Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00132/12.2BEBRG |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 07/15/2016 |
Tribunal: | TAF de Braga |
Relator: | Joaquim Cruzeiro |
Descritores: | URBANISMO; EDIFICAÇÃO REALIZADA EM ESPAÇO PÚBLICO; ESPLANADA |
Sumário: | I- A edificação de uma esplanada através de uma pavimentação em ladrilho num passeio, onde se encontra fixa uma estrutura em perfil e vidro, não é uma edificação amovível, ou seja, não é uma edificação que possa ser facilmente desmontada e retirada do local. É antes uma edificação que se encontra incorporada no solo com carácter de permanência, uma vez que a sua remoção necessita de trabalhos de demolição do construido. II- A realização de uma obra particular num passeio público é ilegalizável, uma vez que o domínio público não pode ser apropriado por particulares e não pode ser comercializado ou objecto de tráfego jurídico.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | P...- Padaria e Pastelaria Lda |
Recorrido 1: | Município de Ponte de Lima |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO P...- Padaria e Pastelaria Lda. vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 30 de Setembro de 2014, que julgou improcedente a acção interposta contra o Município de Ponte de Lima e onde era solicitado que devia: a) Ser decretada a anulação do acto administrativo que ordenou a demolição de obra executada no prédio sito no lugar de Regadas, da freguesia de Arcozelo, concelho de Ponte de Lima, praticado pelo Exmo. Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima, por falta de competência para a prática do acto recorrido; subsidiariamente, b) Ser decretada a anulação do acto administrativo que ordenou a demolição de obra executada no prédio sito no lugar de Regadas, da freguesia de Arcozelo, concelho de Ponte de Lima, praticado pelo Exmo. Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima, por falta de fundamentação legal, subsidiariamente, c) Ser decretada a anulação do acto administrativo que ordenou a demolição de obra executada no prédio sito no lugar de Regadas, da freguesia de Arcozelo, concelho de Ponte de Lima, praticado pelo Exmo. Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima, pela inexistência de fundamento legal. Em alegações a recorrente concluiu assim: I. A sentença recorrida julgou, sem fundamento válido, e numa visão puramente formal da questão, improcedente a presente ação intentada pela aqui Recorrente, absolvendo o Réu, aqui Recorrido, Município de Ponte de Lima dos pedidos contra ele formulados. II. E isto porque tal sentença assenta em dois pressupostos fundamentais: III. Considerar, por um lado, que a Autora procedeu à execução de uma obra particular em espaço de domínio público, sem obter previamente licença municipal, IV. E, por outro lado, que a estrutura edificada pela Autora é uma construção para efeitos urbanísticos “na medida em que dela resulta o aumento do volume” V. Por que tal sucede, não pode, na verdade, tal decisão judicial produzir eficazmente os seus efeitos, VI. Já que, desde logo, se deve dar como provado que a aqui Autora procedeu apenas a uma mera beneficiação de uma esplanada, já existente, do conhecimento do Recorrido e devidamente autorizada por este, VII. Tudo revelado pelos longos anos em que a aqui Autora dela usufruiu, sem qualquer oposição e até com concordância do Recorrido. VIII. Não sendo, hoje, contrariamente ao entendimento seguido pelo tribunal a quo, de sufragar a ideia de que um simples aumento de volume resultante da ampliação de uma construção já existente, e nas circunstâncias supra referidas, leva à conclusão de que é uma ocupação de um espaço público, sem prévia licença municipal. IX. Em suma, nessa conformidade, dúvidas não restam de que se tem que considerar como provado que a alteração efetuada consiste na mera alteração da cobertura já existente para uma de vidro e amovível, superior e lateral do espaço, X. Espaço cuja utilização pela Autora está autorizada pelo Recorrido. XI. Devendo, também, dar-se como provado que só por razões de salubridade – higiene -, de natureza comercial - melhor serviço ao cliente – e turística – melhor serviço ao visitante – é que tal alteração teve lugar. XII. E foi levada a cabo com a fundada convicção de que a Recorrente não pretendia, nem pretende apoderar-se de qualquer terreno ou espaço de domínio público, XIII. Nem tão pouco violar qualquer preceito legal ou regulamentar. XIV. Tanto mais que se trata de simples objetos colocados sob o solo, a ele não ligados com permanência, como deve ser dado como provado. XV. A tudo isto acresce que, para se concluir pela revogação da sentença recorrida, esta tal como o ato administrativo ora impugnado pecam por inusitado rigor, XVI. Concluindo, nessa conformidade, pela manifesta impossibilidade de legalização da construção em causa XVII. E, portanto, pela inevitabilidade da demolição, XVIII. Sem terem em conta, sobretudo, o disposto no artigo 56.º, nº1 do Plano de Urbanização de Ponte de Lima que referencia as distâncias em que é possível edificar. XIX. E olvidando também, que o nº2 do artigo 106.º do Decreto-Lei nº555/99, de 16 de Dezembro preceitua que “a demolição pode ser evitada se a obra for suscetível de ser licenciada ou autorizada ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção e de alteração” XX. E, nessa sede, a notificação do despacho que originou a presente ação não contém informação suficiente para permitir que o destinatário, aqui Autora, perceba quais as razões de facto e de direito que conduziram a ele XXI. O que equivale à falta de fundamentação, nos termos do artigo 125.º, nº2 do Código de Procedimento Administrativo. XXII. E para perceber, além disso, quais as razões políticas que estiveram na génese do ato administrativo ora impugnado. XXIII. No ato administrativo ora impugnado nada se diz com o necessário rigor, que a lei impõe, quanto aos verdadeiros limites da faixa de proteção non aedificandi respetiva, XXIV. Nem tão pouco refere a localização da alegada ampliação em face de tal zona. XXV. Tudo isto a mostrar quão nebuloso é o comportamento do Recorrido vertido no ato em causa. XXVI. Isto, sem que se deva olvidar, que a demonstração de tais requisitos são imprescindíveis para se indicar a possibilidade de legalização das obras em causa (cfr. Artigo 268.º, nº3 da Constituição da República Portuguesa, que revela a não constitucionalidade do ato praticado, a qual expressamente se invoca para todos os efeitos legais) XXVII. E, consequentemente, obstar à paradoxal e inusitada demolição da obra ordenada ao abrigo do disposto no nº2 do artigo 106.º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16/12. XXVIII. Em condições como o presente, a ordem de demolição só é concebível quando o Presidente da Câmara Municipal possa, desde logo, antecipar um juízo sobre a inevitabilidade jurídica da ordem de demolição, que pressupõe a prova clara e inequívoca de todos os factos de onde decorra, não só a ilegalidade, mas também a legalização da construção em causa (cfr. princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa) XXIX. Que se consubstancia, no que importa agora considerar, no facto de que o Presidente da Câmara Municipal tem o dever de evitar a demolição, XXX. Mesmo nas situações insuscetíveis de legalização, XXXI. Sempre que a legalidade possa ser integrada através de medida menos onerosa para o administrado (cfr. André Folque Ferreira in “A ordem municipal de demolição de obras ilegais, pp.21), XXXII. Pelo que se tem de concluir que o aqui Recorrente não se apoderou de uma espaço de domínio público, XXXIII. Nem construiu obra inamovível em zona non aedificandi, XXXIV. Que seja fundamento suficiente para se decidir no sentido da demolição da obra em questão por não ser legalizável, dado estar implantada em domínio público e em zona non aedificandi XXXV. Como erradamente se decidiu, quer no ato administrativo, objeto da presente ação que não tem qualquer fundamento válido, quer na sentença ora recorrida. O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, emitiu parecer nos termos que aqui se dão por reproduzidos, pronunciando-se no sentido de ser confirmada a sentença recorrida. As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar: — se ocorre erro de julgamento, quando se decidiu que não ocorrem os vícios invocados ao acto impugnado. 2– FUNDAMENTAÇÃO 2.1 – DE FACTO Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual: 3 – DE DIREITO Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA. Nesta área impera no nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova, referindo o artigo 607º, n.º 5, do CPC (antigo artigo 655º), que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto…”. A prova livre está excluída sempre que a lei conceda um determinado valor legal a um determinado meio de prova. O princípio da livre apreciação da prova implica que na decisão sobre a matéria de facto devem ser especificados os fundamentos que foram decisivos à tomada de posição sobre a materialidade controvertida (artigo 607º - artigos 653º, n.º 2, e 712º do antigo CPC). Neste sentido, refere Miguel Teixeira de Sousa, in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 348, que: “a fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente por cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostrarem inconclusivos e terminar com referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção…”. No que se refere à matéria de recurso sobre a matéria de facto, menciona o Ac. STA, de 19/10/2005, in Rec. 0394/05, que: “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto. Ver ainda mais recente Acórdão do STA proc. n.º 0990/12, de 25-09-2012, quando refere: I - Os poderdes conferidos ao tribunal ad quem pelo artº 712º, nº1 do CPC devem ser articulados com o disposto no artº 655º, nº1 do CPC, segundo o qual «O tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto». II - O que significa que o tribunal ad quem deve ser especialmente cuidadoso na reapreciação do julgamento da matéria de facto, só devendo proceder à alteração dessa matéria se a mesma padecer de erro notório ou manifesto. Por seu lado, como resulta do art.