Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00736/19.2BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Canelas
Descritores:INCOMPETÊNCIA MATERIAL – TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS – CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO – RECRUTAMENTO
Sumário:I - Na hipótese normativa da alínea e) do nº 1 do artigo 4º do ETAF (versão do DL. nº 214-G/2015), competirá à jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objeto a “validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”.

II – A alínea e) do nº 1 do artigo 4º do ETAF (versão do DL. nº 214-G/2015) substituiu o que na versão anterior se desenvolvia ao longo das alíneas b), e) e f) do nº 1 do artigo 4º do ETAF na sua versão original, fazendo-se agora apelo, para efeitos da delimitação do âmbito da jurisdição administrativa em matéria relativa à validade, interpretação e execução dos contratos e bem assim à validade dos atos que precedem a sua celebração, ao critério do contrato administrativo, e fora dele, a “quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”.

III – O que tem como consequência que não sendo de configurar como administrativo o contrato cuja validade é posta em causa, ou a que se referem os atos que precedem a sua celebração, só será de afirmar a competência da jurisdição administrativa se o contrato foi celebrado, ou o devesse ser, nos termos da legislação sobre contratação pública, disciplinada atualmente no Código dos Contratos Públicos.

IV - Não será de considerar-se estarmos no âmbito de uma relação jurídica administrativa ou que a ação se destine à tutela de direitos fundamentais ou direitos e interesses legalmente protegidos no âmbito de uma relação de tal natureza, se o vínculo laboral a estabelecer não tem a natureza de um vínculo laboral público..*
* Sumário elaborado pela relator
Recorrente:A.
Recorrido 1:ADEMINHO
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

A. (devidamente identificada nos autos) instaurou em 30/04/2020 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ação administrativa contra a ADEMINHO (igualmente devidamente identificada nos autos) – na qual, por referência ao “Procedimento Concursal para Contratação em Regime de Contrato de Trabalho a Termo Certo”, para seleção de professor/formador, para as áreas de linguagem e comunicação, nível básico, e língua, cultura e comunicação, nível secundário, para integrar Equipa do Centro Qualifica, da Escola Profissional do (...) – EPRAMI, objeto do anúncio publicado em 15/01/2019 na página eletrónica oficial daquela Escola Profissional, peticionou a declaração de nulidade da deliberação do júri do concurso que decidiu designar uma entrevista para as candidatas admitidas a concurso, a qual lhe foi comunicada em 24 de Janeiro de 2019 e de todos os atos subsequentes bem como do contrato de trabalho celebrado ao abrigo de tal procedimento – inconformada com a decisão proferida pela Mmª Juíza do Tribunal a quo em 13/12/2019 (fls. 60 SITAF), em sede de despacho-saneador, pela qual, entendendo que a matéria objeto da ação se encontra excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, pertencendo à jurisdição comum, absolveu o réu da instância com fundamento na verificação da exceção de incompetência material da área administrativa do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 86 SITAF), formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:

1. A A. não pretende, apenas, atingir o contrato individual de trabalho celebrado entre a R. e a contra interessada, mas a nulidade de parte do procedimento concursal prévio à celebração do contrato individual de trabalho;
2. De acordo com a prova documental junta aos autos e a conjugação dos articulados deve alterar-se o facto 1., passando a constar que a R. Ademinho é constituída pelos associados Município de Paredes de Coura, Município de Melgaço e Município de Monção;
3. Mais, deve passar a constar da matéria de facto dada como provado os factos constantes em 20º e 21º da p.i., uma vez que, é o que resulta da prova documental junta e é matéria de facto não impugnada;
4. A recorrida é uma associação de municípios que se rege pela L. n.º 75/2013, de 12 de Setembro, o facto de o contrato de trabalho celebrado, após o procedimento concursal, através de contrato individual de trabalho, não prejudica a aplicação ao concurso do regime imposto por este diploma legal;
5. O procedimento concursal aberto pela R./recorrida, independentemente, de esta ter sido constituída por contrato, nos termos da lei civil, e de, nos termos do art. 26º do DL n.º 4/98, a contratação do pessoal docente e não docente se fazer através de contrato individual de trabalho, deve reger-se por força do disposto no art. 110º da L. n.º 75/13, de 12-09, pelos princípios da publicidade, da concorrência e da não discriminação em matéria de recrutamento de pessoal;
6. Consequentemente, sendo competente, em razão de matéria, por força do mesmo diploma legal, o Tribunal Administrativo.

A recorrida não contra-alegou, tendo expressamente declarado (a fls. 98 SITAF) prescindir da apresentação de contra-alegações e do respetivo prazo.
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Remetidos os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo Norte, e nele notificada a Digna Magistrada do Ministério Público nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, não emitiu Parecer.
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Com dispensa de vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.

No caso é objeto do presente recurso a decisão proferida pela Mmª Juíza do Tribunal a quo em 13/12/2019 (fls. 60 SITAF), em sede de despacho-saneador, que entendendo que a matéria objeto da ação se encontra excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, absolveu-se o réu da instância, sendo as questões essenciais a decidir, saber se deve ser modificada a matéria de facto, por erro de julgamento e se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à solução jurídica, devendo ser revogada, como propugnado pelo recorrente, por os Tribunais Administrativos serem materialmente competentes.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto

Com relevância para o conhecimento das exceções que haviam sido invocadas na contestação, entre as quais a da incompetência material do tribunal, O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na decisão recorrida:

1. A ADEMINHO (“ADEMINHO”), constituída pelos associados Câmara Municipal de Paredes de Coura, Câmara Municipal de Melgaço e ICN / PNPG – Instituto de Conservação da Natureza/Parque Nacional da Peneda Gerês, foi lavrada por escritura pública no Cartório Notarial de Melgaço no dia 5 de janeiro de 1999, aí constando “a qual fica a reger-se pelos Estatutos constantes do documento complementar elaborado nos termos do n.º2 do artigo 64.º do Código do Notariado (…) ficando a fazer parte integrante desta escritura, e cujo conteúdo eles outorgantes declararam conhecer perfeitamente…”(Cfr. Documento de fls. 162 a 168, aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, que se encontram juntos no processo cautelar n.º 383/19.9BEBRG, apenso aos presentes autos)

2. Nos Estatutos da ADEMINHO, referidos em 1., resulta que o objeto da Associação, se encontra especificado no seu artigo 3.º, cujo teor se transcreve:

a) O ensino profissional e outras atividades de educação e formação no âmbito do Sistema Educativo;
b) A formação profissional enquanto entidade devidamente certificada no âmbito do sistema de certificação de entidades formadoras;
O desenvolvimento de atividades e a prestação de serviços nas áreas social, cultural, desportiva e recreativa” …”
(Cfr. Documento de fls. 164 a 168, aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, que se encontram juntos no processo cautelar n.º 383/19.9BEBRG, apenso aos presentes autos)

3. A ADEMINHO é uma pessoa coletiva sem fins lucrativos, sendo orientada em benefício de atividades que visem o desenvolvimento do ensino profissional, bem como o da educação e formação profissional conducentes à melhoria das qualificações escolares e profissionais e à qualidade de vida das pessoas do Alto Minho Interior, como resulta do artigo 4.º dos Estatutos (Cfr. Documento de fls. 162 a 168, aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, que se encontram juntos no processo cautelar n.º 383/19.9BEBRG, apenso aos presentes autos)

4. A admissão de associados efetivos da ADEMINHO faz-se mediante proposta subscrita pelo candidato e por três associados e aprovada pela Assembleia Geral, como prescrito no artigo 6.º dos respetivos Estatutos (Cfr. Documento de fls. 162 a 168, aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, que se encontram juntos no processo cautelar n.º 383/19.9BEBRG, apenso aos presentes autos)

5. A Assembleia Geral da ADEMINHO é composta por todos os associados no pleno gozo dos seus direitos, considerando-se como tal “os associados não suspensos e com as quotas em dia”, como consta do artigo 10.º dos seus Estatutos (Cfr. Documento de fls. 162 a 168, aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, que se encontram juntos no processo cautelar n.º 383/19.9BEBRG, apenso aos presentes autos)

6. Estabelece o artigo 24.º dos Estatutos da ADEMINHO que “em caso de dissolução, e salvo o disposto no número 1 do artigo 166.º do Código Civil, os bens móveis e imóveis e o património líquido da ADEMINHO revertem para os associados em conformidade com os investimentos por cada um realizados para a prossecução dos fins estatutários” (Cfr. Documento de fls. 162 a 168, aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, que se encontram juntos no processo cautelar n.º 383/19.9BEBRG, apenso aos presentes autos)

7. A ADEMINHO é proprietária da ESCOLA PROFISSIONAL DO (...) (Cfr., Regulamento Interno da Escola Profissional do Alto Minho, que constitui Fls. 22 a 49 do suporte físico no processo cautelar n.º 383/19.9BEBRG, apenso aos presentes autos, aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

8. O Secretário-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, na sequência do pedido de declaração de utilidade pública, formulado pelo Presidente da Direção da ADEMINHO ao abrigo do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7.1, através do ofício n.º 2221, com a referência B 02.07-P. º 46/06 2163/DSLD/2006 comunicou-lhe o seguinte:
“(…)
Apreciada a documentação remetida para instrução do processo, verifica-se que a ADEMINHO tem enquadramento jurídico no regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 4/98, de 8.01, que estabelece o regime de criação, organização e funcionamento de escolas e cursos profissionais no âmbito do ensino não superior.
De acordo com o n.º 4 do artigo 14.º do referido diploma, as pessoas coletivas de direito privado proprietárias de escolas profissionais, cujo funcionamento tenha sido autorizado, e desde que o respetivo fim ou objeto seja exclusivamente o ensino profissional, gozam das prerrogativas das pessoas coletivas de utilidade pública. É o caso da ADEMINHO.
Assim sendo, não lhe é aplicável o regime geral da utilidade pública fixado no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7.11, uma vez que acede, por força da legislação especial que regula a sua atividade, ao gozo das prerrogativas das pessoas coletivas de utilidade pública, sendo que se torna inútil a instrução de outro processo para o mesmo efeito.
Nestes termos, informa-se que o pedido se encontra prejudicado, pelo que iremos proceder ao seu arquivamento. (…)”
(Cfr. Documento de fls. 94 (suporte físico), aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, junto ao processo cautelar n.º 383/19.9BEBRG, apenso aos presentes autos)

9. No dia 15 de janeiro de 2019 a Entidade Demandada, como entidade adjudicante, publicitou na página eletrónica oficial da Escola Profissional do (...) (EPRAMI) “Procedimento Concursal para Contratação em Regime de Contrato de Trabalho a Termo Certo” com vista à seleção de professor/formador, para as áreas de linguagem e comunicação, nível básico, cultura e comunicação, nível secundário, para integrar Equipa do Centro Qualifica, da escola supra identificada (Cfr. Documento de fls. 99v. (suporte físico), aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, junto ao processo cautelar n.º 383/19.9BEBRG, apenso aos presentes autos)

10. Apresentaram-se a concurso, para além da Autora, mais três candidatas, M. (a contra- interessada), C. e F., ali devidamente identificadas (Cfr. Documento de fls. 100 a 123 (suporte físico), aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, junto ao processo cautelar n.º 383/19.9BEBRG, apenso aos presentes autos)

11. Em 24 de janeiro de 2019, através de e-mail, a Requerente foi notificada da sua admissão “ao procedimento concursal, para seleção de professor/formador no CQ da EPRAMI, a que se candidatou…” (Cfr. Documento de fls. 124v (suporte físico), aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, junto ao processo cautelar n.º 383/19.9BEBRG, apenso aos presentes autos)

12. No e-mail referido em 11. a Autora foi também notificada para comparecer no dia 28.01.2019, pelas 10h:30min, no CENTRO QUALIFICA-EPRAMI, para realização de “entrevista de avaliação de competências …” (Cfr. Documento de fls. 124v (suporte físico), junto ao processo cautelar n.º 383/19.9BEBRG, apenso aos presentes autos, aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)

13. Por e-mail remetido pelo Diretor Executivo da EPRAMI, de 31 de janeiro de 2019, a Autora foi notificada da lista unitária de ordenação final dos candidatos aprovados referente ao procedimento concursal com vista à contratação para trabalho a termo certo, de formador nas áreas de linguagem e comunicação – LC – cultura, língua, e comunicação, - CLC, para o exercício de funções no Centro Qualifica da EPRAMI, -, onde constava selecionada e admitida a candidata M., com a atribuição de 14,60 valores. (cfr. Documento n.º 7 junto com o requerimento inicial do processo cautelar n.º 383/19.9BEBRG, apenso aos presentes autos e elementos do PA, incorporado no processo eletrónico - documento de fls. 127 do suporte físico do processo cautelar apenso, tudo aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)

14. Em 1 de fevereiro de 2019, foi celebrado “CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO (tempo inteiro)” entre a ADEMINHO e M., do qual se extrai o seguinte:

“O presente contrato tem por objeto a contratação do Segundo Outorgante, para o exercício das funções de formadora de LC e CLC (Linguagem e Comunicação, de nível Básico e Cultura, Língua e Comunicação, de nível secundário, de acordo com os Referenciais de Educação destes níveis de ensino, para adultos; em regime de tempo inteiro, nas instalações que o Primeiro Outorgante designar na cláusula 2.º”
(Cfr. Documento - Contrato de Trabalho, junto a fls. 61 do suporte físico do processo cautelar apenso aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)

15. Nas cláusulas 4.ª e 5.ª do contrato de trabalho celebrado entre a ADEMINHO e M., referido em 14 consta, respetivamente “Ao segundo outorgante será pago a remuneração ilíquida mensal base de 1.200,00€ (mil e duzentos euros), correspondente à função referida na cláusula 1.ª (…)” e “O presente contrato é celebrado por um período de 19 meses, com início no dia 01-02.2019 e fim no dia 31/08/2020.” (Cfr. Documento - Contrato de Trabalho, junto a fls. 61 do suporte físico do processo cautelar apenso aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

16. A cláusula 6.ª do contrato de trabalho celebrado entre a ADEMINHO e a Contrainteressada M., referido em 14., sob a epígrafe “Legislação aplicável”, estabelece o seguinte:
“O presente contrato de trabalho é celebrado a termo certo e pelo prazo estipulado no ponto anterior, ao abrigo e nos termos da alínea g), n.º 2 do Artº 140 da Lei n.º 7/2009 de 12 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2012 de 25 de junho, Lei n.º 69/2013 de 30 de agosto, e Lei n.º 76/2013 de 7 de novembro (Código do Trabalho), fundamenta-se no facto de ter surgido ocasionalmente e confere ao segundo outorgante todos os demais direitos, de acordo com a legislação em vigor”. (Cfr. Documento - Contrato de Trabalho, junto a fls. 61 do suporte físico do processo cautelar apenso aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

17. A presente ação administrativa deu entrada em Juízo no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no dia 30 de abril de 2019 (Cfr. página eletrónicas 1)
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B – De direito
1. Da decisão recorrida

Pela decisão proferida pela Mmª Juíza do Tribunal a quo em 13/12/2019 (fls. 60 SITAF), em sede de despacho-saneador, entendendo-se que a matéria objeto da ação se encontra excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, pertencendo à jurisdição comum, absolveu-se o réu da instância com fundamento na verificação da exceção de incompetência material da área administrativa do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, nos termos dos artigos 89.º, n.º 1 e n.º 4 alínea a) do CPTA e 278.º n.º 1, al. a) do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.

Decisão que tendo por base a matéria de facto que deu como provada, que não vem impugnada no recurso, assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:

«Na presente ação, a Autora pretende que seja declarada “a nulidade da deliberação do júri do concurso que decidiu designar uma entrevista para as candidatas admitidas a concurso”, bem como “a nulidade de todos os atos subsequentes do procedimento concursal e do contrato de trabalho celebrado ao abrigo de tal concurso”.
Importa, a título preliminar, aferir da natureza jurídica da Ré, enquanto entidade que lançou o procedimento de recrutamento do qual emerge o litígio objeto da presente ação.
Com efeito, importa trazer à colação que as disposições do Código de Procedimento Administrativo (CPA) “respeitantes aos princípios gerais, ao procedimento e à atividade administrativa são aplicáveis à conduta de quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, adotada no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo” (cfr. artigo 2.º, n.º 1 do CPA).
Poder-se-á considerar a ADEMINHO, uma pessoa coletiva de direito público, dotada de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo?
Ora, face ao teor dos elementos e documentos juntos aos autos conjugado com a matéria de facto dada como provada, entendemos que a ADEMINHO não é uma pessoa coletiva de direito público.
Atentemos no seguinte:
Dos autos não resulta evidente e expressa a qualificação legislativa da ADEMINHO, pelo que teremos de nos socorrer da análise e interpretação dos elementos e documentos juntos aos autos.
Desde logo, resulta provado que a ADEMINHO é uma pessoa coletiva sem fins lucrativos, de utilidade pública, que não foi criada diretamente pelo Estado (nem por ato do poder central), mas sim, constituída, nos termos da lei civil, por três associados: a Câmara Municipal de Paredes de Coura, a Câmara Municipal de Melgaço e o Instituto de Conservação da Natureza /Parque Nacional da Peneda Gerês, através de escritura pública outorgada no dia 5 de janeiro de 1999 (Cfr. pontos 1.,3. e 8. da matéria fáctica), (sublinhado nosso).
Por outro lado, ao contrário do que entende a Autora, concluímos que esta associação não é uma associação de municípios, uma vez que na sua constituição, para além de duas autarquias locais, consta também como associado o Instituto de Conservação da Natureza / Parque Nacional da Peneda Gerês. Assim, a ADEMINHO não é abrangida pelo disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CPA, enquanto “associação de autarquias locais” que integra a Administração Pública.
E, da análise da escritura pública da constituição da associação bem como dos respetivos estatutos, não resulta qualquer impedimento ou restrição quanto à natureza/qualidade dos associados da ADEMINHO. Consta do artigo 5.º dos Estatutos, parte integrante da Escritura Pública, que a admissão de associados efetivos da ADEMINHO faz-se mediante proposta subscrita pelo candidato e por três associados e aprovada pela Assembleia Geral (sendo esta composta por todos os associados no pleno gozo dos seus direitos) (Cfr. Pontos 4. e 5. da matéria fáctica).
Ora, do ponto de vista estatutário, nada impede que os associados da ADEMINHO possam ser pessoas coletivas ou pessoas singulares, sejam elas de direito público ou de direito privado – tal circunstância afasta-se, pois, da natureza de uma entidade puramente pública.
Sem prescindir, e sendo certo que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indicação, interpretação e aplicação de regras de direito, como decorre do n.º 3 do artigo 5.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, não deixa de relevar o facto de nos Estatutos da ADEMINHO estar previsto que, em caso de dissolução, salvo o disposto no n.º1 do artigo 166.º do Código Civil, os bens móveis e imóveis e o património líquido da ADEMINHO revertem para os associados em conformidade com os investimentos por cada um realizados para a prossecução dos fins estatuários, sem remeter para qualquer legislação de índole administrativa (Cfr. Ponto 6. da matéria fáctica).
E, acompanhando os ensinamentos do Professor FREITAS DO AMARAL (in Curso de Direito Administrativo, Vol. I, Coimbra, 1992, pp. 580 a 589), importa referir que as pessoas coletivas públicas só por decisão pública podem ser extintas, não podendo, assim, extinguirem-se a si próprias. Tal aspeto também aqui diverge do que se encontra consagrado nos Estatutos da ADEMINHO, afastando-a da qualificação de pessoa coletiva pública.
Ainda no que concerne à análise da qualificação jurídica da ADEMINHO e recorrendo aos aspetos mais relevantes que o Professor FREITAS DO AMARAL (ob. cit., páginas 588 a 589) destaca para a definição do estatuto do regime jurídico das pessoas coletivas públicas, verificamos que o teor dos Estatutos da referida Associação é omisso, nomeadamente, quanto - à capacidade de direito público (as pessoas coletivas públicas são titulares de poderes e deveres públicos, onde assumem particular importância os poderes de autoridade de que são exemplos o poder regulamentar, o poder tributário, o poder de expropriar, o privilégio de execução prévia);
- à autonomia administrativa e financeira;
- a isenções fiscais;
- ao direito de celebrar contratos administrativos;
- à existência de bens do domínio público;
- à referência de funcionários públicos nos seus quadros;
- à sujeição a um regime administrativo de responsabilidade civil (sendo este o regime regra e não o constante do Código Civil);
- à sujeição a tutela administrativa; e
- à referência ao foro administrativo (em regra, as questões surgidas da atividade pública pertencem à competência dos tribunais do foro administrativo).
Neste contexto e atentas as considerações acima expendidas, concluímos que a ADEMINHO não é uma pessoa coletiva de direito público, mas sim, uma pessoa coletiva de direito privado.
Aqui chegados, importa, agora, aferir se, in casu, a ADEMINHO, enquanto pessoa coletiva de direito privado, estava sujeita (ou não) a normas de direito administrativo, no processo de recrutamento que esteve na origem na celebração do contrato de trabalho a termo certo entre a ADEMINHO e a professora/formadora M. (contrainteressada nos autos).
Vejamos:
Como bem observa LUIZ S. CABRAL DE MONCADA, “tem-se vulgarizado a prossecução das funções administrativas através das entidades privadas e com recursos a meios do direito privado. O fenómeno não é novo. Mas nunca conheceu tanta divulgação como hoje. O alargamento das tarefas sociais do Estado para corresponder às exigências constitucionais ou em resultado das conjunturas políticas não poderia fazer-se apenas com recurso à esfera tradicional da Administração. Esta revela-se pouco capaz de dar resposta às exigências colocadas e nem sequer a administração indireta do Estado baseada nos institutos públicos se revela apta para tanto. Foi necessário trazer a entidade privada para dentro da esfera da Administração e adaptá-la a um quadro de colaboração no exercício de funções de interesse público e de finalidade homóloga. Os fins públicos podem ser prosseguidos mediante instrumentos de direito privado e pela mão de entidades privadas” (in Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2.ª edição revista e atualizada, Quid Juris Sociedade Editora, 2017, pág. 60)
A transferência da responsabilidade pela execução de tarefas públicas para entidades privadas constitui um processo de privatização orgânica, inserido na privatização de execução de tarefas públicas.
Esta transferência da responsabilidade pela execução de tarefas públicas para entidades privadas pode verificar-se através da celebração de um contrato de concessão, ou através da delegação de funções públicas em particulares, ou através da criação, por iniciativa pública, de entidades em forma jurídico-privada, sob influência dominante desta, para execução de tarefas públicas.
Em ambas as situações de privatização orgânica, temos entidades privadas investidas da responsabilidade da execução de tarefas públicas, cabendo-lhes “assumir, com autonomia, a gestão ou direção de tarefas públicas” (cfr. PEDRO GONÇALVES, in Entidades Privadas com Poderes Públicos, Coleção Teses, Coimbra, Almedina, 2008, pág. 391).
Só se pode falar de entidades administrativas privadas, quando haja uma influência dominante de uma entidade pública sobre a entidade privada, por aquela criada, para a realização de tarefas públicas, exercendo a entidade pública uma influência dominante sobre aquela a nível interno e pelo direito privado.
Por outro lado, a submissão destas entidades ao direito administrativo é de caráter excecional, e ocorre, nomeadamente, quando, no exercício de funções administrativas, atuem segundo normas jurídicas que a estas se dirigem enquanto entidades investidas de funções públicas ou membros da administração, para lhes impor deveres ou conferir poderes de autoridade.
Fora destes casos, regem-se pelo direito privado, no caso das entidades administrativas privadas, pelo direito privado administrativo, na execução das tarefas públicas de que foram incumbidas, havendo aqui uma verdadeira “fuga para o direito privado” pela administração (Cfr. MARIA JOÃO ESTORNINHO, A Fuga para o Direito Privado, coleção de teses. Coimbra, Almedina 1999. A expressão “fuga para o direito privado” deve-se, no entanto, a FRITZ FLEINER, autor da obra “Institutionen des Deutschen Verwaltungsrechts”, 8ª ed. Ed. Mohr, Tübingen, 1928, p.326, tendo sido traduzida para o Castelhano em “Instituciones de Derecho Administrativo” por SABINO A. GENDIN, ed. Labor S.A, Barcelona, 1933).
Regressando à situação sub judice.
Resulta provado que a ADEMINHO é proprietária da Escola Profissional do (...) [cfr. Ponto 7. da matéria fáctica] para a qual abriu um “procedimento concursal para contratação em regime de contrato de trabalho a termo certo” para a seleção de professor/formador para as áreas de linguagem e comunicação, nível básico, cultura e comunicação, nível secundário, para integrar a Equipa do Centro Qualifica [cfr. Ponto 9. da matéria fáctica].
Neste contexto, importa chamar à colação a Portaria n.º 232/2016 de 29 de agosto que regula a criação e o regime de organização e funcionamento dos Centros Qualifica, nomeadamente o encaminhamento para ofertas de ensino e formação profissionais e o desenvolvimento de processos de reconhecimento, validação e certificação de competências.
Dispõe o artigo 9.º, n.º 2 da citada Portaria que:
“O formador ou professor deve reunir as seguintes habilitações, de acordo com a vertente do processo de reconhecimento, validação e certificação de competências em que participam:
a) Reconhecimento, validação e certificação de competências escolar, habilitação para a docência em função da área de competências-chave em que intervêm, nos termos da legislação em vigor, e preferencialmente experiência profissional no âmbito da educação e formação de adultos;
b) Reconhecimento, validação e certificação de competências profissional, habilitação para o exercício das funções de formador, nos termos da legislação em vigor, e domínio técnico e experiência na saída profissional visada”
Com efeito, estes são os critérios que a Portaria impõe para a contratação de um formador ou professor, nada mais referindo quanto ao respetivo processo de recrutamento/contratação.
Assim, no âmbito da Portaria n.º 232/2016, a ADEMINHO não se encontrava obrigada a abrir um procedimento concursal prévio, regulado por normas administrativas, para proceder à contratação da pretendida professora/formadora, sendo que não se vislumbra qualquer irregularidade pelo facto de a ADEMINHO ter aberto um procedimento de recrutamento do qual resultou a celebração de um contrato de trabalho a termo certo, sujeito à disciplina do Código do Trabalho (e não à disciplina do Código dos Contratos Públicos).
Reforçando esta conclusão, é de afirmar e ter em conta que pelo ofício n.º 2221 do Secretário-Geral da Presidência do Conselho de Ministros foi expressamente referido que “a ADEMINHO tem enquadramento no regime jurídico instituído pelo Decreto-Lei n.º 4/98, de 08.01, que estabelece o regime de criação, organização e funcionamento de escolas e cursos profissionais” (Cfr. Ponto 8. da matéria fáctica), (sublinhado nosso).
Ora do diploma legal supra resulta do seu artigo 26.º, n.º 1 que “[o] pessoal docente e não docente das escolas profissionais públicas deve ser contratado em regime de contrato individual de trabalho” (sublinhado nosso). Mais acrescenta o n.º 2 do Decreto-Lei n.º 4/98, de 08.01 que “[o]s contratos referidos no número anterior devem ser reduzidos a escrito, com menção obrigatória das condições da sua realização e respetivo prazo de duração, não conferindo aos particulares a qualidade de funcionário ou agente da Administração Pública”.
Foi exata e efetivamente nestes termos que a ADEMINHO contratualizou com a contrainteressada, pelo que da análise do respetivo contrato de trabalho (Cfr. Pontos 14., 15. e 16. da matéria fáctica) não resulta qualquer violação à lei aplicável.
Termos em que se conclui que a ADEMINHO, enquanto pessoa coletiva de direito privado, não se encontra vinculada a normas de direito administrativo na contratação de formadores/professores para integrar a Equipa do Centro Qualifica.
Sempre se dirá que, para que a atuação externa da ADEMINHO se encontre submetida ao direito administrativo, não é suficiente que esteja investida de funções administrativas, pelo contrário, como se trata de uma entidade privada aplica-se-lhe por regra o direito comum, o direito privado e excecionalmente o direito administrativo, apenas quando, no âmbito de funções de que foi investida, atua ao abrigo de normas de direito público, por estar investida de funções públicas, para “impor deveres especiais (…) para delegar poderes públicos de autoridade ou mesmo para regular aspetos do seu funcionamento interno” (cfr. PEDRO GONÇALVES, in Entidades Privadas com Poderes Públicos. Coleção Teses, Coimbra, Almedina, 2008).
De qualquer modo, mesmo que se entendesse que o presente litígio decorre do contrato de trabalho celebrado entre a ADEMINHO e a Contrainteressada M. - o que não se concebe atento o pedido e a causa de pedir da presente ação, tal como formulada pela Autora nos termos supra expostos -, a ação estaria também excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, como resulta evidente da alínea b), do n.º 4 do artigo 4.º do ETAF, que prescreve: “Estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal (…) b) a apreciação de litígio decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público”.
Por conseguinte, atentos os normativos legais invocados, concluímos que as relações emergentes do presente litígio não constituem relações jurídicas administrativas, pelo que o litígio em concreto não deve ser dirimido pelos Tribunais Administrativos, verificando-se, assim, a incompetência absoluta em razão da matéria conducente à absolvição da instância.
Consequentemente, declara-se a incompetência da área administrativa do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em razão da matéria, para conhecer da presente ação, o que constitui uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.»


2. Da tese da recorrente

2.1 A recorrente sustenta, por um lado, que de acordo com a prova documental junta aos autos e a conjugação dos articulados deve alterar-se o facto 1., passando a constar que a ré ADEMINHO é constituída pelos associados Município de Paredes de Coura, Município de Melgaço e Município de Monção e que mais, deve passar a constar da matéria de facto dada como provado os factos constantes em 20º e 21º da p.i., uma vez que, é o que resulta da prova documental junta e é matéria de facto não impugnada (vide conclusões 2ª e 3ª das alegações de recurso), e defende que não pretende na ação, apenas, atingir o contrato individual de trabalho celebrado entre a ré e a contra interessada, mas a nulidade de parte do procedimento concursal prévio à celebração do contrato individual de trabalho; que a recorrida é uma associação de municípios que se rege pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, o facto de o contrato de trabalho celebrado, após o procedimento concursal, através de contrato individual de trabalho, não prejudica a aplicação ao concurso do regime imposto por este diploma legal; que o procedimento concursal aberto pela recorrida, independentemente, de esta ter sido constituída por contrato, nos termos da lei civil, e de, nos termos do art. 26º do DL n.º 4/98, a contratação do pessoal docente e não docente se fazer através de contrato individual de trabalho, deve reger-se por força do disposto no art. 110º da Lei n.º 75/13, de 12 de setembro, pelos princípios da publicidade, da concorrência e da não discriminação em matéria de recrutamento de pessoal; sendo consequentemente competente, em razão de matéria, por força do mesmo diploma legal, o Tribunal Administrativo (vide conclusões 1ª e 4ª a 6ª das alegações de recurso).

3. Da análise e apreciação e recurso

3.1 Do erro de julgamento quanto à matéria de facto – (conclusões 2ª e 3ª das alegações de recurso)

3.1.1 A recorrente sustenta desde logo dever alterar-se o facto 1., por a ré ADEMINHO não ser constituída pelo ICN/PNPG, mas por três autarquias locais, a saber o Município de Paredes de Coura, o Município de Melgaço e o Município de Monção, o que deve ali passar a constar.

Assiste, com efeito, razão à recorrente, o que é constatável pelo Docs. 1, 2 e 3 juntos com o requerimento inicial da providencia cautelar apensa (Proc. nº 383/19.9BEBRG), para que a autora remeteu na Petição Inicial da ação, e de que que a Mmª Juíza a quo também se socorreu. E que, aliás, motivou a que na sentença daquele processo cautelar, essa mesma realidade fosse fixada, identificando-se como seus associados o Município de Paredes de Coura, o Município de Monção e o Município de Melgaço.

Deve, pois, proceder-se à pretendida modificação do ponto 1. dos factos dados como provados na decisão recorrida, devendo, onde se dizia «constituída pelos associados Câmara Municipal de Paredes de Coura, Câmara Municipal de Melgaço e ICN / PNPG – Instituto de Conservação da Natureza/Parque Nacional da Peneda Gerês», passar a constar «constituída pelos associados Município de Paredes de Coura, o Município de Monção e o Município de Melgaço».

3.1.2 Defende também a recorrente que deve passar a constar da matéria de facto dada como provado os factos constantes dos artigos 20º e 21º da Petição Inicial da ação.

Compulsada a Petição Inicial resulta que ali foi alegado o seguinte:
- 20º: «A A. foi admitida ao concurso com a pontuação de 12,60 valores – DOC. N.º 5.»
- 21º: «Assim, como a contra–interessada, com a pontuação de 12,20 valores, e C., com a pontuação de 10,50 valores - DOC. N.º 6.»

No ponto 11. dos factos provados, a Mmª Juíza a quo deu como provado o seguinte:
11. Em 24 de janeiro de 2019, através de e-mail, a Requerente foi notificada da sua admissão “ao procedimento concursal, para seleção de professor/formador no CQ da EPRAMI, a que se candidatou…” (Cfr. Documento de fls. 124v (suporte físico), aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, junto ao processo cautelar n.º 383/19.9BEBRG, apenso aos presentes autos)

Omitiu-se, pois, ali, que com a referida notificação da admissão da autora ao referido procedimento concursal, se notificou igualmente da admissão das demais candidatas, a saber da contrainteressada M., com a pontuação de 12,20 valores, e de C., com a pontuação de 10,50 valores, o que é vertido nos termos seguinte no quadro nº 1 do Doc. nº 6 junto com o Requerimento Inicial do processo cautelar, para que a autora remeteu na Petição Inicial da ação, e em que a Mmª Juíza a quo igualmente se suportou:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

O que deve ser, agora, aditado.

Assim, o ponto 11. dos factos dados como provados na decisão recorrida, deve ser modificado nos termos sobreditos, passando dele a constar o seguinte:

11. «Em 24 de janeiro de 2019, através de e-mail, a Requerente foi notificada da sua admissão “ao procedimento concursal, para seleção de professor/formador no CQ da EPRAMI, a que se candidatou…”, com a pontuação de 12,60 valores, assim como da admissão das candidatas M. (contrainteressada), com a pontuação de 12,20 valores, e de C., com a pontuação de 10,50 valores»
(Cfr. Documento de fls. 124v (suporte físico), aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, junto ao processo cautelar n.º 383/19.9BEBRG, apenso aos presentes autos)

3.2 Do erro de julgamento de direito – (conclusões 1ª e 4ª a 6ª das alegações de recurso)

3.2.1 A recorrente sustenta que, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, os Tribunais Administrativos são competentes, em razão de matéria, para conhecer da ação. Defende para o efeito, nos ternos que expõe nas alegações de recurso, que não pretende na ação, apenas, atingir o contrato individual de trabalho celebrado entre a ré e a contra interessada, mas a nulidade de parte do procedimento concursal prévio à celebração do contrato individual de trabalho; que a recorrida é uma associação de municípios que se rege pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, o facto de o contrato de trabalho celebrado, após o procedimento concursal, através de contrato individual de trabalho, não prejudica a aplicação ao concurso do regime imposto por este diploma legal; que o procedimento concursal aberto pela recorrida, independentemente, de esta ter sido constituída por contrato, nos termos da lei civil, e de, nos termos do art. 26º do DL n.º 4/98, a contratação do pessoal docente e não docente se fazer através de contrato individual de trabalho, deve reger-se por força do disposto no art. 110º da Lei n.º 75/13, de 12 de setembro, pelos princípios da publicidade, da concorrência e da não discriminação em matéria de recrutamento de pessoal e que assim é competente, em razão de matéria, por força do mesmo diploma legal, o Tribunal Administrativo.

Vejamos.

3.2.2 Desde 1989 que a Constituição da República Portuguesa consagra a separação entre os tribunais judiciais, que compõem a jurisdição comum, da jurisdição administrativa e fiscal (cfr. atuais artigos 209º a 212º da CRP), separação que vinha já instituída pela legislação de 1984/85, com a aprovação do Estatutos dos Tribunais Administrativos e Fiscais – ETAF (Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de abril) e com a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos – LPTA (Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de julho). A repartição de competências entre as duas ordens de tribunais é feita, nos termos da Constituição, atribuindo aos tribunais judiciais competência genérica ou não discriminada, o que significa que são competentes para o conhecimento de todas as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (cfr. artigo 211° n.° 1 da CRP, nos termos do qual “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”).

Ao invés, os Tribunais Administrativos e Tributários têm a sua competência limitada às causas que lhe são especialmente atribuídas, competindo-lhes “o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” (cfr. nº 3 do artigo 212º da CRP).

Aquela norma incorpora, assim, uma cláusula geral positiva de atribuição de competência aos Tribunais Administrativos dos «litígios emergentes das relações jurídicas administrativas«, e que assim constitui a regra básica sobre a delimitação da competência jurisdicional dos tribunais administrativos com os demais tribunais: os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas são, em regra, julgados nos tribunais administrativos. Podendo afirmar-se, atualmente, que os Tribunais Administrativos são os tribunais comuns em matéria administrativa, detendo reserva de jurisdição nessas matérias, excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição – (a propósito das teses contrapostas da existência de uma reserva material de jurisdição atribuída pela Constituição aos Tribunais Administrativos, de natureza absoluta ou de natureza relativa, vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, inConstituição Anotada”, 3ª Edição, 1993, e Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in, Código de Processo Nos Tribunais Administrativos, Vol. I, pp. 21-25, e Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, in As Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, pp. 21 e segs.. José Carlos Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa”, 4ª Edição, p. 107 e segs., José Manuel Sérvulo Correia, in, “Estudos em Memória do Prof. Castro Mendes”, 1995, p. 254, Rui de Medeiros, in “Brevíssimos tópicos para uma reforma do contencioso de responsabilidade”, in CJA, nº 16, pp. 35 e 36, Jorge Miranda, in, “Os parâmetros constitucionais da reforma do contencioso administrativo”, in CJA, nº 24, p. 3 e segs.).

3.2.3 O âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, encontra-se atualmente definido no artigo 4º do ETAF, o qual sofreu, desde o diploma aprovador (a Lei nº 13/2002, na versão final revista que viria a entrar em vigor com o início da vigência da reforma de 2002-2004, dada pelas Leis nº 4-A/2003, de 19 de fevereiro e n.º 107-D/2003, de 31 de dezembro), as modificações introduzidas pela Lei nº 59/2008, de 11 de setembro, pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de outubro (este no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 100/2015, de 19 de agosto) e mais recentemente pela Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro.

3.2.4 Tendo a presente ação sido instaurada em 30/04/2019 (cfr. fls. 1 do SITAF e ponto 17. do probatório) importa coligir a redação do artigo 4º do ETAF na versão dada pelo DL. nº 214-G/2015, de 2 de outubro, em vigor à data, na medida em que a competência se fixa no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações que ocorram posteriormente (cfr. artigo 5º do ETAF).

Vejamos, então.

3.2.5 Nos termos do disposto no artigo 4º do ETAF (na versão do DL. nº 214-G/2015), compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto as seguintes questões, enunciadas nas alíneas a) a o) do seu nº 1, nos seguintes termos:
a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;
b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;
c) Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública;
d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos;
e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes;
f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo;
g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso;
h) Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público;
i) Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime;
j) Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos públicos, reguladas por disposições de direito administrativo ou fiscal;
k) Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas;
l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo;
m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas coletivas de direito público para que não seja competente outro tribunal;
n) Execução da satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de atos administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração;
o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores”.

E compete também aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos do nº 2 daquele mesmo artigo 4º do ETAF, dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade.

Encontrando-se expressamente excluídas do âmbito da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, para além das ações que tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa, das decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal e dos atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da ação penal e à execução das respetivas decisões (cfr. nº 3 do artigo 4º do ETAF) os processos que visem, nos termos enunciados nas alíneas a) a no nº 4 do artigo 4º do ETAF:
«a) A apreciação das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes ações de regresso;
b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público;
c) A apreciação de atos materialmente administrativos praticados pelo Conselho Superior da Magistratura e seu Presidente;
d) A fiscalização de atos materialmente administrativos praticados pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.»
3.2.6 Ressuma, assim, que o artigo 4º do ETAF (versão do DL. nº 214-G/2015) identifica e enumera os litígios cuja resolução compete aos tribunais administrativos (critério positivo) e aqueles que estão excluídos do seu âmbito de jurisdição (critério negativo), como concretização da cláusula geral fundada na CRP (jurisdição comum do direito administrativo), sem prejuízo de a enumeração positiva poder ser aditiva, quando visa atribuir competências que não caberiam no âmbito dessa cláusula e a enumeração negativa subtrativa quando visa retirar competências que restringem tal âmbito - (vide, a este respeito, José Carlos Vieira de Andrade, in, “A Justiça Administrativa, Lições”, Almedina, 15ª edição, 2016, pág. 104).

3.2.7 O critério material de competência dos tribunais administrativos assente no conceito de relações jurídicas administrativas, tomará como referência, atenta a multiplicidade de definições daquela relação, as destacadas por Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Código de Processo nos Tribunais Administrativos anotado”, Vol. I, Almedina, 2004, pág. 147, e com reporte a jurisprudência e a doutrina, nos termos seguintes: “(…) em princípio, aquelas que se estabelecem entre duas pessoas coletivas públicas ou entre dois órgãos administrativos (relações intersubjetivas públicas e relações interorgânicas), desde que não haja nas mesmas indícios claros da sua pertinência ao direito privado; aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos (seja ele público ou privado), atua no exercício de um poder de autoridade, com vista à realização de um interesse público legalmente definido (v. Acórdão do TC n.º 746/96, de 29 de Maio, e Vieira de Andrade, A Justiça..., cit., p. 55 e 56); aquelas em que esse sujeito atua no cumprimento de deveres administrativos, de autoridade pública, impostos por motivos de interesse público (v. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 2002, p. 137).”.
Revelando-se útil, neste contexto, convocar a síntese efetuada no acórdão do Tribunal de Conflitos de 24/05/2017, Proc. nº 030/16, disponível in, www.dgsi.pt/jcon, acerca dos critérios a utilizar para a identificação dos litígios da competência da jurisdição administrativa à luz do artigo 4º nº 1 do ETAF, que assim ali foi feita: “Na opinião de Gomes Canotilho e Vital Moreira (Cfr "Constituição da República Portuguesa - Anotada", Vol. II, 4ª edição revista, 2010, Coimbra Editora, pág. 566/567.), em anotação ao art. 212°, nº 3, da CRP «na jurisdição administrativa estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: 1- as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); 2- as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza "privada" ou "jurídico civil". Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal (cfr ETAF, art. 4.º).
O conceito de relações jurídico-administrativas deve ser entendido neste contexto como uma referência à possibilidade de alargamento da jurisdição administrativa a outras realidades diversas das tradicionais formas de actuação (acto, contrato e regulamento), complementando aquele critério. Pretende-se, com o recurso a este conceito genérico, viabilizar a inclusão na jurisdição administração do amplo leque de relações bilaterais e poligonais, externas e internas, entre a Administração e as pessoas civis e entre entes da Administração, que possam ser reconduzidas à actividade de direito público, cuja característica essencial reside na prossecução de junções de direito administrativo, excluindo-se apenas as relações jurídicas de direito privado. Trata-se de um conceito suficientemente dúctil e flexível para enfrentar os desafios do «novo direito administrativo», mas que não pode deixar de ser entendido como complementar da tradicional dogmática das formas de actuação administrativa.»
Vieira de Andrade (Cfr "A Justiça Administrativa", Lições, Almedina, 9.ª Edição, 2007, pág. 55.) diz ser a relação jurídica administrativa (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) "aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido''.
Mário Aroso de Almeida (Cfr "O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos", 2005 - 4.ª Edição, Revista e Actualizada, Almedina, pág. 57.) refere que "as relações jurídico-administrativas não devem ser definidas segundo um critério estatutário, reportado às entidades públicas, mas segundo um critério teológico, reportado ao escopo subjacente às normas aplicáveis. São, assim, jurídico-administrativas as relações jurídicas que, independentemente do estatuto dos sujeitos nelas intervenientes, sejam reguladas por normas de direito administrativo - isto é, segundo a melhor doutrina, por normas que atribuam prerrogativas ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais por razões de interesse público, que não intervêm no âmbito de relações de natureza jurídico-privada. São por isso, de direito administrativo muitas relações jurídicas litigiosas que eclodem entre privados, designadamente no domínio das agressões ao ambiente, quando a actividade dos particulares se encontra regulada por normas de direito administrativo e a lesão que, no desenvolvimento dessa actividade, elas causam às condições ambientais de outrem resulta especificadamente da infracção dessas normas."
É perante este conceito genérico de relação jurídica administrativa que se deve aferir o âmbito da jurisdição respectiva.

Sendo que, de todo o modo, como ali também se referiu, a enumeração exemplificativa feita no artigo 4º do ETAF quanto às questões ou litígios sujeitos ou excluídos do foro administrativo, é feito “(…) ora em concordância com a cláusula geral do art. 1º do ETAF, ora em desconformidade com ela”, na medida em que “(…)no art. 4.º do ETAF temos a determinar a competência da jurisdição administrativa através de uma enumeração positiva e uma enumeração negativa que referem litígios cuja solução compete ou não compete aos tribunais administrativos, circunstância que permite eliminar algumas dúvidas e determinar com mais exatidão o âmbito da respetiva jurisdição. Tal não significa, porém, que não subsistam problemas quanto a esse âmbito, seja porque as enumerações são exemplificativas, seja porque, sendo impossível uma identificação de todos os litígios ou até a sua classificação exaustiva, utilizam conceitos que carecem de precisão, seja ainda porque não prejudicam necessariamente a existência de legislação especial divergente. (...) A enumeração positiva é, em princípio, meramente concretizadora da cláusula geral que deriva da Constituição, mas tem de ser considerada aditiva, quando seja inequívoca que visa atribuir competências que não caberiam no âmbito definido por essa cláusula.

3.2.8 Pode, em face do sobredito, resumir-se, em termos gerais, e com vista à caracterização de uma relação material controvertida como configurativa de uma relação jurídica administrativa submetida de princípio, à luz do artigo 212º nº 3 da CRP, à competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, que para que se reconheça estar-se perante uma relação jurídica administrativa se impõe que uma das partes integre a Administração, seja um ente administrativo, e que atue dotada do seu ius imperium ou a coberto de normas públicas, ou que, não o sendo, esteja investida, por lei, no exercício de poderes públicos (vide, neste sentido, entre muitos outros, o acórdão deste TCA Norte de 20/12/2019, Proc. nº 2670/17.1BEBRG e o acórdão do Tribunal de Conflitos, de 15/05/2013, Proc. nº 08/13, in, www.dgsi.pt/jsta).

3.2.9 Simultaneamente, importa ter presente que, como é consensualmente entendido e aceite, seja na doutrina seja na jurisprudência, a competência do material tribunal deve ser aferida em função dos termos em que o autor configura a ação, ou seja, com base nos pedidos formulados e nos fundamentos que para tanto são invocados e que consubstanciam a causa de pedir.

A este propósito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 3ª Edição, pág. 125 afirmam que “…a competência do tribunal deve ser aferida pelos termos da relação jurídico-processual, tal como é apresentada em juízo pelo autor, independentemente da idoneidade do meio processual utilizado.”. Tal como ensinava, também, Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 91, dizendo que a competência do Tribunal se afere pelo quid disputatum ou o “quid decidendum” em antítese com aquilo que será mais tarde o “quid decisum, e, por conseguinte, de acordo com configuração que o autor faz da relação processual fundamentada nos factos e no direito constantes da Petição inicial, não dependendo, pois, da legitimidade das partes, nem da procedência da ação.

O que é secundado, entre muitos outros, pelos acórdãos do Tribunal de Conflitos de 19/01/2021, Proc. nº 063/19; de 19/01/2021, Proc. nº 018/20; de 03/11/2020, Proc. nº 045/19; de 06/02/2020, Proc. 022/19 ou de 19/06/2019, Proc. n.º 051/18, todos disponíveis in, www.dgsi.pt/jtcon.

3.2.10 Na situação dos autos a autora referindo-se ao dedignado “Procedimento Concursal para Contratação em Regime de Contrato de Trabalho a Termo Certo”, para seleção de professor/formador, para as áreas de linguagem e comunicação, nível básico, e língua, cultura e comunicação, nível secundário, para integrar Equipa do Centro Qualifica, da Escola Profissional do (...) – EPRAMI, objeto do anúncio publicado em 15/01/2019 na página eletrónica oficial daquela Escola Profissional, formulou a final da Petição Inicial da ação o seguinte pedido nos seguintes termos:
«Declarar-se a nulidade da deliberação do júri do concurso que decidiu designar uma entrevista para as candidatas admitidas a concurso, através da notificação datada de 24 de Janeiro de 2019;

Declarar-se a nulidade de todos os actos subsequentes do procedimento concursal e do contrato de trabalho celebrado ao abrigo de tal concurso.»

A autora referiu desde logo na Petição Inicial da ação que a circunstância de estar em causa a celebração de um contrato individual de trabalho não prejudicava a sujeição do procedimento de contratação aos princípios gerais da atividade administrativa, ao código do procedimento administrativo, aos princípios de publicidade, da concorrência e da não discriminação em matéria de recrutamento de pessoal e ao regime jurídico aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas, que, na sua ótica, não foram observados, e a que a ré estava submetida e que não observou, pelos termos e fundamentos que expõe ao longo daquele seu articulado inicial, entre os quais se incluem a falta de fixação prévia dos critérios e fatores de avaliação dos candidatos, e sua divulgação, com violação do princípio da igualdade e da imparcialidade, e a falta de fundamentação da decisão bem como a notificação da deliberação, não lhe permitindo conhecer os motivos da escolha da candidata.

3.2.11 Nos termos do disposto no artigo 4º nº 4 alínea b) do ETAF (versão do DL. nº 214-G/2015) encontram-se expressamente excluídos do âmbito da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, os processos que visem “a apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público”.

O que tem conduzido, e modo uniforme e reiterado, o Tribunal de Conflitos a considerar que se a ação tiver como fundamento uma relação laboral de direito privado, não subsumível num vínculo de emprego público, ela se encontra excluída da competência dos Tribunais Administrativos.

Assim, designadamente, se decidiu nos seguintes acórdãos do Tribunal de Conflitos, todos disponíveis in, www.dgsi.pt/jtcon:
- acórdão de 02/02/2016, Proc. nº 045/15, , em que se sumariou o seguinte: «Compete aos tribunais judiciais conhecer da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, prevista no art.º 26.º, n.º 1, al. i) e regulada nos artºs 186ºK a 186ºR do Código de Processo do Trabalho»;
- acórdão de 17/11/2016, Proc. nº 017/16, em que se sumariou o seguinte: «Os tribunais da jurisdição comum, concretamente os tribunais de trabalho, são os competentes para conhecer de um pedido de reconhecimento da existência de um «contrato de trabalho» entre a autora e um instituto público, da sua cessação, por «despedimento ilícito», e da «condenação do réu a pagar certas quantias que têm por fonte aquele contrato e este despedimento»;
- acórdão de 03/11/2020, Proc. nº 9/20, em que se sumariou o seguinte: «Se o fundamento da ação for uma relação laboral de direito privado, na qual o autor funda os direitos que invoca contra o réu, deve a causa ser conhecida pelos tribunais judiciais».

3.2.12 Resulta dos autos que a ré ADEMINHO é titular da ESCOLA PROFISSIONAL DO (...) (EPRAMI), e que esta publicitou na respetiva página eletrónica oficial, em 15/01/2019 o “Procedimento Concursal para Contratação em Regime de Contrato de Trabalho a Termo Certo” com vista à seleção de professor/formador, para as áreas de linguagem e comunicação, nível básico, cultura e comunicação, nível secundário, para integrar Equipa do Centro Qualifica, daquela escola.

Sendo consensual e não existindo divergência não consubstanciar aquele contrato de trabalho um vínculo de emprego público.

Pelo que o mesmo sempre se encontrará excluído do âmbito de competência da jurisdição administrativa, nos ternos do artigo 4º nº 4 alínea b) do ETAF (versão do DL. nº 214-G/2015), mesmo que fosse de configurar a ré ADEMINHO como uma pessoa coletiva de direito público.

3.2.13 Sustenta todavia a recorrente que não pretendia na ação atingir o contrato individual de trabalho celebrado entre a ré e a contra interessada, mas a nulidade de parte do procedimento concursal prévio à celebração daquele contrato individual de trabalho.

Não é, no entanto, isso o que se passa, já que a recorrente expressamente peticionou na ação, como supra se evidenciou, a declaração da nulidade do contrato de trabalho celebrado com a contrainteressada no desenvolvimento desse mesmo procedimento de recrutamento.

Aliás, a pretensão da autora, no que respeita aos ditos atos procedimentais cuja nulidade invoca (nas suas palavras, a deliberação do júri do concurso que decidiu designar uma entrevista para as candidatas admitidas a concurso, através da notificação datada de 24 de janeiro de 2019, bem como dos atos subsequentes do procedimento), só assumem relevância, interesse e utilidade com vista à «nulidade», que defende dever ser declarada, do contrato de trabalho que foi celebrado em 01/02/2019 entre a ré ADEMINHO e a identificada contrainteressada M..

3.2.14 Ora, não se vê como possa ser de considerar-se estarmos no âmbito de uma relação jurídica administrativa ou que a ação se destina à tutela de direitos fundamentais ou direitos e interesses legalmente protegidos no âmbito de uma relação de tal natureza, se o vínculo laboral a estabelecer não tem a natureza de um vínculo laboral público.

Isto quando, na hipótese normativa da alínea e) do mesmo nº 1 do artigo 4º do ETAF (versão do DL. nº 214-G/2015), apenas competirá à jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objeto a “validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”.

3.2.15 O contrato de trabalho celebrado entre a ré ADEMINHO e a identificada contrainteressada, e que a autora pretende afastar da ordem jurídica, assume natureza privada. Como assumiria o contrato que eventualmente fosse com ela celebrado.

3.2.16 Lembre-se que com a revisão do ETAF operada pelo DL. nº 214-G/2015, a atual alínea e) do nº 1 do artigo 4º substituiu o que na versão anterior se desenvolvia ao longo das alíneas b), e) e f) do nº 1 do artigo 4º do ETAF na sua versão original, fazendo-se agora apelo, para efeitos da delimitação do âmbito da jurisdição administrativa em matéria relativa à validade, interpretação e execução dos contratos e bem assim à validade dos atos que precedem a sua celebração, ao critério do contrato administrativo, e fora dele, a “quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”.
Significando, como refere Carlos Carvalho, inAlterações ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais”, em “Comentários à Revisão do CPTA e do ETAF”, AAFDL Editora, 2ª Edição, 2016, pág. 168, que ao remeter para a “legislação sobre a contratação pública” a alínea e) do nº 1 do artigo 4º do ETAF na nova versão faz “…apelo àquilo que se mostra disciplinado pelo Código dos Contratos Públicos”, para que remete.

O que tem como consequência que não sendo de configurar como administrativo o contrato cuja validade é posta em causa, ou a que se referem os atos que precedem a sua celebração, como claramente, nos termos sobre vistos, não é o caso, só será de afirmar a competência da jurisdição administrativa se o contrato foi celebrado, ou o devesse ser, nos termos da legislação sobre contratação pública, disciplinada atualmente no Código dos Contratos Públicos.

E tal não é o caso.

Isto quando, ademais, o Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo DL. nº 18/2008, de 29 de janeiro, exclui do seu âmbito de aplicação, os contratos individuais de trabalho, incluindo quanto aos procedimentos para a sua formação (cfr. artigo 4º nº 2 alínea a)).

3.2.17 O Tribunal de Conflitos no seu acórdão de 18/02/2016, Proc. nº 028/15, disponível in, www.dgsi.pt/jtcon, chegou, aliás, a solução semelhante, ainda que ao abrigo da versão do artigo 4º do ETAF anterior ao DL. nº 214-G/2015, entendendo que “não obstante muitos dos contratos individuais de trabalho da Administração Pública serem (ou poderem ser) precedidos de procedimentos de direito público, a regra de jurisdição administrativa da al. e), do n.º 1, deste art.º 4 não se aplica a tais contratos” e que a competência dos tribunais do trabalho sempre abrangerá, nos termos do artigo 126º n 1º, alínea b) da LOSJ (Lei de Organização do Sistema Judiciário), aprovado pela Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, “as questões emergentes de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho”.

3.2.18 O litígio objeto dos autos, encontra-se, pois, nos termos do exposto, excluído do âmbito da jurisdição administrativa.
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IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo-se, pelos fundamentos expostos, a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente – artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
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D.N.
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Porto, 5 de fevereiro de 2021


M. Helena Canelas (relatora)
Isabel Costa (1ª adjunta)
Rogério Martins (2º adjunto)