Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00659/18.2BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/23/2020
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO, RECURSO DE DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA
Sumário:I. O prazo fixado para a dedução da acção, porque extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, é um prazo de caducidade.

II. A caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria que se encontra excluída da disponibilidade das partes (cfr. artigo 333.º, do Código Civil).

III. O requerimento de interposição de recurso deve ser apresentado no prazo de vinte (20) dias contados da data de notificação da decisão de aplicação de coima, atento o disposto no artigo 80.º, n.º 1, do RGIT, devendo o cômputo do referido prazo ser calculado nos termos do disposto no artigo 60.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (aplicável “ex vi” do artigo 3.º, alínea b), do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.

IV. Terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no artigo 279.º, alínea e), do Código Civil.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:D. Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

D. Lda., NIPC (…), melhor identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 12/11/2018, que rejeitou o presente Recurso de Contra-ordenação deduzido pela arguida, com fundamento na caducidade do direito de acção.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
a) “A decisão recorrida e aqui em crise, foi proferida ao abrigo do disposto no artigo 63° do R.G.C.O., que, no seu n° 1, preceitua que,
"O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma".
b) Como consta da decisão sindicada, o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, considerou que a não observância do prazo de recurso da decisão de aplicação da coima, de 20 dias, determinava a rejeição do recurso, tendo invocado expressamente o artigo 63° do R.G.C.O..
c) O processo foi decidido, e o recurso rejeitado, em sede liminar, ao abrigo do citado artigo 63°, n° 1 do R.G.C.O., na parte em que aí se contempla "o recurso feito fora do prazo".
d) O processo foi decidido em sede liminar - artigo 63° do R.GC.O., e não por despacho, ao abrigo do artigo 64.° do R.G.C.O..
e) O presente recurso jurisdicional deve ser admitido, nos termos do n° 2 do artigo 63° do R.G.C.O. - "Deste despacho há recurso, que sobe imediatamente".
f) Em processo de contra-ordenação instaurado pelo Serviço de Finanças de ..- Processo n.° 18302018060000060960, foi aplicada uma coima à Recorrente.
g) O despacho de fixação de coima foi proferido em 26/06/2018.
h) A Arguida ora Recorrente foi notificada do despacho da decisão de fixação da coima em 29/06/2018.
i) Atento à douta sentença - (página 4), onde refere que, ("..., o prazo para recorrer da decisao administrativa de aplicação da coima iniciou-se em 02/06/2018"), certamente por lapso de escrita,
j) O sobredito lapso de escrita é rectificável a todo o tempo, nos termos do disposto no artigo 667° do C.P.C..
k) Dessa decisão, em 03-09-2018, a ora Recorrente apresentou um recurso no competente Serviço de Finanças de ….
l) Tal recurso foi recusado pela douta sentença recorrida pois foi considerado intempestivo.
m) Porém, este foi apresentado dentro do prazo indicado na notificação da decisão de aplicação da coima.
n) Salvo o devido respeito, não assiste razão ao Tribunal a quo, quando, para efeito da contagem do recurso judicial, se socorre exclusivamente do preceituado no artigo 60° n ° 1 e 2 do R.G.C.O..
o) O prazo para interpor recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima é de vinte dias, a contar da data da notificação dessa decisão - artigo 80°, n° 1, do R.G.I.T., sendo que a contagem do prazo obedece ao disposto no artigo 60°, n° 1 e 2, do R.G.C.O., aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3° do R.G.I.T..
p) O requerimento de interposição de recurso deve ser apresentado no Serviço de Finanças onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação, no prazo de 20 (vinte) dias - contado da data de notificação da decisão de aplicação de coima, atento o disposto no artigo 80, do R.G.I.T, devendo o cômputo do referido prazo ser calculado nos termos do disposto no artigo 60° do R.G.C.O., aplicável "ex vi" do artigo 3, al.b), do R.G.I.T..
q) Não sendo tal prazo de natureza judicial, pelo que não se lhe aplicam as regras privativas dos prazos judiciais, como são as constantes dos artigos 138° n°1 e 139° n°5 do C.P.C., embora se suspendendo aos sábados, domingos e feriados.
r) Terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se o seu termo final para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no artigo 279, al. e), do C.C. (cfr. ac. S.TA. - 2ª. Secção, 1/6/2011, rec.312/11; ac. S.T.A. - 2ª.Secção, 28/5/2014, rec.311/14; ac. T.C.A.Sul ­– 2ª. Secção, 18/9/2012, proc.5770/12; ac. T.C.A.Sul - 2ª. Secção, 23/4/2015, proc.8459/15; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Sinais Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.535 e seg.; Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, n°.5, 3ª. edição, 2010, Almedina, pág.145).
s) Sendo o recurso em apreço um acto a praticar em juízo - na medida em que se trata de um recurso judicial - terminando o prazo para sua apresentação em período de férias judiciais, e, considerando que os serviços de Finanças funcionam como um mero receptáculo daquele recurso, como uma extensão do Tribunal, ao qual é dirigido o recurso da decisão de aplicação da coima, deve ser observado, para o efeito da contagem e fixação do termo final do prazo para recurso, o estipulado na alínea e), do artigo 279° do C.C..
t) O meio de reacção contra uma decisão administrativa que visa a aplicação de uma coima, tem natureza judicial na medida em que se trata de um pedido dirigido ao Tribunal e cuja decisão lhe está cometida em exclusividade.
u) Disso é evidência a própria sistematização do R.G.I.T., onde o seu artigo 80.° - prevendo o "Recurso das decisões de aplicação de coima" - surge na Subsecção destinada a regular a "FASE JUDICIAL".
v) A autoridade administrativa, é um mero intermediário entre a Recorrente e o Tribunal, pelo que, deverão aplicar-se as regras de contagem do prazo como se aquele fosse apresentado neste - como vem sendo o uniforme e pacífica jurisprudência quer do Tribunal Central Administrativo SUL, quer deste Supremo Tribunal.
w) A Arguida ora Recorrente dispõe do prazo de 20 dias para recorrer da decisão de aplicação de coima, nos termos do disposto no artigo 80° do R.G.I.T.
x) Tal prazo - 20 dias, é contado nos termos do artigo 60° n° 1 do R.G.C.O., ou seja, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados.
y) Nos termos do artigo 279°, alínea e) do Código Civil, o prazo que termine em férias transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
z) O artigo 103° n° 1 do C.P.P., direito subsidiário que é aplicável ao recurso de contra ordenação, afirma que os actos processuais se praticam nos "dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais".
aa) IN CASU, o termo inicial do prazo de interposição do recurso ocorreu em 02/07/2018, conforme artigo 279°, al. b), do C.C..
bb) Efectuado o cômputo do prazo para interposição do recurso nos termos supra expostos, conclui-se que o mesmo teve o seu termo final no pretérito dia 27 de Julho de 2018 (sexta-feira), embora se transfira para o primeiro dia útil após férias judiciais, o dia 03/09/2018 (segunda-feira).
cc) A Arguida recorreu dessa decisão para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel ao abrigo do disposto no artigo 80° no 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.), em 03/09/2018, cuja petição foi remetida ao Serviço de Finanças de Paços de Ferreira por via postal registada.
dd) Com efeito, e por força da aplicação da referida disposição legal, como é entendimento unânime da jurisprudência do S.T.A., tendo o prazo para interposição do recurso dos autos terminado em férias, transferiu-se o mesmo para o primeiro dia útil seguinte, ao caso, o dia 03/09/2018.
ee) De salientar que, o prazo de 20 dias, contado nos termos do supra referido, sempre terminaria em férias judiciais.
ff) Assim, o termo final do prazo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte que, no ano de 2018, foi precisamente o dia 3 de Setembro, dia em que a Recorrente enviou pelo seguro do correio a impugnação da decisão de aplicação da coima.
gg) Podemos concluir que a Recorrente exerceu o seu direito no último dia do prazo de que dispunha para o efeito, devendo, assim, considerar-se tempestiva esta sua impugnação judicial da decisão que lhe aplicou a coima.
hh) Tendo o recurso dos autos sido expedido sob registo no dia 03/09/2018, considera-se este dia como o da prática do acto, ou seja o da entrega do recurso, que assim foi atempadamente apresentado.
ii) Tendo, portanto, o presente recurso sido interposto tempestivamente ao contrário daquele que é o entendimento da decisão recorrida.
jj) Ao não entender assim, o Meritíssimo Juiz "a quo" fez errada interpretação e aplicação da lei aos factos, violando nomeadamente o disposto nos artigos 80, n°1 do R.G.I.T., 60° do R.G.C.O., 150° do C.P.C. e 279° do CC..
kk) Pelo que, a decisão recorrida deve ser anulada e substituída por outra que julgue o recurso interposto em tempo.
ll) Este também tem sido o entendimento dominante da nossa jurisprudência, nomeadamente do Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão n.° 0377 /14, datado de 28-05-2014, e do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.° 7/14.0T80RQ.E1, datado de 19-05-2015, disponíveis em www.dgsi.pt.
mm) A sentença recorrida viola assim o disposto no artigo 279° alínea e) do Código Civil, artigo 103°, n° 1 e 2 do Código de Processo Penal.
nn) Como se escreveu, no recente Ac. do STA de 28.05.2014, rec.311/14, cujo sumário se transcreve:
"I - A contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 80.°, n.°, 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.° do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.° do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
II - Terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.°, alínea e), do CC.";
oo) Veja-se nesse sentido também o Ac. do TCAS, de 17.01.2006, processo 00821705, disponível em www.dgsi.pt,
"A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a ser uniforme no sentido de que os prazos de interposição de recursos ou impugnações judiciais de decisões administrativas que terminam em férias se transferem para o primeiro dia útil seguinte ao termo destas, independentemente de o acto dever ser praticado perante autoridades administrativas, que servem de intermediários para recepção dos requerimentos de interposição. Esta solução relaciona-se com a razão de ser da transferência do prazo prevista no art.° 279.°, alínea e), do Código Civil, que não é o encerramento dos tribunais, que mesmo em férias continuam com os serviços de secretaria abertos ao público, mas com o facto de durante as férias não serem praticados actos processuais nos processos não urgentes. Por isso, sendo o requerimento de interposição de recurso dirigido ao tribunal, apesar de apresentado à autoridade administrativa, que é mero intermediário entre o requerente e o tribunal, deverão aplicar-se as regras de contagem do prazo como se aquele fosse apresentado neste."
PP) Face ao supra exposto deverá a sentença recorrida ser revogada e o recurso de contra-ordenação apresentado pela ora Recorrente aceite por não se verificar a alegada extemporaneidade, dado que a Arguida apresentou o seu recurso de contra-ordenação dentro do prazo legalmente estabelecido.
Nestes termos,
com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser julgado tempestivo o RECURSO JUDICIAL da decisão de aplicação de coima apresentado em 03 de Setembro de 2018, no Serviço de Finanças do concelho de Paços de Ferreira, revogando-se a Douta Sentença recorrida para que seja substituída por outra que admita o Recurso.
Assim, V. Exas., farão a costumeira justiça.”
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O digníssimo Magistrado do Ministério Público junto do TAF de Penafiel respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo concluído da seguinte forma:
“1ª. - A rejeição liminar do RECURSO JUDICIAL da decisão de aplicação da coima (do identificado SF), apresentado pelo/a R., ficou a dever-se, em síntese, atenta a matéria de facto provada e respectiva fundamentação/motivação e subsequente análise/enquadramento jurídica/o, apenas, à conclusão da respectiva extemporaneidade/intempestividade.
2ª. - O invocado pelo/a R. acerca DA QUESTÃO PRÉVIA: Da admissibilidade do presente recurso, não carece ser analisado, porquanto o interposto Recurso foi judicialmente admitido a fls. 125, desde logo, Por ser admissível.
3ª. - A (única) questão a dilucidar é, assim, no contexto do alegado de que “O prazo para interpor recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima é de vinte dias, a contar da notificação dessa decisão - artigo 80º, nº 1, do R.G.I.T., sendo que a contagem do prazo obedece ao disposto no artigo 60º, nº 1 e 2 do R.G.C.O., aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3º do R.G.I.T..” (sic al. o) das CONCLUSÕES do/a R.), se “Terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se o seu termo final para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no artigo 279, al. e) do C.C.” (sic al. r) daquelas) e respectiva consequência in casu: “Assim, o termo final do prazo transferiu-se para o primeiro dia útil que no ano de 2018, foi precisamente o dia 3 de Setembro, dia em que a Recorrente enviou pelo seguro do correio a impugnação da decisão de aplicação da coima.” (sic conclusão ff) das CONCLUSÕES).
4ª. - Em sede de apresentação ao juiz, nos termos do disposto no artº. 62º, nº. 1 do RGIMOS/RGCO (para ulterior apreciação e decisão, nos termos do disposto no artº. 63º deste RGIMOS/RGCO) do apresentado RECURSO JUDICIAL da decisão de aplicação da coima, cujo conteúdo, por brevidade, se dá aqui como reproduzido, consignou o MP a respectiva oposição à aceitação daquele, por se mostrar intempestivo (cfr. 2º. e 3º./último parágrafos de fls. 80), entendimento que aqui mantém, continuando portanto a entender que, atentas as regras de contagem do prazo para impugnação constantes do artº. 60º do RGIMOS/RGCO, aplicável ex vi do artº. 3º, al. b) do RGIT, o recurso apresentado se mostra intempestivo.
5ª. - E entendeu e continua a assim entender porque, ao contrário do alegado pelo/a R., que o prazo em questão “tem natureza judicial” (sic al. t)) das CONCLUSÕES) -
- se bem que contradizendo o anteriormente também alegado na al. q) daquelas CONCLUSÕES, “Não sendo tal prazo de natureza judicial, …/…” (sic) -,este é um prazo administrativo, de carácter especial, e não um prazo judicial.
6ª. - De facto, na fase em questão, o processo assume uma natureza administrativa e portanto, o prazo para recorrer da decisão (administrativa), é um prazo de natureza administrativa, como resulta, para além do mais, das regras da sua contagem, previstas no RGIMOS/RGCO, diferentes das regras de contagem dos prazos judiciais.
7ª. - Acresce que, estabelecendo o art.º 60 do RGIMOS/RGCO, as regras da contagem de tal prazo, enquanto norma especial, que regula os termos do processo de contra-ordenação na fase administrativa, não tem aplicação o regime subsidiário previsto no art.º 41 do mesmo (RGIMOS/RGCO), regime subsidiário que apenas é aplicável sempre que o contrário não resulte deste (RGIMOS/RGCO), o que no caso resulta, quer pela natureza administrativa do processo, quer pela natureza do prazo estabelecido para a impugnação judicial e modo como deve ser contado, que são diferentes das regras estabelecidas no processo penal.
8ª. - Relativamente à contagem do prazo para interpor recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima não existe no RGIMOS/RGCO qualquer lacuna ou omissão que justifique a aplicação do direito processual penal, enquanto direito subsidiário, antes o que existe, é uma regulação diferente da que existe no processo penal.
9ª. - O prazo para a impugnação judicial da decisão administrativa tem uma natureza administrativa (e não judicial), não lhe sendo aplicável o regime subsidiário previsto no CPP (e CPC), ou seja, as regras privativas dos prazos judiciais.
10ª. - Assim, não obstante o disposto no citado artº. 41º, respectivos nº.s 1 e 2, do RGIMOS/RGCO, a disciplina do invocado e alegadamente violado artigo 279, al. e) do C.C. (cfr. conclusões y), jj) e mm)), ex vi igualmente invocado e alegadamente violado artigo 103º nº 1 do C.P.P. (cfr. conclusões z) e mm)), não é aplicável ao prazo p. no nº. 1 do artº. 80º do RGIT, para apresentação de recurso (para o TT de 1ª. instância) de decisões dos serviços tributários de aplicação de coimas (e sanções acessórias), porquanto tal prazo não reveste natureza judicial, conforme aliás Jurisprudência fixada pelo STJ, relativamente ao (correlativo) prazo previsto no artº. 59º, nº. 3, do RGIMOS/RGCO, para apresentação/interposição de impugnação judicial/recurso de decisão de autoridade administrativa que aplica uma coima, tendo em conta que, conforme sobredito, o RGIMOS/RGCO constitui direito subsidiário nos termos da supra já citada al. b) do artº. 3º do RGIT - cfr. Acórdão do STJ, de uniformização de jurisprudência n.º 2/94, de 10-03-1994, no Processo n.º 445 325, in DR Iª. Série-A, de 07.05.1994 (que, salvo melhor entendimento, se mantém em vigor).
11ª. - Pelo que, pese embora a douta Jurisprudência, mormente do STA, citada pelo/a R. e o muito respeito que nos merece, mas tendo em conta a vasta Jurisprudência em sentido diferente, que entende que não se suspende, nas férias judiciais, “o prazo de 20 dias para recorrer da decisão de aplicação de coima, nos termos do disposto no artigo 80º do R.G.I.T. (sic al. w) das CONCLUSÕES do/a R.), e sendo certo que “Tal prazo - 20 dias, é contado nos termos do artigo 60º nº 1 do R.G.C.O., ou seja, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados.” (sic alínea x) daquelas), parafraseando, respectivamente, o/a R. e a douta DECISÃO recorrida, conclui então e em suma, o MP que:
Efectuado o cômputo do prazo para interposição do recurso nos termos supra expostos, conclui-se que o mesmo teve o seu final no pretérito dia 27 de Julho de 2018 (sexta-feira)” (sic al. bb) das CONCLUSÕES);
No entanto, a recorrente apenas apresentou a petição inicial da impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação de coima em 03/09/2018, quando há muito tinham decorrido os 20 dias, contados nos termos legais.” (sic fls. 85);
O requerimento de recurso é, portanto, intempestivo” (sic fls. 85).
12ª. - O/a Mmo/a Juiz a quo não fez errada, mas apenas diferente, interpretação da lei e a douta DECISÃO recorrida não viola as disposições legais citadas pelo/a R., nem qual/isquer outra/s.
13ª. - O/A Mmo/a Juiz a quo fez correcta aplicação da Lei, ao rejeitar liminarmente, por intempestivo, o RECURSO JUDICIAL da decisão de aplicação de coima apresentado pelo/a R..
NESTES TERMOS
e nos demais que V. EXCIAS doutamente suprirão, deve a douta DECISÃO recorrida ser mantida, negando-se provimento ao interposto recurso.
Assim decidindo farão os/as Venerandos/as Desembargadores/as
J U S T I Ç A.”
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A Recorrida não contra-alegou.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

No artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) estabelece-se que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.
Não obstante, o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões (cfr. artigo 412.°, n.º 1, do Código de Processo Penal ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGIMOS), excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso; pelo que este tribunal apreciará e decidirá as questões colocadas pela Recorrente, sendo que importa apreciar o invocado erro de julgamento na decisão que conheceu a caducidade do direito de acção e, consequentemente, rejeitou o Recurso de Contra-ordenação.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância considerou-se resultar dos autos a seguinte matéria:
“i) Contra o Recorrente foi instaurado o processo de contraordenação com o número 18302018060000060960.
ii) Em 26/06/2018 foi proferido despacho de fixação de coima. [cfr. doc. de fls. 78 dos autos]
iii) Em 29/06/2018 foi o arguido notificado do despacho da decisão de fixação de coima, conforme registo. [cfr. doc. de fls. dos autos].
iv) Em 03/09/2018 a petição dos presentes autos foi remetida ao Serviço de Finanças por via postal registada [cfr. docs. de fls. dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].”
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2. O Direito

A Recorrente insurge-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que rejeitou o presente Recurso de Contra-ordenação intentado pela arguida, com fundamento na caducidade do direito de acção.
A sentença recorrida rejeitou liminarmente o presente recurso de aplicação de coima, por considerá-lo intempestivo, com a seguinte motivação:
«Estabelece o artigo 80.º do RGIT, no seu número 1, que as decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objeto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contra ordenação.
Nos termos do artigo 60.º do RGCO, aplicável ex vi art. 3.º alínea b) do RGIT, o prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados (n.º 1). O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte (n.º 2).
Como se referiu no Acórdão do STA de 21/09/2011, proferido no processo n.º 0318/11:
I -A contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 80.º, n.º, 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
II -Porque esse prazo não respeita a ato a praticar num processo judicial, antes constituindo um prazo de caducidade de natureza substantiva, não lhe é aplicável o regime dos prazos processuais.
III -No entanto, terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º, alínea e), do CC.
E no acórdão do TCAS de 21/05/2015, processo n.º 08616/15, refere-se:
“ (…) O prazo fixado para a dedução da ação, porque aparece como extintivo do respetivo direito (subjetivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, é um prazo de caducidade. E a caducidade do direito de ação é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria (prazos para o exercício do direito de sindicar judicialmente a legalidade do ato tributário) que se encontra excluída da disponibilidade das partes (cfr.artº.333, do C.Civil). É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma exceção perentória que, nos termos do artº.576, nº.3, do C.P.Civil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento “de meritis” e a consequente absolvição oficiosa do pedido (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/1/2013, proc.6038/12).
Passando, especificamente, ao recurso das decisões administrativas de aplicação de coimas, o requerimento de interposição de recurso visando decisão administrativa de aplicação de coima deve ser apresentado no Serviço de Finanças onde tiver sido instaurado o processo de contraordenação, no prazo de vinte (20) dias (contado da data de notificação da decisão de aplicação de coima e não do termo do prazo de pagamento voluntário da mesma coima), atento o disposto no artº.80, nº.1, do R.G.I.Tributárias, sendo o cômputo do referido prazo calculado nos termos do disposto no artº.60, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas (aplicável “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.Tributárias), e não sendo tal prazo de natureza judicial, pelo que não se lhe aplicam as regras privativas dos prazos judiciais, como são as constantes dos artºs.138, nº.1, e 139, nº.5, do C.P.Civil, embora se suspendendo aos sábados, domingos e feriados. Por outro lado, terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se o seu termo final para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no artº.279, al. e), do C.Civil (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 1/6/2011, rec.312/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/5/2014, rec.311/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.5770/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2015, proc.8459/15;Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infrações Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.535 e seg.; Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infrações Tributárias, Cadernos IDEFF, nº.5, 3ª. edição, 2010, Almedina, pág.145).
Conforme acabado de mencionar, não existe suspensão do prazo em causa, no período de férias judiciais (…)”.
É um prazo substantivo, perentório e de caducidade.
Nos presentes autos, verificando-se que a recorrente foi notificada da decisão de aplicação de coima no dia 29/06/2018.
Assim, o prazo para recorrer da decisão administrativa de aplicação da coima iniciou-se em 02/06/2018.
No entanto, a recorrente apenas apresentou a petição inicial da impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima em 03/09/2018, quando há muito tinham decorrido os 20 dias, contados nos termos legais.
O requerimento de recurso é, portanto, intempestivo devendo, por isso, ser rejeitado liminarmente, nos termos do artigo 63.º, n.º 1 do RGCO (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro), aplicável às contraordenações tributárias ex vi do artigo 3º, alínea b) do RGIT (…).»

A questão fulcral do presente recurso já foi, por diversas vezes, decidida pelos tribunais superiores, incluindo este tribunal, sempre no sentido propugnado pela Recorrente. Essa jurisprudência é, aliás, citada, a título exemplar, na sentença recorrida.
Não está, assim, em causa o enquadramento jurídico efectuado na decisão recorrida, que se mostra sustentado em jurisprudência do nosso mais alto tribunal; mas a errónea subsunção dos factos ao direito para decidir a questão da caducidade do direito de acção.
