intenção de ordenar a demolição das obras executadas no espaço pertencente ao domínio público e insusceptíveis de legalização - cfr. fls. 33 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
17- Em 11.08.2011, foi a Autora notificada do referido despacho - cfr. fls. 34 a 36 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
18- Em 08.09.2011, deu entrada na Câmara Municipal de Ponte de Lima requerimento da Autora, pronunciando-se sobre a intenção de demolição, remetido por correio com registo de 05.09.2011 - cfr. fls. 38 a 44 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
19- Por despacho de 6 de Outubro de 2011, o Vice-Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima determinou que o representante legal da Autora procedesse à demolição da ampliação do estabelecimento comercial sito no Lugar …, concelho de Ponte de Lima, no prazo de 90 (noventa) dias úteis, a contar da data de recepção do dito despacho, repondo o prédio nas condições em que se encontrava antes da data das obras –- cfr. fls. 45 e 46 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
20- A Autora foi notificada do referido despacho em 13.10.2011 - cfr. doc. 1 junto com a p.i. e fls. 47 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
21- A Autora procedeu à cobertura lateral e superior do local da esplanada, através de uma estrutura amovível em perfil e em vidro e à colocação de uma porta de acesso.
22- O chão foi pavimentado com ladrilho numa área de 27m2.
23- O estabelecimento da Autora é detentor do Selo “Alimento Seguro” conferido pelo IQA-Inovar para a Qualidade Alimentar - cfr. doc. 4 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
24- O estabelecimento comercial da Autora é detentor Certificado Ambiental - cfr. doc. 5 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

3 – DE DIREITO

Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.

I- A recorrente vem em algumas das suas conclusões, designadamente nas conclusões VI, IX, XI, sustentar que deveria ser dada como provada outra matéria de facto.

Nesta área impera no nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova, referindo o artigo 607º, n.º 5, do CPC (antigo artigo 655º), que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto…”. A prova livre está excluída sempre que a lei conceda um determinado valor legal a um determinado meio de prova. O princípio da livre apreciação da prova implica que na decisão sobre a matéria de facto devem ser especificados os fundamentos que foram decisivos à tomada de posição sobre a materialidade controvertida (artigo 607º - artigos 653º, n.º 2, e 712º do antigo CPC).

Neste sentido, refere Miguel Teixeira de Sousa, in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 348, que: “a fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente por cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostrarem inconclusivos e terminar com referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção…”.

No que se refere à matéria de recurso sobre a matéria de facto, menciona o Ac. STA, de 19/10/2005, in Rec. 0394/05, que: “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.

Ver ainda mais recente Acórdão do STA proc. n.º 0990/12, de 25-09-2012, quando refere: I - Os poderdes conferidos ao tribunal ad quem pelo artº 712º, nº1 do CPC devem ser articulados com o disposto no artº 655º, nº1 do CPC, segundo o qual «O tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto». II - O que significa que o tribunal ad quem deve ser especialmente cuidadoso na reapreciação do julgamento da matéria de facto, só devendo proceder à alteração dessa matéria se a mesma padecer de erro notório ou manifesto.

Por seu lado, como resulta do art.º 640, nºs. 1, a), b) e 2, a), do CPC, e sob pena de rejeição, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, devendo ainda referir os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Especificar os concretos pontos de facto será referir, quanto aos factos constantes dos temas de prova, quais é que se consideram que foram incorrectamente julgados.

Feitas estas considerações debrucemo-nos sobre o caso concreto.

O recorrente vem referir que se deveria dar como provado que a Autora, ora recorrente, apenas procedeu a uma mera beneficiação de uma esplanada já existente (conclusão VI), referindo ainda que se deveria dar como provado que a alteração efectuada consiste na mera alteração da cobertura existente para uma de vidro e amovível superior e lateral do espaço, (conclusão IX) e que só por razões de salubridade, higiene e turística é que tal alteração teve lugar (conclusão XI). Estaremos perante simples objectos colocados sob o solo a ele não ligados com permanência (conclusão XIV).

Analisando esta alegação conclui-se, desde logo, que a recorrente não cumpriu com o ónus imposto pelo artigo 640º do CPC. A recorrente não identifica os concretos meios probatórios resultado dos quais considera que se deveriam considerar como provadas as situações que vem mencionar. Não concretiza quais os documentos (e respectivas passagens) dos quais retira as conclusões que vem invocar.

A situação em causa leva a que se rejeite o conhecimento do recurso, nesta parte (artigo 640º n.º 1 do CPC).

De acrescentar, no entanto, que a recorrente vem invocar, nestas suas conclusões, matéria meramente conclusiva, impregnada de juízos de valor, não se podendo, assim, concluir que estejamos perante factos que necessitem de prova. Na verdade, da matéria de facto dada como provada verifica-se que da mesma consta de que forma é constituída e foi construída a esplanada, matéria esta essencial para o conhecimento do mérito da causa. O que vem solicitar a recorrente são interpretações a dar à obra que realizou, mas essa é uma questão para analisar quanto ao mérito do recurso.

Indefere-se, assim, a alteração solicitada quanto à matéria de facto.

II- A recorrente vem sustentar, agora quanto ao mérito do recurso, que o acto impugnado não se encontra fundamentado, ou, pelo menos, que o mesmo se encontra insuficientemente fundamentado.

Na decisão recorrida concluiu-se este vício não procede, nada havendo a alterar ao assim decidido.

Nos termos da lei, os actos administrativos, quer sejam praticados no exercício de poderes discricionários quer no de poderes vinculados devem, em geral, ser fundamentados (artigo do 124.º do CPA) – isto é, devem conter, de forma clara, congruente, suficiente e concreta, os motivos de facto e de direito que os fundamentam.
A fundamentação de um acto administrativo deve, naturalmente, constar do próprio acto, conquanto que seja expressa, e realizada mediante sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito (...) podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto – (cf. n.º 1 do artigo 125.º do CPA).
Como refere Diogo Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2ª edição pág. 391 e sgs., o objectivo essencial e imediato da “ fundamentação é, portanto esclarecer concretamente a motivação do acto, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo que levou à adopção de um acto com determinado conteúdo”.
Como requisitos a preencher para que um acto possa considerar-se fundamentado refere este Ilustre Mestre que: em primeiro lugar tem de ser expressa, ou seja enunciado de modo explícito no contexto do próprio acto pela entidade decisória; em segundo lugar, tem de consistir na exposição, ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e de direito da decisão; e em terceiro lugar tem de ser clara, coerente e completa (obra citada fls. 392 e sgs.).
Tendo em atenção o exposto não vemos como se possa sustentar que o acto impugnado não esteja fundamentado.

O recorrido no seu despacho (n.º 19 da matéria de facto dada como provada) começa por identificar as obras que o recorrente levou a cabo na esplanada ora em crise. Refere que este procedeu “ …à ampliação do seu estabelecimento comercial (construção de laje de granito revestida a pavimento cerâmico numa área de 27 m2, construção de estrutura metálica fixada no alçado principal do edifício e quatro pilares metálicos aos quais foram fixados vidros laminados com protecção UV) em faixa de protecção non aedificandi, sito no lugar de Regadas…”. Depois analisa a resposta à audiência prévia. Termina invocando as normas jurídicas aplicadas e determinando a demolição. Ora, não se vê como pode o acto ora referido não se encontrar fundamentado quando do mesmo constam as razões de facto e de direito que fundamentaram a prolação do mesmo. A recorrente pode não estar de acordo com os fundamentos invocados, mas não pode é sustentar que o mesmo não se encontra fundamentado, quando percebeu o iter cogniscitivo e que levou à prolação do acto ora impugnado. Aliás, esta questão verifica-se pela forma como fundamenta a presente acção.

Improcede assim esta alegação.

III- A recorrente vem ainda sustentar que não ocorrem motivos para proceder à demolição do edificado. Não construiu obra inamovível em zona non aedificandi.

O art.º 106.º do RJUE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção ada pelo Lei n.º 69/2007, de 4 de Setembro, em vigor à data dos factos, sob a epígrafe “demolição da obra e reposição do terreno” refere o seguinte:
1- O Presidente da câmara municipal pode igualmente, quando for caso disso, ordenar a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos, fixando um prazo para o efeito.

2-A demolição pode ser evitada se a obra for susceptível de ser licenciada ou objecto de comunicação prévia ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correcção ou de alteração.

3-A ordem de demolição ou reposição a que se refere o n.º 1 é antecedida de audição do interessado, que dispõe de 15 dias a contar da data da sua notificação para se pronunciar sobre o conteúdo da mesma.

4- Decorrido o prazo referido no n.º 1 sem que a ordem de demolição da obra ou de reposição do terreno se mostre cumprida, o presidente da câmara municipal determina a demolição da obra ou a reposição do terreno por conta do infractor.
Ou seja, a ordem de demolição de um edificado pode ser evitada se for possível proceder ao seu licenciamento. Estamos perante o afloramento do princípio da proporcionalidade uma vez que se um edifício pode ser legalizado não fazia sentido proceder à sua demolição para depois vir a solicitar a construção de um novo nas mesmas circunstâncias.
Como referem Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, in, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, Comentado, 2ª edição, pág. 565: “ por homenagem ao princípio da proporcionalidade, só depois de concluída a apreciação sobre a viabilidade ou inviabilidade da pretensão de legalização é que poderá lançar-se mão do procedimento de demolição. Deve, assim, em qualquer caso, a ponderação sobre uma possível legalização ter lugar não apenas antes da execução do acto de demolição, como previamente à sua adopção (cfr. Carla Amado Gomes, “ Embargos e demolições: entre a vinculação e a discricionariedade”, in, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 19, pp.39 e sgs.).
Ver, neste sentido, Acórdão do STA, proc. n.º 0601/10, de 07-04-2011 quando refere:
I – A demolição de obras não licenciadas só deve ser ordenada como última e indeclinável medida sancionatória da ilegalidade cometida, por força dos princípios da necessidade, adequação e indispensabilidade ou menor ingerência possível, decorrentes do princípio da proporcionalidade, e o poder de opção entre a demolição e a legalização de obras ilegais, não licenciadas, é discricionário quanto ao tempo da decisão, pois que esta pode ser tomada a todo o tempo.

Analisando a nossa situação concreta verifica-se que a recorrente solicitou em 13 de Junho de 2008 autorização para proceder a “Beneficiação da cobertura da Esplanada”, sita no Lugar ….

Em 19 de Junho de 2008 a fiscalização da Câmara Municipal informa que a recorrente tinha colocado, num espaço público em frente ao seu estabelecimento comercial, laje de granito numa área de 27 m2.

Foi com base nesta construção que foi ouvido a recorrente para efeitos de audiência prévia, no sentido de proceder à demolição do edificado.

Na resposta à audiência prévia veio a recorrente referir que procedeu “à simples cobertura lateral e superior do local da esplanada, através de uma estrutura amovível e perfil e em vidro e à colocação de uma porta de acesso. Note-se que não se efectuou qualquer ampliação…Declara-se ainda que por motivos de higiene e salubridade, o chão foi pavimentado com ladrilho ”. Da matéria de facto dada como provada verifica-se, e esta questão não foi colocada em causa, que a Autora procedeu à cobertura lateral e superior do local da esplanada, através de uma estrutura amovível em perfil e em vidro e à colocação de uma porta de acesso. O chão foi pavimentado com ladrilho numa área de 27m2. Ou seja, não há dúvidas que a recorrente procedeu a uma edificação no local.
De acordo com o artigo 2º n.º 2 alínea a) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJEU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção dada pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, em vigor à data, considera-se edificação: “a actividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência ”.
Por seu lado, de acordo com a alínea d) do mesmo artigo, são obras de ampliação, “as obras de que resulte o aumento da área de pavimento ou de implantação, da cércea ou do volume de uma edificação existente”.
Uma construção incorporada no solo com carácter de permanência há-de ser aquela que não é amovível, que não se pode mudar de lugar. Ou seja, será aquela que não pode ser facilmente desmontada, através da retirada dos elementos que a compõem.
Da matéria de facto dada com provada verificamos que estamos perante a ocupação de uma parte do solo do domínio público (n.º 3 da matéria de facto dada como provada), que a recorrente pavimentou com ladrilho (n.º 22). Apesar de ter procedido à cobertura e tapagem lateral com estrutura amovível, o que é certo é que pavimentou o local. Esta pavimentação, com a cobertura e tapagem lateral, onde foi colocada uma porta, não é mais que uma edificação, da qual resultou uma ampliação da construção já pré-existente. Uma pavimentação em ladrilho, onde se encontra fixada uma estrutura em perfil e vidro, não é uma edificação amovível, ou seja, não é uma edificação que possa ser facilmente desmontada e retirada do local. É antes uma edificação que se encontra incorporada no solo com carácter de permanência, uma vez que a sua remoção necessita de trabalhos de destruição através do arranque do ladrilho. Assim sendo, a obra em causa nos autos, uma esplanada em que foi pavimentado o chão com ladrilho e onde se encontra fixada uma estrutura em perfil e vidro, com uma porta, tem de ser considerada uma edificação e uma obra de ampliação uma vez que se pretendeu alargar a área do edifício construído no local.
Ver, neste sentido, apenas como exemplo, alguns casos semelhantes já analisados pela jurisprudência, mas onde não ocorre qualquer pavimentação do solo, portanto em situação mais precária que o caso dos autos:
A instalação de um stand de automóveis, constituído por um contentor móvel, num terreno vedado com rede suportada por prumos implantados no solo, está sujeita a licenciamento municipal” (Ac. STA de 27/9/2001 – Processo n.º 047658);
Nos termos do art. 1.º do DL 445/91 estão sujeitas a licenciamento, em geral, as obras de construção civil aí se compreendendo instalações para pintura e comercialização de automóveis levadas a efeito em madeira, chapa, alvenaria e metal, bastando que exista uma ligação mais ou menos permanente ao solo e sem ser preciso que haja fundações” (Ac. STA de 14/2/2006 – Processo n.º 0600/05).
Assim sendo, a edificação levada a cabo pela recorrente, sempre necessitaria de licenciamento. No entanto, como se retira da matéria de facto dada como provada, estamos perante uma edificação realizada em local de domínio público / n.º 3 da matéria de facto dada como provada), uma vez que se trata de uma edificação num passeio, pelo que não pode a mesma ser legalizada, uma vez que estes bens estão fora do comércio jurídico (artigo 202º n.º 2 do CC). Ou seja, a realização de uma obra particular num passeio público, como é o caso, é ilegalizável, uma vez que o domínio público não pode ser apropriado por particulares e não pode ser comercializado ou objecto de tráfego jurídico.
Refere Marcello Caetano, in, Manual do Direito Administrativo, 9.ª ed., vol. II. Pág. 891: “as coisas públicas estão fora do comércio jurídico privado, o que significa serem insusceptíveis de redução à propriedade particular, inalienáveis, imprescritíveis, impenhoráveis e não oneráveis pelos modos do direito privado, enquanto coisas públicas.”
Ver, neste sentido, e agora na jurisprudência, Acórdão STA proc. n.º 0267/11, de 08-09-2011, quando refere: I - As coisas públicas estão fora do comércio jurídico privado, o que significa serem insusceptíveis de redução à propriedade particular, inalienáveis, imprescritíveis, impenhoráveis e não oneráveis pelos modos do direito privado, enquanto coisas públicas.
Ver ainda, no mesmo sentido, e também quanto a uma obra particular num arruamento, Acórdão do TCA Sul proc. n.º 08452/3, de 26-04-2012, quando refere:
2. Uma obra particular num arruamento público é ilegalizável, já que o domínio público não pode ser apropriado por particulares e não pode ser comerciado ou objeto de tráfego jurídico por qualquer modo, a não ser que ocorra uma desafetação da coisa por motivo de interesse público/bem comum, aspeto aqui fora de questão.
3. Pelo que demolir tal obra é algo imposto por lei e, assim, não viola o princípio da proporcionalidade administrativa.
4. Uma obra de edificação que seja ilegal e ilegalizável deve ser demolida, sendo que, em princípio, a demolição deve ser precedida de ponderação da regularização por parte da Adm. P. e de audição prévia do autor da obra ilegal. No entanto, deve-se ter especial atenção aos ónus dos interessados, sob pena de benefício do infrator e inversão do ónus da prova.
Do exposto se conclui que estando nós perante uma edificação que não pode ser legalizada, a sentença recorrida não errou na interpretação que fez dos factos dados como provados, e na apreciação que fez do direito aplicável, pelo que não merece a censura que lhe vem assacada, devendo, assim, ser confirmada.

3 – DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
Porto, 15 de Julho de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco