Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01156/05.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2016
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:SUSPENSÃO OBRAS; RESPONSABILIDADE CONTRATUAL; INDEMNIZAÇÃO; PRESCRIÇÃO
Sumário:O TAF considerou erradamente que o pedido vertido na alínea a) da petição inicial se enquadrava “no domínio da acção sobre responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas, por alegado facto ilícito e decorrente de gestão pública, regida pelo D. L. n.º 48.051, de 21/11/1967” e, como tal, se verificava a invocada prescrição do direito de indemnização por indevida suspensão das obras dum contrato de empreitada de obras públicas, quando na realidade o pedido indemnizatório se inseria no âmbito da responsabilidade contratual, não se tendo verificado a prescrição do direito invocado.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:SCS, SA
Recorrido 1:Município de Santo Tirso e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
Sociedade de Construções SC, S.A. veio interpor recurso jurisdicional do despacho saneador/sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou procedente a excepção da prescrição invocada pelo R. Município de Santo Tirso e pelo Chamado Município da Trofa e, em consequência, decidiu absolvê-los do pedido, ao abrigo do preceituado no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil.
Extrata-se da sentença recorrida:

«6. Da alegada prescrição do direito de indemnização.

Ainda que conferindo um enquadramento jurídico diverso, o R. Município de Santo Tirso invocou nos artigos 63.º a 71.º da sua contestação a excepção peremptória da prescrição do direito a indemnização, mais dizendo de forma genérica o Chamado Município da Trofa no art. 53.º da sua contestação que considera prescritos os alegados créditos que a A. pretende fazer valer na presente acção. (…)

Ante o exposto, julgo procedente a excepção peremptória de prescrição do direito de indemnização ora clamado pela A. e dos correspondentes juros, pelo decurso do prazo estipulado no art. 498.º, n.º 1, do CC, e, consequentemente, absolvo destes pedidos o R. Município de Santo Tirso e o Chamado Município da Trofa

O recurso incidiu e foi admitido sobre a “decisão que julgou procedentes as excepções inominada de tentativa prévia de conciliação e de prescrição” (cfr. requerimento de interposição a fls. 421 e despacho de admissão a fls 456).

No entanto, atenta a sentença de homologação de transacção proferida a 15-04-2013, cfr. fls 678, ficou prejudicado o conhecimento da questão atinente à preterição da tentativa prévia de conciliação, prosseguindo assim o recurso com objecto limitado à questão da prescrição, nos termos sintetizados nas conclusões 5ª a 11ª da Recorrente, que se passa a transcrever:

CONCLUSÕES

5ª) Todos os pedidos, incluindo o formulado sob a alínea a) do petitório, têm por base a relação contratual de empreitada entabulada entre a A. e o Réu, e o seu (in) cumprimento;

6ª) Na verdade, o facto concreto de onde emerge aquele pedido é a ordem de suspensão dos trabalhos de 15.01.1999, ordem esta do Dono de Obra tomada no âmbito da relação contratual, e da respectiva execução,

7ª) e que consubstancia incumprimento das obrigações que, para si (o Réu), emergiam do contrato e determina a obrigação de indemnizar o empreiteiro (cfr. art. 170º-4 do RJEOP) – o que corresponde, nem mais, nem menos, ao que vem peticionado sob a al. a) do petitório;

8ª) A causa de pedir e o pedido formulado na PI sob a alínea a) estribam-se, assim, no incumprimento pelo Réu dos deveres relativos e próprios da relação obrigacional que contraiu com a A., logo, em responsabilidade contratual,

9ª) pelo que, não é aplicável “in casu” a prescrição de 3 anos prevista no art. 498º-1 do Cód. Civil mas, antes, o prazo ordinário de prescrição fixado pelo art. 309º daquele diploma legal, e que estava longe de ocorrer aquando da propositura da acção;

10ª) Importa concluir que, inexistia fundamento para se ter julgado procedentes as excepções “inominada de preterição da tentativa prévia de conciliação” e de prescrição do direito de indemnização e, consequentemente, para se absolver da instância o interveniente quanto aos pedidos formulados na PI sob as alíneas b) a d), e do pedido (o interveniente e o Réu) formulado sob a al. a) de fls. 10 dos autos;

11ª) Foi violado o disposto nos artºs 231º-1 do DL 405/93 de 10 de Dezembro, 137º, 265º-2, 228º-1 e), 326º, 493º-2, 496º e 663º do Cód. Proc. Civil e 309º e 498º do Cód. Civil.

Termos em que, no provimento do recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue em conformidade com as conclusões anteriores, tudo com as legais consequências.

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O Ministério Público emitiu o douto parecer de fls. 695 e seguintes no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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QUESTÃO DECIDENDA

Como se refere no parecer do MP “A única questão suscitada prende-se com a invocada ocorrência, na douta decisão recorrida, de um erro de julgamento quanto ao enquadramento legal e subsunção jurídica dos factos dados como provados, no que concerne à julgada verificação da excepção de prescrição”.

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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

Atenta a forma de despacho assumida, a decisão recorrida não contém uma especificação formalmente autónoma da matéria de facto relativamente à questão da prescrição, mas isso não constituiu obstáculo à sua impugnação de forma esclarecida nem impede o conhecimento adequado do recurso.

Transcreve-se a decisão recorrida:
«6. Da alegada prescrição do direito de indemnização.
Ainda que conferindo um enquadramento jurídico diverso, o R. Município de Santo Tirso invocou nos artigos 63.º a 71.º da sua contestação a excepção peremptória da prescrição do direito a indemnização, mais dizendo de forma genérica o Chamado Município da Trofa no art. 53.º da sua contestação que considera prescritos os alegados créditos que a A. pretende fazer valer na presente acção.
Antes de mais, convém esclarecer que o pedido que ora se trata, vertido na alínea a), dos pedidos finais, já não se enquadra numa típica questão sobre interpretação, validade ou execução do contrato, mas sim no domínio da acção sobre responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas, por alegado facto ilícito e decorrente de gestão pública, regida pelo D. L. n.º 48.051, de 21/11/1967, não estando, por isso, esta última acção sujeita ao pressuposto processual da tentativa prévia de conciliação, compreendendo-se agora a razão pela qual não absolvemos da presente instância o Chamado Município da Trofa quanto ao pedido da alínea a), de fl. 10 dos autos.
E é também assim porque a A. pede a condenação do R. no pagamento de uma indemnização decorrente de um suposto facto ilícito, imputado ao R., e que se traduz na ordem de suspensão das obras objecto do contrato de empreitada para a construção da “Feira e Mercado da Trofa”, que supostamente lhe causou encargos e sobrecustos ao nível do estaleiro e das garantias bancárias (cf. artigos 12.º a 14.º da petição inicial).
Sendo assim, a acção sobre responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas apenas está sujeita ao prazo de prescrição geral de três anos, estipulado no art. 498.º, n.º 1, do Código Civil (CC), para onde remete a cláusula de salvaguarda do disposto na lei substantiva prevista no art. 41.º, n.º 1, do CPTA.
E o termo inicial para a contagem do prazo de três anos ocorreu, “in casu, no dia 15 de Janeiro de 1999, porquanto, foi neste dia que a A. ficou a conhecer da ordem de 12 de Janeiro do mesmo ano do Sr. Vereador Assessor da Câmara Municipal do R. no sentido de ficarem suspensos os trabalhos da empreitada de construção da “Feira e Mercado da Trofa” enquanto não fosse criado o Município da Trofa, conforme resulta do Auto de Suspensão dos Trabalhos assinado pelos representantes do dono da obra e do adjudicatário (cf. fl. 28 dos autos).
Foi, de facto, no dia 15 de Janeiro de 1999 que a ora A. teve conhecimento do direito a indemnização que eventualmente lhe competia, face ao preceituado no art. 498.º, n.º 1, do CC, pelo que, intentada a presente acção somente em 01 de Junho de 2005 (cf. fl. 3 dos autos), há muito que aquele prazo de três anos havia decorrido, procedendo, assim, a excepção peremptória da prescrição do direito a indemnização e dos correspondentes juros.
Neste sentido, vide o Acórdão do Venerando STA, de 2004.03.17, proferido no processo n.º 046978, “inhttp://www.dgsi.pt/jsta, cujo sumário se transcreve pela seguinte forma: «II - Tratando-se de uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual de um ente público por facto ilícito e culposo, à acção a que se alude em I) não é aplicável o prazo de caducidade previsto no artº 226º do DL 405/93, de 10/12 (RJEOP), já que essa disposição apenas se dirige ao "contencioso dos contratos" ou seja às acções em que se suscitem questões "sobre interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada" nos termos dos artº 224º nº 1 e 225º nº 1 do DL 405/91.
III - A acção sobre responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas prevista no DL 48.051, de 21/11/1967, apenas está sujeita a um prazo de "prescrição" em geral de três anos nos termos do artº 498º do Código Civil, para onde remete o nº 2 do artº 71º da LPTA (Cfr. ainda artº 5º do DL 48.051).».
Ante o exposto, julgo procedente a excepção peremptória de prescrição do direito de indemnização ora clamado pela A. e dos correspondentes juros, pelo decurso do prazo estipulado no art. 498.º, n.º 1, do CC, e, consequentemente, absolvo destes pedidos o R. Município de Santo Tirso e o Chamado Município da Trofa

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O TAF considerou que o pedido vertido na alínea a) da petição inicial se enquadra “no domínio da acção sobre responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas, por alegado facto ilícito e decorrente de gestão pública, regida pelo D. L. n.º 48.051, de 21/11/1967”.

Acrescentando que também assim é porque “a A. pede a condenação do R. no pagamento de uma indemnização decorrente de um suposto facto ilícito, imputado ao R.”, como seria de deduzir, em sua opinião, dos artigos 12º a 14º da petição inicial.

Perante isto é importante reproduzir o pedido e o cerne da causa de pedir constante dos referidos artigos da p.i.

O pedido em causa que consta da p.i. é o seguinte:

“...deve a presente acção ser julgada procedente e, em consequência, a Ré ser condenada a pagar à Requerente:

a) a quantia de € 38.529,14, referida em 14º supra…”

Por sua vez, caracterizando a causa de pedir, consta nos artigos 12º a 14º da p.i.:

«12º Em Fevereiro de 2001 foi já o Município da Trofa quem adjudicou à Autora a continuação dos trabalhos de empreitada em causa.

13º Acontece que a referida suspensão dos trabalhos, ordenada pelo Réu, causou à Autora encargos e sobrecustos, designadamente de estaleiro e com garantias bancárias,

14º Os quais se acham discriminados no pedido indemnizatório que a Autora apresentou ao Réu, a coberto da factura TE 078 1999 208, de 1999/12/31, no montante de 7.724.400$00, ou € 38.529,14, que aqui se junta e dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (cfr. doc. 6).»


*
Ora, a petição inicial é totalmente omissa em termos de razões de direito, não cita qualquer diploma legal ou, sequer, qualquer expressão normativa que pela sua tipicidade possa induzir a ideia de enquadramento do pedido indemnizatório no domínio da acção sobre responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas, por facto ilícito decorrente de gestão pública, regida pelo D. L. n.º 48.051, de 21/11/1967, sendo por isso obscuras as razões pelas quais o TAF assim deduziu, ou presumiu.

Mas o modo e sequência dos argumentos contidos na fundamentação da decisão recorrida levam a pensar que se trata de conclusão induzida por meras razões terminológicas associadas ao termo “indemnização” porque, refere o TAF, “a A. pede a condenação do R. no pagamento de uma indemnização decorrente de um suposto facto ilícito, imputado ao R.”.

Se assim for trata-se de uma conclusão que a lei não permite.

Na verdade a “obrigação de indemnização” é de há muito concebida no nosso Direito como figura autónoma relativamente às diversas causas genéticas possíveis, quer sejam enquadráveis no domínio da responsabilidade civil contratual, responsabilidade civil extracontratual ou outras fontes – cfr. artigos 562º e seguintes do C. Civil. Destacando e enumerando a “multiplicidade de casos em que se verifica o denominador comum da obrigação de indemnização”, cita-se Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 668 e seguintes.

O TAF defrontava-se, então, com uma petição inicial deficiente que não cumpria o dever consignado no artigo 467º/1/d) do CPC (na versão aplicável) de expor as “razões de direito” que serviam de fundamento à acção.

Nessa situação, que no limite, se irredutível, poderia configurar ininteligibilidade da causa de pedir, o que fazer?

A jurisprudência deste TCAN dá a resposta adequada. Veja-se o acórdão de 06-04-2006, Proc. 00299/04.3BEPNF, com o seguinte sumário:

«I. A causa de pedir de uma acção judicial consiste no facto jurídico, simples ou complexo, do qual procede a pretensão do autor;

II. Na petição inicial deve o autor expor, para além da causa de pedir, as razões de direito que servem de fundamento à sua pretensão, sendo que estas não se confundem com aquela;

III. Da falta ou ininteligibilidade da causa de pedir deve distinguir-se a mera insuficiência da mesma. As primeiras levam à ineptidão da petição inicial - e consequente nulidade do processo – a segunda ao convite a suprir a insuficiência, deficiência ou imprecisão;

IV. A falta ou deficiência das razões de direito, não invalida a petição inicial, antes constitui uma irregularidade susceptível de sanação mediante convite endereçado à parte pelo julgador;

V. O convite dirigido pelo julgador ao autor para aperfeiçoar o seu articulado, colmatando insuficiências da causa de pedir ou concretizando as razões de direito que entende justificarem o seu pedido, é imposto pelos princípios antiformalista, pro actione e in dubio pro habilitate instantiae, e não constitui uma mera faculdade atribuída ao julgador mas sim um poder-dever que lhe é conferido.»

Ora bem, no caso vertente é certo que a decisão recorrida errou por ter assumido sem razões suficientes que a causa de pedir se enquadrava no âmbito da responsabilidade civil extracontratual.

E, por outro lado, atenta a posição assumida no presente recurso pela Autora/Recorrente, no sentido de que a causa de pedir se insere no âmbito da responsabilidade contratual, como decorre cristalinamente das suas conclusões supra transcritas, de que jamais se poderá retractar sob pena de grave violação do princípio da boa fé, a petição deverá ser interpretada a essa nova luz, independentemente de o TAF ainda poder optar se assim o entender pelo convite ao aperfeiçoamento.

Seja como for, ao decidir pela prescrição do direito invocado à luz do instituto da responsabilidade civil extracontratual, a sentença não pode manter-se.

*
DECISÃO
Pelo exposto acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e ordenar a remessa dos autos ao TAF para que prossiga os ulteriores trâmites da acção, se nada mais obstar.
Sem custas

Porto, 15 de Julho de 2016
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Helder Vieira
Ass.: Alexandra Alendouro