Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00102/06.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/25/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS
INDÍCIOS
Sumário:I - Impõe à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
II - Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.
III -Sendo aceite pela Administração Tributária que os serviços de publicidade foram prestados à Impugnante, embora não nos montantes referidos nas facturas e registados na contabilidade desta, impunha-se que aquela demonstrasse em que medida os serviços prestados foram os contabilizados pelo Clube emitente em causa e não os referidos nas facturas ou em que medida os preços constantes das facturas excediam os serviços efectivamente prestados à Impugnante.
IV – Não basta a Administração Tributária limitar-se a alegar, de forma genérica, que as facturas emitidas pelo Clube, relativamente a serviços de publicidade, apresentavam valores significativamente elevados, quando comparados com outras facturas com a mesma descrição, sem especificar as facturas e os serviços a que se reporta.
V - Pretendendo a Administração Tributária que o preço constante das facturas excede o preço real por que as operações foram realizadas, deveria ter colhido outros indícios factuais que pudessem justificar materialmente essa conclusão, designadamente e a título meramente exemplificativo: a desproporção entre os valores facturados e os valores de mercado dos serviços prestados, a divergência entre os valores das facturas em causa e de outras emitidas para serviços semelhantes e a desproporção entre as receitas geradas pelo emitente das facturas e a actividade por ele desenvolvida.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:R..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 20/05/2010, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade R…, Lda., CF 5…, com sede na Rua…, Vila Nova de Gaia, contra a liquidação adicional de IRC, derrama e respectivos juros compensatórios referente ao exercício de 2001, no montante global de 473.083,61 euros.


A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
I. A douta sentença sob recurso julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2001, por considerar que os indícios recolhidos pela Administração Tributária não permitem suportar objectivamente a conclusão a que chegou e na qual assentou a correcção à matéria tributável que subjaz à liquidação impugnada.
II. Subjacente ao acto tributário de liquidação adicional encontra-se uma acção de inspecção cruzada efectuada quer à impugnante quer ao V… Futebol Clube, conduzida pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, de cujas conclusões resultaram correcções de natureza aritmética ao lucro tributável declarado pela impugnante, por desconsideração de custos decorrentes de prestação de serviços de publicidade prestados pelo “V...”.
III. A desconsideração como custo fiscal das facturas em causa baseou-se na análise das facturas e respectivos meios de pagamento e fluxos financeiros, bem como no confronto com os registos contabilísticos do “V...”, da impugnante e das declarações prestadas em auto pelos dirigentes do clube, tendo os SIT concluído pela existência de indícios de facturação que têm por base negócios simulados no que respeita ao valor da prestação de serviços de publicidade facturada pelo clube à impugnante.
IV. Tal como se afirmou no relatório de inspecção, pese embora ter sido aceite a existência de serviços de publicidade prestados, as divergências de valores encontrados nos registos contabilísticos do clube, indiciaram as ilegalidades corroboradas nas referidas declarações prestadas pelos órgãos dirigentes do Clube, ao assumirem ser “prática corrente nesse ano, a emissão de facturas de publicidade de cujos valores o clube apenas cativava uma percentagem e o valor total do IVA, sendo o diferencial, conforme anotação nas entradas de caixa, entregue às firmas”.
V. Para o que ao caso importa, a questão fulcral situa-se em saber se os encargos com “publicidade” contabilizados pela impugnante e assentes em contratos de publicidade assinados entre esta e o “V... Futebol Clube”, deveriam ou não ser aceites como custos fiscais, face ao reconhecimento por parte do Clube de um proveito efectivo relevado contabilisticamente por valores inferiores aos emitidos e facturados à impugnante.
VI. Ou seja, a resolução da questão passa essencialmente pelo cotejo do ónus da prova.
VII. Tal como se invocou em sede de contestação e alegações, a Administração Fiscal fez prova da legalidade da sua actuação recolhendo indícios sérios e objectivos de que se estaria perante operações simuladas, competindo à impugnante a demonstração de que as operações comerciais referidas nas facturas foram realizadas pelo valor facturado, o que não logrou fazer.
VIII. Deste modo, afigura-se à Fazenda Pública que a impugnante procurou desviar a atenção do essencial da questão controvertida: a demonstração, em sede de inspecção tributária que, contabilisticamente, a impugnante registou custos que, por se encontrarem sustentados em registos contabilísticos tão divergentes quanto os apresentados pelos SIT, faz cessar assim a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte, e como tal, não pode o lucro tributável ser por eles afectado.
IX. A justificação para a inversão do ónus da prova, assente no princípio de que deve suportar o encargo da prova a parte que mais facilmente está em condições de a realizar, também se deva aplicar à relação tributária em sede tributária.
X. Para prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, nem a demonstração do pagamento do preço (pois tal é posto em causa pela confissão do emitente).
XI. Entende a Fazenda Pública que, contrariamente ao decidido, não poderá ser dado como provado que dos factos indicados no relatório não resulta um forte e elevado juízo de probabilidade de que os custos em causa são fictícios, deixando assim de cumprir com as exigências legais de fundamentação por não recolher indícios capazes da inverdade das transações.
XII. Considera-se, na douta sentença, que resultou provado que a impugnante fez prova de que pagou as facturas em causa pelo montante nelas expresso e que tais despesas eram indispensáveis para realização dos proveitos da impugnante.
Porém,
XIII. Não está em causa o alegado pagamento dos serviços, mas tão só saber se aqueles encargos podem ou não ser admitidos como custos, e em consequência, deduzidos ao lucro tributável.
XIV. Contrariamente ao doutamente decidido, importa não enfatizar a questão em torno da credibilidade (ou não) da escrita da impugnante, mas focalizar o desempenho dos serviços da AT no sentido de aferir se foram recolhidos e apresentados “indícios sérios e credíveis” de que as facturas emitidas pelo V... e contabilizadas pela aqui impugnante, não correspondiam a transacções reais, não tendo na base a prestação de serviços no montante nelas referido, por parte do Clube emitente.
XV. Situando-se a origem da emissão das questionadas facturas em “terceiro” com quem a impugnante, também fiscalizada se relacionou comercialmente, a objectiva dos serviços de inspecção tem, necessária e preferencialmente, que direccionar-se para os concretos moldes em que o emitente das facturas actuou, procurando conferir veracidade às operações que este inscreveu em tais documentos. (cfr douto Acórdão do TCAN, proferido no procº 0027/00 com data de 1/03/2007, que nos permitimos citar).
XVI. Daí que, no caso dos autos, seria ilógico que assim não se procedesse, tanto mais que estando em causa tão elevados custos com publicidade num clube praticamente desconhecido, cuja visibilidade é de âmbito local muito restrito, as declarações prestadas pelos responsáveis do Clube não podem ser irrelevantes e desprezíveis com o simples argumento de que se trata de conduta de terceiro, tanto mais que da prova produzida não é possível retirar a conclusão que os montantes facturados pela impugnante são reais.
XVII. Isto é, o que se pretende é evitar a dedução de encargos que não correspondam a operações reais, ou sendo-o, não correspondam aos verdadeiros custos das operações.
XVIII. Donde, os montantes contabilizados pela impugnante como custos, não são custos fiscais à luz do disposto no artº 23º do CIRC, porque decorrentes de operações fictícias.
XIX. Vale, assim, a desconsideração que deles fez a AT, ao abrigo do mesmo normativo (uma vez que configura uma verdadeira norma anti-abuso), apenas tomando como correcto e efectivo, para efeitos fiscais, o valor relevado pelo Clube na conta de proveitos “733-Publicidade”, como sendo este o montante de despesas efectivamente suportado pela “R…”, acrescendo, em consequência, a matéria tributável o montante de € 404 724,59.
XX. Por outro lado, sendo certo que o que importava ainda demonstrar era em que medida o aumento do volume de negócios nos anos em causa e posteriores, o foi por reflexo da referida estratégia de publicidade paga,
XXI. importava igualmente que a impugnante tivesse efectuado a prova, o que em nosso entendimento não logrou, que os encargos com a referida campanha constituíram a justa remuneração das vantagens obtidas pela impugnante com este contrato, entre outros indicadores viáveis, por comparação dos preços praticados com os custos de serviços análogos no mercado.
Contudo,
XXII. A prova produzida revela-se genérica e não conclusiva para os fins pretendidos pela impugnante, mais orientada para a prova da efectiva realização dos custos pela impugnante, assentando em explicações sobre a forma como se desenvolve a estratégia da concessão de exclusividade no sector automóvel e a necessária “agressividade”, entenda-se competitividade.
XXIII. Salvo melhor opinião, do exposto resulta que a impugnante não logrou provar o que constituiria seu ónus probatório,
XXIV. pelo que, não poderão ser considerados custos do exercício, ao abrigo do artº. 23º do CIRC, as quantias contabilizadas como “publicidade” suportadas pelas facturas emitidas pelo “V...” ora em causa nos autos.
XXV. Não se verificando qualquer ilegalidade no acto impugnado, entende a Fazenda Pública que a douta sentença padece de erro de julgamento no âmbito da interpretação da factualidade provada e na subsunção da mesma ao direito, violando o disposto nos normativos indicados, devendo considerar-se válido o acto tributário de liquidação e, como tal, manter-se na ordem jurídica.
Nestes termos,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, na parte que ora se recorre, com as legais consequências.

****
A Recorrida contra-alegou conforme segue:
A) É objecto deste recurso a sentença proferida nos presentes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada pela Recorrida, declarando ilegal a liquidação adicional de IRC, derrama e juros compensatórios, relativa ao período de tributação de 2001, no valor global de € 473.083,61 (quatrocentos e setenta e três mil, oitenta e três euros, e sessenta e um cêntimos).
B) Entende a Recorrida que bem andou o Tribunal a quo ao decidir naquele sentido, pelas razões que infra se enumerarão, devendo, por isso, ser mantida a decisão proferida em Primeira Instância.
C) A liquidação de IRC tem por fundamento o não reconhecimento de custos declarados pelo sujeito passivo.
D) Tendo o juízo da Administração Tributária assentado na consideração que o valor mencionado nas facturas em causa não corresponde à realidade, competia-lhe demonstrar a existência de indícios sérios e objectivos de que essas operações foram simuladas.
E) Afigura-se-nos, no entanto, que os indícios recolhidos pela Administração Tributária não permitem suportar a conclusão a que chegou.
F) Desde logo a Administração Fiscal não colocou em causa a realização das operações de publicidade.
G) Depois não pôs em causa a existência do pagamento.
H) Verifica-se, por outro lado, que as conclusões proferidas no Relatório de Inspecção se basearam, apenas e só, nas irregularidades verificadas no V... e na afirmação das pessoas que praticaram essas mesmas irregularidades.
I) Ou seja, todas as falhas apontadas pela Administração Fiscal são alheias à Recorrida que não tinha como as conhecer ou evitar.
J) Nenhuma incongruência ou irregularidade foi apontada à contabilidade da Impugnante, cuja credibilidade nunca foi abalada.
K) Referiu ainda a Fazenda Pública que algumas das facturas emitidas apresentam valores elevados, só que não indicou quais as facturas em causa.
L) Diz que os preços são elevados quando comparados com outras facturas com a mesma descrição, mas também neste caso não especificou as outras facturas e qual a comparação realizada.
M) Afirma que parte do preço pago ao clube voltou à esfera jurídica da Impugnante, mas, para além das declarações dos próprios dirigentes que, como muito bem refere a sentença poderiam ter todo o interesse em afirmar que não recebiam a totalidade do montante em causa, não foi apresentado qualquer outro indício que pudesse suportar essa afirmação.
N) Em face do exposto, a Administração Fiscal limitou-se a emitir um juízo meramente conclusivo e que não satisfaz a exigência de uma actuação administrativa materialmente fundamentada.
O) Porquanto não conseguiu justificar, de forma objectiva e com base em indícios sérios, a conclusão que o preço das facturas é simulado.
P) Nesta medida, não só o acto tributário é ilegal por falta de fundamentação.
Q) Como não há lugar a transferência do ónus da prova para a Recorrida.
R) Em todo o caso, a Recorrida não deixou de fazer prova de todos os factos invocados na Impugnação Judicial e que contrariam peremptoriamente o Relatório de Inspecção. Tendo-o feito através de prova documental e testemunhal.
S) Primeiro, provou de forma inequívoca a realização efectiva das operações de publicidade no V....
T) Além de ter celebrado contratos de publicidade com este clube, no exercício de 2001 e outros, que estipulavam a realização de publicidade no recinto do campo de jogos e publicidade sonora, a Impugnante era também a principal patrocinadora daquele clube de futebol, tendo realizado publicidade nas camisolas dos jogadores de futebol, na carrinha onde os jogadores eram transportados, nos mastros do estádio, em panfletos, etc, etc.
U) Segundo, resultou devidamente comprovado através dos depoimentos das testemunhas, que a estratégia definida pela Mitsubishi e pela Impugnante para atingir os objectivos de vendas foi concretizada, à data, com êxito. Tanto assim foi que a Impugnante foi reconhecida pelo seu bom desempenho, tendo sido considerada um dos maiores concessionários na venda de veículos “Canter”.
V) Terceiro, ficou também provado pelo depoimento das testemunhas que, apesar de a Impugnante reconhecer que o montante pago a título de publicidade ter sido elevado, representava, à data, o valor ajustado e normal de mercado praticado não só pelo V... mas também por outros clubes de futebol da mesma categoria.
W) Os montantes pagos a título de publicidade revelaram-se um investimento proveitoso em função dos resultados obtidos. Pois, para uma empresa que facturava 4 milhões de contos/ano, o valor dispendido em publicidade era adequado e proporcional face aos proveitos que permitiu obter.
X) Assim, atenta toda a prova produzida, resultou amplamente provado não só que as operações objecto das correcções realizadas pela Administração Fiscal foram as efectivamente praticadas, mas também que o valor resultante das facturas emitidas pelo V... foi o valor efectivamente entregue pela Impugnante aos dirigentes daquele clube.
Y) Os documentos relativos às despesas de publicidade encontram-se formalmente correctos, existem contratos de publicidade, existem cheques nos montantes das facturas e que foram levantados pelos dirigentes do clube e existe prova irrefutável assim como a publicidade se realizou.
Z) Demonstrou-se ainda que os valores pagos pela Impugnante como contrapartida da publicidade realizada junto do V... são compatíveis com os valores do mercado, pelo que as correcções efectuadas pela Administração Tributária revelam-se infundadas.
AA) Acresce que, a declaração dos dirigentes não permite, por si só, legitimar a conclusão que as quantias não relevadas contabilisticamente voltaram a dar entrada na esfera da Impugnante. Na verdade, não há nada que garanta que esses valores, levantados pelos próprios dirigentes (como é referido pela Administração Fiscal), tenham sido por eles utilizados noutros fins alheios ao clube.
BB) De resto da prova trazida aos presentes autos pelo Impugnante, resulta de forma inequívoca que os dirigentes do clube exibiam sinais exteriores de riqueza, não se entendiam quanto à gerência do clube e acabaram por marcar o declínio do clube com as suas guerras internas, que afugentaram os patrocinadores.
CC) Com efeito, atentas as razões aduzidas quer na petição inicial, quer em sede de inquirição de testemunhas, e devidamente comprovadas nestes autos, os indícios conhecidos à data de realização da acção inspectiva, não legitimam a conclusão da Administração Fiscal de que os valores tenham sido devolvidos à Impugnante. Pelo contrário, os factos conhecidos parecem indiciar que, em 2001, no todo ou em parte, os valores pagos terão sido utilizados pelos dirigentes do clube para manter, nesse período, as contas relativamente equilibradas.
DD) Face à prova produzida nestes autos, testemunhal e documental, dúvidas não podem restar a este Tribunal que o acto de liquidação impugnado padece de ilegalidade por preterição de formalidades essenciais, devendo, por isso, ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal a quo que muito bem andou ao decidir julgar procedente a Impugnação Judicial apresentada.
Em face de toda a factualidade exposta, e porque a douta sentença bem decidiu, deve a mesma ser mantida e o recurso apresentado pela Fazenda Pública considerado improcedente.
****
O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.
****
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
****
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento no âmbito da interpretação da factualidade provada e na subsunção da mesma ao direito; passando a resolução da questão essencialmente pelo cotejo do ónus da prova.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos:
a). A impugnante encontra-se enquadrada, para efeitos de IRC, no regime geral de determinação da matéria tributável, tendo iniciado sua actividade (comércio retalho veículos automóveis ligeiros, pesados, motociclos, tractores, reboques e semi reboques), em Fevereiro de 1989 - cfr. fls. 33 dos autos.
b).Na sequência de uma acção inspectiva levada a cabo pelos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária à impugnante relativamente aos exercícios de 2001 e 2002, foram efectuadas correcções técnicas à matéria tributável desta, nos termos que constam do relatório de inspecção junto a fls. 43 a 55 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
c). Das conclusões de tal acção de inspecção consta que tais correcções assentaram, designadamente, no seguinte:
“CAPÍTULO III. Descrição de factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
A - Evidências contabilísticas no “V... Futebol Clube
A.1) No ano de 2001, verificamos, pela análise aos proveitos do “V... Futebol Clube”, que algumas das facturas emitidas relativamente a serviços de publicidade, apresentam valores significativamente elevados, quando comparados com outras facturas com a mesma descrição.
A.2) Conferindo os lançamentos efectuados na contabilidade deparamo-nos com o registo em proveitos na conta “733 - publicidade” de um valor diferente do que consta da factura, não obstante o valor do IVA liquidado na mesma factura ter sido contabilizado na conta “243312 - IVA liquidado Publicidade” pelo valor efectivamente liquidado. O valor do proveito varia entre 8%, 10%, 15% e 16%. Pela consulta à pasta de “arquivo de controlo” de facturas, foi possível verificar, a evidência expressa por meio de anotações em algumas facturas, do valor efectivamente recebido (IVA ­+ % da factura).Veja-se a relação de valores facturados e valores contabilizados, na conta de proveitos 733 - publicidade, e 243312 - IVA liquidado, relativamente aos documentos emitidos para “R…, Lda”:
(…)
Através da relevação contabilística destes proveitos, deparamo-nos com o reconhecimento por parte do clube, de um proveito efectivo relevado na conta de resultados “733 – Publicidade”, de apenas 40.452,51 €, contrariamente aos 576.946,27 €, valor facturado. De referir que na contabilidade do “V...”, os pagamentos destas facturas, estão registados através da conta de disponibilidades - Caixa (11), apenas pelo montante contabilizado (inferior ao montante facturado).
A.3) Pela análise à situação do “passivo” do clube, reportada ao ano de 2001, verificou-se pela existência de necessidades financeiras, que foram supridas por empréstimos de sócios/bancos, conforme saldo reflectido na conta de balanço - “23 - Empréstimos obtidos”. Se os valores facturados em “Publicidade”, representassem os proveitos efectivos do clube, poderíamos encontrar uma situação financeira confortável, para fazer face à estrutura de custos declarado no ano de 2001, o que reforça a ideia de que os valores facturados não correspondem a proveitos efectivos do clube.
B) Evidências contabilísticas na “R…
B.1). Consultados os registos contabilísticos relativos a estas operações, efectuados pela “R…”, trabalho desenvolvido pela inspecção tributária ao abrigo do despacho nº 51499, procedimento que decorreu entre 09 FEV e 17JUN de 2004, verificamos que estas facturas foram registadas pelo seu efectivo valor, sendo que uma parte destas foram reflectidas numa conta de custos “62233 - Publicidade”, e outra numa conta de balanço - “273 - Acréscimos de custos”, conforme se apresenta:
(…)
Resumindo:
Apesar de todas as facturas terem sido emitidas com datas reportadas a 2001, a “R…” com a contabilização das facturas A29 e A30, na conta de balanço 273 - Acréscimo de custos, reporta o custo em publicidade no valor de 49.879,79€ para o ano de 2002.(…)
Todo o IVA reflectido nas facturas emitidas, foi deduzido, estando este repercutido nas respectivas declarações periódicas do IVA, enviadas para os Serviços em cumprimento do art. 28º e art. 40º do CIVA. (…)
B.2) Os meios financeiros que nos foram apresentados como sendo utilizados para pagamento das facturas de publicidade referidas, foram cheques sacados de diversas contas bancárias: (…)Estes cheques foram todos emitidos à ordem do “V... Futebol Clube”. Verificadas as cópias dos cheques, nomeadamente os versos, após desconto bancário, constatamos que estes foram todos endossados por F… (Presidente Adjunto) e por F… (Caixa), tendo sido levantados em dinheiro, por J…, vice-presidente do “V...” à data. Confrontados os Dirigentes do clube, em funções no ano de 2001, designadamente, os Srs. J… (…), F… (…), F… (…) e N… (…), lavrou-se um termo de declarações, no qual foi referido que: …”Confirmam o procedimento constatado no clube, sendo prática corrente nesse ano, a emissão de facturas de publicidade, de cujos valores o clube apenas cativava uma percentagem e o valor total do IVA, sendo o diferencial conforme anotação nas entradas de caixa, entregues às firmas…”.
C - Conclusão: Em face do exposto, afigura-se estarmos perante indícios que nos levam a concluir pela existência de facturação que tem por base negócios simulados no que respeita ao seu valor, consubstanciando condutas ilegítimas que visam a obtenção de vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem a diminuição das receitas tributárias.
D - CORRECÇÕES
D.1. Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC)
D.1.1. Custos não aceites fiscalmente - nº 2 do art. 23º do CIRC
Atendendo ao que foi concluído relativamente às facturas emitidas pelo “V... Futebol Clube”, para o sujeito passivo “R…”, a título de publicidade, estamos em presença de custos não aceites fiscalmente nos termos do nº 2 do art. 23º do CIRC, que se passam a quantificar. Uma vez que entendeu e aceita terem existido de facto, serviços de publicidade, prestados pelo “V...” à “R…” e considerando que na óptica do Clube, se considerou como correcto e efectivo o valor relevado na conta de proveitos - “733 - publicidade”, vai-se considerar este como sendo o montante da despesa efectivamente suportada pela “R...”, por estes serviços, conforme quadro tecnicamente apropriado para sua quantificação:
(…)
O remanescente, entre o valor relevado como custo na “R...” e o que se entende como sendo a despesa efectivamente suportada por esta, que ascende no ano 2001 a 404.724,59€ ….., vai ser considerado, nos termos do enquadramento do nº 2 do art. 23º do CIRC, como despesas ilícitas, uma vez que decorrem de comportamentos que indiciam a violação da legislação penal portuguesa. Assim e em conformidade vai-se proceder à correcção do lucro tributável dos exercícios de 2001 e 2002:
Ano 2001Ano 2002
Lucro tributável declarado86.766,92 €
Custos não aceites fiscalmente404.724,59 €
Lucro tributável corrigido491.491,52€
d). A impugnante exerceu o direito de audição prévia sobre o projecto do relatório de inspecção, nos termos que constam de fls. 35/40 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido.
e). No seguimento, foi efectuada uma correcção à matéria tributável da impugnante relativamente ao exercício de 2001, no montante de 404.724,59 euros (a matéria tributável passou de 86.766,92 para 491.491,51 euros) e apurado IRC em falta no valor de 267.206,02 euros (tributação autónoma - art. 81º, nº 1 do CIRC).
f). Com base nas correcções efectuadas, a Administração Tributária emitiu a liquidação adicional de IRC nº 8310116478, no montante de imposto a pagar de € 473.083,6, cuja data limite para pagamento voluntário ocorreu em 10/10/2005.
g). A presente impugnação foi instaurada em 9/1/2006 - cfr. fls. 2 dos autos.
h). A impugnante dedica-se há mais de 20 anos ao ramo de comércio e reparação automóvel na zona Norte, sendo concessionária da marca Mitsubishi na cidade de Vila Nova de Gaia e Matosinhos - cfr. fls. 124/148 dos autos.
i). A impugnante comercializa essencialmente veículos comerciais, ligeiros e pesados, com particular incidência sobre o modelo “Canter” - cfr. depoimento das testemunhas.
j). No início do ano de 2001, a Mitsubishi, conjuntamente com a impugnante, definiu um plano de desenvolvimento estratégico que se traduziu na imposição de objectivos de vendas discriminados por modelos e por zona geográfica - cfr. depoimento das testemunhas.
k). Tais objectivos implicavam que a impugnante tivesse que atingir um determinado volume de vendas nos concelhos de Vila Nova de Gaia e Matosinhos, para, desse modo, conseguir receber os “bónus de área” atribuídos pela marca - cfr. depoimento das testemunhas.
l). No caso de a impugnante não atingir os objectivos estabelecidos pela marca, os bónus não eram atribuídos e sofria penalizações, designadamente, ao nível da diminuição da margem de lucro obtida - cfr. depoimento das testemunhas.
m). Perante as exigências impostas pela Mitsubishi, a divulgação da marca pela impugnante era extremamente importante para conseguir conquistar o mercado alvo - o pequeno comerciante/empresário de Vila Nova de Gaia e Matosinhos - cfr. depoimento das testemunhas.
n). No ano de 2001, a impugnante apostou na realização de publicidade a vários níveis, designadamente, em revistas e jornais desportivos, clubes de futebol, exposições, provas de ciclismo, provas todo o terreno, publicidade sonora nos estádios de futebol - cfr. depoimento das testemunhas.
o).Para além da publicidade junto do “V...”, a impugnante organizou/promoveu os seguintes eventos: “Campeonato Mr Canter”; publicidade no Estádio das Antas; publicidade no jornal “O…” e na revista “M…”; participação em provas todo o terreno; patrocínio do Sport Clube D…; publicidade na revista especial sobre o Futebol Clube do P…, na revista “A…” e na revista “A…- cfr. fls. 68/115 dos autos.
p). Em 25/3/2001, a impugnante e o V... Futebol Clube celebraram um contrato de publicidade, válido pelo período de Março a Julho de 2001, através do qual o clube de futebol se comprometia a ceder àquela um espaço publicitário no campo de jogos e a realizar publicidade sonora e esta se comprometia a pagar pela referida cedência a quantia de 20.000.000$00, acrescida de IVA, conforme documento junto a fls. 60 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido.
q). Em 15/8/2001, entre a impugnante e o referido clube foi celebrado um contrato idêntico ao referido na alínea anterior, incluindo também a publicidade nas camisolas da equipa sénior e válido para o período de Agosto a Dezembro de 2001, pelo qual a impugnante se comprometeu a pagar a importância de 30.000.000$00, conforme documento de fls. 62 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido.
r). No âmbito dos referidos contratos, foi realizada publicidade nas camisolas da equipa de futebol, nos painéis do estádio e nas carrinhas do clube na qual eram transportados os jogadores - cfr. fls. 64, 66 e depoimento das testemunhas.
s). Com frequência, eram ainda solicitados apoios adicionais pelo V... Futebol Clube à impugnante - cfr. depoimento das testemunhas.
t). O investimento da impugnante em publicidade teve êxito, tendo esta sido considerada um dos maiores concessionários na venda de veículos “Canter” - cfr. depoimento das testemunhas.
u). A partir do 2º semestre de 2002, tornaram-se públicas as dificuldades financeiras do V... Futebol Clube - cfr. depoimento das testemunhas e doc. juntos.
v). No jornal “O Gaiense” de 26 de Outubro de 2002, foi publicado o artigo que consta de fls.117 dos autos (doc. 19, junto com a p.i) e cujo teor se dá por reproduzido.
w). No jornal “O G…” de 2 de Novembro de 2002, foi publicado o artigo que consta de fls.119 dos autos (doc. 20, junto com a p.i) e cujo teor se dá por reproduzido.
x). A partir da altura em que foram sendo conhecidas as dificuldades do Clube, a impugnante optou por fazer a publicidade de outra forma - cfr. depoimento das testemunhas.
y). Em Agosto de 2001, pela Mitsubishi foi emitida nota crédito a favor da impugnante, no montante de 1.453.195$00, referente a bónus de vendas na área - cfr. fls. 150 dos autos.
z). Dá-se por reproduzido o teor dos documentos juntos a fls. 152 (doc. nº 24 da p.i), fls.154/156 (doc. nº 25 da p.i), fls. 158 (doc. nº 26), fls.160/165 (doc. nº 27 da p.i), dos autos.
aa). A impugnante recebeu da Mitsubishi um prémio em “reconhecimento do excelente resultado de 1000 veículos conseguido em 1999 assim como o 1º lugar nas vendas da Canter” - cfr. fls. 167 dos autos.
ab). No exercício de 1999, a impugnante pagou a quantia de 25.525.000$00 ao Sport Clube D… - cfr. fls. 169 dos autos.
ac). Em 7/4/2006, a impugnante prestou garantia para suspensão da execução fiscal relativa à liquidação ora impugnada e às liquidações em causa nos processos de impugnação nº 129/06.1 BEPRT e nº 375/06.8 BEPRT, a correrem termos neste Tribunal, através de constituição de uma hipoteca voluntária sobre um terreno para construção, melhor identificado na escritura pública junta a fls.181/184 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
ad). As despesas com a escritura referida em ac) ascenderam a 4.961,07 euros e com o registo da hipoteca a 163,74 euros - cfr. fls. 186 e 189/190 dos autos.
ae). Posteriormente à apresentação da presente impugnação judicial, a Administração Tributária já reconheceu que o acto de liquidação padece de ilegalidade “designadamente no que diz respeito ao vício de erro nos pressupostos (…) relativamente à tributação autónoma, cfr. art. 81º, nº 1 do CIRC, do qual resulta o valor de imposto e juros compensatórios, dos montantes de € 267.206,02 e € 41 377,49, respectivamente” - cfr. fls. 204/213 dos autos.
*
Factos não provados:
Não se provaram outros factos além dos supra - mencionados.
*
Motivação da decisão de facto:
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na análise da prova documental produzida nos autos e nos depoimentos das testemunhas que revelaram conhecimento pessoal e directo da matéria em discussão e cuja credibilidade não foi posta em causa e na posição assumida pelas partes nos respectivos articulados.”
*
2. O Direito

Entende a Fazenda Pública que, contrariamente ao decidido, não poderá ser dado como provado que dos factos indicados no relatório não resulta um forte e elevado juízo de probabilidade de que os custos em causa são fictícios, deixando assim de cumprir com as exigências legais de fundamentação por não recolher indícios capazes da inverdade das transacções. Contrariamente ao doutamente decidido, importa não enfatizar a questão em torno da credibilidade (ou não) da escrita da impugnante, mas focalizar o desempenho dos serviços da AT no sentido de aferir se foram recolhidos e apresentados “indícios sérios e credíveis” de que as facturas emitidas pelo V... e contabilizadas pela aqui impugnante, não correspondiam a transacções reais, não tendo na base a prestação de serviços no montante nelas referido, por parte do Clube emitente.
Vejamos, então, o teor da sentença recorrida, na parte questionada pela Fazenda Pública:
“(…) Ora, afigura-se-nos que os indícios invocados pela Administração Tributária, designadamente, o registo dos proveitos na contabilidade do referido Clube por um valor inferior ao das facturas emitidas e declarações feitas pelos dirigentes daquele, de que parte do valor dos cheques emitidos era devolvido às empresas, não são suficientes para esta concluir que os valores pagos pela impugnante ao referido Clube, a título de publicidade, são os registados na contabilidade deste e não os registados na contabilidade da impugnante.
Com efeito, os valores pagos pela impugnante assentam em contratos de publicidade assinados por esta e pelo referido Clube, o respectivo pagamento foi efectuado através de cheques emitidos à ordem dos dirigentes do Clube e por estes descontados, nenhum facto é alegado de forma a suportar as declarações destes dirigentes de que parte desse montante lhes era devolvido (sendo de realçar o desentendimento entre os dirigentes do Clube quanto a questões financeiras e que veio publicitado nos órgãos de comunicação social local) e o IVA foi liquidado pela totalidade do montante constante das facturas.
Acresce que, não sendo posta em causa pela Administração Tributária a realização da publicidade contratada, impunha - se que esta apresentasse elementos concretos de que os valores acordados eram exorbitantes para aquele tipo de publicidade.
Porém, relativamente a esta matéria, a Administração Tributária limitou-se a alegar, de forma genérica, que facturas emitidas pelo V... Futebol Clube relativamente a serviços de publicidade apresentavam valores significativamente elevados, quando comparados com outras facturas com a mesma descrição, sem especificar as facturas e os serviços a que se reporta.
Em suma, sendo aceite pela Administração Tributária que os serviços de publicidade foram prestados à impugnante, embora não nos montantes referidos nas facturas e registados na contabilidade desta, impunha-se que aquela demonstrasse em que medida os serviços prestados foram os contabilizados pelo Clube em causa e não os referidos nas facturas ou em que medida os preços constantes das facturas excediam os serviços efectivamente prestados à impugnante.
Não o tendo feito, afigura-se-nos manifestamente insuficiente para desconsiderar os valores referidos nas facturas que a Administração Tributária se tenha bastado com as declarações dos dirigentes do Clube (os quais podiam, eventualmente, ter todo o interesse em afirmar que não recebiam a totalidade do montante em causa) e com a contabilidade deste.
Assim sendo, temos que os indícios recolhidos pela Administração Tributária não permitem suportar, objectivamente, a conclusão a que chegou e na qual assentou a correcção à matéria tributável da impugnante e que subjaz à liquidação impugnada.”
A questão que foi apreciada e decidida na sentença recorrida foi a de saber se os encargos com publicidade contabilizados pela impugnante deveriam ou não ter sido aceites como custos fiscais pela Administração Tributária.
A Administração Tributária, apesar de não questionar a existência de serviços de publicidade, não aceitou a totalidade dos custos contabilizados pela impugnante, a título de publicidade, como custos fiscais, por entender que, parte deles, decorrem de custos fictícios e, foi, assim, infringido o artigo 23.º do Código de IRC.
Assim, pela Administração Tributária apenas foi aceite como custo fiscal o montante registado na contabilidade do V... Futebol Clube (emitente das facturas referentes aos serviços de publicidade em causa).
Nesta conformidade, o fulcro do objecto do presente recurso reside em averiguar se a Administração Tributária fez a prova que lhe competia de verificação de indícios que permitissem concluir que as facturas contabilizadas pela Impugnante não têm subjacente, na sua totalidade, uma prestação de serviços de publicidade pelo Clube V....
No âmbito da regulamentação do Imposto Sobre os Rendimentos das Pessoas Colectivas/IRC, ocupa lugar de destaque e central importância o disposto no artigo 23.º do Código de IRC, sob a epígrafe “Custos ou perdas”. Segundo o n.º 1 deste normativo, para os efeitos de tal tributo, “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos ou para a manutenção da fonte produtora (…)”, seguindo-se nas suas alíneas uma apresentação exemplificativa de encargos que podem, desde que cumpram as exigências firmadas no n.º 1, ser erigidos a essa condição de custos ou perdas, como é o caso, dos “encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transporte, publicidade e colocação de mercadorias” – cfr. alínea b).
Sendo ínsito ao exercício de uma actividade comercial ou industrial por parte de uma pessoa colectiva que esta incorra na realização de despesas, a lei confere a possibilidade, no normativo em apreço e sem prejuízo de outros condicionalismos, de as mesmas serem relevadas, em sede de determinação do lucro tributável, a título de custos ou perdas, isto é, integrando uma componente negativa dos resultados obtidos em cada exercício fiscal.
Porém, na medida em que o giro comercial ou industrial pode implicar uma série alargada e diversificada de gastos e porque a estrutura empresarial e o exercício da actividade podem ser utilizados para imputar despesas só formal e aparentemente conectadas com o desenvolvimento da actuação assumida como objecto social, o legislador, no coligido n.º 1 do artigo 23.º do Código de IRC, fixou explícitos condicionalismos, exigências, para que os gastos, encargos, contabilizados como custos, possam, efectiva e casuisticamente, ser assumidos como tal e produzirem efeitos ao nível da determinação do lucro tributável.
Em primeira linha, é necessário comprovar a ocorrência e a indispensabilidade de tais gastos e, em seguida, é imperioso ligar a insubstituível necessidade de assumir esses encargos com a realização dos proveitos ou ganhos em cada exercício ou com a manutenção da fonte produtora, isto é, com a continuidade da pessoa colectiva, exercendo a actividade a que se propôs.
Na situação em análise, somente está em causa a consideração do custo ao nível da sua comprovação, no sentido de demonstração da efectiva realização da despesa pelo montante descrito nas facturas. Ou seja, a Administração Tributária não questionou a existência da prestação de serviços de publicidade à Recorrida pelo V... Futebol Clube, tendo entendido verificarem-se fortes indícios de simulação do respectivo valor.
No caso vertente, os indícios apontados pela Administração Tributária para sustentar a simulação de parte dos encargos contabilizados pela Impugnante, ora Recorrida, foram basicamente os seguintes:
a) O facto de algumas das facturas emitidas pelo V... Futebol Clube relativamente a serviços de publicidade apresentarem valores significativamente elevados, quando comparados com outras facturas com a mesma descrição;
b) O registo na contabilidade daquele Clube em proveitos na conta “733 - publicidade” de um valor diferente do que consta na factura, apesar de o IVA ter sido liquidado pelo valor constante da factura;
c) As declarações feita pelos dirigentes daquele Clube de que apenas recebiam o valor registado na contabilidade, sendo o diferencial entregue às firmas;
d) Da análise à situação do passivo do Clube ter resultado a verificação de necessidades financeiras, que não existiriam se os valores facturados em publicidade representassem proveitos efectivos do Clube;
d) O registo na contabilidade da impugnante de todas as facturas pelo seu efectivo valor;
e) Todos os cheques para pagamento das facturas em causa terem sido emitidos à ordem do “V... Futebol Clube”.
Em face destes indícios, a aqui Recorrida alegou que a Administração Fiscal se limitou a emitir um juízo meramente conclusivo e que não satisfaz a exigência de uma actuação administrativa materialmente fundamentada. Porquanto não conseguiu justificar, de forma objectiva e com base em indícios sérios, a conclusão que o preço das facturas é simulado.
Na verdade, a sentença recorrida, como vimos, acolheu esta linha, estando, portanto, implícito que o acto impugnado enferma de deficiente instrução, não se apresentando cabalmente fundamentado na desconsideração parcial dos custos com publicidade.
É este julgamento que a Recorrente rebate e reputa de errado e a Recorrida aplaude e pretende manter.
Efectivamente, indo de encontro à jurisprudência amplamente referenciada nos presentes autos, que nos abstemos de reiterar exaustivamente, impunha-se uma actuação da AT no sentido de demonstrar ou apresentar sérios indícios de que os custos em causa estavam indevidamente contabilizados pela Impugnante, em ordem a exercer o seu direito de corrigir o montante respectivo a título de custo fiscal – cfr. artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT). Para tanto, os serviços de inspecção colheram e verteram no relatório do procedimento inspectivo as específicas razões acima transcritas. Importando, agora, determinar, atento o objecto do recurso, se dessa exposição de motivos derivam fundamentos bastantes para desconsiderar parcialmente os custos com publicidade em apreço.
É ponto assente que sobre a AT incide o ónus de provar a existência de todos os pressupostos (de facto e de direito) que a determinaram a efectuar correcções ao declarado pelo contribuinte, incumbindo-lhe, por isso, indagar sobre a verificação do facto tributário que afirma ter existido, através da realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material (princípio da verdade material – cfr. artigos 50.º do CPPT e 58.º da LGT).
Isto significa que se impõe à AT abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a AT não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
No entanto, entende-se que tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.
A questão está em saber se no caso vertente a AT cumpriu, ou não, esse ónus de demonstração assim balizado, sendo que, em função dos elementos presentes nos autos, tem de entender-se, conforme decidido em primeira instância, que a AF não recolheu elementos demonstrativos suficientes de que os custos com publicidade foram empolados no seu valor.
Pretendendo a AT que o preço constante das facturas excede o preço real por que as operações foram realizadas, deveria ter colhido outros indícios factuais que pudessem justificar materialmente essa conclusão, designadamente e a título meramente exemplificativo: a desproporção entre os valores facturados e os valores de mercado dos serviços prestados, a divergência entre os valores das facturas em causa e de outras emitidas para serviços semelhantes e a desproporção entre as receitas geradas pelo emitente das facturas e as despesas resultantes das actividades por ele desenvolvidas.
Na verdade, como bem ficou dito na sentença recorrida, porque a AT não pôs em causa a realização dos serviços referidos nas facturas, impunha-se que esta apresentasse elementos concretos de que os valores acordados eram exorbitantes para aquele tipo de publicidade. Porém, relativamente a esta matéria, a Administração Tributária limitou-se a alegar, de forma genérica, que as facturas emitidas pelo V... Futebol Clube relativamente a serviços de publicidade apresentavam valores significativamente elevados, quando comparados com outras facturas com a mesma descrição, sem especificar as facturas e os serviços a que se reporta.
Tal é manifestamente pouco para indiciar suficientemente a simulação do preço mencionado nas facturas, nada permitindo concluir, contrariamente ao que pretende a AT, que parte do valor dos cheques emitidos para titular o pagamento das facturas tenha sido restituído pelo V... Futebol Clube à Impugnante.
Não pode excluir-se, sem mais, que os serviços referidos naquelas facturas tenham sido realmente prestados por aqueles valores, tanto mais que os cheques foram emitidos à ordem do emitente das facturas e descontados pelos dirigentes deste.
Por outro lado, sobre a desproporção entre o valor de mercado dos serviços prestados e o preço constante das facturas que, a nosso ver, constituiria a pedra de toque para indagar da simulação do preço declarado, no relatório que serviu de fundamentação às liquidações impugnadas não descortinamos referência alguma.
Ainda em relação ao aspecto da invocada inadequação dos preços praticados, o facto de os valores do encargo serem elevados não parece assumir a importância que a Administração Fiscal lhe assacou, já que, a confirmar-se um volume de negócios da Recorrida de cerca de 4 milhões de contos/ano, os gastos com publicidade não atingiriam percentagens significativas (menos de 3%) relativamente ao volume de vendas/negócios da empresa.
Em suma, sendo aceite pela Administração Tributária que os serviços de publicidade foram prestados à impugnante, embora não nos montantes referidos nas facturas e registados na contabilidade desta, impunha-se que aquela demonstrasse em que medida os serviços prestados foram os contabilizados pelo Clube em causa e não os referidos nas facturas ou em que medida os preços constantes das facturas excediam os serviços efectivamente prestados à impugnante.
Não o tendo feito, afigura-se-nos manifestamente insuficiente para desconsiderar os valores referidos nas facturas que a Administração Tributária se tenha bastado com a contabilidade deste e com as declarações dos dirigentes do Clube, os quais podiam, eventualmente, ter todo o interesse em afirmar que não recebiam a totalidade do montante em causa.
Pela sua pertinência, vide o julgamento efectuado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 17/12/2003, proferido no âmbito do recurso n.º 06563/02 e o teor do Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 09/03/2006, proferido no âmbito do processo n.º 173/04.
Por tudo o que ficou dito, afigura-se-nos que a AT não logrou provar a verificação dos requisitos que permitiam a sua actuação. Assim sendo, haverá que concluir-se pela ilegalidade dessa actuação e, consequentemente, pela ilegalidade das liquidações impugnadas.
A sentença recorrida decidiu nesse sentido, anulando, como pedido pela Impugnante, aquelas liquidações; por isso, não merece censura.


Conclusões/Sumário

I - Impõe à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
II - Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.
III -Sendo aceite pela Administração Tributária que os serviços de publicidade foram prestados à Impugnante, embora não nos montantes referidos nas facturas e registados na contabilidade desta, impunha-se que aquela demonstrasse em que medida os serviços prestados foram os contabilizados pelo Clube emitente em causa e não os referidos nas facturas ou em que medida os preços constantes das facturas excediam os serviços efectivamente prestados à Impugnante.
IV – Não basta a Administração Tributária limitar-se a alegar, de forma genérica, que as facturas emitidas pelo Clube, relativamente a serviços de publicidade, apresentavam valores significativamente elevados, quando comparados com outras facturas com a mesma descrição, sem especificar as facturas e os serviços a que se reporta.
V - Pretendendo a Administração Tributária que o preço constante das facturas excede o preço real por que as operações foram realizadas, deveria ter colhido outros indícios factuais que pudessem justificar materialmente essa conclusão, designadamente e a título meramente exemplificativo: a desproporção entre os valores facturados e os valores de mercado dos serviços prestados, a divergência entre os valores das facturas em causa e de outras emitidas para serviços semelhantes e a desproporção entre as receitas geradas pelo emitente das facturas e a actividade por ele desenvolvida.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 25 de Junho de 2015.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Mário Rebelo