Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01943/07.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAR, LIQUIDAÇÃO ADICIONAL VERSUS CORRECTIVA, DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I - O acto de liquidação adicional de imposto pressupõe que, por ponderação defeituosa da matéria tributável respectiva, tenha sido fixado, em acto tributário similar anterior, quantitativo de imposto inferior ao devido e que, nessa medida, se propõe apurar, sendo, por isso, inovador.

II - Os actos de apuramento de imposto subsequentes a uma liquidação adicional, resultantes de decisões judiciais parcialmente atendidas e em razão dos quais se apure quantitativo de imposto inferior ao determinado naquela, consubstanciam, em regra, meras liquidações correctivas, não lesivas dos interesses dos destinatários no segmento não corrigido.

III - Se do probatório não constam os factos necessários para qualificar ou determinar, com a segurança e certeza exigíveis, a natureza da liquidação impugnada, nem os demais elementos probatórios constantes dos autos permitem a reapreciação da matéria de facto, a sentença proferida deve ser anulada e os autos remetidos ao tribunal recorrido para melhor investigação.

IV - Assim, revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:C., LDA
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I. Relatório

A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 18/09/2015, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por C., S.A., com sede na Avenida (…), com o NIPC (…), contra a liquidação de IRC e Juros Compensatórios, do exercício de 1995, no montante total de €97.570,96.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. Com a impugnação apresentada visa a impugnante a anulação da liquidação de IRC n° 2007 8310000935, emitida em 07/02/2007, relativa ao exercício económico de 1995, consubstanciando um montante a pagar de € 97.570,961, a qual originou a Nota de Compensação n.° 2007.151596, de 09/02/2007, de valor nulo (cf. Prints extraídos do sistema informático da AT a folhas 58 e 59 do processo administrativo, doravante designado PA).
B. A douta sentença ora recorrida decidiu julgar procedente a impugnação deduzida, por ter concluído que se verificava a caducidade do direito à liquidação, a qual determina a anulação da liquidação.
C. Posto isto, e com o devido respeito que é muito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido por entender que a sentença a quo incorreu em erro de julgamento quer no tocante à matéria de facto, quer em matéria de direito, uma vez que, salvo melhor opinião, não valorizou correctamente a factualidade carreada para os autos, incorrendo em erro de julgamento em matéria de facto e consequentemente em erro de julgamento de direito, na subsunção do caso em concreto à norma contida no art. 33º do CPT, uma vez que nos encontramos perante uma liquidação.
Ora,
D. Com efeito, e de acordo com os elementos carreados para os autos, conclui-se que:
Ø As mencionadas liquidação e nota de compensação foram notificadas à impugnante por carta registada de 14/02/2007.
Ø Em 19 de Março de 2007, a impugnante requereu, ao abrigo do artigo 37.° do CPPT, a passagem de certidão contendo a fundamentação legal subjacente à liquidação, mais propriamente a confirmação da mesma anular a liquidação n.° 2000.8310001150, bem como da mesma não resultar qualquer importância a pagar – documento n.° 4 junto à p.i..
Ø Pelo ofício n.° 7953, de 15/06/2007, do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia, foi remetida à impugnante a resposta constante do ofício n.° 49745, de 12/06/2007 da DLIRD, a folhas 76 a 81 do PA.
Ø Em 17/09/2007, apresenta o sujeito passivo a presente impugnação, não encontrando, porém, as suas alegações justificação legal,
Ø Conforme foi explicitado à mesma, pelo ofício atrás referido, n.° 49745 de 12/06/2007, da DLIRD, a finalidade da emissão em 2007 da liquidação impugnada, referente ao exercício económico de 1995, não tem subjacente uma correcção à matéria tributável do IRC, e sim, e tão só, a reposição do valor que se mostra devido em função das decisões judiciais tomadas.
Ø Não estamos propriamente perante uma correcção à matéria tributável mas sim perante a emissão de uma liquidação para execução de sentença.
Ø A liquidação impugnada apenas vem corrigir, a favor da impugnante, a matéria colectável constante de liquidação anteriormente emitida e efectuada dentro do prazo de caducidade a que se referia o n.° 1 do artigo 33.° do CPT e artigo 79.° do Código do IRC, não havendo qualquer ilegalidade na sua emissão.
Ø A entrega, em 02/10/1996, da declaração periódica de rendimentos Modelo 22 relativa ao exercício económico de 1995, originou a liquidação n.° 2310230834, emitida em 27/11/1996, inserindo uma matéria colectável de € 194.723,70 - folhas 83 dos autos;
Ø Em face de acção inspectiva realizada à impugnante foram propostos dois tipos de correcções à matéria colectável, totalizando o valor de € 772.452,22:
- Correcções de natureza quantitativa no montante de € 741.483,80, ao abrigo do artigo 57.° do Código do IRC, em virtude da existência de relações especiais, correcção susceptível de recurso hierárquico, nos termos do artigo 112.° do mesmo Código;
- Correcções técnicas no montante de € 30.968,42, relativa à não dedutibilidade fiscal de custos contabilizados nos termos do artigo 23.° do Código do IRC.
Ø A matéria colectável foi então corrigida para € 967.175,92 (cf. Fls. 18 a 31 do PA) conforme liquidação n.° 8310014274, de 11/09/1999 a folhas 84 do PA.
Ø Em 13/01/2000, com a emissão da liquidação 8330000813, liquidação correctiva, é reposta a matéria tributável no valor declarado de € 194.723,70 - folhas 85 do PA.
Ø Valor esse que veio a ser corrigido para € 967.175,92 com a liquidação 8310001150 de 19/01/2000, a folhas 86 do PA, emitida na sequência do despacho de 13/12/1999, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de indeferimento do recurso hierárquico apresentado nos termos do artigo 112.° do Código do IRC, a folhas 31-A a 43 do PA.
Ø Dessa decisão foi em Fevereiro de 2000 interposto recurso contencioso para o Tribunal Central Administrativo, tendo o mesmo obtido provimento por Acórdão de 12/04/2005, a folhas 90 a 107 do PA (Processo nº 3434/00 - anulado o acto recorrido com todas as suas consequências legais, por preterição de formalidade essencial, consubstanciada na não concessão de audição prévia ao sujeito passivo, em qualquer fase do procedimento administrativo, em violação do artigo 60.° da LGT).
Ø Consequentemente, houve que proceder à anulação da liquidação 8310001150 na parte relativa às correcções no montante de € 741.482,80, efectuadas, conforme referido) ao abrigo do artigo 57.° do Código do IRC.
Ø O que foi efectuado com a emissão da liquidação 2001.8310000935, aqui impugnada, a folhas 88 dos autos, na qual a matéria colectável passa a ascender a € 225.692,12, ou seja, € 967.175,92 - € 741.483,80.
Ø Esta sucessão de emissão de liquidações encontra-se expressa nos print’s extraídos do sistema informático da AT a folhas 129 a 133 do PA.
Ø Poder-se-á ainda referir que, no tocante à liquidação 8310001150, e também na parte respeitante às correcções de natureza quantitativa, a impugnante apresentou, em 07/09/2005, um pedido de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.° da LGT, com fundamento em erro imputável aos serviços, por violação do efeito suspensivo estabelecido no n.° 3 do artigo 112.° do Código do IRC, de cujo indeferimento tácito apresentou impugnação judicial, instaurada sob o n.° 1367/06.2BEPRT.
Ø Em virtude dos novos factos ocorridos na pendência deste processo de impugnação, ou seja, com o conhecimento da decisão do recurso contencioso transitado em julgado e a consequente execução do Acórdão anulatório, foi o mesmo extinto por inutilidade superveniente da lide, conforme sentença proferida em 09/11/2007, a folhas 89 do PA.
Ø Quanto às correcções técnicas no montante de € 30.968,42, traduzidas, também, na liquidação n.° 8310001150, foram as mesmas contestadas na impugnação instaurada sob o n.° 244/2001/31, a qual foi julgada improcedente em sede do recurso n.° 00365/03, com Acórdão proferido em 20/06/2006, tudo a folhas 110 a 128 do PA.
Ø A liquidação aqui impugnada, nº 2007.8310000935, reflecte, assim, e conforme já atrás se referiu, a matéria colectável devida no valor de € 225.692,12, não havendo razões que motivem a sua revogação.
E. Ora, afigura-se que estes factos deveriam ter sido atendidos na factualidade subjacente à fundamentação de facto da decisão proferida, o que não aconteceu, e cujo aditamento ao probatório se considera pertinente.
Com efeito,
F. A caducidade, conforme decorre do n.° 2 do artigo 298.° do CC, é um instituto através do qual os direitos decorrentes da lei ou da vontade das partes se extinguem pelo seu não exercício no prazo que se encontrar determinado.
G. Tal instituto, comum ao direito civil e ao direito tributário, tem, pois, a sua função jurídica na extinção de direitos pelo seu não exercício em determinado prazo.
H. Através do acto tributário em crise o Estado não está a exercer o direito legal à liquidação do tributo.
I. Com efeito encontramo-nos perante uma liquidação corretiva, e não de uma liquidação nova, pelo que não está abrangida pelo regime de caducidade do direito à liquidação.
J. O julgamento efectuado, salvaguardando o devido respeito por diferente entendimento, padece de erro, uma vez que não foi atentada e valorada a circunstância deste acto tributário revestir a natureza de liquidação correctiva.
K. E o regime de caducidade do direito a liquidar impostos não se aplica às liquidações correctivas, que apuram imposto em resultado das pretensões dos contribuintes atendidas total ou parcialmente, nas quais se apura quantitativo de imposto inferior ao inicialmente apurado.
L. Destarte, a AT praticou legal e tempestivamente a liquidação oficiosa, sendo que o acto tributário praticado no decurso da presente impugnação judicial, reveste natureza de liquidação correctiva, e por tal, não abrangido pelo regime de caducidade do direito à liquidação, visto não se tratar de um novo acto tributário.
Assim,
M. Deste modo é nosso entender que a douta sentença padece de erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e nos elementos de prova que não foram considerados, e na aplicação do direito, por violação ao disposto no art. 33º do CPT, devendo, por isso, considerar-se válidos os actos tributários de liquidação e, como tal, manterem-se na ordem jurídica.
Nestes termos,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.”
****

A Recorrida contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

“a. O presente Recurso vem interposto, pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, contra a Sentença proferida pelo Mm.° Juiz a quo no processo acima identificado, a qual decidiu “(...) julgar a presente impugnação procedente e, em consequência, anular a liquidação impugnada.” apresentada contra o ato de liquidação n.° 2007 8310000.935, emitida em 7 de fevereiro de 2007, relativa ao exercício de 1995, consubstanciando um montante a pagar de € 97.570,96, assim como contra a demonstração de liquidação de juros compensatórios n.° 2007 00000024153 e a demonstração de compensação n.° 2007 00000151596;
b. Ao contrário do que sustenta a Representante da Fazenda Pública, nas suas alegações de recurso que ato de liquidação em crise não promoveu qualquer correção à matéria tributável do exercício de 1995, tendo-se apenas limitado a promover a execução de sentenças judiciais, razão pela qual o ato deve ser considerado um “ato corretivo” e, nessa medida, o mesmo não está sujeito à aplicação do regime de caducidade do direito à liquidação, o presente recurso não pode proceder, desde logo porque o ato de liquidação não é apto a constituir um ato de liquidação corretivo, na medida em o prazo para a execução das decisões judiciais em causa, qual sejam a) o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 12 de abril de 2005, no processo n.º 3434/00 e b) o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 20 de junho de 2006, no processo n.° 00365103, há muito se encontrava ultrapassado, aquando da emissão do ato de liquidação em crise;
c. Assim, quando o ato de liquidação em crise foi emitido, a Administração Tributária não estava a atuar nos termos dos artigos 100.º da LGT e do artigo 171.º e ss do Código do Processo nos Tribunais Administrativos na redação em vigor à data dos factos, mas assim nos termos do seu direito de liquidação de tributos e, por essa razão, não pode proceder o entendimento de que o ato contestado é um ato corretivo;
d. O ato de liquidação em crise nunca poderia ser qualificado como corretivo, na medida em não relevou o imposto anteriormente apurado pela Recorrida com referência ao exercício de 1995, isto é, ainda que não exista uma correção à matéria tributável do ato de liquidação contestado não resulta uma diminuição do imposto a pagar pela Recorrida - na proporção das anulações decorrentes das decisões acima identificadas e do imposto apurado pela própria Recorrida -, mas antes representa ato de liquidação adicional, por consubstanciar um acréscimo do imposto a pagar com referência ao exercício de 1995, que não tem materialidade nem na declaração de rendimentos Modelo 22, nem nas decisões judiciais invocadas.
e. Acresce ainda que, a argumentação da Representante da Fazenda Pública está em manifesta contradição com o que foi anteriormente reconhecido pela própria Administração Tributária, e conforme resulta dos documentos que constam dos autos, já que a caducidade do direito à liquidação com referência ao exercício de 1995 foi verificada em dezembro de 2006, pelo que tendo o ato de liquidação contestado sido notificado em fevereiro de 2007, como aliás reconhece a Representante da Fazenda Pública em sede de alegações de recurso, é por demos evidente a caducidade do direito e a ilegalidade do ato de liquidação contestado;
f. Sem prejuízo do que vem alegado e na hipótese de o Tribunal de recurso entender que o ato de liquidação contestado é um ato corretivo e nessa medida não está sujeito ao prazo de caducidade como invoca a Recorrente, o que apenas se considera sem conceder e por dever de patrocínio, sempre terá o Tribunal de conhecer sobre os outros vícios alegados em sede de Impugnação Judicial contra o ato de liquidação em crise, cujo conhecimento ficou prejudicado pela declaração de caducidade do direito à liquidação, nos termos do artigo 662.° do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.°, alínea e) do Código de procedimento e de Processo Tributário;
g. Com efeito, e como alegado em sede de impugnação judicial, o ato de liquidação em causa consubstancia uma incorreta quantificação do imposto a pagar e em consequência uma duplicação de coleta com referência ao exercício de 1995, na medida em que a Recorrida tinha já apurado o valor a pagar de € 82.908,34, o qual aceitou como devido, desde o início, mas que não foi relevado no âmbito do ato de liquidação em crise, o qual apurou um montante da pagar de €97.570,96;
h. Igualmente, é manifesta a ilegalidade parcial da liquidação de juros compensatórios em crise uma vez que o ato de liquidação contestado inclui juros compensatórios, no valor de € 7.484,33, sendo que €5.085,15 já haviam sido calculados sobre o montante de € 77.823,14 de imposto anteriormente regularizado pela Recorrida ao abrigo do Plano Mateus;
i. Como ficou demonstrado tal liquidação de juros compensatórios, não só constitui duplicação de coleta, como está, outrossim, ferida de ilegalidade por violação do disposto no n.º 6 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 235-A/96, de 9 de dezembro, uma vez que a Recorrida beneficiou de uma redução de 80% sobre os juros compensatórios liquidados, ao tempo, sobre o montante de € 77.823,14 de imposto, pelo que nada mais é devido pela Recorrida, a título de juros compensatórios sobre a referida parcela de imposto, para além do montante de € 5.085,15, o qual aliás, já se encontra pago.
Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, manter-se válida na ordem jurídica a sentença proferida pelo Tribunal a quo, nesta parte, tudo com as legais consequências.”
****

O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
****

Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
****

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar procedente o fundamento invocado de caducidade do direito de liquidar.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:

«É a seguinte a matéria de facto assente com relevância para a decisão da causa, por ordem lógica e cronológica:
A. Em 07.02.2007, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2007 8310000935, relativa ao exercício de 1995, em nome da impugnante no valor de € 97.570,96 – cfr. doc. 1 junto com a p.i.
B. Em 16.02.2007, a impugnante foi notificada da liquidação impugnada – facto alegado em 1.º da p.i. e não posto em causa pela ré e fls. 58 e 136 do PA apenso.
C. Em 31.07.1997, a impugnante pagou as quantias de € 77.823,14 e € 1.017,03, a título de IRC e derrama e juros compensatórios – cfr. doc. 14, 15 e 16 juntos com a p.i.
D. Em 17.09.2007, foi remetida a este Tribunal via correio a p.i. que deu origem aos presentes autos – cfr. fls. 110 do processo físico.
Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos.
Motivação
O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como assentes tendo por base os documentos juntos aos autos, os quais não foram objecto de impugnação, bem como o posicionamento das partes, assumido nos respectivos articulados.”

2. O Direito

A sentença recorrida julgou procedente a presente impugnação judicial, por ter concluído que se verificava a caducidade do direito à liquidação, determinando a anulação da liquidação de IRC n.º 2007 8310000935, emitida em 07/02/2007, relativa ao exercício económico de 1995, consubstanciando um montante a pagar de € 97.570,96.

A Recorrente não se conforma com este julgamento, por não ter sido valorizada correctamente toda a matéria de facto carreada para os autos e, consequentemente, a sua subsunção à norma do artigo 33.º do Código de Processo Tributário (CPT) revela erro de julgamento de facto e de direito.

De facto, em sede de contestação, a Fazenda Pública remeteu para vários elementos constantes do processo administrativo, tendo em vista demonstrar que o acto de liquidação impugnado se limitou a dar execução às decisões judiciais proferidas pelo Tribunal Central Administrativo Sul, de 12/04/2005 (processo n.º 3434/00) e de 20/06/2006 (processo n.º 00365/03).

Na sentença recorrida, o tribunal não ponderou as consequências da acção inspectiva a que a Recorrida foi sujeita, nem procedeu a qualquer qualificação da natureza da liquidação em apreço, limitando-se a concluir, em resultado da matéria que considerou apurada e de que o facto tributário se verificou em 1995, que a impugnante, aqui Recorrida, foi notificada da liquidação de IRC em 16/02/2007, e ser manifesto que o prazo de cinco anos, previsto no artigo 33.º do CPT, foi excedido, tendo, por isso, caducado o direito de liquidar.

Com efeito, a primeira questão que aqui se coloca e que se reflecte de forma absolutamente relevante na decisão final a proferir, prende-se com a qualificação a atribuir ao acto tributário referido na alínea A) do probatório.

Assim, cabe saber se estamos perante uma verdadeira e própria liquidação adicional, como pretende a Recorrida, desde logo para efeitos de aferição da caducidade do direito à sua prática, se perante uma mera liquidação correctiva, insusceptível de produzir os efeitos pretendidos pela Recorrida.

Nesta matéria, devemos começar por delimitar os conceitos de actos de anulação, de liquidação adicional e de reforma de tal tipo de actos tributários.

Vejamos como doutrina o Professor Alberto Xavier in Conceito e Natureza do Acto Tributário, páginas 127 e seguintes: «A anulação é o acto pelo qual a Administração Fiscal revoga, total ou parcialmente, o acto tributário que, em virtude de erro de facto, erro de direito ou omissão, tenha definido uma prestação tributária (...) superior à que decorre directamente da lei. (...) A liquidação definitiva excessiva (ou infundada) padece de um vício em sentido próprio (...); os seus efeitos cessam de se produzir mercê de um acto jurídico que os constata e que consequentemente os destrói retroactivamente».
«O acto tributário adicional (...) é o acto pelo qual a Administração, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado; porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida.».
A reforma verifica-se «(...) quando, por posterior variação da matéria colectável, a lei manda substituir a liquidação praticada, ainda que correctamente, com base na expressão daquela matéria ao tempo em que a Administração a realizou. Ao contrário do que se passa na anulação e no acto tributário adicional não se verifica aqui um vício originário mas uma modificação superveniente do seu objecto.»

Numa abordagem preliminar, convencemo-nos que tínhamos condições não só para conhecer o objecto do recurso, mas também para decidir em substituição ao tribunal recorrido, dado que, além da caducidade do direito de liquidar, também foi invocado pela impugnante a verificação de duplicação de colecta parcial e a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, uma vez que, anteriormente à liquidação impugnada, já havia pago parte das quantias devidas, nos termos do Plano Mateus. Com base nessa análise perfunctória, chegámos mesmo a ouvir as partes, nos termos para os efeitos do disposto no artigo 665.º do Código de Processo Civil (CPC), tendo somente a Recorrida emitido pronúncia em 22/04/2021.

Efectivamente, integra a matéria de facto provada, assente nos documentos n.º 14, 15 e 16 juntos com a petição inicial, que, em 31/07/1997, a impugnante pagou as quantias de €77.823,14 e de €1.017,03, a título de IRC, derrama e juros compensatórios – cfr. alínea C) do probatório. Porém, através de uma análise mais detalhada dos elementos ínsitos no processo administrativo e da informação prestada, nos termos do artigo 111.º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, verificamos que a liquidação inicial (antes do procedimento inspectivo) poderá ter vindo a ser anulada e restituídas essas quantias pagas.

Realmente, a qualificação do acto de liquidação em crise poderá ser diferente se a AT não teve em conta montantes já pagos devidos pelo mesmo facto tributário. Se o presente acto impugnado não relevou o imposto anteriormente apurado pela Recorrida com referência ao exercício de 1995, não resultará uma diminuição do imposto a pagar pela Recorrida, na proporção das anulações decorrentes das decisões judiciais acima identificadas e do imposto apurado pela própria Recorrida, mas antes parece representar um acréscimo do imposto a pagar com referência ao exercício de 1995, que não tem materialidade nem na declaração de rendimentos Modelo 22, nem nas decisões judiciais invocadas, que sindicaram a acção inspectiva e as consequentes liquidações.

Por outro lado, o mesmo facto - se foi anteriormente pago imposto e juros compensatórios, também contende, inelutavelmente, com a apreciação da invocada duplicação de colecta. Lembramos que esta se verifica, por referência a um elemento temporal e estrutural, quando, estando paga uma colecta, se liquida e exige outra da mesma natureza, em relação ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.

A Recorrida, com a junção que realizou dos documentos n.º 14, 15 e 16 com a petição inicial, parecia estar a provar, por documento, que foi efectuado o pagamento, pelo menos parcial, do tributo em causa, apontando para uma sobreposição parcelar do cumprimento da mesma obrigação, subsequente a aplicação jurisdicional e administrativa, concreta, da norma de incidência, através da liquidação em crise.

Todavia, as informações e elementos constantes do processo administrativo (prints informáticos) permitem que se assole a dúvida neste tribunal. Aí se afirma que a liquidação n.º 831000150, de 19/01/2000, foi anulada na parte correspondente ao valor das correcções efectuadas por relações especiais e que da mesma resultou a liquidação aqui impugnada, que repõe a liquidação inicial n.º 1996 2310230834, de 27/11/1996, no valor de €82.908,29, paga em 21/08/1999, ao abrigo do D.L. n.º 124/96, sendo €77.823,14 de imposto e €1.017,03 correspondentes a 20% dos juros compensatórios. Em jeito de justificação para esta reposição da liquidação inicial, refere-se que esta veio a ser anulada, tendo-se procedido ao seu reembolso.

É aqui que se iniciam os problemas de instrução, dado que tais afirmações do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1 se sustentam, apenas, em “prints” do sistema informático da AT – cfr. fls. 73 e 74, 61, 62 e 63 do processo administrativo – afigurando-se que os referidos montantes possam ter sido restituídos/reembolsados em 2000 e 2001, embora tenham sido pagos em 31/07/1997 e em 19/01/1999. Urge, portanto, obter os documentos a que corresponde esta informação registada informaticamente, donde se retirará a ilação de estar (ou não) paga uma colecta em relação ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo; sem os quais, porque certamente existirão, não será possível decidir, com a segurança e certeza exigíveis.

Ora, vindo invocada a caducidade do direito à liquidação (bem como a duplicação parcial de colecta, também quanto aos juros compensatórios) e havendo notícia não só de pagamento, mas igualmente do respectivo reembolso, impunha-se ao Tribunal indagar se, efectivamente, esse pagamento subsistia à data da emissão, em 2007, da liquidação aqui impugnada, na medida em que nesta não foi relevado qualquer montante pago de liquidações anteriores, antes se tendo considerado a matéria colectável, decorrente das correcções, aceite judicialmente (€30.968,42) e a matéria colectável obtida na liquidação inicial n.º 1996 2310230834, de 27/11/1996 (€194.723,70) [€194.723,70+30.968,42=€225.692,12 (matéria colectável apurada na liquidação impugnada n.º 2007 8310000935, de 07/02/2007)].

Inexiste no processo qualquer prova documental, que consideramos imprescindível, da restituição das quantias de imposto (€77.823,14) e juros compensatórios (€1.017,03), o que impossibilita determinar a sua influência na qualificação da liquidação em crise e no prazo de caducidade em análise (bem como na duplicação parcial de colecta). Recordamos que a presente impugnação judicial funda todas as suas causas de pedir no pressuposto de que o apuramento do imposto da liquidação inicial de IRC foi pago no âmbito do Plano Mateus.

Neste contexto, somos de entendimento que os autos padecem de défice instrutório, o que impede este Tribunal de sindicar a bondade da conclusão a que chegou o Tribunal a quo.

Assim, deparamo-nos com défice de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto disponibilizada à nossa apreciação.

Deste modo, não podendo sufragar-se o julgamento produzido em 1.ª instância, impõe-se anular, segundo o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, a sentença, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, sejam efectivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos aspectos apontados como deficitariamente instruídos, ampliando cabalmente a decisão da matéria de facto.

Por tudo quanto fica dito, o recurso merece, assim, provimento.

Em face do exposto, fica, consequentemente, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

Conclusões/Sumário

I - O acto de liquidação adicional de imposto pressupõe que, por ponderação defeituosa da matéria tributável respectiva, tenha sido fixado, em acto tributário similar anterior, quantitativo de imposto inferior ao devido e que, nessa medida, se propõe apurar, sendo, por isso, inovador.

II - Os actos de apuramento de imposto subsequentes a uma liquidação adicional, resultantes de decisões judiciais parcialmente atendidas e em razão dos quais se apure quantitativo de imposto inferior ao determinado naquela, consubstanciam, em regra, meras liquidações correctivas, não lesivas dos interesses dos destinatários no segmento não corrigido.

III - Se do probatório não constam os factos necessários para qualificar ou determinar, com a segurança e certeza exigíveis, a natureza da liquidação impugnada, nem os demais elementos probatórios constantes dos autos permitem a reapreciação da matéria de facto, a sentença proferida deve ser anulada e os autos remetidos ao tribunal recorrido para melhor investigação.

IV - Assim, revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à primeira instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, se a tal nada mais obstar.
*
Custas a cargo da Recorrida, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
*
Porto, 23 de Junho de 2021


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Celeste Oliveira