Ressalta, desde logo, que a decisão recorrida autonomizou o facto vertido no ponto iii do probatório - em 29/06/2018 foi o arguido notificado do despacho da decisão de fixação de coima, conforme registo. Logo, não se compreende que o despacho recorrido afirme que o prazo para recorrer da decisão administrativa de aplicação da coima se iniciou em 02/06/2018.
Resulta, efectivamente, dos autos que na notificação da decisão que aplicou a coima, que foi feita à Recorrente, se lhe assinalou o prazo de 20 dias para proceder ao pagamento voluntário ou interposição do competente recurso judicial; não se mostrando questionado neste recurso que essa notificação tenha ocorrido no dia 29/06/2018.
No presente recurso judicial de impugnação da coima foi aposto, na Repartição de Finanças respectiva, carimbo de entrada com data de 04/09/2018, precisamente porque havia sido enviado pelo seguro do correio no dia anterior, ou seja, no dia 03/09/2018 - cfr. ponto iv do probatório.
Relembramos que o facto de o requerimento de interposição de recurso judicial da decisão de aplicação da coima em processo de contra-ordenação tributária dever ser apresentado no serviço de finanças, não obsta a que se considere acto a praticar em juízo, pois, para esse efeito, o serviço de finanças funciona como receptáculo do requerimento, que é dirigido ao tribunal tributário.
Aquele prazo de vinte dias de que o arguido dispõe para interpor recurso trata-se de um prazo de caducidade de natureza substantiva. A contagem desse prazo, após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima - cfr. artigo 80.º, n.º, 1 do RGIT, faz-se nos termos do artigo 60.º do RGIMOS ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
Contudo, se esse prazo terminar em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no artigo 279.º, alínea e), do Código Civil - cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 21/09/2011, recurso n.º 0318/11 e, entre muitos deste tribunal, o Acórdão deste TCAN, de 24/01/2019, proferido no processo n.º 2829/18BEPRT.
Voltando aos elementos factuais disponíveis, podemos concluir que tal prazo de 20 dias, contado nos termos anteriormente referidos, sempre terminaria em férias judiciais, posto que, as mesmas decorrem por força da Lei a partir de 16 de Julho.
Contrariamente ao afirmado na decisão recorrida, o termo inicial do prazo ocorreu em 02/07/2018, na medida em que resulta do probatório que a notificação da decisão de fixação de coima ocorreu em 29/06/2018. E assim, o termo final do prazo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte que, no ano de 2018, foi precisamente o dia 3 de Setembro, dia em que a Recorrente enviou pelo seguro do correio a impugnação da decisão de aplicação da coima.
Nesta conformidade, podemos concluir que a Recorrente exerceu o seu direito no último dia do prazo de que dispunha para o efeito, devendo, assim, considerar-se tempestiva esta sua impugnação judicial da decisão que lhe aplicou a coima.
Salientamos não se verificar qualquer suspensão da contagem do prazo de 20 dias no período das férias judiciais. O prazo é contado a partir de 29/06/2018, somente com suspensão aos sábados, domingos e feriados; terminando, por isso, no dia 27/07/2018. Uma vez que nesta data decorriam férias judiciais, o final do prazo transfere-se para 03/09/2018 (como vimos, trata-se de acto a praticar em juízo).
Nestes termos, haverá que conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a devolução do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel para que aí os autos sigam a sua tramitação normal.

Conclusões/Sumário

I. O prazo fixado para a dedução da acção, porque extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, é um prazo de caducidade.
II. A caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria que se encontra excluída da disponibilidade das partes (cfr. artigo 333.º, do Código Civil).
III. O requerimento de interposição de recurso deve ser apresentado no prazo de vinte (20) dias contados da data de notificação da decisão de aplicação de coima, atento o disposto no artigo 80.º, n.º 1, do RGIT, devendo o cômputo do referido prazo ser calculado nos termos do disposto no artigo 60.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (aplicável “ex vi” do artigo 3.º, alínea b), do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
IV. Terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no artigo 279.º, alínea e), do Código Civil.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a devolução do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel para que aí os autos sigam a sua tramitação normal.

Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público [cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais].

Porto, 23 de Janeiro de 2020


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães