Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00270/11.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/08/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
CASO DECIDIDO
IRREGULARIDADES NO PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
Sumário:I - Da decisão de avaliação da matéria tributável por método indirecto, atinente a “manifestações de fortuna”, cabe recurso para o tribunal tributário, no prazo de 10 dias – nos termos das disposições combinadas do n.º 7 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, e do n.º 2 do artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sendo que esta decisão de avaliação constitui acto destacável do procedimento administrativo, pelo que se forma caso decidido ou caso resolvido na falta de recurso judicial dessa decisão, a qual, assim, se consolida na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respectiva.
II - Se é certo que a liquidação pode depois ser impugnada com fundamento em «qualquer ilegalidade», a questão (prejudicial) do valor da matéria tributável tem autonomia na presente situação, pois que, como decorre do regime legal acima apontado, a decisão de avaliação da matéria tributável, porque se trata de um acto destacável, volve-se em caso decidido ou caso resolvido, se não for atacada por meio de «recurso para o tribunal tributário» ou se o mesmo não tiver qualquer sucesso.
III - O procedimento de inspecção parcial ou univalente não pode ser prorrogado – cfr. artigos 14.º, n.º 1, e 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.
IV - Tal prorrogação determina a caducidade da inspecção.
V - Esta não sequencia necessariamente, a se, a ilegalidade da liquidação, mas apenas a cessação do efeito suspensivo da própria inspecção, pelo que corre, então, desde o início, o prazo de caducidade da liquidação – cfr. artigo 46.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.
VI - Tal interpretação, nos termos da qual e em síntese, a inobservância dos prazos legalmente definidos para a inspecção apenas relevam directamente em sede de caducidade da liquidação, não ofende os princípios constitucionais da legalidade, proporcionalidade e imparcialidade.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:M...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 31/10/2016, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M..., contribuinte fiscal n.º 1…, contra a liquidação adicional de IRS do exercício de 2008 e respectivos juros, no valor global de €108.165,63.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. Em 31.10.2016, foi proferida douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial e, em consequência, anulou a liquidação impugnada, com as devidas consequências legais.
B. Para decidir como decidiu, baseou-se o tribunal recorrido na seguinte fundamentação:
(…) A questão que se coloca é, pois, a de saber se o sujeito passivo, ora Impugnante, evidenciou, no ano de 2008, um acréscimo de património ou consumo no montante de € 270.000,00, ou seja, se efectivamente manifestou fortuna (capacidade de gastar) num determinado ano.
Ora, no caso dos autos, a AT considerou que no ano de 2008, o Impugnante demonstrou capacidade financeira, “por ser esse o ano em que se verificou a emissão do documento que tutela o crédito”. (…) Cfr. página 10 da douta sentença recorrida
Ora, o que se mostra relevante, no domínio das manifestações de fortuna, é a relação subjacente que está na base da emissão da letra, a partir da qual se possa concluir por uma manifestação de consumo ou de incremento patrimonial não justificada pelas declarações de rendimento do mesmo período.
No caso dos autos foi apurado pela AT que a dívida titulada pela letra respeitava a um alegado empréstimo efectuado pela aqui Impugnante à sua irmã e ao seu cunhado. Todavia, desde o início que se colocaram dúvidas à AT sobre a existência real de tal empréstimo, tendo inclusivamente a acção inspetiva sido realizada com o objectivo de apurar se tal crédito era fictício. Acresce que das diligências realizadas, nomeadamente, da análise dos elementos obtidos junto das instituições bancárias em que o Impugnante possui conta, conclui-se não ser possível provar a existência de qualquer operação ou movimentos relacionados com o referido empréstimo. (…) Cfr. página 11 da referida sentença
C. Para, posteriormente, concluir nos seguintes termos:
(…) Portanto, os únicos elementos respeitantes à relação subjacente que poderiam ser convocados para a demonstração da capacidade financeira do Impugnante são o requerimento de reclamação de créditos, que alude a um empréstimo efectuado em 2007 e as declarações do Impugnante prestadas no procedimento inspectivo no sentido de que a quantia reclamada respeitaria a vários empréstimos efectuados ao longo dos anos.
Ora tais elementos não se mostram idóneos para suportar a conclusão a que chegou a AT, quanto ao acréscimo de património ou consumo ter sido evidenciado no ano de 2008. Por outro lado, o saque e a aceitação da letra, que tiveram lugar em 2008, importam apenas o reconhecimento da dívida dos aceitantes para com o Impugnante, mas nada nos diz relativamente à causa da dívida. (…) Assim, o incremento patrimonial que revelaria a capacidade de gastar do Impugnante no exercício em questão era, no caso, o resultante da existência de um verdadeiro empréstimo por ele efectuado no ano de 2008. Todavia, tal facto ficou por demonstrar. (…)
Pelo que se mostra ilegal o acto de fixação da matéria colectável em sede de IRS do ano de 2008, com recurso a métodos indirectos, e consequentemente importa a anulação da liquidação impugnada.
Fica, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos. (…)
D. Salvo o devido respeito por melhor opinião, é com o assim decidido que a Fazenda Pública se não pode conformar, porquanto considera existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e quanto à interpretação e aplicação do Direito.
Quanto à matéria de facto,
E. Resulta dos autos prova documental – RIT – que não foi impugnada pelo recorrido e que, aliás, foi valorada positivamente pelo tribunal recorrido – na qual constam factos relevantes à boa decisão da causa que foram omitidos ou ignorados no rol da matéria factual assente.
F. A sentença sob recurso fez um lacunar julgamento da prova apresentada, ao não dar como provado o seguinte facto:
4.1) Em 25/09/2009, em deslocação ao seu domicílio, e quando questionado sobre o empréstimo de € 270.000,00 efectuado aos insolventes, o Sujeito Passivo foi ouvido em Auto prestando as seguintes declarações:
- Que de facto efectuou um empréstimo à sua irmã e cunhado no montante de € 270.000,00, tratando-se de um empréstimo particular e como tal não foi elaborado nenhum documento;
- O empréstimo foi efectuado em dinheiro, tendo a irmã e o cunhado emitido uma livrança como forma de garantia do crédito;
- No que se refere à data do empréstimo afirmou que não se recorda a data;
- Afirmou ainda que não fez qualquer levantamento bancário para efectuar o referido empréstimo. Cfr. páginas 3 e 4 do RIT
G. A sentença sob recurso fez um incompleto julgamento da prova documental existente nos autos, ao não transcrever no facto relatado sob o n.º 6 da matéria factual assente, o conteúdo integral da resposta apresentada pelo recorrido no decurso do procedimento inspetivo, devendo aí acrescer-se a seguinte matéria:
Porque de sua irmã se tratava, o requerente nem se dava ao trabalho de requerer qualquer documento, nem anotava as quantias emprestadas;
Esgotadas as soluções financeiras, a sua irmã, de própria iniciativa, emitiu uma livrança no valor de 270.000,00 €;
Ou seja, o requerente não precisava de ter as suas economias o montante de 270.000,00 € pois os mesmos estão em débito a entidades bancárias, juntando extractos do Banco de Portugal sobre as “responsabilidades de crédito”, contraídas pelo Sujeito Passivo em diversas instituições financeiras.
H. Estes factos, porque relevantes à boa decisão da causa e, constantes de prova documental valorada pelo tribunal a quo, não podem ser ignorados ou desvalorizados, devem, por isso, ser acrescidos à matéria de facto assente, requerendo-se, assim, a ampliação do rol factual provado, nos termos do artigo 640º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC.
Quanto à matéria de direito,
I. Na douta sentença objeto de recurso foi declarada a ilegalidade do ato de fixação da matéria coletável em sede de IRS, ano de 2008, com recurso a métodos indiretos e, consequentemente, anulada a liquidação impugnada.
J. O tribunal a quo entendeu que a AT não fez prova dos pressupostos legais para o recurso à avaliação indireta, especificamente, não fez prova que o acréscimo de património ou consumo tenha sido evidenciado no ano de 2008, concluindo, nos seguintes termos:
Assim, o incremento patrimonial que revelaria a capacidade de gastar do Impugnante no exercício em questão era, no caso, o resultante da existência de um verdadeiro empréstimo por ele efectuado no ano de 2008. Todavia, tal facto ficou por demonstrar. (sublinhado nosso)
K. É com esta decisão que a Fazenda Pública se não pode conformar.
Isto porque,
L. Resulta dos autos a comprovação por parte do recorrido da existência desse empréstimo, o seu valor e forma. Cfr. páginas 3 e 4 do RIT e facto n.º 6 da matéria assente e sua ampliação que supra se requereu.
M. Por variadas vezes e, em diferentes momentos temporais, em sede inspetiva, o recorrido confirmou a existência do empréstimo à sua irmã e cunhado no valor de € 270.000,00.
N. Tendo este facto como assente, o recorrido diligenciou, no âmbito do procedimento inspetivo, no sentido de carrear prova com vista a justificar a fonte desses rendimentos.
O. Este reconhecimento, no entender da Fazenda Pública, deve ser valorado como prova por confissão, nos termos do artigo 352º do CCiv.
P. A sentença recorrida decide interpretar um facto assente julgando-o como não provado, fundamentando esta decisão com argumentos incongruentes, desvirtuados e descontextualizados.
Q. Porquanto, para decidir pela não verificação de um verdadeiro empréstimo fundamenta o douto tribunal que: (…) desde o início que se colocaram dúvidas à AT sobre a existência real de tal empréstimo, tendo inclusivamente a acção inspetiva sido realizada com o objectivo de apurar se tal crédito era fictício. (…),
R. conclusão com a qual não pode a Fazenda Pública concordar.
S. As dúvidas sobre a existência real do empréstimo efetuado pelo recorrido à sua irmã e cunhado não se colocaram à AT, mas sim, no âmbito do processo de Insolvência que correu termos sob o n.º 247/09.4TJPRT em que o recorrido surgiu como credor dos insolventes (irmã e cunhado).
T. Está ferida de erro a conclusão do tribunal recorrido quando afirma que as dúvidas sobre a existência de um real empréstimo eram da AT.
U. A discórdia da Fazenda Pública quanto à sentença recorrida surge, ainda, reforçada pelo facto de o tribunal a quo utilizar uma conclusão da inspeção tributária [quanto ao cumprimento pelo recorrido do ónus probandi que sobre si impendia de justificar a fonte da capacidade financeira demonstrada no referido empréstimo] para fundamentar o incumprimento por parte da AT dos pressupostos de recurso à avaliação indireta.
V. Entendimento este que a Fazenda Pública não pode aceitar, nem ignorar porque contraditório ao regime legal de prova que ressalta dos artigos 87º, n.º 1, alínea f) e 89º-A, n.º 1, 3 e 5 da LGT.
W. Na sentença a quo escreve-se: (…) Acresce que das diligências realizadas, nomeadamente, da análise dos elementos obtidos junto das instituições bancárias em que o Impugnante possui conta, conclui-se não ser possível provar a existência de qualquer operação ou movimentos relacionados com o referido empréstimo – cfr. página 11 da douta decisão judicial – mas esta conclusão, para além de estar incompleta é da autoria da inspeção tributária que, para fundamentar o recurso à avaliação indireta resume: (…)
- Apesar das várias notificações efectuadas no decurso da acção inspectiva o Sujeito Passivo não apresentou elementos nem justificações válidas que comprovassem a capacidade financeira demonstrada daquele montante;
- Posteriormente, e com devida autorização declarada pelo Sujeito Passivo, foram todas as entidades bancárias onde este possui e/ou possuiu conta, notificadas para apresentarem extractos bancários e demais elementos necessários, sendo que, dos elementos que nos foram remetidos não constam quaisquer operações ou movimentos que justifiquem objectivamente o montante mutuado e a proveniência do mesmo; (…) (sublinhado nosso) Cfr. página 6 do RIT
X. A inspeção tributária, na análise à prova carreada pelo recorrido no sentido de satisfazer o ónus de prova previsto no n.º 3 do artigo 89º-A da LGT, conclui, entre o mais, que (…) dos elementos que nos foram remetidos não constam quaisquer operações ou movimentos que justifiquem objectivamente o montante mutuado e a proveniência do mesmo.
Y. E o tribunal a quo utiliza este juízo conclusivo em desfavor da AT, concretizando que a mesma não fez prova dos pressupostos do recurso à avaliação indireta, subvertendo, em absoluto, o regime legal do ónus da prova previsto e consagrado nos artigos 87º, n.º 1, alínea f) e 89-A, n.º 1, 3 e 5 da LGT.
Z. Quanto ao ano de tributação, a sentença a quo destaca a existência de dois elementos probatórios, a saber: por um lado, o requerimento de reclamação de créditos, apresentado no âmbito do processo de Insolvência, que alude a um empréstimo efetuado em 2007; e, por outro, as declarações do impugnante no sentido de que foram vários empréstimos efetuados ao longo dos anos, para concluir, sem mais, que: tais elementos não se mostram idóneos para suportar a conclusão a que chegou a AT, quanto ao acréscimo de património ou consumo ter sido evidenciado no ano de 2008.
AA. Mais escreve: Por outro lado, o saque e aceitação da letra, que tiveram lugar em 2008, importam apenas o reconhecimento da dívida dos aceitantes para com o Impugnante, mas nada nos diz relativamente à causa da dívida.
BB. Quanto a este elemento temporal, destaca a Fazenda Pública a seguinte prova vertida nos presentes autos:
a. Requerimento de reclamação de créditos apresentado, em 15.04.2009, no âmbito do processo de insolvência em que o recorrido afirma que, em Novembro de 2007, procedeu a um empréstimo no valor de € 270.000,00;
b. Letra emitida em 20.05.2008, no valor de € 270.000,00, com data de vencimento em 30.11.2008;
c. Primeira declaração do recorrido prestada em 25.09.2009 que confirma a existência de um empréstimo efetuado à irmã e cunhado que emitiram uma livrança como forma de garantia do crédito, não se recordando da data do empréstimo;
d. Segunda declaração prestada pelo recorrido, em 02.12.2009, agora, no sentido de que a quantia de € 270.000,00 não foi emprestada de uma só vez mas em várias vezes e em diversos montantes, e que a sua irmã, de própria iniciativa, emitiu uma livrança no valor de € 270.000,00;
CC. Perante estes elementos probatórios e a inconsistência ou ambiguidade nas informações prestadas pelo recorrido, a inspeção tributária entendeu: “na reclamação de créditos ocorrida em 15/04/2009, o Sujeito Passivo declara que foi no mês de Novembro do ano de 2007 que procedeu ao empréstimo não obstante ter emitido uma letra só em 20/05/2008, pelo que se optou por considerar a data da letra que titula o empréstimo, ou seja do facto tributário.” Cfr. página 9 do RIT
DD. O tribunal recorrido, por sua vez, discordou desta conclusão e, [desvalorizando, no entender da Fazenda Pública, o valor probatório da referida letra, nomeadamente, o facto de a mesma haver sido emitida no ano de 2008 e vencer-se, também, nesse ano e, a demais prova existente nos autos], decidiu que a AT não fez prova de um verdadeiro empréstimo no ano de 2008.
Sucede que,
EE. É inequívoco a existência nos presentes autos de um empréstimo efetuado pelo recorrido à sua irmã e cunhado. Este facto nunca constituiu facto controvertido.
FF. Quanto ao ano em que esta situação demonstrativa de uma capacidade financeira inconsistente com os rendimentos declarados se “evidenciou”, resulta dos autos prova – por exemplo, letra – de que a sua “evidência” se concretizou no ano de 2008 porque, foi neste ano em que a referida letra foi emitida e, também, foi neste ano que ela se venceu.
GG. O facto de o normativo legal utilizar a expressão “evidenciou” é esclarecedor que, para efeitos de tributação, o que é determinante é o ano em que se exteriorizou esta situação demonstrativa de uma capacidade contributiva desconforme com os rendimentos declarados.
HH. E, in casu, o ano em que se exteriorizou esta situação – empréstimo – foi o ano de 2008.
II. Mal andou o tribunal a quo quando entendeu que a AT não fez prova de um verdadeiro empréstimo em 2008, conclusão com a qual a Fazenda Pública se não pode conformar.
JJ. Vislumbra-se nos presentes autos a existência de declarações por parte do recorrido, quanto ao ano do empréstimo, inconsistentes e ambíguas.
KK. Estas declarações, em cúmulo, com a demais prova, permite ao julgador de direito concluir com certeza e segurança que o incremento patrimonial se “evidenciou” no ano de 2008, ano em que foi emitida e em que se venceu a letra.
Em conclusão,
LL. O mecanismo previsto nos artigos 87.º, alínea f) e 89.º-A, n.º 5 da LGT consiste numa avaliação indireta de rendimentos aplicável a situações demonstrativas de uma capacidade contributiva inconsistente com os rendimentos declarados.
MM. Essas situações não configuram mais do que indícios de uma capacidade contributiva a que não foi possível aceder por via direta.
NN. Logo não constituem per si, factos tributários ou o próprio objeto da tributação. Se o fossem a tributação seria direta.
OO. O que é relevante neste mecanismo é identificar factos que revelam a disponibilidade de meios financeiros inconsistentes com os rendimentos declarados e, caso o contribuinte não justifique a fonte desses rendimentos, ocorre a tributação indireta dessa capacidade contributiva, mesmo sem identificação do facto ou factos concretos geradores do rendimento.
PP. Dos artigos 87.º, alínea f) e 89-Aº, n.º 5 da LGT decorre que o acréscimo patrimonial ou consumo devem ser tributados no ano em que são “evidenciados”, ou seja, no ano em que ocorre o facto que vai despoletar a aplicação do mecanismo de avaliação indireta, e de onde resulta a evidência de capacidade financeira.
QQ. Ou seja, será com referência a esse mesmo ano em que é evidenciada a capacidade financeira através do acréscimo de património ou consumo, que é necessário aferir da existência de divergência entre a capacidade financeira e os rendimentos declarados.
RR. Uma vez constatada a existência dessa divergência compete ao contribuinte provar de que correspondem à realidade os rendimentos declarados ou de que é outra a fonte da capacidade financeira evidenciada, nos termos do artigo 89º-A, n.º 3 da LGT.
SS. In casu, a IT identificou a situação demonstrativa de uma capacidade contributiva inconsistente com os rendimentos declarados – empréstimo de € 270.000,00 evidenciado no ano de 2008.
TT. Fez prova dos pressupostos de recurso à avaliação indireta, especificamente, fez prova que o acréscimo de património ou consumo se evidenciou no ano de 2008.
UU. Constatada a existência de divergência entre a capacidade financeira e os rendimentos declarados competia ao recorrido fazer prova da fonte dessa capacidade, nos termos do artigo 89.-A, n.º 3 da LGT.
Nestes termos,
VV. Resulta, assim, de forma evidente que a decisão a quo fez uma errada interpretação dos artigos 87º, alínea f) e 89-Aº, n.º 1, 3 e 5 da LGT, devendo, assim, ser revogada, com todas as legais consequências.
Como sempre farão V/ Excelências a acostumada JUSTIÇA.
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Considerando que este tribunal suscitou questão que não está colocada no recurso, preparando-se para conhecê-la oficiosamente, permitiu que as partes, previamente, se pronunciassem acerca da mesma, por forma a dar cumprimento ao princípio do contraditório.
Afigurando-se que o tribunal poderia revogar a sentença recorrida com fundamento nessa questão conhecida oficiosamente, fazendo apelo ao disposto no artigo 665.º do Código de Processo Civil (CPC), e uma vez que o Tribunal Central Administrativo deve proceder à apreciação das questões que o tribunal recorrido considerou prejudicadas pela solução que encontrou para o litígio, se dispuser dos elementos necessários para tal, deu-se cumprimento ao disposto no artigo 665.º, n.º 3 do CPC.
Somente a Fazenda Pública emitiu pronúncia acerca da questão, conforme peça processual de fls. 356 a 361 do processo físico.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito. Contudo, antes, haverá que conhecer a questão prévia suscitada oficiosamente: já estar, eventualmente, consolidada na ordem jurídica a decisão, atinente a “manifestações de fortuna”, que fixou a matéria tributável com recurso a método indirecto.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
A) Com relevância para a decisão da causa, mostram-se PROVADOS os seguintes factos:
1. Por despacho DI200903076, de 02.04.2009, foi determinada a realização de uma acção inspectiva externa de âmbito parcial (IRS dos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010 (1)) ao ora impugnante – cfr. fls. 6 do procedimento administrativo apenso aos autos – pasta de arquivo (doravante PA).
2. Tal procedimento inspectivo foi determinado em consequência de uma informação remetida ao Serviço de Finanças de Felgueiras, pela 1ª Secção do 4.º Juízo Cível do Porto, Processo nº 247/29.4TJPRT, onde constam os principais credores dos insolventes A…, NIF 1…e o cônjuge J…, NIF 1….
3. Da referida informação consta que o ora Impugnante foi declarado como um dos principais credores da referida empresa, cujo crédito reclamado se cifra no montante de €270.000,00, titulado por uma letra emitida em 20.05.2008 – cfr. fls. 268 do PA.
4. Em 25.09.2009, foi notificado ao Impugnante o despacho que determinou o início da inspecção –cfr. fls. 7 do PA.
5. Por carta registada de 24.11.2009, foi o ora Impugnante notificado para comprovar que correspondiam à realidade os rendimentos por si declarados à Administração Tributária e, ainda, de que seria outra a fonte das manifestações de fortuna apuradas, nos termos e para os efeitos previstos no nº 3 do artigo 89º-A da LGT – cfr. fls. 137/139 do PA.
6. Através de requerimento remetido por carta registada, com aviso de recepção, em 02.12.2009, o ora Impugnante alegou, em suma, que:
“o empréstimo foi efectuado em dinheiro proveniente das suas economias”, “os 270.000,00 € não lhes foram emprestados de uma só vez, mas em várias vezes e em diversos montantes;
“esgotadas as suas economias, o requerente começou a pedir créditos bancários em seu nome, para tentar salvar a empresa…” – cfr. fls. 147/150 do apenso.
7. Com o referido requerimento, o Impugnante juntou extractos do Banco de Portugal sobre as “responsabilidades de crédito” contraídas pelo Sujeito Passivo em diversas instituições bancárias – cfr. fls. 1527155 do PA.
8. Em 22.02.2010, o Impugnante emitiu declaração de autorização de exibição de informações e documentos bancários, através da qual autorizou a Administração Tributária a solicitar às Instituições Bancárias todas as informações e documentos relacionados com o inspeccionado.
9. Por despacho de 10.03.2010, do Chefe da V Divisão da Inspecção Tributária do Porto, foi concedida a prorrogação do procedimento inspectivo por mais 3 meses, com base na seguinte informação:
“(…) em virtude de se considerar imprescindível para a conclusão da acção o acesso a todas as contas que o Sujeito Passivo possui em instituições bancárias, cuja autorização só foi concedida por declaração assinada por este em 22/02/2010, tendo os elementos sido solicitados às respectivas entidades por carta registada em 24/02/2010” – cfr. fls. 17/18 do PA.
10. Em 07.06.2010, foi o ora impugnante notificado pessoalmente do projecto de relatório do procedimento inspectivo e, ainda, para os efeitos previstos nos artigos 77º da LGT e 60º do RCPIT – cfr. fls. 22/32 do PA.
11. De tal projecto constava a intenção da AT de, em face dos factos descritos no referido documento, fixar por métodos indirectos a matéria tributável de IRS referente ao ano de 2008, no valor global de €270,000,00.
12. O ora Impugnante exerceu o direito de audição prévia através de requerimento apresentado junto da Direcção de Finanças do Porto em 23.06.2010, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, que “os empréstimos foram efectuados ao longo dos anos” e que “a sua capacidade financeira para os empréstimos efectuados à sua irmã e cunhado, além dos rendimentos mensais regularmente declarados e das suas economias normais de qualquer contribuinte, advieram de vários créditos bancários a que o mesmo recorreu e ainda se encontram em débito, assim como de diversos empréstimos a título pessoal que lhe foram sendo efectuados e que também ainda se encontram em débito” – cfr. fls. 33 a 40 do PA.
13. Considerando que o sujeito passivo não procedeu à prova cabal e objectiva que justifique a totalidade do montante que permitiu o acréscimo patrimonial, a IT decidiu fixar como rendimento colectável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, o valor de €254.941,53 – cfr. fls. 41 a 47 do PA.
14. Da fundamentação do relatório de inspecção extrai-se, com relevo para a decisão da causa, o seguinte:
“II – OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA
(…)
C- Outras situações
Acção Inspectiva foi desenvolvida concertadamente com uma outra acção relativa a Sujeitos Passivos visados na informação remetida ao Serviço de Finanças de Felgueiras, pela 1ª Secção do 4º Juízo Cível do Porto, Processo nº 247/29.4TJPRT, onde constam como principais credores dos insolventes A…– 1…e cônjuge J…– NIF 1…, pelo que, as acções de inspecção são no sentido de apurar se tais créditos são fictícios e apenas visaram a diminuição ou frustração dos créditos de outros credores onde se inclui a DGCI.
(…)
2.2 Declaração de Autorização de exibição de Informações e Documentos Bancários e análise dos elementos fornecidos pelas diversas instituições.
(…)
Mediante a autorização obtida foram solicitados os respectivos pedidos de elementos junto de todas as entidades bancárias referenciadas pelo Sujeito Passivo e depois da análise aos mesmos obtidos não foi possível provar a existência de qualquer operação ou movimentos relacionados com o referido empréstimo.
Contudo, analisando os extractos de três contas que o Sujeito Passivo possui nos Bancos… (conta nº 53214033020), Banco… (conta nº 018713700169) e na Caixa… (conta nº 030904901700), verificamos no período de 2005 a 2008, a existência de frequentes movimentos tanto a débito como a crédito que se revelam “estranhos” tendo em conta a sua profissão e os rendimentos dela auferidos, parecendo antes reflectir uma movimentação típica de uma conta de gerência inerente ao exercício de uma actividade de natureza comercial ou industrial.
(…)
3. Aplicação dos Métodos Indirectos
Considerando que:
- O Sujeito Passivo emprestou o montante de €270.000,00, não tendo comprovado capacidade financeira assim demonstrada;
- Os rendimentos líquidos nos anos em análise, são manifestamente reduzidos para comportarem um incremento patrimonial já relatado, o mútuo de €270.000,00;
- Apesar das várias notificações efectuadas no decurso da acção inspectiva o Sujeito Passivo não apresentou elementos nem justificações válidas que comprovassem a capacidade financeira demonstrada daquele montante;
- Posteriormente, e com devida autorização declarada pelo Sujeito Passivo, foram todas as entidades bancárias onde este possui e/ou possuiu conta, notificadas para apresentarem extractos bancários e demais elementos necessários, sendo que, dos elementos que nos foram remetidos não constam quaisquer operações ou movimentos que justifiquem objectivamente o montante mutuado e a proveniência do mesmo;
- Assim, e não tendo sido pelo Sujeito Passivo apresentadas justificações comprovadas, para esses movimentos, nem obtidas quaisquer informações junto de terceiros que auxiliassem na comprovação da capacidade financeira demonstrada no referido empréstimo, estamos perante a situação prevista no artigo 87º da Lei Geral Tributária – LGT, que estipula, na sua alínea f) que a avaliação indirecta pode efectuar-se em caso de existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.
V – Critérios e Cálculos dos Valores Corrigidos com Recurso a Métodos Indirectos
De acordo com o exposto no capítulo IV e nos termos do número 5, do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária, no caso da alínea f) do artigo 87º da Lei Geral Tributária, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G – artigo 9º, nº 1, alínea d) do CIRS, a diferença entre o acréscimo de património e os rendimentos líquidos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.
Assim o valor a enquadrar na categoria G, é de 254.941,53, para os anos de 2008 por ser este o ano onde se verificou a emissão do documento que tutela o crédito (…)” – cfr. fls. 41 e ss. do PA.
15. Por ofício datado de 23.06.2010, com o nº 41372/0510, remetido através de carta registada, com aviso de recepção, remetida em 28.06.2010 e recebida em 30.06.2010, foi o ora impugnante notificado do relatório final de inspecção e da decisão do Director de Finanças do Porto de fixar a matéria tributável em sede de IRS do ano de 2008 no montante de €270.000,00 (categoria G) – cfr. fls. 48 a 51 do PA.
16. Em resultado de um fax remetido pelo ora Impugnante em 06/07/2010 à Direcção de Finanças do Porto, foi remetida nova notificação do relatório de inspecção tributária, acompanhada dos elementos a que era feita referência no relatório que não tinham sido inicialmente remetidos, através do ofício nº 45678/0510 de 13.07.2010 – cfr. fls 52 e ss. do PA.
17. Em 22.10.2010 foi o sujeito passivo notificado da liquidação em crise nos presentes autos, a qual indicava como data limite de pagamento voluntário o dia 24.11.2010 – cfr. fls. 15 do processo físico (frente e verso).
18. Em 10.01.2011 foi apresentada a petição inicial dos presentes autos – cfr. fls. 4 do processo físico.
Mais se provou que:
19. Nos anos de 2005 a 2008, o Impugnante declarou os seguintes rendimentos:
Anos
Tipo de rendimento
Valores declarados (Rend. Brutos)
Valores declarados (Rend. Líquidos)
2005
Categoria A
17.803,46
14.390,87
2006
Categoria A
18.258,20
14.746,27
2007
Categoria A
18.822,67
15.162,37
2008
Categoria A
18.921,23
15.058,47
20. O Impugnante é dono de um prédio urbano e nove prédios rústicos em contitularidade com a sua irmã A….
21. O Impugnante apresentou um requerimento de reclamação de créditos no âmbito do processo de insolvência de A… e J… (irmã e cunhado, respectivamente, do Impugnante), no qual alega que:
“1) Em Novembro de 2007, o Reclamante emprestou aos insolventes a quantia de 270.000,00€ (duzentos e setenta mil euros);
2) Tal quantia mutuada encontra-se titulada por título executivo que se anexa, em doc. nº 1 e cujo conteúdo se dá aqui como reproduzido e integrado para todos os efeitos legais, vencendo-se a Novembro de 2008”
[cfr. fls. 266 e ss. do PA].
22. Com a reclamação de créditos referida no nº anterior foi junta, como Doc. 1, uma letra sacada pelo ora Impugnante, no valor de €270.000,00, com data de emissão de 20.05.2008 e em que figura como sacado o referido J… e como aceitantes o mesmo J… e A…– cfr. fls. 268 do PA.
II - B) FACTOS NÃO PROVADOS:
Com interesse para a decisão da causa, inexistem.
*
II - C) MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA:
Os factos dados como assentes tiveram por base os documentos juntos aos autos, supra referenciados a propósito de cada um dos factos levados ao probatório.”

2. O Direito

No caso vertente, além do mais, o impugnante atacou as correcções que foram efectuadas pela Administração Tributária (AT) com recurso a métodos indirectos nos termos do disposto nos artigos 87.º, n.º 1, alínea f) e 89.º-A da Lei Geral Tributária (LGT). Decorre da matéria assente que a matéria tributável relativa ao IRS de 2008 foi fixada com recurso a métodos indirectos ao abrigo daquelas normas legais e que, antes da interposição da presente impugnação, tal decisão de fixação não foi colocada em causa pelo aqui Recorrido.
Assim, a matéria tributável que esteve na génese da liquidação impugnada encontra-se definitivamente fixada e consolidada na ordem jurídica.
Na verdade, como vem afirmando de forma pacífica e reiterada a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), a decisão de avaliação da matéria tributável prevista no artigo 89.º-A da LGT constitui acto que, embora preparatório da liquidação (em sentido estrito), assume a natureza de acto prejudicial ou acto destacável pois que, desde logo, define uma situação jurídica, inserindo-se nas relações intersubjectivas e condicionando irremediavelmente a decisão final. Por conseguinte, decidido que seja o «recurso» de tal decisão de avaliação da matéria colectável (ou na falta dele), constitui-se sobre a questão caso decidido ou caso resolvido, de efeitos similares aos do caso julgado judiciário, consolidando-se a decisão.
No caso em apreço, o que resulta da petição inicial é que o impugnante impugnou o acto de liquidação do tributo, formulando pedido de anulação da liquidação de IRS, de 2008, com fundamento em erro nos pressupostos para recurso a métodos indirectos e errónea quantificação, por entender que o empréstimo no valor de €270.000,00 ocorreu em 2007 e estar demonstrada a proveniência deste sinal exterior de manifestação de fortuna, ou seja, os eventuais rendimentos não declarados, a existirem, seriam anteriores ao ano de 2007.
Ora, verifica-se que antes de nestes autos ser lançada a discussão sobre a decisão de fixação da matéria colectável, a mesma não havia sido impugnada; logo, o rendimento tributável do ano de 2008 mostra-se definitivamente fixado e consolidado na ordem jurídica, não sendo possível ser reeditada a discussão desta questão, pois que já havia sobre ela caso resolvido.
Da decisão de avaliação da matéria colectável por método indirecto, atinente a “manifestações de fortuna”, cabe recurso para o tribunal tributário, no prazo de 10 dias - nos termos das disposições combinadas do n.º 7 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária e do n.º 2 do artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
A decisão de avaliação constitui acto destacável do procedimento administrativo, pelo que se forma caso decidido ou caso resolvido na falta de recurso judicial dessa decisão, a qual, assim, se consolida na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respectiva.
Não tendo o Recorrido feito uso de tal recurso, a impugnação judicial é o meio adequado à anulação da liquidação em apreço, mas o pedido, na parte que foi apreciado na sentença recorrida, sempre deverá improceder, porque, estando consolidada a matéria tributável, esta já não pode ser posta em causa na impugnação.
Ora, uma vez que a sentença recorrida se cinge à análise da determinação da matéria tributável por avaliação indirecta em sede de manifestação de fortuna, este tribunal, por ser questão de conhecimento oficioso, não poderá conhecer os fundamentos do recurso, na medida em que existe questão prévia que o inviabiliza: já estar consolidada a decisão que fixa a matéria tributável na ordem jurídica.
Considerando que esta questão não está colocada no recurso, as partes foram ouvidas, tendo somente a Fazenda Pública emitido pronúncia acerca da mesma, conforme peça processual de fls. 356 a 361 do processo físico.
Aqui anuiu que o impugnante não deduziu, em devido tempo, o recurso previsto no artigo 146.º-B do CPPT, ou que de algum modo tivesse reagido contra a avaliação por método indirecto, e que esta omissão implica que exista efectivamente caso resolvido quanto à existência de pressupostos para a avaliação indirecta e quanto à quantificação da matéria colectável.
Os tribunais, incluindo este, têm vindo a pronunciar-se no sentido aqui propugnado oficiosamente, designadamente no Acórdão deste TCAN, de 09/11/2017, proferido no âmbito do processo n.º 287/12.6BEPRT:
«(…) é ponto assente que da decisão de avaliação da matéria colectável por método indirecto, atinente a “manifestações de fortuna”, cabe recurso para o tribunal tributário, no prazo de 10 dias – nos termos das disposições combinadas do n.º 7 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, e do n.º 2 do artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Esta decisão de avaliação constitui acto destacável do procedimento administrativo, pelo que se forma caso decidido ou caso resolvido na falta de recurso judicial dessa decisão, a qual, assim, se consolida na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respectiva - Acórdão do STA, de 22/02/2017, proferido no âmbito do processo n.º 01137/16.
Não é inconstitucional a interpretação segundo a qual a impugnação judicial de liquidação adicional de IRS não poder ter por fundamento a decisão de avaliação da matéria tributável por “sinais exteriores de riqueza”, pois que a lei prevê a impugnabilidade directa e autónoma desta decisão através do recurso previsto no n.º 7 do artigo 89º-A da LGT - entre outros, acórdãos do STA, de 24.09.2008, recurso n.º 0342/08, de 09.09.2009, recurso n.º 0188/09, de 06.07.2011, recurso n.º 0422/11, de 20.01.2016, recurso n.º 01611/13, e de 15.02.2017, recurso n.º 0633/14; tendo também o Tribunal Constitucional já se pronunciado quanto à conformidade constitucional do disposto naquele n.º 7 no acórdão n.º 554/2009, datado de 27.10.2009, onde se pondera que:
“… a norma em causa, na medida em que estabelece um meio processual urgente, específico para a impugnação judicial daquela decisão da administração tributária, não pode deixar de ser entendida como concretização do direito de acesso aos tribunais, (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição) e, em especial, da garantia de impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados, enquanto modalidade da tutela jurisdicional efectiva desses administrados (artigo 268.º, n.º 4, da Constituição).
Como se salientou no Acórdão 416/99 … «não sendo o direito de acesso à justiça e aos tribunais um direito absoluto, não existe qualquer contradição entre a garantia constitucional de acesso à justiça e a delimitação pelo direito ordinário dos pressupostos ou requisitos de natureza processual para efectivação dessa garantia».
Nessa medida, é de considerar que a previsão de um recurso contencioso urgente como forma de impugnar um determinado acto administrativo ainda se pode incluir na margem de conformação que a Constituição deixa ao legislador ordinário. Ponto é que a conformação legal dessa forma processual não dificulte "irrazoavelmente a acção judicial" (na expressão de Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed., Coimbra, 2007, 409).
A esse respeito cumpre salientar que a urgência do meio processual não é necessariamente desvantajosa para o contribuinte impugnante, pois embora lhe imponha prazos de actuação mais curtos, assegura-lhe, em contrapartida, maior celeridade na decisão. No caso em apreço, a forma processual questionada oferece, inclusivamente, uma outra garantia ao contribuinte: a do efeito suspensivo, que é concedido ope legis com a mera entrada da petição de recurso, ficando a administração tributária impedida de praticar o acto de liquidação antes da decisão deste recurso.
Trata-se, aliás, de um efeito que não é comum nem à impugnação judicial do acto de liquidação do imposto (nesta, o efeito suspensivo só se obtém através da prestação de garantia adequada - cf. artigo 103.º, n.º 4, do CPPT), nem à impugnação dos actos administrativos em geral (cuja suspensão, em regra, só pode ser obtida através de uma providência cautelar, intentada previamente ou na pendência da acção principal - cf. artigos 50.º e s. e 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Resta dizer que o princípio da tutela jurisdicional efectiva também não sai beliscado pelo entendimento de que a forma processual prevista no n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT é a única via de reacção judicial contra a decisão de avaliação indirecta.
(…) a ideia de que o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos administrados não exige que o legislador ordinário consagre diversas formas processuais - alternativas ou duplicadas - para reacção contra uma mesma actuação da Administração. A plenitude da garantia jurisdicional está suficientemente assegurada através da previsão de um único meio processual, desde que este se mostre adequado à tutela do direito ou interesse legalmente protegido que lhe subjaz.
No caso vertente, o legislador optou por uma estruturação de meios processuais que tutela adequadamente o contribuinte impugnante e é até, pode acrescentar-se, adequada à natureza da actuação administrativa, cuja impugnabilidade está em causa.
Note-se que a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto configura um acto intermédio, se perspectivado no âmbito do procedimento mais amplo que termina com o acto de liquidação. Mas é também um acto que encerra uma fase daquele procedimento (ou um seu incidente) em termos de se poder considerar que as questões aí decididas não devem ser retomadas em momento ulterior. Não se mostra, por isso, desadequada ou insuficiente, face ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, a previsão legal de um meio específico de impugnação judicial desta decisão - que permite a sua impugnação directa e imediatamente, que tem natureza urgente e efeito suspensivo relativamente à prática do acto de liquidação - com preclusão da possibilidade de questionar posteriormente tal decisão, aquando da impugnação do acto de liquidação.”(…)
Pois bem, como já ficou enunciado, a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária constitui acto que, embora preparatório da liquidação (em sentido estrito), assume a natureza de acto prejudicial ou acto destacável pois que, desde logo, define uma situação jurídica, inserindo-se nas relações inter-subjectivas e condicionando irremediavelmente a decisão final, o que significa que tal decisão de avaliação da matéria colectável é susceptível de «recurso para o tribunal tributário», constituindo-se sobre a questão, na falta desse «recurso» ou em caso de insucesso do mesmo, caso decidido ou caso resolvido, de efeitos similares aos do caso julgado judiciário, consolidando-se a decisão na ordem jurídica. (…)
Ora, se é certo que a liquidação pode depois ser impugnada com fundamento em «qualquer ilegalidade», a questão (prejudicial) do valor da matéria colectável tem autonomia na presente situação, pois que, como decorre do regime legal acima apontado, a decisão de avaliação da matéria colectável, porque se trata de um acto destacável, volve-se em caso decidido ou caso resolvido, se não for atacada por meio de «recurso para o tribunal tributário» ou se o mesmo não tiver qualquer sucesso. (…)»
Assim, apesar de a impugnação judicial ser o meio adequado à anulação da liquidação de IRS, o pedido sempre deverá improceder nesta parte, porque, estando consolidada a matéria tributável, esta já não pode ser posta em causa na impugnação, pois que, grande parte da fundamentação da presente impugnação está relacionada com a determinação da matéria tributável por avaliação indirecta em sede de manifestação de fortuna – cfr., nomeadamente, os artigos 53.º até ao final da petição inicial. Mesmos os artigos 165.º e 166.º da mesma, relativos à instrução dos autos, respeitam a elementos probatórios concernentes ao erro na quantificação da matéria tributável.
Nesta medida, estando consolidada a matéria tributável, já não é agora possível questioná-la, como o faz o Recorrido em sede de impugnação judicial.
Estando o tribunal impedido de apreciar esta parte do mérito da impugnação (e do recurso), nada obsta, contudo, a que se conheça das restantes questões colocadas na petição inicial, nesta instância, ao abrigo do n.º 2 do artigo 665.º do Código de Processo Civil (CPC), até porque sobre elas já houve o necessário contraditório.
Efectivamente, tendo-se afigurado que o tribunal poderia revogar a sentença recorrida com fundamento nessa questão conhecida oficiosamente e tendo em vista conhecer em substituição ao tribunal recorrido, notificou-se, cada uma das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 665.º, n.º 3 do CPC, na medida em que o Tribunal Central Administrativo deve proceder à apreciação das questões que o tribunal recorrido considerou prejudicadas pela solução que encontrou para o litígio, se dispuser dos elementos necessários para tal.
Essas questões prendem-se com a legalidade do procedimento de inspecção tributária, referentes à duração da mesma e à alteração da sua extensão.
Quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, a Recorrente requer a ampliação do rol factual provado, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC. Para tanto, afirma resultar dos autos prova documental – RIT – que não foi impugnada pelo Recorrido e que, aliás, foi valorada positivamente pelo tribunal recorrido – na qual constam factos relevantes à boa decisão da causa que foram omitidos ou ignorados no rol da matéria factual assente.
Contudo, como podemos observar, essa factualidade só era pertinente para a decisão da questão da impugnação da matéria tributável, que, como vimos, está já consolidada na ordem jurídica:
“A sentença sob recurso fez um lacunar julgamento da prova apresentada, ao não dar como provado o seguinte facto:
4.1) Em 25/09/2009, em deslocação ao seu domicílio, e quando questionado sobre o empréstimo de € 270.000,00 efectuado aos insolventes, o Sujeito Passivo foi ouvido em Auto prestando as seguintes declarações:
- Que de facto efectuou um empréstimo à sua irmã e cunhado no montante de € 270.000,00, tratando-se de um empréstimo particular e como tal não foi elaborado nenhum documento;
- O empréstimo foi efectuado em dinheiro, tendo a irmã e o cunhado emitido uma livrança como forma de garantia do crédito;
- No que se refere à data do empréstimo afirmou que não se recorda a data;
- Afirmou ainda que não fez qualquer levantamento bancário para efectuar o referido empréstimo. Cfr. páginas 3 e 4 do RIT
A sentença sob recurso fez um incompleto julgamento da prova documental existente nos autos, ao não transcrever no facto relatado sob o n.º 6 da matéria factual assente, o conteúdo integral da resposta apresentada pelo recorrido no decurso do procedimento inspetivo, devendo aí acrescer-se a seguinte matéria:
Porque de sua irmã se tratava, o requerente nem se dava ao trabalho de requerer qualquer documento, nem anotava as quantias emprestadas;
Esgotadas as soluções financeiras, a sua irmã, de própria iniciativa, emitiu uma livrança no valor de 270.000,00 €;
Ou seja, o requerente não precisava de ter nas suas economias o montante de 270.000,00 € pois os mesmos estão em débito a entidades bancárias, juntando extractos do Banco de Portugal sobre as “responsabilidades de crédito”, contraídas pelo Sujeito Passivo em diversas instituições financeiras.”
Após o que ficou decidido supra, estes factos deixaram de ser relevantes para a boa decisão da causa, pelo que se mostra prejudicado o conhecimento do solicitado aditamento à decisão da matéria de facto.

Estabilizada a factualidade, passemos ao conhecimento, em substituição ao tribunal recorrido, das restantes questões colocadas na impugnação judicial:
O impugnante sustenta na sua petição inicial que a inspecção tributária a que foi sujeito se iniciou em 25/09/2009 e que, não obstante a prorrogação do procedimento inspectivo por mais três meses, somente foi notificado do relatório final conclusivo da inspecção em 01/07/2010. Este excesso de duração da inspecção tributária, na óptica do impugnante, consubstancia uma ilegalidade grave, que terá por consequência a nulidade de todo o procedimento de inspecção e a consequente nulidade/inexistência da liquidação aqui impugnada.
Dando de barato que o prazo/limite para conclusão do presente procedimento inspectivo foi ultrapassado, o que urge determinar é se a preterição de formalidades na acção de inspecção - ultrapassagem do prazo máximo de seis meses para a conclusão do procedimento de inspecção a que se refere o n.º 2 do artigo 36º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) - gera a invalidade (nulidade/anulação) dos actos tributários de liquidação emitidos.
Ora, dispõe o artigo 2.º do RCPIT, no seu n.º 1, que “O procedimento de inspecção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias”.
Concretizando esta previsão, dispõe o n.º 2 do mesmo artigo que:
“Para efeitos do número anterior, a inspecção tributária compreende as seguintes actuações da administração tributária:
a) A confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários;
b) A indagação de factos tributários não declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários;
c) A inventariação e avaliação de bens, móveis ou imóveis, para fins de controlo do cumprimento das obrigações tributárias;
d) A prestação de informações oficiais, em matéria de facto, nos processos de reclamação e impugnação judicial dos actos tributários ou de recurso contencioso de actos administrativos em questões tributárias;
e) O esclarecimento e a orientação dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários sobre o cumprimento dos seus deveres perante a administração tributária;
f) A realização de estudos individuais, sectoriais ou territoriais sobre o comportamento dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários e a evolução dos sectores económicos em que se insere a sua actividade;
g) A realização de perícias ou exames técnicos de qualquer natureza tendo em conta os fins referidos no n.º 1;
h) A informação sobre os pressupostos de facto dos benefícios fiscais que dependam de concessão ou reconhecimento da administração tributária ou de direitos que o sujeito passivo, outros obrigados tributários e demais interessados invoquem perante aquela;
i) A promoção, nos termos da lei, do sancionamento das infracções tributárias;
j) A cooperação, nos termos das convenções internacionais ou regulamentos comunitários, no âmbito da prevenção e repressão da evasão e fraude;
l) Quaisquer outras acções de averiguação ou investigação de que a administração tributária seja legalmente incumbida.”
Relativamente aos fins do procedimento de inspecção tributária, o artigo 12.º do RCPIT refere que aquele poderá ter uma de duas finalidades, a saber:
“a) Procedimento de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários;
b) Procedimento de informação, visando o cumprimento dos deveres legais de informação ou de parecer dos quais a inspecção tributária seja legalmente incumbida.”.
No que diz respeito ao lugar da realização, o artigo 13.º do RCPIT esclarece que:
“Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:
a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;
b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.”.
Quanto ao âmbito, segundo o disposto no artigo 14.º do RCPIT, o procedimento de inspecção pode ser:
a) geral ou polivalente, quando tiver por objecto a situação tributária global ou conjunto dos deveres tributários dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários;
b) parcial ou univalente, quando abranja apenas algum ou alguns tributos ou algum ou alguns deveres dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários, considerando-se ainda procedimento parcial o que se limite à consulta, recolha de documentos ou elementos determinados e à verificação de sistemas informáticos dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários, ou ao controlo de bens em circulação.
Finalmente, quanto à extensão, o procedimento pode englobar um ou mais períodos de tributação.
Do acervo normativo que se vem de expor, resulta não só que o procedimento de inspecção tributária é finalisticamente vinculado (ou seja, só poderá ser instaurado tendo em vista a prossecução de determinadas finalidades), como também que o carácter interno ou externo do mesmo não poderá ser arbitrariamente fixado pela Administração Tributária, resultando antes da necessidade ou não de realizar actos de inspecção “em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.”. De igual forma, a natureza geral ou parcial do procedimento de inspecção não é livre ou discricionariamente escolhida pela Administração Tributária, tendo tal classificação por base o âmbito que se justifica inspeccionar, estando sempre subjacente o princípio da proporcionalidade, designadamente, nas suas vertentes da necessidade e da adequação (cfr. artigos 5.º e 7.º do RCPIT).
Não é, ainda, por acaso que o artigo 15.º, n.º 1 do RCPIT estabelece que “os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada.”. Pois, subjacente a todas estas classificações previstas legalmente, está a vinculação a um determinado fim último que se pretende atingir com a inspecção tributária.
Ocorre com alguma frequência a AT ter indicado que procederá a uma inspecção externa e, afinal, inexistiram quaisquer actos praticados fora dos serviços da Administração Tributária para obtenção dos elementos relevantes. Na verdade, a inspecção só será qualificável como interna quando foi efectuada com base em documentos não obtidos através de actos inspectivos exteriores aos serviços. Não é irrelevante a classificação, pois, nomeadamente quanto ao lugar em que se realiza, tem influência na suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação – cfr. artigo 46.º n.º 1 da LGT (somente estando em causa uma acção de inspecção externa) ou pode limitar a realização de mais do que um procedimento externo de fiscalização – cfr. artigo 63.º, n.º 4 da LGT, por exemplo.
Acolhe-se, por isso, o que expressamente se refere no preâmbulo do RCPIT, a regulamentação do procedimento de inspecção tributária visa “essencialmente a organização do sistema e, consequentemente, a garantia da proporcionalidade aos fins a atingir, da segurança dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários e a própria participação destes na formação das decisões.” Ou seja, a regulamentação do procedimento de inspecção tributária, tem, em primeira linha, uma finalidade essencialmente organizatória (ordenadora) e, na perspectiva dos sujeitos passivos, visará essencialmente definir quais as condições em que os efeitos jurídicos próprios de tal procedimento se reflectirão, eficazmente, na sua esfera jurídica, para além de assegurar a sua participação nas decisões que venham a ser tomadas.
Deste modo, a principal finalidade, sempre na perspectiva dos sujeitos passivos, da regulamentação do procedimento de inspecção tributária, e da respectiva observação pela Administração Tributária, residirá na fixação dos condicionalismos legalmente necessários para que se reflictam eficazmente na esfera jurídica dos contribuintes os efeitos jurídicos próprios do procedimento em questão, maxime a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação dos tributos pela Administração, nos termos do artigo 46.º/1 da LGT, bem como a sujeição dos visados às garantias e prerrogativas da inspecção tributária (artigos 28.º e 29.º do RCPIT), e à aplicação de medidas cautelares (artigos 30.º e 31.º do RCPIT).
Assim, e no seguimento do que se vem de expor, entende-se que a violação de normas reguladoras do procedimento de inspecção tributária terá, essencialmente, a consequência de obstar a que ocorram determinados efeitos próprios daquele procedimento, como a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação de tributos, ou a obrigação de abertura das instalações dos visados à inspecção tributária, por exemplo.
Tudo isto demonstra que, estando em causa uma inspecção externa (cfr. ponto 1 do probatório), a ultrapassagem do prazo máximo de seis meses (mais prorrogação de três meses) para a conclusão do procedimento de inspecção a que se refere o n.º 2 e n.º 3 do artigo 36º do RCPIT, não determina linearmente a ilegalidade da liquidação, mas apenas a cessação do efeito suspensivo da própria inspecção, pelo que corre, então, desde o início, o prazo de caducidade da liquidação – cfr. o citado artigo 46.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. Questão esta que não se mostra colocada na impugnação dado que o impugnante foi notificado da liquidação referente a IRS de 2008 em 22/10/2010 – cfr. ponto 17 da decisão da matéria de facto.
A questão da influência da ilegalidade ou irregularidade do procedimento inspectivo sobre a validade da liquidação já não é nova, tendo o STA, bem como o Tribunal Constitucional, tido oportunidade de se pronunciar quanto à mesma, tendo-se aí concluído que o ilegal decurso do prazo para a realização da inspecção tributária não sequencia necessariamente, a se, a ilegalidade da liquidação, mas apenas a já mencionada cessação do efeito suspensivo da própria inspecção – cfr. Acórdão do STA, de 25/02/2015, proferido no âmbito do processo n.º 0709/14, fundado em acórdãos anteriores.
Efectivamente, o Tribunal Constitucional (TC) já se pronunciou sobre esta questão, na sua dimensão de respeito pelas normas e princípios constitucionais, tendo concluído que esta interpretação normativa aqui adoptada não fere os princípios da proporcionalidade, da igualdade, da justa repartição de custos entre o interesse público e os particulares, da confiança e da segurança jurídica.
A argumentação seguida pelo TC no seu acórdão n.º 514/2008, datado de 22/10/2008, consubstanciou-se no seguinte:
“(…) 7. Em primeiro lugar, não se afigura em que medida é que a interpretação normativa em crise contende com o princípio da proporcionalidade, em qualquer uma das suas vertentes de necessidade, adequação e de justa medida.
A norma contida no n.º 2 do artigo 36º do RCIPT, interpretada no sentido de que a ultrapassagem do prazo meramente ordenador não implica a automática caducidade do procedimento inspectivo, mas apenas a perda do benefício da suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidação do imposto devido, afigura-se como necessária à obtenção das receitas públicas destinadas à cobertura dos custos com as prestações sociais exigidas a um Estado Social de Direito (cfr. artigo 103º, n.º 1 da CRP), conforme aliás já recentemente notado por este Tribunal Constitucional (ver Acórdão n.º 457/08, disponível in www.tribunalconstitucional.pt). Por outro lado, como bem nota a recorrida, a própria Constituição impõe que a cobrança de impostos tenha em conta a efectiva capacidade contributiva de cada cidadão, de modo a assegurar uma “repartição justa dos rendimentos e da riqueza” (cfr. artigo 103º, n.º 1, bem como artigos 12º e 13º, todos da CRP).
A referida interpretação normativa revela-se ainda como adequada a promover a salvaguarda de outros valores e direitos constitucionais, na medida em que permite que o procedimento de inspecção possa ser mantido, em casos em que a complexidade dos factos tributários a inspeccionar exija uma ultrapassagem do prazo fixado no n.º 2 do artigo 36º do RCIPT.
Por fim, ainda que permita uma restrição dos direitos do contribuinte a um procedimento inspectivo célere, a interpretação normativa aplicada pela decisão recorrida - ainda assim - apenas os restringe na justa medida, configurando-se como a medida menos lesiva entre as possíveis, já que faz recair sobre a própria administração tributária alguns ónus e encargos. Em boa verdade, não é correcto afirmar-se que a interpretação normativa adoptada não implica consequências desvantajosas para a administração tributária, na medida em que aquela determina a imediata perda do benefício da suspensão do prazo de caducidade (cfr. n.º 2 do artigo 46º da LGT), para além de que o direito do contribuinte à celeridade do procedimento tributário mantém-se sempre acautelado pela fixação de prazos de prescrição tributária (cfr. artigo 48º da LGT) que o protegem de uma demora excessiva do procedimento inspectivo. Assim, a interpretação normativa acolhida pela decisão recorrida não opera uma restrição de direitos da recorrente para além da justa medida, na medida que distribui equitativamente os encargos da ultrapassagem do prazo entre a administração tributária e o contribuinte. (…)
Ora, se tal conclusão é válida em sede de processo penal, onde se impõem particulares garantias de defesa dos arguidos, mais facilmente se transpõe tal raciocínio para efeitos de procedimento tributário. Em suma, a interpretação normativa aplicada pela decisão recorrida não se apresenta como violadora do princípio da proporcionalidade.
8. Em segundo lugar, importa analisar se a referida interpretação normativa viola o princípio da igualdade (artigo 13º, da CRP) e o princípio da justa repartição de custos entre o interesse público e os particulares (artigo 266º, n.º 1, da CRP) que, por se interligarem, serão analisados em conjunto.
Segundo a perspectiva da recorrente, permitir que o prazo fixado no n.º 2 do artigo 36º do RCPIT fosse interpretado enquanto prazo meramente ordenador, enquanto que os prazos processuais impostos aos contribuintes fossem preclusivos de direitos, configuraria um tratamento diferenciado proibido pela Constituição. Cremos, porém, que não é assim. Tal entendimento parte de uma concepção do princípio da igualdade puramente formal.
Com efeito, a jurisprudência deste Tribunal tem realçado uma noção material de igualdade que pressupõe, necessariamente, um conceito de relação, segundo o qual há que tratar de modo idêntico as situações idênticas, mas de modo desigual as situações que se afiguram intrinsecamente desiguais (a mero título de exemplo, ver Acórdãos n.º 39/88, publicado in «Acórdãos do Tribunal Constitucional», 11º vol., pp. 233 e segs.; n.º 375/89, publicado in «Acórdãos do Tribunal Constitucional», 13º vol., tomo II, pp. 989 e segs., n.º 367/99, publicado in «Diário da República», IIª Série, de 09 de Março de 2000).
Ora, no caso concreto, é notório que o relevante interesse público, expressamente decorrente da Constituição (cfr. artigo 103º, n.º 1 da CRP), na obtenção de receitas fiscais, em respeito pela efectiva capacidade contributiva dos cidadãos permite ao legislador, dentro da sua margem de liberdade conformativa, estabelecer um regime de prazos mais favorável à administração tributária, precisamente de modo a que a igualdade horizontal - desta feita entre os vários contribuintes - possa ser devidamente respeitada. Em situações de especial complexidade, pode revelar-se necessária a ultrapassagem dos prazos de tramitação legalmente previstos, prevalecendo o interesse público da obtenção de receitas destinadas a suportar as prestações sociais do Estado sobre o interesse individual dos contribuintes a uma célere definição da sua situação jurídico-tributária.
9. Por último, quanto à alegada violação do princípio da confiança e da segurança jurídica, decorrente da noção de Estado de Direito Democrático (artigo 2º da CRP), entende o Tribunal que aquele não foi posto em crise pela interpretação normativa alvo de apreciação nestes autos.
Se é verdade que os contribuintes gozam de um direito a que a sua situação jurídico-tributária fique definida num prazo razoável, não se vislumbra que a qualificação do prazo de 6 meses fixado pelo n.º 2 do artigo 36º do RCPIT como meramente ordenador seja susceptível de abalar esse mesmo direito. É que a decisão recorrida não se limitou a afirmar tal natureza meramente ordenadora, antes frisando que a consequência da sua ultrapassagem consistira na perda do benefício da suspensão do prazo de caducidade, pela administração tributária.
Assim, a recorrente manteve sempre o seu direito a uma definição em prazo razoável da sua situação jurídico-tributária, que é garantida quer pelo regime de caducidade do direito do Estado à liquidação do imposto (artigos 45º a 47º da LGT), quer ainda pelo regime de prescrição das dívidas tributárias (artigos 48º e 49º da LGT). A interpretação normativa objecto de recurso nos presentes autos não padece assim, igualmente, de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da confiança e da segurança jurídica.”.
No caso dos autos, o procedimento inspectivo versou apenas sobre o IRS, pelo que é de qualificar como parcial (cfr. o referido artigo 14.º do RCPIT); Logo, à partida, não poderia ser prorrogado o seu prazo máximo – cfr. artigo 36.º, n.º 3, do RCPIT.
Como referimos, o STA já se pronunciou sobre esta questão em diversos acórdãos, entre os quais o proferido no recurso n.º 0102/08, datado de 07/05/2008, onde se concluiu, tal como o TC, pela validade da interpretação que vimos fazendo.
Aí, escreveu-se com interesse:
«Nos termos do artigo 14.º, n.º 1, do RCPIT, o procedimento de inspecção pode, quanto ao âmbito, ser “a) geral ou polivalente, quando tiver por objecto a situação tributária global ou conjunto dos deveres tributários dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários; b) parcial ou univalente, quando abranja apenas algum ou alguns tributos ou algum ou alguns deveres dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários”.
No caso dos autos, o procedimento inspectivo versou apenas sobre o IRC e o IVA, pelo que é de qualificar como parcial ou univalente, não podendo ser prorrogado - artigo 36.º, n.º 3, do RCPIT.
Ao contrário do que efectivamente aconteceu, pelo que o respectivo prazo caducou.
Os efeitos da caducidade vêm expressos no artigo 46.º, n.º 1, da LGT: “o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação”.
Vê-se, assim, que a única consequência da caducidade da inspecção, a se, é a cessação do efeito suspensivo da liquidação, “contando-se o prazo desde o seu início”.
E de tal contagem é que poderá resultar a ilegalidade da liquidação se houver excesso sobre o prazo de caducidade desta - em geral, 4 anos -, nos termos do artigo 45.º do mesmo compêndio legal, cfr., no sentido exposto, o recente acórdão do STA de 29 de Novembro de 2006 - recurso n.º 0695/06. (…)»
Nesta conformidade, já vimos que, nos estritos termos legais, a caducidade da inspecção não determina a invalidade, por caducidade, da liquidação. Aliás, entretanto, na redacção que veio a ser dada ao RCPIT pela Lei n.º 75-A/2014, de 30/09, estabeleceu-se precisamente no n.º 7 do artigo 36.º que o decurso do prazo do procedimento de inspecção determina o fim dos actos externos de inspecção, não afectando, porém, o direito à liquidação dos tributos.
Conclui-se, assim, que, da factualidade apurada, não se pode retirar que a (eventual) prorrogação ilegal da inspecção tributária tenha restringido de forma lesiva e grave os direitos do Recorrido.
Impõe-se efectuar abordagem semelhante na questão colocada pelo Recorrido no que tange à extensão da inspecção tributária.
Como enquadrámos supra, o procedimento inspectivo, quanto à extensão, pode englobar um ou mais períodos de tributação – cfr. artigo 14.º, n.º 3 do RCPIT.
Resulta do ponto 1 do probatório que foi determinada uma acção inspectiva externa de âmbito parcial, cuja extensão abrangeria quatro anos. No entanto, o ponto 14 da decisão da matéria de facto demonstra, através do teor do relatório de inspecção tributária, que, afinal, a acção inspectiva teve como extensão somente os exercícios de 2007 e 2008.
Ora, defende o impugnante ser manifesto que se verificou uma alteração à incidência da inspecção tributária e, por isso, ser necessário um despacho fundamentado para que se possa proceder a alteração da mesma, nos termos do disposto no artigo 15.º, n.º 1 do RCPIT; o que não ocorreu, nem lhe foi notificado.
Sustenta o impugnante tratar-se de mais uma ilegalidade praticada pela AT que inquina todo o procedimento de inspecção tributária, originando a sua nulidade, pelo menos desde a data da alteração promovida de modo ilegal e indevido, parecendo ser aquando da realização do projecto de relatório de inspecção tributária.
Em sede de audição prévia, o impugnante já havia suscitado esta questão, tendo a AT, aquando da decisão final, ponderado o seguinte, no relatório, a propósito da alteração da extensão da acção tributária:
“(…) a credencial – Despacho DI200903076 ao abrigo do qual foi iniciado o procedimento inspectivo, incide de facto sobre os anos de 2005 a 2008, contudo, e em resultado das diligências efectuadas foi proposta a emissão de uma Ordem de Serviço – OI201001078 oportunamente dada conhecimento ao Sujeito Passivo através de notificação por carta registada de 17/03/2010.
Esta credencial, necessária para se procederem às correcções previstas, teve como incidência temporal os anos de 2007 e 2008, dado que foi neste período que ocorreram as situações com relevância fiscal passíveis de correcções, ou seja, na reclamação de créditos ocorrida em 15/04/2009, o Sujeito Passivo declara que foi no mês de Novembro do ano de 2007 que procedeu ao empréstimo não obstante ter emitido uma letra só em 20/05/2008, pelo que se optou por considerar a data da letra que titula o empréstimo, ou seja do facto tributário. (…)”
Como já referimos supra, o acervo normativo constante do RCPIT tem sempre subjacente o princípio da proporcionalidade, designadamente, nas suas vertentes da necessidade e da adequação (cfr. artigos 5.º e 7.º do RCPIT). Atenta a motivação constante do relatório de inspecção, tudo indica ter sido respeitado este princípio, tanto mais que existe uma restrição (e não alargamento) da extensão da acção inspectiva. Concretizando, o impugnante contava com uma inspecção tributária sobre quatro anos e, afinal, só incidiu nos exercícios de 2007 e 2008. Isto é, mais uma vez, dando de barato que ocorreu uma irregularidade no procedimento inspectivo (o que se apresenta duvidoso, em face dos elementos ínsitos nos autos), sempre diremos que a diminuição da sua extensão não poderá ter reflexos na liquidação impugnada, dado que não vislumbramos que tal tenha restringido de forma lesiva e grave os direitos do Recorrido. Em termos práticos, esta redução da extensão significará que o impugnante não terá tido, por exemplo, a obrigação de abertura das suas instalações à inspecção tributária e aí apresentar documentos ou outros elementos e informações relevantes para fiscalização com referência aos exercícios de 2005 e 2006, dado tratar-se de uma inspecção externa, diminuindo, até, o sacrifício e incómodos que uma inspecção tributária sempre acarreta a um contribuinte.
Realmente, nesta linha de pensamento e tendo em vista acautelar o mesmo, o impugnante, na sua petição inicial, alerta que, à partida, este (eventual) vício até poderia parecer insignificante para o normal decurso ou conclusão da acção inspectiva. Porém, tal restrição da incidência temporal assume a maior das relevâncias no caso em apreço – cfr. artigos 38.º a 52.º do articulado.
No entanto, ao observarmos a motivação para tal argumentação, constatamos que existe confusão entre o exercício inspeccionado e as justificações que podem existir para a manifestação de fortuna nesse ano (as explicações apresentadas pelo contribuinte visado podem reportar-se a anos anteriores).
In casu, a AT pretendeu verificar a capacidade económica/contributiva do impugnante, por ele ter reclamado um crédito no valor de €270.000,00 em 15/04/2009, constatando que terá emprestado essa quantia. Na medida em que foi emitida uma letra correspondente, cuja data de vencimento se reportava a 2008, a AT optou por imputar a “manifestação de fortuna” ao exercício de 2008. A indignação do impugnante aponta para o facto de não estar demonstrado que a obtenção dos rendimentos tenha ocorrido nos anos de 2007 e 2008. Insistindo que os empréstimos foram sendo efectuados ao longo dos tempos, em diferentes anos em vários montantes, tendo a letra servido precisamente para titular a sua globalidade.
É neste circunstancialismo que o impugnante afirma, no artigo 48.º da petição inicial, que a AT, para poder recorrer à tributação por métodos indirectos, optou por subsumir a totalidade a um só ano, ao invés de subdividir o valor da letra pelos anos de incidência da acção inspectiva, imputando os rendimentos a um só exercício – artigo 49.º.
Ora, não só não resulta dos elementos constantes nos autos que a AT tenha deliberadamente tomado essa atitude (cfr. artigo 51.º da petição inicial), como a motivação do acto assenta na reclamação de créditos formulada em 15/04/2009, onde o impugnante declara que foi no mês de Novembro do ano de 2007 que procedeu ao empréstimo não obstante ter emitido uma letra só em 20/05/2008.
Em face desta fundamentação, a “manifestação de fortuna” foi revelada desta forma e nunca tal invalidava que o impugnante justificasse o afastamento da aplicação do método de avaliação indirecta, nomeadamente, demonstrando que correspondem à realidade os rendimentos declarados em 2008, nos termos do artigo 89.º-A, n.º 3 da LGT.
Quer-se com isto dizer que a extensão da fiscalização é independente da justificação que possa ser adiantada para a “manifestação de fortuna” em determinado exercício inspeccionado, não coarctando nem restringindo ao contribuinte quaisquer direitos de forma lesiva e grave. Nestes termos, que é o que interessa nos autos, também aqui, eventual violação de normas ordenadoras, não poderá ter consequências, por si só, na invalidade da liquidação impugnada.
Pelo exposto, urge conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a impugnação judicial improcedente.

Conclusões/Sumário

I - Da decisão de avaliação da matéria tributável por método indirecto, atinente a “manifestações de fortuna”, cabe recurso para o tribunal tributário, no prazo de 10 dias – nos termos das disposições combinadas do n.º 7 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, e do n.º 2 do artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sendo que esta decisão de avaliação constitui acto destacável do procedimento administrativo, pelo que se forma caso decidido ou caso resolvido na falta de recurso judicial dessa decisão, a qual, assim, se consolida na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respectiva.
II - Se é certo que a liquidação pode depois ser impugnada com fundamento em «qualquer ilegalidade», a questão (prejudicial) do valor da matéria tributável tem autonomia na presente situação, pois que, como decorre do regime legal acima apontado, a decisão de avaliação da matéria tributável, porque se trata de um acto destacável, volve-se em caso decidido ou caso resolvido, se não for atacada por meio de «recurso para o tribunal tributário» ou se o mesmo não tiver qualquer sucesso.
III - O procedimento de inspecção parcial ou univalente não pode ser prorrogado – cfr. artigos 14.º, n.º 1, e 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.
IV - Tal prorrogação determina a caducidade da inspecção.
V - Esta não sequencia necessariamente, a se, a ilegalidade da liquidação, mas apenas a cessação do efeito suspensivo da própria inspecção, pelo que corre, então, desde o início, o prazo de caducidade da liquidação – cfr. artigo 46.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.
VI - Tal interpretação, nos termos da qual e em síntese, a inobservância dos prazos legalmente definidos para a inspecção apenas relevam directamente em sede de caducidade da liquidação, não ofende os princípios constitucionais da legalidade, proporcionalidade e imparcialidade.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a impugnação judicial improcedente.

Custas a cargo do Recorrido, em ambas as instâncias, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
Porto, 08 de Março de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro