Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01460/06.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/30/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:TAXA DE OCUPAÇÃO DO DOMÍNIO PÚBLICO; ADITAMENTO À MATÉRIA DE FACTO; FALTA DE ATAQUE À SENTENÇA; AUDIÊNCIA PRÉVIA;
APROVEITAMENTO DO ATO; FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I – Não há que proceder ao aditamento à matéria de facto se dos documentos identificados pelas Recorrentes, quer isoladamente quer conjugados com os já considerados no probatório, não resulta qualquer evidência de o Município ter isentado ou pretender isentar a 1.ª Recorrente do pagamento da taxa em crise.

II - O recurso jurisdicional tem como objeto a sentença recorrida (e não o ato tributário objeto do processo) e destina-se a anulá-la ou alterá-la com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) que o recorrente entenda afetá-la.

III - Pela Lei n.º 53-E/2006, de 29/12, foi aprovado o regime geral das taxas das autarquias locais (RGTAL), nos termos do artigo 161.º, alínea c), da Constituição, que iniciou a sua vigência em 01/01/2007 e cujo artigo 17.º estabeleceu um regime transitório, reconhecendo a legalidade das taxas vigentes que se mostrassem conformes ao regime jurídico nela previsto.

IV - À luz do princípio do aproveitamento do ato, deve entender-se que não se justifica a anulação, apesar da preterição do direito de audição, nos casos em que se apure no processo contencioso que, se a audiência tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem de se pronunciar sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final sobre as quais não tivesse já tido oportunidade de se pronunciar. Mas, apenas nessas situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do ato pode ser efetuada aplicação daquele princípio.

V - Um ato está fundamentado sempre que o administrado, como destinatário normal, ficar devidamente esclarecido acerca das razões que o determinaram estando, consequentemente, habilitado a impugná-lo convenientemente, não tendo, todavia, a fundamentação de ser exaustiva, mas acessível.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:A., SA E OUTRA
Recorrido 1:Município (...)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO

1.1. A., S.A. e Sociedade (...), S.A., devidamente identificadas nos autos, vêm recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 23.10.2020, pela qual foi julgada improcedente a impugnação judicial do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que negou provimento ao pedido de cancelamento de pagamento e devolução dos montantes pagos a título de taxa de ocupação do domínio público privado municipal relativamente a áreas afetas a estaleiro e stand de vendas, absolvendo o Município (...) dos pedidos contra ele formulados.

1.2. As Recorrentes terminaram as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:

«Do exposto podemos retirar as seguintes conclusões:
A – DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
1ª. Os documentos autênticos juntos aos autos não foram objecto de qualquer impugnação (v. arts. 362º e segs. do Cód. Civil e arts. 423º e segs. e 444º e segs. do CPC), e fazem prova plena dos factos que atestam (v. art. 371º do C. Civil), pelo que deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto constante da douta sentença recorrida, considerando-se provada a matéria de facto que deles resulta (v. art. 607º/4 do CPC e do art. 94º/4 do CPTA, aplicáveis ex vi do art. 1º do CPPT), invocada nas alíneas Q), R), U) e V) do capítulo “II – DA MATÉRIA DE FACTO” das alegações escritas de facto e de direito apresentadas, em 2011.01.14 (v. arts. 5º/2, 411º, 607º/4, 640º e 662º do CPC; cfr. art. 2º/e) do CPPT) – cfr. texto nºs. 1 a 5;
B – DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DECISÃO
2ª. O requerimento apresentado pelas ora recorrentes, em 2005.07.18, tem a natureza de reclamação graciosa que foi deduzida e tem por objecto o despacho, de 2005.03.14, que constitui claramente acto administrativo em matéria tributária, tendo em vista a sua anulação (v. arts. 68º, 70º, 97º/1/c) e d) e 102º/1/a), b) e 2 do CPPT) – cfr. texto nºs. 6 e 7;
3ª. O referido despacho da Senhora Directora Municipal de Finanças e Património, de 2005.03.14, indeferiu expressamente as pretensões formuladas pelas ora recorrentes, em 2002.11.07 e 2003.01.03, com base em parecer jurídico onde, apesar de se ponderar a eventual exigibilidade em abstracto dos tributos em análise, se reconhece que no caso concreto se poderão verificar diversas circunstâncias determinantes da respectiva isenção (v. alíneas H e K) dos FP) – cfr. texto nº. 7;
4ª. Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, o despacho impugnado violou frontalmente o princípio da decisão, consagrado no art. 56º da LGT (cfr. arts. 52º da CRP, 9º do CPA e art. 13º do NCPA), pois limitou-se a concluir, sem qualquer fundamentação, que “deverá dar-se a conhecer ao requerente que o Município não vai pronunciar-se sobre a reclamação peticionada através do requerimento 76235/05 por não o dever fazer, de acordo com o postulado no art. 56º n.º 2 da LGT, uma vez que já se pronunciou em 2005/03/14, recusando-se assim a apreciar a reclamação graciosa, por esta já ter sido objecto da decisão reclamada, o que é inadmissível – cfr. texto nº. 8;
5ª. A reclamação graciosa apresentada, em 2005.07.18, constitui um meio impugnatório expressamente consagrado na lei (v. arts. 68º, 70º e 97º/1/c) e d) do CPPT), que teve por objecto o despacho, de 2005.03.14, tendo sido invocados novos fundamentos e peticionada a revogação do referido despacho, de 2005.03.14 – cfr. texto nºs. 8 e 9;
C – DA INAPLICABILIDADE DO REGULAMENTO MUNICIPAL DE LIQUIDAÇÃO E COBRANÇA DE TAXAS E OUTRAS RECEITAS MUNICIPAIS – RMLCTORM
6ª. No presente processo está em causa um “acto de gestão urbanística e autárquica” (v. alínea A dos FP) ou “operação urbanística de génese municipal” (v. alínea c) dos FP), que implicou, por parte do Município (...), o licenciamento do empreendimento da A., bem como a autorização para ocupação de determinados terrenos com estaleiro e stand de vendas e, por parte de A., a realização do seu empreendimento, assumindo o encargo da construção de diversas infra-estruturas e equipamentos públicos de carácter geral – cfr. texto nºs. 10 a 13;
7ª: A A. pagou a construção da duplicação da Rua (...), bem como da obra com “algum significado monumental e artístico e do jardim público, no montante total de € 2.187.082,62 – cfr. texto nºs. 12 a 14;
8ª. A CM_ permitiu que as ora recorrentes “utilizassem os terrenos alvo desta operação, como estaleiro e/ou stand de vendas” por estar em causa “uma intervenção conjunta (A.-CM_)”, integrando assim uma contrapartida da execução pelas recorrentes de “infra-estruturas e arranjos exteriores do espaço público (v. alíneas A) a C) dos FP) – cfr. texto nºs. 12 a 14;
9ª. A ocupação dos terrenos em causa, com estaleiro e stand de vendas, sempre foi entendida por todos os intervenientes como uma das contrapartidas da execução pela A. de diversas obras e equipamentos públicos, não podendo ser assim objecto de encargos adicionais de natureza tributária, pois não existe qualquer nexo sinalagmático – cfr. texto nºs. 13 e 14;
D – DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA CONFIANÇA
10ª. No presente processo não está apenas em causa a simples execução de um empreendimento particular, mas “acto de gestão urbanística e autárquica” (v. alínea A dos FP) ou “operação urbanística de génese municipal” (v. alínea c) dos FP), suportando a A. extensos encargos com a execução de equipamentos públicos e infra-estruturas urbanísticas de carácter geral, em benefício do próprio Município (v. alíneas A) a C) dos FP) – cfr. texto nºs. 15 a 17;
11ª. A exigência do pagamento dos tributos em causa ofende frontalmente a confiança suscitada pelos órgãos e serviços do Município (...) na A. e frustra os objectivos a alcançar com as actuações empreendidas pelos ora recorrentes (v. art. 6º/1/a) e b) do CPA; cfr. art. 10º/2 do NCPA e art. 227º do C. Civil) – cfr. texto nºs. 15 a 17;
E – DA INVALIDADE DOS ACTOS TRIBUTÁRIOS IMPUGNADOS
12ª. Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, o despacho impugnado é claramente inválido, pois
a) Está em causa um acto de órgãos do Município (...), que determinou o lançamento e a liquidação de tributos não previstos em qualquer lei da Assembleia da República, que tenha estabelecido os seus elementos essenciais (v. arts. 103º, 165º/1/i) e 241º da CRP; cfr. art. 3º/3 da Lei 2/2007, de 15 de Janeiro e art. 4º/2 da Lei 73/2013, de 3 de Setembro; cfr. art. 161º/2/b) e k) do CPA; cfr. ainda art. 12º do C. Civil e art. 12º da LGT);
b) O despacho impugnado ofendeu frontalmente o conteúdo essencial dos direitos fundamentais consagrados nos arts. 62º, 103º e 165º/1 da CRP (v. art. 161º/2/d) do CPA), sendo manifesta a inexistência de factos tributários, causa e base legal (v. Vieira de Andrade, CJA, n.º 43, p.p. 46-48);
c) O acto tributário sub judice é nulo por falta de elementos essenciais (v. art. 161º/1 do CPA) e por falta de atribuições (v. art. 161º/2/b) e k) do CPA) – cfr. texto nº. 18;
F – DO DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA
13ª. No caso sub judice foi frontalmente violado o disposto nos arts. 2º, 18º, 266º, 267º/5 e 268º/1 da CRP, no art. 60º da LGT e no art. 45º do CPPT, bem como nos arts. 1º, 2º, 8º e 100º/1 do CPA, pois:
a) A audição prévia das ora recorrentes era expressis et apertis verbis imposta pelos arts. 45º do CPPT, 60º da LGT e 8º e 100º e segs. do CPA, pelo que a sua falta nunca poderia degradar-se em formalidade não essencial e, portanto, não podia ser omitida, pois não foi demonstrada a impossibilidade de influência dessa irregularidade (falta de audiência da interessada) sobre o acto final do procedimento (v. Ac. STA de 2006.10.18, Proc. 0497/06, in www.dgsi.pt), não podendo afirmar-se com toda a segurança, que a audiência do interessado não tinha a mínima probabilidade de influenciar a decisão ou acto final do procedimento tributário, quer pelos esclarecimentos prestados, quer pelo chamamento da atenção de certos aspectos de facto e de direito (v. Ac. TCA Norte de 2006.02.09, Proc. 00928/04, www.dgsi.pt);
b) O despacho impugnado violou assim frontalmente os direitos de audiência e defesa consagrados nos arts. 267º e 268º da CRP, no art. 60º da LGT, no art. 45º do CPPT e nos arts. 8º, 100º, 101º e segs. do CPA – cfr. texto nº. 19;
G – DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
14ª. Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, no caso sub judice foi frontalmente violado o disposto no art. 268º/3 da CRP, nos arts. 124º e 125º do CPA e no art. 77º da LGT, pois:
a) O acto sub judice assenta em meros juízos conclusivos e não recondutíveis, por si só, a quaisquer factos concretos passíveis de ser valorados in casu (v. Ac. STA de 2015.09.09, Proc. 01173/74);
b) Na liquidação dos tributos em causa era essencial que tivessem sido invocados, ainda que de forma sucinta, os factos integradores da previsão do art. 140º do RMLCTORM, o que, claramente, não se verificou in casu;
c) A simples referência aos “pontos 4.3 e 5.1.5 do artigo 140.º do Regulamento e Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais e respectiva Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais (...)”, nunca seria susceptível de integrar uma fundamentação de direito suficiente e congruente, pois “tudo quanto se logra colher do seu teor é uma justificação genérica (...) limitando-se a Administração a fazer referência a regras legais potencialmente aplicáveis, sem indicação de qualquer valor considerado para esse efeito (v. Ac. TCA Norte de 2017.10.26, Proc. 00476/13, www.dgsi.pt);
d) O acto impugnado não indica as razões de facto e de direito que fundamentam ou legitimam a aplicação do tributo em análise, nem quaisquer razões justificativas da preterição dos direitos de audiência e defesa das ora recorrentes – cfr. texto nº. 20:
NESTES TERMOS,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença
recorrida, com as legais consequências.
SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ
CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA.»

1.3. O Recorrido Município (...) apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:

«A. A sentença colocada em crise pelas Recorrentes é, a nosso ver, justa, bem fundamentada e inatacável, demonstrando uma aplicação exemplar das normas jurídicas aos factos dados – e muito bem – como provados, pelo que deverá, a final, ser confirmado por V. Exas.
B. Nos termos do Alvará de Licença de Construção nº 166, a 1ª Recorrente estaria obrigada a, entre outros, executar parte da duplicação da Rua de (...) e “apresentar um projecto de arranjos exteriores que dê continuidade e sirva de remate ao edificado e que tenha algum significado monumental e artístico”.
C. Através do mesmo Alvará emitiu ainda o Recorrido autorização11 para que a 1ª Recorrente utilizasse os terrenos objecto da operação urbanística em questão, como estaleiro ou stand de vendas.
11 Note-se que se tratou de uma mera autorização, não podendo daí extrair-se qualquer decisão/deliberação de isenção de taxas, como propugnam as Recorrentes e como melhor se explicará adiante.
D. Iniciadas as obras, a 2ª Recorrente, a quem a 1ª Recorrente contratou a empreitada, veio a ocupar parte da área integrada no domínio privado com um estaleiro e, por esse facto, procedeu-se à respectiva cobrança da taxa de ocupação do domínio privado (tendo a 2ª Recorrente requerido a suspensão desta cobrança, bem como a devolução dos montantes indevidos desde Julho de 2002 com base numa suposta isenção automática).
E. Não se verifica in casu nenhuma isenção, nem por efeito da lei, nem por decisão administrativa, pelo que, atenta a realidade regulamentar municipal à época, as taxas são efectivamente devidas ao Recorrido.
F. A licença de construção e os documentos que a anexam não referem ou criam qualquer expectativa (pelo menos, legítima) às Recorrentes, maxime quanto à 1ª Recorrente, no que concerne à isenção do pagamento das taxas ora em discussão.
G. A isenção não opera por mero efeito da autorização, de forma automática.
*
H. Estando a operação urbanística em apreço classificada como uma “intervenção conjunta”, e estando o Recorrido isento do pagamento dessas taxas, sempre se poderia ponderar a hipótese dessa isenção se estender a toda a intervenção, inclusivamente à ocupação aqui em apreço, beneficiando as Recorrentes da posição de intervenientes12.
12 Teoria aliás defendida a certo momento pela parte contrária.
I. A intervenção conjunta não faz estender às Recorrentes, per si, a isenção subjectiva de taxa de que goza o Recorrido. Da análise quer da Lei das Finanças Locais, quer do RMLCTORM, que vem dar execução àquela lei, não se encontra nenhuma norma que expressamente consagre tal transmissão.
J. Resulta do princípio da legalidade fiscal (artigo 103º, n.º 2, da Constituição República Portuguesa) que estas isenções, enquanto elementos essenciais, têm que estar expressamente previstos na lei, o que não se verifica.
K. Mesmo numa perspectiva de intervenção urbanística conjunta, nunca se pode admitir que o stand de vendas beneficie do não pagamento de taxas, porquanto este tem uma natureza exclusivamente privada e comercial13.
13 Incompatível com qualquer interpretação de intervenção urbanística conjunta.
*
L. A taxa aqui em questão é aquela que vem estatuída na alínea q) do artigo 19º da Lei nº 42/98, de 6 de Agosto e regulamentada no artigo 140º da Tabela anexa ao RMLCTORM, de acordo com as quais o Recorrido cobra taxas de ocupação dos seus imóveis de domínio privado utilizados para a afectação de estaleiros para construções e respectivas serventias.
M. A questão que se pode suscitar é a de saber se a ocupação do domínio privado de um estaleiro por motivo de obras que, entre outros, se traduziriam na realização de infraestruturas públicas preenche ou não os pressupostos de aplicação dessas taxas.
N. É sabido que as taxas são tributos bilaterais, assentes numa relação do tipo “do ut des”, isto é, de carácter sinalagmático, consubstanciando sempre uma contraprestação específica a favor do contribuinte.
O. Neste caso, o estaleiro e o stand de vendas nunca serviram exclusivamente necessidades colectivas, pois, para além do primeiro poder ser utilizado para o melhoramento de infraestruturas públicas – necessidades colectivas –, é um facto que também foi utilizada para a construção do empreendimento (construção de 137 fogos, com destino a habitação, comércio e aparcamento), que corresponde indubitavelmente a uma necessidade individual, estando assim preenchido o requisito da sinalagmaticidade necessário para a cobrança de qualquer taxa.
*
P. No recurso a que ora se responde, as Recorrentes começam por impugnar a matéria de facto, por ser do seu entendimento que deverão ser aditados factos que resultam de documentos juntos aos autos.
Q. Contudo, não estamos perante factos essenciais para a boa decisão da causa, mas antes de natureza meramente instrumentais ou lateral (não foram suscitados na PI), pelo que não devem constar da factualidade dada como provada.
*
R. Os Recorrentes, para sustentar a sua pretensão, invocam ainda a violação do princípio da decisão, a inaplicabilidade do Regulamento Municipal (RMLCTORM), a invalidade dos actos tributários impugnados, a violação do direito de audição prévia e a falta de fundamentação.
S. As Recorrentes alegam a violação do princípio da decisão, plasmado no artigo 56.º da LGT, mas conforme resulta da factualidade dada com provada nos pontos L), M) e N) – a qual não foi impugnada pelas Recorrentes – foi requerida, em 18/07/2005, a revogação do despacho de 14/03/2005, o qual – para além de outros argumentos expendidos na informação junta como documento n.º 1 com a petição inicial que deu mote à presente demanda e que aqui se dão por reproduzidos – “indeferiu a isenção do pagamento das taxas. E esse requerimento veio a ser indeferido, em 25/05/2006, por despacho da Directora do Departamento Municipal Jurídico e de Contencioso da Câmara (...) com base no disposto na alínea a) do n.º 2 do citado artigo 56.º uma vez que tanto o pedido (anulação do acto tributário e consequente devolução das taxas pagas) como os respectivos fundamentos (isenção do pagamento da taxa) coincidiam com os constantes do requerimento n.º 20996/02 anteriormente apresentado, o qual havia sido já indeferido por despacho de 14.03.2005”14.
14 Cfr. pp. 23 e 23 da sentença recorrida.
T. As Recorrentes convocam para o recurso ainda a alegada inaplicabilidade do RMLCTORM15, parecendo querer olvidar a existência de um nexo sinalagmático entre a exigência das taxas e a ocupação dos terrenos em apreciação.
15 Por referência ao RMLCTORM.
U. Com efeito, como bem recorda a sentença recorrida, o referido Regulamento Municipal16 “estabelece, nos pontos 4.3 e 5.1.5 do artigo 140.º, os valores das taxas devidas pela ocupação e ou exploração de imóveis do domínio privado da Câmara não utilizados para fins habitacionais relativos a áreas sem construção ou coberturas afectas a estaleiros para construções e respectivas serventias e a áreas cobertas (arrecadações, depósitos, armazéns e semelhantes) afectos a estaleiros”. Acresce que, as isenções estão previstas nos artigos 12.º, 13.º, 14.º e 15.º do dito Regulamento.
16 Publicado no apêndice n.º 7 do n.º 12 da II série do Diário da República, de 15/01/2003.
V. Não resulta das informações e das decisões camarárias17 que a ocupação dos terrenos com estaleiro e stand de vendas constitui uma das contrapartidas da execução pela 1.º Recorrente de diversas obras e equipamentos públicos, e que, por essa razão, as Recorrentes criaram a expectativa de isenção, com base no princípio da boa fé e da confiança.
17 Nomeadamente, a informação da Divisão Municipal de Estudos Urbanísticos de 08/05/2002 e do parecer jurídico homologado pelo despacho do Vereador do pelouro do Urbanismo e Mobilidade da Câmara (...) de 23/05/2002, que permitiram a execução do empreendimento como “intervenção urbanística conjunta”.
W. O Recorrido está irremediavelmente comprometido com o princípio da legalidade, sendo consabido que a sua “liberdade” de actuação está particularmente apertada, quanto age de forma vinculada.
X. Como muito bem salienta a decisão judicial colada em crise, “por outro lado, a informação não estabelece qualquer isenção quanto ao pagamento da taxa correspondente a tal utilização/ocupação. Aliás, quanto ao pagamento das taxas correspondentes, tal informação é totalmente omissa. Ora, estando prevista no Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais e respectiva Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais (…) a cobrança de taxa pela ocupação de imóveis do domínio privado da Câmara com estaleiros para construções e respectivas serventias e a áreas cobertas (arrecadações, depósitos, armazéns e semelhantes), sem que o mesmo regulamento estabeleça qualquer tipo de isenção para as impugnantes, o pagamento da taxa correspondente mostra-se devido. Quanto à alegada violação do princípio da confiança, também não assiste razão às impugnantes. Na verdade, do texto da informação que sustentou o licenciamento – e na qual se ancora a alegação das impugnantes -, não resulta qualquer expectativa de isenção da taxa devida pela ocupação dos terrenos municipais com estaleiro e stand de vendas. Como referimos, o que do mesmo decorre é a concessão de autorização de ocupação dos terrenos, e não qualquer tipo de dispensa do pagamento da taxa correspondente. Assim sendo, se as impugnantes tiveram alguma expectativa de isenção do pagamento das taxas em causa, a mesma não pode ser tutelada com base no texto da referida informação dado que do mesmo não resulta qualquer indício de isenção. Por conseguinte, não se mostra beliscada a confiança da A. com a actuação do município”.
*
Y. No que se refere aos alegados vícios do direito de audiência prévia e de falta de fundamentação, adere-se integralmente às razões aduzidas na sentença recorrida, pela justeza e fundamentação que lá consta.
Z. De facto, no que respeita à audiência prévia, é importante sublinhar que “a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vai no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, degradando-se as formalidades procedimentais essenciais em não essenciais se, apesar delas, tiver sido dada satisfação aos interesses que a lei visou ao prevê-las, caso em que actua o princípio do aproveitamento do acto18, à luz do qual se entende não se justificar a anulação apesar da preterição do direito de audição uma vez apurado no processo judicial que ainda que a audição tivesse ocorrido, o conteúdo decisório do acto não seria alterado19. No caso, atenta a análise do erro nos pressupostos invocado, é manifesto que a audição das impugnantes previamente àqueles actos não teria a mínima probabilidade de influenciar essa mesma decisão. Degradando-se em formalidade não essencial, a preterição de audição prévia não determina a anulação dos actos, havendo aproveitamento dos mesmos, com o que improcede este fundamento invocado”.
18 Cfr. os acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Janeiro de 2014, processo n.º 441/13, e de 15 de Outubro de 2014, processo n.º 1374/13, in www.dgsi.pt.
19 Cfr. o Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Fevereiro de 2007, processo n.º 1071/06, in www.dgsi.pt.
AA. No que tange à alegada falta de fundamentação, a sentença recorrida é muito concisa e eficaz, porquanto refere que: “Conforme resulta da fundamentação do despacho de indeferimento da isenção das taxas em causa, estão em causa taxas pela ocupação do domínio privado municipal previstas nos pontos 4.3 e 5.1.5 do artigo 140.º do Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais e respectiva Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais (...), publicado no apêndice n.º 7 do n.º 12 da II série do Diário da República, de 15 de Janeiro de 2003, aplicadas com base na ocupação por parte das impugnantes de terrenos do município com estaleiro e stand de vendas. Deste modo, a liquidação das taxas em causa mostra-se devidamente fundamentada, pelo que improcede a invocada falta de fundamentação”.
BB. Pelo exposto, e atento o que foi acima aduzido, é entendimento do Recorrido que a sentença proferida pelo tribunal a quo não merece qualquer reparo, devendo ser confirmada por V. Exas.
TERMOS EM QUE,
Deve o presente recurso ser julgado improcedente in totum, confirmando-se a sentença de fls..., com o que será feita inteira e sã JUSTIÇA!»

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer com o seguinte teor:

«A., S.A. e SOCIEDADE (...), S.A., vêem interpor recuso da sentença da Mmª Juiz do TAF do Porto que no âmbito de impugnação judicial do despacho, de 25.05.2006, da Directora do Departamento Municipal Jurídico e de Contencioso da Câmara (...) que indeferiu a reclamação graciosa, deduzida, em 18.07.2005, contra o despacho de 14.03.2005 da Directora Municipal de Finanças e Património, relativo à liquidação de taxa municipal, a julgou improcedente.
A recorrente requereu, em 3.01.2003, à Câmara (...), o cancelamento do pagamento e a devolução dos montantes pagos a título de taxa de ocupação do domínio privado municipal relativamente a áreas afectas a estaleiro e stand de vendas e que foi indeferido, conforme o acima mencionado.
Impugnou nomeadamente, a legalidade da liquidação das taxas municipais em causa, com os fundamentos aduzidos na petição inicial, que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
É jurisprudência consolidada que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente das respectivas alegações.
O Município (...) contra-alegou.
*
Alegam A., S.A. e SOCIEDADE (...), S.A., em resumo, que a sentença que a sentença enferma de erro de julgamento, conforme melhor descrito em sede conclusiva e para cuja leitura se remete.
Cremos que não lhe assiste razão.
A questão a dirimir é a legalidade da liquidação da taxa municipal referente à ocupação do domínio privado municipal.
As recorrentes não aduzem, nas referidas conclusões, qualquer novidade ao que já tinha alegado na petição inicial, voltando a repetir as mesmas instâncias que não tiveram acolhimento na bem fundamentada decisão.
O julgador procedeu à indicação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, com especificação dos meios de prova e das razões ou motivos substanciais que relevaram ou obtiveram ou não credibilidade, conforme se apreende da leitura do texto da decisão.
Constam da sentença as razões de facto e direito em que esta assentou. A Mmª Juiz analisou a prova e fundamentou a decisão, em nosso entender, merecedora de confirmação, não se verificando os mencionados vícios.
O recurso, em nosso entender, não merece provimento.».
**
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
**

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe vêm apontados.
**

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO

3.1.1. A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«É a seguinte a matéria de facto provada com relevância para a decisão da causa, por ordem lógica e cronológica:
A. Em 08.05.2002, pela Divisão Municipal de Estudos Urbanísticos da Direcção Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara (...) foi emitida informação com o seguinte teor – cfr. doc. 2 junto com a p.i.:
(Documento na sentença original)
B. Em 15.05.2002, pelo vereador do pelouro do urbanismo e mobilidade foi proferido despacho de homologação da solução urbanística da intervenção analisada na informação que antecede – cfr. doc. 3 junto com a p.i.
C. Em 23.05.2002, pelo vereador do pelouro do urbanismo e mobilidade da Câmara (...) foi homologado parecer jurídico a promover o licenciamento do projecto nas condições constantes da informação que antecede – cfr. doc. 3 junto com a p.i.
D. Em 24.07.2002, foi emitido o alvará de licença de construção n.º 166 em nome da A., S.A., que previa a construção de um prédio sito à Rua (...) e um “novo arruamento sem designação (a nordeste)”, nos termos do qual aquela sociedade estava obrigada a executar parte da duplicação da Rua de (...) e “apresentar um projecto de arranjos exteriores que dê continuidade e sirva de remate ao edificado e que tenha algum significado monumental e artístico” e ficava autorizada a utilizar os terrenos objecto da operação urbanística em questão como estaleiro ou stand de vendas – acordo.
E. A A., S.A., contratou a execução da empreitada à Sociedade (...), S.A. – acordo.
F. Na sequência da emissão a favor da A., S.A., do alvará de obras de construção n.º 166/02, foi autorizada a Sociedade (...), S.A., a ocupar o domínio privado municipal com estaleiro e stand de vendas na Rua (...), numa área de 2.100 m2 e 350 m2, respectivamente – cfr. doc. 1 junto com a p.i.
G. Na sequência de tal autorização e em virtude da ocupação do domínio privado municipal por parte da Sociedade (...), S.A., com estaleiro e stand de vendas foram liquidadas, ao abrigo do disposto nos artigos 140.º, n.ºs 4.3, alínea a), 4.2, alínea a), 5.1.4, alíneas a) e b), e 109.º, n.ºs 4.2, alínea a), e 5.1.4, alínea a), taxas relativas aos anos de 2003, 2004 e 2005, no valor global de € 73.342,80 – cfr. doc. 1 junto com a p.i. e fls. 3 do PA apenso.
H. Em 03.01.2003, pela Sociedade (...), S.A., foi dirigido ao Presidente da Câmara (...) requerimento com o seguinte teor – cfr. doc. 4 junto com a p.i.:
(Documento na sentença original)
I. Em 07.11.2004, a A., S.A., requereu a isenção do pagamento das referidas taxas – cfr. doc. 1 junto com a p.i.
J. Em 14.03.2005, o requerimento que antecede foi indeferido por a homologação do vereador apenas consubstanciar a autorização de utilização de um terreno municipal, e não a isenção do pagamento das taxas devidas pela mesma ocupação, e pelo facto de estarmos diante de uma operação urbanística com “intervenção conjunta” da A. e do município, que não estende àquela a isenção subjectiva atribuída à câmara municipal – cfr. doc. 1 junto com a p.i. e fls. 2 do PA apenso.
K. Em 20.05.2005, pela Chefe da Divisão Municipal de Receita da Câmara (...) foi dirigido à Sociedade (...), S.A., ofício com o seguinte teor – cfr. doc. 5 junto com a p.i.:
(Documento na sentença original)
L. Em 18.07.2005, a A., S.A., requereu ao Presidente da Câmara (...) a revogação do despacho de 14.03.2005, que indeferiu a isenção do pagamento das taxas – cfr. doc. 6 junto com a p.i.
M. Em 17.05.2006, pela Divisão Municipal de Contencioso Tributário e Execuções Fiscais do Departamento Municipal Jurídico e de Contencioso da Câmara (...) foi emitida informação com o seguinte teor – cfr. doc. 1 junto com a p.i.:
(Documento na sentença original)
N. Em 25.05.2006, pela Directora do Departamento Municipal Jurídico e de Contencioso da Câmara (...) foi proferido despacho de concordância com a informação que antecede – cfr. doc. 1 junto com a p.i.

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa para além dos referidos.
Motivação
A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, e no acordo das partes. A prova testemunhal não contribuiu para a formação da convicção do Tribunal pelas razões que se passa a expor.
As testemunhas J., arquitecto autor do projecto de arquitectura relativo à operação em causa nos presentes autos, e A., engenheiro civil, depuseram sobre a factualidade alegada nos artigos 1 a 13 e 18 da p.i., nada tendo adiantado relativamente ao que resulta dos documentos constantes dos autos, limitando-se a dar as suas opiniões relativamente à interpretação dos documentos no sentido em que não se impunha o pagamento das taxas em causa de acordo com aquilo que foi contratualizado entre as impugnantes e a Câmara (...).
As testemunhas A., Chefe da Divisão Municipal da Receita, e M.le, também funcionária da câmara municipal, depuseram de forma geral e abstracta, alheando-se do caso concreto, explicando o procedimento de isenção e cobrança de taxas pelo município, nada adiantando também relativamente à factualidade decorrente dos documentos constantes dos autos.».

3.1.2. Do erro de julgamento de facto

Na conclusão 1.ª das suas alegações as Recorrentes sustentam que deve ser alterda a decisão sobre a matéria de facto considerando-se provada a factualidade invocada nas alíneas Q), R), U) e V) do capítulo “II – DA MATÉRIA DE FACTO” das alegações escritas de facto e de direito apresentadas em 2011.01.14.
A entidade Recorrida, por seu turno, entende que a alteração pretendida não é de atender porquanto a factualidade em causa não é essencial para a boa decisão da causa nem foi invocada na petição inicial.
Vejamos, antes do mais, o teor de tais alíneas:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Ora, como bem salientou a entidade Recorrida, a factualidade em causa não reveste qualquer interesse para a decisão do presente pleito na medida em que respeita apenas a acordos de cedência de terrenos a favor do Município e de permuta de parcelas entre este e a 1.ª Recorrente, como condição do licenciamento da obra que esta se propunha realizar, a qual também incluía a obrigação de realização de um arruamento (o que não é incomum nos processos de licenciamentos de obras). De tais documentos (quer isoladamente quer conjugados com os já considerados no probatório) não resulta, porém, qualquer evidência de o Município ter isentado ou pretender isentar a 1.ª Recorrente do pagamento da taxa em crise. Assim sendo, por inútil, não se procede a qualquer aditamento à factualidade assente em 1.ª instância.

3.2. De Direito
3.2.1. Da violação do princípio da decisão

Sustentam as Recorrentes que o despacho impugnado enferma de violação do princípio da decisão e do artigo 56.º da LGT.
Quanto a esta questão, a Meritíssima Juíza a quo não reconheceu razão às impugnantes, sustentada na seguinte argumentação:
«Sob a epígrafe “Princípio da decisão”, dispõe o artigo 56.º da LGT:
“1 - A administração tributária está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo.
2 - Não existe dever de decisão quando:
a) A administração tributária se tiver pronunciado há menos de dois anos sobre pedido do mesmo autor com idênticos objecto e fundamentos;
b) Tiver sido ultrapassado o prazo legal de revisão do acto tributário.”
Conforme decorre do probatório, em 18.07.2005, a impugnante A., S.A., requereu ao Presidente da Câmara (...) a revogação do despacho de 14.03.2005, que indeferiu a isenção do pagamento das taxas, requerimento esse que veio a ser indeferido, em 25.05.2006, por despacho da Directora do Departamento Municipal Jurídico e de Contencioso da Câmara (...) com base no disposto na alínea a) do n.º 2 do citado artigo 56.º uma vez que tanto o pedido (anulação do acto tributário e consequente devolução das taxas pagas) como os respectivos fundamentos (isenção do pagamento da taxa) coincidiam com os constantes do requerimento n.º 20996/02 anteriormente apresentado, o qual havia sido já indeferido por despacho de 14.03.2005. Não obstante este fundamento para o indeferimento, o despacho de 25.05.2006 refere o seguinte:
Está demonstrada a utilização individual do terreno municipal uma vez que o mesmo “se encontrou ocupado com estaleiro e stand de vendas que tinha em vista o apoio à construção ou promoção de obras privadas”;
“A alegada intervenção conjunta não faz tender só por si a isenção subjectiva da taxa de que goza o município á sociedade aqui reclamante”;
“A autorização a que se refere é tão só o título que legitima a ocupação, não podendo consubstanciar numa declaração de isenção de taxas, desde logo por nunca foi precedido de toda a tramitação a que o acto de isenção deverá proceder. A tudo isto, acresce que a isenção terá sempre de ser concedida pela Assembleia Municipal e no caso em apreço o acto foi praticado pelo senhor vereador do pelouro do urbanismo, art. 64.º, n.º 4, al. b), e art. 13.º, n.º 7, T.T.O.R.M.. Pelo que, uma interpretação que pretenda incluir na mera autorização um acto de isenção de pagamento de taxas, estará sempre ferida de nulidade, por vício de procedimento, de competência e falta de fundamentação;”
“o fundamento para a cobrança da taxa não se relaciona com as infra-estruturas indispensáveis para o próprio licenciamento de construção, podendo ver-se nos encargos assumidos pelo requerente, a adesão de um contrato de urbanização, em que construindo esse arruamento o ora requerente viu viabilizado a possibilidade de promover a operação urbanística. Estamos assim portanto perante dois factos totalmente distintos, tendo obtido o requerente com aquelas infraestruturas a possibilidade de se ter constituído na sua esfera jurídica o direito a edificar nos exactos termos consagrados pelo alvará de construção n.º 166/02. Pelo contrário o facto que se tributa através da ocupação do domínio público e privado municipal, relaciona-se directamente com a vantagem económica resultante da utilização de um bem municipal.”
Deste modo, a fundamentação do despacho de 25.05.2006, ao contrário do que alegam as impugnantes, contém uma pronúncia sobre o mérito do requerimento que lhe deu origem, tendo havido uma efectiva decisão do pedido, razão pela qual não se mostra violado o princípio da decisão nos termos invocados.
Pelo que improcede também este fundamento.».

Ora, as Recorrentes limitam-se a reiterar o alegado na p.i. sobre esta questão, nada referindo sobre o que foi considerado na sentença, sendo certo que ali se julgou improcedente o fundamento de ilegalidade da liquidação invocado com base num argumento nunca antes considerado pelas Recorrentes – o de que, apesar de afirmar o contrário, afinal a autoridade administrativa sempre apreciou o mérito da reclamação graciosa – nem agora por elas atacado.

É já bem sabido que o recurso jurisdicional tem como objeto a sentença recorrida (e não o ato tributário objeto do processo) e destina-se a anulá-la ou alterá-la com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) que o recorrente entenda afetá-la.

Sucede que as Recorrentes nenhuma censura lançam à sentença neste segmento, limitando-se a afirmar que, a propósito do vício em análise, a mesma refere o contrário do que é alegado na p.i., sem nada mais concretizar, pelo que, para além de constatar o acerto da sentença quanto à efetiva existência de uma apreciação (certa ou errada) da reclamação graciosa, também nada mais nos cumpre apreciar.

3.2.2. Da inaplicabilidade do RMLCTORM

As Recorrentes persistem na tese de que dos documentos constantes dos autos e aludidos no probatório (alíneas A e C) é possível extrair que o empreendimento por si executado integra “acto de gestão urbanística e autárquica” ou “operação de génese municipal”(incluindo a execução de edifícios de natureza privada e equipamentos públicos de primordial importância para a zona em causa), na qual “o Município vê executado parte do esquema viário da duplicação da Rua (...), consegue dignificar um espaço público onde se pretende qualquer edificação e insere harmoniosamente o edificado com o território”. Para além disto, a CM_ permitiu que as Recorrentes “utilizassem os terrenos alvo desta operação, como estaleiro e/ou stand de vendas” por estar em causa “uma intervenção conjunta (A.-CM_)”, integrando assim uma contrapartida da execução pelas recorrentes de “infra-estruturas e arranjos exteriores do espaço público”, sendo que a posse dos terrenos em causa foi entregue às ora recorrentes para execução do referido empreendimento e vias públicas, equipamentos e zonas verdes a favor do Município (...). Tudo isto permitindo concluir que não existe qualquer nexo sinalagmático entre a exigência das taxas e a ocupação dos terrenos.
A sentença recorrida resolveu esta questão nos termos que passamos a transcrever:
«Alegam ainda as impugnantes a inexistência de nexo sinalagmático entre o montante a pagar e a prestação de qualquer serviço, concluindo que estão em causa contribuições especiais ou impostos não permitidos por lei.
Vejamos.
Decorre da Constituição que os impostos se distinguem das taxas, desde logo, pelo carácter unilateral dos primeiros e bilateral ou sinalagmático das segundas. Efectivamente, nas taxas ocorre uma relação sinalagmática entre o benefício recebido e o valor pago.
No caso em apreço, o valor da taxa em causa corresponde à ocupação de imóveis do município por parte das impugnantes com estaleiro e stand de vendas, nos termos dos pontos 4.3 e 5.1.5. artigo 140.º da referida tabela e taxas e outras receitas municipais, sendo tal ocupação o benefício recebido pelas impugnantes.
Acresce que a ocupação dos terrenos do município com estaleiro e stand de vendas por parte das impugnantes consubstancia uma utilização individualizada no interesse próprio das impugnantes dado que, com essa utilização, para além de ficar impossibilitado o uso dos terrenos para outros fins, as impugnantes satisfazem interesses próprios, relacionados com o apoio à comercialização relacionado com a intervenção urbanística em causa.
Ante o exposto, improcede este fundamento invocado.».

Também neste ponto as Recorrentes se limitam a repetir o alegado na p.i., nada dizendo quanto ao que foi decidido na sentença. Faltando a necessária censura à decisão recorrida, pelos motivos já referidos, também nada nos cumpre agora analisar.

3.2.3. Da Violação dos princípios da boa fé e da confiança

Nas conclusões 10.ª e 11.ª as Recorrentes pugnam pela violação dos referidos princípios porquanto a A. suportou extensos encargos com a execução de equipamentos públicos e infraestruturas urbanísticas de caráter geral, em benefício do próprio Município, pelo a que a exigência dos tributos em causa ofende a confiança suscitada pelos órgãos e serviços do Município (...) e frustra os objetivos a alcançar com as atuações empreendidas.
No que tange a esta questão, entendeu a Meritíssima Juíza a quo o seguinte:
« O princípio da boa fé, consagrado no artigo 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo vigente à data dos factos em análise, significa que “No exercício da actividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé.” e que, para o efeito, “(...) devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial: a) A confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa; b) O objectivo a alcançar com a actuação empreendida.”
[…]
Conforme resulta do probatório, em 08.05.2002, pela Divisão Municipal de Estudos Urbanísticos da Direcção Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara (...) foi emitida informação favorável à emissão de licença de utilização “(...) condicionada a: 1.º - Execução global das infra-estruturas já acordadas. 2.º - Apresentação de projectos de arranjos exteriores e execução de obra com significado “monumental e artístico” nos terrenos sobrantes desta intervenção.”, constando da mesma ainda que “(...) tratando-se de uma intervenção conjunta (A.-CM_), o requerente poderá utilizar os terrenos alvo desta operação como estaleiro e/ou stand de vendas.” Em 15.05.2002, pelo vereador do pelouro do urbanismo e mobilidade foi proferido despacho de homologação da solução urbanística da intervenção analisada em tal informação e, em 23.05.2002, pelo vereador do pelouro do urbanismo e mobilidade da Câmara (...), foi homologado parecer jurídico a promover o licenciamento do projecto nas condições constantes da informação.
Assim, neste ponto, importa apurar se da informação referida resulta – como defendem as impugnantes – que a ocupação dos terrenos municipais com estaleiro e stand de vendas constitui uma das contrapartidas da execução pela A. das obras que integraram a intervenção.
E, desde já, se adianta que não.
Por um lado, o texto da informação apenas faz uma referência à possibilidade de o requerente – no caso, a A. – utilizar os terrenos alvo da operação em causa como estaleiro e/ou stand de vendas, sem que essa possibilidade surja como uma contrapartida da intervenção urbanística. O que resulta da informação é apenas – pode dizer-se – uma autorização de ocupação, deste modo dispensando o particular de a requerer ao município.
Por outro lado, a informação não estabelece qualquer isenção quanto ao pagamento da taxa correspondente a tal utilização/ocupação. Aliás, quanto ao pagamento das taxas correspondentes, tal informação é totalmente omissa. Ora, estando prevista no Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais e respectiva Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais (...) a cobrança de taxa pela ocupação de imóveis do domínio privado da Câmara com estaleiros para construções e respectivas serventias e a áreas cobertas (arrecadações, depósitos, armazéns e semelhantes), sem que o mesmo regulamento estabeleça qualquer tipo de isenção para as impugnantes, o pagamento da taxa correspondente mostra-se devido.
Quanto à alegada violação do princípio da confiança, também não assiste razão às impugnantes. Na verdade, do texto da informação que sustentou o licenciamento – e na qual se ancora a alegação das impugnantes -, não resulta qualquer expectativa de isenção da taxa devida pela ocupação dos terrenos municipais com estaleiro e stand de vendas. Como referimos, o que do mesmo decorre é a concessão de autorização de ocupação dos terrenos, e não qualquer tipo de dispensa do pagamento da taxa correspondente. Assim sendo, se as impugnantes tiveram alguma expectativa de isenção do pagamento das taxas em causa, a mesma não pode ser tutelada com base no texto da referida informação dado que do mesmo não resulta qualquer indício de isenção.
Por conseguinte, não se mostra beliscada a confiança da A. com a actuação do município.».

Mais uma vez, as Recorrentes limitam-se a reiterar o alegado na p.i., sem nada referirem quanto ao decidido m 1.ª instância, não lançando qualquer crítica ou imputando qualquer vício à sentença objeto deste recurso.
Assim e reiterando o já referido, também nesta parte, nada importa apreciar.

3.2.4. Da invalidade dos atos tributários impugnados

Na conclusão 12.ª as Recorrentes sustentam que, contrariamente ao decidido na sentença, o ato impugnado é claramente inválido, pois (a) está em causa um ato que determinou o lançamento e a liquidação não previstos em qualquer lei da Assembleia da República que tenha estabelecido os seus elementos essenciais (v. arts. 103.º, 165º./1/i) e 241.º da CRP; cfr. art. 3.º/3 da Lei 2/2007, de 15 de janeiro e art. 4.º/2 da Lei 73/2013, de 3 de setembro; cfr. art. 161.º/2/b) e k) do CPA; cfr. ainda art. 12.º do C. Civil e art. 12.º da LGT); (b) o despacho impugnado ofendeu frontalmente o conteúdo essencial dos direitos fundamentais consagrados nos arts. 62.º, 103.º e 165.º/1 da CRP (v. art. 161.º/2/d) do CPA), sendo manifesta a inexistência de factos tributários, causa e base legal (v. Vieira de Andrade, CJA, n.º 43, p.p. 46-48); (c) o ato tributário sub judice é nulo por falta de elementos essenciais (v. art. 161º/1 do CPA) e por falta de atribuições (v. art. 161º/2/b) e k) do CPA).
Quanto a este vício, entendeu o Tribunal recorrido o seguinte:
«(…) alegam as impugnantes a violação dos princípios da legalidade, da justiça, da proporcionalidade e da imparcialidade por lhes ter sido imposto o pagamento de tributos não previstos na lei.
Acontece que não se verifica o pressuposto de tal alegação na medida em que, como vimos, a taxa em causa (ocupação do domínio privado municipal) está expressamente prevista no Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais e respectiva Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais, concretamente no artigo 140.º, pontos 4.3. e 5.1.1.
De resto, sempre se dirá que tais princípios nada têm que ver com a alegação das impugnantes uma vez que que, em rigor, a aplicação de uma taxa sem fundamento legal constitui, antes, violação do princípio da legalidade concretizada em erro nos pressupostos.
Ante o exposto, improcede este fundamento.».
Pese embora o caráter vago desta alegação/conclusão, não menos o é este excerto da sentença que parece não ter atentado no teor das alegações apresentadas pelas Recorrentes em 18/01/2011, nos termos do artigo 120.º do CPPT, especificamente nas suas páginas 49 a 53.
Lida tal peça processual, percebe-se que as Recorrentes imputam diversas nulidades ao ato de liquidação de taxas aqui em causa, decorrentes da inexistência lei da Assembleia da República que estabeleça os elementos essenciais das taxas.
Sucede que pela Lei n.º 53-E/2006, de 29/12, foi aprovado o regime geral das taxas das autarquias locais (RGTAL), nos termos do artigo 161.º, alínea c), da Constituição, que iniciou a sua vigência em 01/01/2007 e cujo artigo 17.º estabeleceu o seguinte regime transitório:
As taxas para as autarquias locais actualmente existentes são revogadas no início do segundo ano financeiro subsequente à entrada em vigor da presente lei, salvo se, até esta data:
a) Os regulamentos vigentes forem conformes ao regime jurídico aqui disposto;
b) Os regulamentos vigentes forem alterados de acordo com o regime jurídico aqui previsto.

O legislador reconheceu, portanto, a legalidade das taxas vigentes que se mostrassem conformes ao regime jurídico previsto no RGTAL.
Analisadas as alegações apresentadas em 18/01/2011 (portanto muitos anos após a vigência do dito RGTAL), constata-se que as Recorrentes não só omitem a sua existência como também não concretizam qual ou quais as desconformidades do RMLCTORM com o RGTAL, que obste à validade jurídica daquele.
Consequentemente, este vício alegado pelas Recorrentes não pode proceder, devendo a sentença ser mantida nesta parte, com a presente fundamentação.

3.2.5. Do direito de audição prévia

Na conclusão 13.ª, as Recorrentes sustentam que a sua audiência prévia era imposta pelos artigos 45.º do CPPT e 60.º da LGT, nunca podendo degradar-se em formalidade não essencial por não ter sido demonstrada a impossibilidade de influência dessa irregularidade sobre o ato final do procedimento, nem que o interessado não tinha a mínima probabilidade de influenciar a decisão ou ato final.
No que respeita a esta questão, considerou-se na sentença recorrida que:
«Nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, na redacção aplicável ao caso – dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro -, A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) Direito de audição antes da liquidação; b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;(...).”
Embora não seja claro a que acto se referem as impugnantes com a invocação deste fundamento (se ao acto de liquidação, se ao acto de indeferimento da isenção, se ao acto de indeferimento da reclamação da isenção), o certo é que em nenhum dos procedimentos que deu origem a tais actos ocorreu qualquer dispensa do direito de audição.
Sem embargo, os autos demonstram que as impugnantes não foram ouvidas previamente a qualquer daqueles actos. Assim, nem a liquidação nem o indeferimento da isenção de taxa nem o indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o indeferimento de isenção foram precedidos de notificação das impugnantes para, querendo, exercer o seu direito de audição, o que consubstancia preterição de formalidade essencial com efeitos invalidantes daqueles actos.
Todavia, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vai no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, degradando-se as formalidades procedimentais essenciais em não essenciais se, apesar delas, tiver sido dada satisfação aos interesses que a lei visou ao prevê-las, caso em que actua o princípio do aproveitamento do acto2, à luz do qual se entende não se justificar a anulação apesar da preterição do direito de audição uma vez apurado no processo judicial que ainda que a audição tivesse ocorrido, o conteúdo decisório do acto não seria alterado.3
2 Cfr. os acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Janeiro de 2014, processo n.º 441/13, e de 15 de Outubro de 2014, processo n.º 1374/13, in www.dgsi.pt.
3 Cfr. o Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Fevereiro de 2007, processo n.º 1071/06, in www.dgsi.pt.

No caso, atenta a análise do erro nos pressupostos invocado, é manifesto que a audição das impugnantes previamente àqueles actos não teria a mínima probabilidade de influenciar essa mesma decisão.
Degradando-se em formalidade não essencial, a preterição de audição prévia não determina a anulação dos actos, havendo aproveitamento dos mesmos, com o que improcede este fundamento invocado.».
Efetivamente, vem sendo aceite, tanto pela doutrina como pela jurisprudência (de que é exemplo recente o acórdão do STA de 18/10/2017, rec. 095/16, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6f810ebb4f221f97802581c2002e2630?OpenDocument&ExpandSection=1&Highlight=0,prescri%C3%A7%C3%A3o,tribut%C3%A1rio,2017%23_Section1) que não se justifica a anulação de um ato administrativo que foi praticado no exercício de poderes vinculados e está de acordo com os pressupostos fixados na lei e se admite que a falta de audiência dos interessados, quando obrigatória, possa não conduzir à anulação do ato final do procedimento, que seria a consequência desse vício, de acordo com o previsto no n.º 1 do art. 163.º do CPA («São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção».).
Essa omissão nem sempre conduzirá à anulação, «designadamente não a justificando nos casos em que se apure no processo contencioso que, se ela tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem deixou de pronunciar-se sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final, ou acabou por ter oportunidade de pronunciar-se, em procedimento de segundo grau (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau» (Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 15 ao art. 60.º, págs. 516 e segs.).
«Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem formado uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se podem degradar em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las. Consequentemente, e tendo em conta que a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur. O que exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso» (Cfr. os seguintes acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - de 22 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 441/13, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/212bcafe7f4d180f80257c6f004ea9c0; de 15 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1374/13, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/29e75cff6637cdef80257d7800526d92.).
«À luz de tal princípio [do aproveitamento do acto], deverá entender-se que não se justifica a anulação, apesar da preterição do direito de audição, nos casos em que se apure no processo contencioso que, se a audiência tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem de se pronunciar sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final sobre as quais não tivesse já tido oportunidade de se pronunciar. Mas, apenas nessas situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto pode ser efectuada aplicação daquele princípio» (Cfr. o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - de 15 de Fevereiro de 2007, proferido no processo n.º 1071/06, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3d268a41bfe236798025728f0050532e.).

Pois bem, analisado o caso vertente, tanto em matéria de facto como de direito, impera concluir que as Recorrentes não lograram fazer prova da sua tese de que existia um “acordo” ou “promessa” de que não lhe seria exigida a taxa em questão, nem vingaram os vícios de violação de lei que imputaram ao ato de liquidação em causa nos autos, não se vislumbrando, por isso, que a sua audição prévia algum impacto pudesse ter na decisão final do procedimento. Acresce que, sendo o ato em crise estritamente vinculado e praticado de acordo com a lei, não se justifica a sua anulação, mas antes o seu aproveitamento, de acordo com a citada jurisprudência.
Improcede, pois, este segmento do recurso.

3.2.6. Da falta de fundamentação

Por último, alegam as Recorrentes, na conclusão 14.ª, que, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, foi violado o dever de fundamentação, pois (i) o ato em crise assenta em meros juízos conclusivos e não recondutíveis, por si só, a quaisquer factos concretos passíveis de ser valorados in casu, (ii) na liquidação dos tributos em causa era essencial que tivessem sido invocados, ainda que de forma sucinta, os factos integradores da previsão do art. 140º do RMLCTORM e (iii) a simples referência aos “pontos 4.3 e 5.1.5 do artigo 140.º do Regulamento e Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais e respetiva Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais (…)”, nunca seria suscetível de integrar uma fundamentação de direito suficiente e congruente.
Quanto a esta matéria, a Meritíssima Juíza a quo pronunciou-se nos seguintes termos:
«A exigência legal de fundamentação do acto tributário decorre dos artigos 268.º da CRP e 77.º da LGT. O n.º 1 desta última disposição legal determina que “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”. Esta exigência (i) Permite ao contribuinte conhecer o percurso cognoscitivo e volitivo que levou a Administração Tributária a decidir naquele sentido e não noutro, podendo aquele conformar-se com o acto ou impugnar o mesmo pela via administrativa ou judicial; (ii) Obriga a Administração Tributária a ponderar os factos e a uma melhor aplicação do direito, de modo a convencer o administrado da validade dos seus fundamentos e da decisão. Podemos falar em fundamentação em sentido formal e fundamentação em sentido material. A primeira traduz-se na exigência de indicação de factos que levaram a Administração a decidir em determinado sentido e que deve ser suficiente, clara e congruente, de modo a poder ser entendida pelo administrado; caso contrário, estaremos perante um vício de forma, tendo como consequência a anulação do acto que, não obstante, poderá ainda ser renovado sem o vício. A segunda tem já a ver com o mérito da decisão e com a legalidade “stricto sensu” do próprio acto; a sua falta conduz também à anulação do acto, o qual não pode ser renovado.1
1 Neste sentido, acórdão do STA, de 14.10.2009, processo n.º 0740/09.

Está em causa a fundamentação em sentido formal.
Conforme resulta da fundamentação do despacho de indeferimento da isenção das taxas em causa, estão em causa taxas pela ocupação do domínio privado municipal previstas nos pontos 4.3 e 5.1.5 do artigo 140.º do Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais e respectiva Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais (...), publicado no apêndice n.º 7 do n.º 12 da II série do Diário da República, de 15 de Janeiro de 2003, aplicadas com base na ocupação por parte das impugnantes de terrenos do município com estaleiro e stand de vendas.
Deste modo, a liquidação das taxas em causa mostra-se devidamente fundamentada, pelo que improcede a invocada falta de fundamentação.».
Para além dos considerandos constantes na sentença quanto aos requisitos da fundamentação, acresce referir que, nos termos do artigo 77.º da LGT, esta é efetuada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que motivam a decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas.
A fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato, visando responder às necessidades de esclarecimento do administrado, pelo que se deve, através dela, informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do ato, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro.
Daí que um ato está fundamentado sempre que o administrado, como destinatário normal, ficar devidamente esclarecido acerca das razões que o determinaram estando, consequentemente, habilitado a impugná-lo convenientemente, não tendo, todavia, a fundamentação de ser exaustiva, mas acessível.
No caso sub iudice, é patente que o Recorrido deu a conhecer, ainda que sucintamente (e mais não era necessário), os fundamentos de facto e de direito que sustentam a sua decisão, os quais foram perfeitamente apreendidos pelas Recorrentes, enquanto destinatárias normais, habilitando-as a impugnar o ato de liquidação da taxa em crise, como efetivamente o fizeram, imputando-lhe diversos vícios, não apenas formais, mas também de violação de lei.
Concluímos, portanto, pela improcedência do recurso, também nesta parte.

4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida, com a presente fundamentação.
*
Custas a cargo das Recorrentes, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC.
*
Porto, 30 de setembro de 2021


Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Cristina da Nova - 2.ª Adjunta