º 640, nºs. 1, a), b) e 2, a), do CPC, e sob pena de rejeição, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, devendo ainda referir os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Especificar os concretos pontos de facto será referir, quanto aos factos constantes dos temas de prova, quais é que se consideram que foram incorrectamente julgados. Feitas estas considerações debrucemo-nos sobre o caso concreto. O recorrente vem referir que se deveria dar como provado que a Autora, ora recorrente, apenas procedeu a uma mera beneficiação de uma esplanada já existente (conclusão VI), referindo ainda que se deveria dar como provado que a alteração efectuada consiste na mera alteração da cobertura existente para uma de vidro e amovível superior e lateral do espaço, (conclusão IX) e que só por razões de salubridade, higiene e turística é que tal alteração teve lugar (conclusão XI). Estaremos perante simples objectos colocados sob o solo a ele não ligados com permanência (conclusão XIV). Analisando esta alegação conclui-se, desde logo, que a recorrente não cumpriu com o ónus imposto pelo artigo 640º do CPC. A recorrente não identifica os concretos meios probatórios resultado dos quais considera que se deveriam considerar como provadas as situações que vem mencionar. Não concretiza quais os documentos (e respectivas passagens) dos quais retira as conclusões que vem invocar. A situação em causa leva a que se rejeite o conhecimento do recurso, nesta parte (artigo 640º n.º 1 do CPC). De acrescentar, no entanto, que a recorrente vem invocar, nestas suas conclusões, matéria meramente conclusiva, impregnada de juízos de valor, não se podendo, assim, concluir que estejamos perante factos que necessitem de prova. Na verdade, da matéria de facto dada como provada verifica-se que da mesma consta de que forma é constituída e foi construída a esplanada, matéria esta essencial para o conhecimento do mérito da causa. O que vem solicitar a recorrente são interpretações a dar à obra que realizou, mas essa é uma questão para analisar quanto ao mérito do recurso. Indefere-se, assim, a alteração solicitada quanto à matéria de facto. II- A recorrente vem sustentar, agora quanto ao mérito do recurso, que o acto impugnado não se encontra fundamentado, ou, pelo menos, que o mesmo se encontra insuficientemente fundamentado. Na decisão recorrida concluiu-se este vício não procede, nada havendo a alterar ao assim decidido. Nos termos da lei, os actos administrativos, quer sejam praticados no exercício de poderes discricionários quer no de poderes vinculados devem, em geral, ser fundamentados (artigo do 124.º do CPA) – isto é, devem conter, de forma clara, congruente, suficiente e concreta, os motivos de facto e de direito que os fundamentam. O recorrido no seu despacho (n.º 19 da matéria de facto dada como provada) começa por identificar as obras que o recorrente levou a cabo na esplanada ora em crise. Refere que este procedeu “ …à ampliação do seu estabelecimento comercial (construção de laje de granito revestida a pavimento cerâmico numa área de 27 m2, construção de estrutura metálica fixada no alçado principal do edifício e quatro pilares metálicos aos quais foram fixados vidros laminados com protecção UV) em faixa de protecção non aedificandi, sito no lugar de Regadas…”. Depois analisa a resposta à audiência prévia. Termina invocando as normas jurídicas aplicadas e determinando a demolição. Ora, não se vê como pode o acto ora referido não se encontrar fundamentado quando do mesmo constam as razões de facto e de direito que fundamentaram a prolação do mesmo. A recorrente pode não estar de acordo com os fundamentos invocados, mas não pode é sustentar que o mesmo não se encontra fundamentado, quando percebeu o iter cogniscitivo e que levou à prolação do acto ora impugnado. Aliás, esta questão verifica-se pela forma como fundamenta a presente acção. Improcede assim esta alegação. III- A recorrente vem ainda sustentar que não ocorrem motivos para proceder à demolição do edificado. Não construiu obra inamovível em zona non aedificandi. Analisando a nossa situação concreta verifica-se que a recorrente solicitou em 13 de Junho de 2008 autorização para proceder a “Beneficiação da cobertura da Esplanada”, sita no Lugar …. Em 19 de Junho de 2008 a fiscalização da Câmara Municipal informa que a recorrente tinha colocado, num espaço público em frente ao seu estabelecimento comercial, laje de granito numa área de 27 m2. Foi com base nesta construção que foi ouvido a recorrente para efeitos de audiência prévia, no sentido de proceder à demolição do edificado. Na resposta à audiência prévia veio a recorrente referir que procedeu “à simples cobertura lateral e superior do local da esplanada, através de uma estrutura amovível e perfil e em vidro e à colocação de uma porta de acesso. Note-se que não se efectuou qualquer ampliação…Declara-se ainda que por motivos de higiene e salubridade, o chão foi pavimentado com ladrilho ”. Da matéria de facto dada como provada verifica-se, e esta questão não foi colocada em causa, que a Autora procedeu à cobertura lateral e superior do local da esplanada, através de uma estrutura amovível em perfil e em vidro e à colocação de uma porta de acesso. O chão foi pavimentado com ladrilho numa área de 27m2. Ou seja, não há dúvidas que a recorrente procedeu a uma edificação no local. Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. |