Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02796/13..0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/27/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:PERDA DE MANDATO.
CADUCIDADE.
INELEGIBILIDADE.
INSOLVÊNCIA.
REABILITAÇÃO.
NULIDADE DA SENTENÇA.
Sumário:I) - O artigo 11º, n.º 3 da Lei 27/96, de 1 de Agosto, prevê um dever funcional para os magistrados do Ministério Público proporem a acção em 20 dias que não é um prazo de caducidade do direito de a propor.
II) - Não há nulidade da sentença por falta de especificação de fundamentos de facto ou de direito, nem omissão de pronúncia, simplesmente porque o recorrente entende que outros factos haveriam também de constar como provados e conduzir a outra solução, quando o tribunal explicitamente rejeitou relevância desses factos para questão a decidir no julgamento, fixando os demais e dizendo do direito.
III) - Não há erro de julgamento quando o tribunal não aprecia supostas causas de justificação ou excludentes da culpa que o não são.
IV) - Nos termos do art.º 6º, nº 2, a), da lei orgânica nº 1/2001, de 14/08 (LEOAL), são inelegíveis “Os falidos e insolventes, salvo se reabilitados”.
V) - Aquando da feitura desta lei, a figura da reabilitação tinha expressa previsão legal no CPEREF, deixando o CIRE de a prever.
VI) - Tratando-se de restrição em direito fundamental, mantém-se como adequada e proporcional a inelegibilidade se dela se ressalva verificação dos pressupostos que conduziam à reabilitação : cessação dos efeitos da falência e extinção dos efeitos penais decorrentes de indiciação (ou sequer esta existir).
VII) – Assim, pese o desaparecimento na lei da figura da reabilitação, não incorre em perda de mandato o candidato que reunia condições para que ela lhe fosse reconhecida, mas que simplesmente não a pode pedir por ulterior falta de previsão legal para a emissão de tal pronúncia judicial.
VIII) – Doutro modo ter-se-ia de considerar constitucionalmente ofensiva a inelegibilidade, por perder a ponderação que permitia a restrição.*
* Sumário elaborado pelo relator.
Recorrente:AJGF...
Recorrido 1:Ministério Público
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Perda de Mandato (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
AJGF..., residente na R. … Vila Nova de Gaia, interpõe recurso jurisdicional de despacho interlocutório e sentença proferida pelo TAF do Porto, que julgaram tempestiva e procedente acção administrativa especial de perda de mandato intentada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO.
O recorrente encerra o seu recurso com as seguintes conclusões e pedidos:
1º - Por despacho proferido a fls. 120 a 123, foi julgada improcedente a caducidade do direito de acção.
2º - O Recorrente invocou tal caducidade na contestação porquanto o Recorrido deu entrada da presente acção em 26 de Novembro de 2013.
3º - Como decorre do artigo 11º, n.º 3 da Lei 27/96 de 1 de Agosto, “O Ministério Público tem o dever funcional de propor as acções referidas nos números anteriores no prazo máximo de 20 dias após o conhecimento dos respectivos fundamentos.”
4º - A presente acção foi proposta após o decurso do prazo mencionado, tendo por base uma denúncia que originou o Processo Administrativo n.º 55/2013, junto dos Serviços de Contencioso Administrativo do Ministério Público do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
5º - Pese embora o Recorrente ter requerido a junção de tal Processo Administrativo aos presentes autos, entendeu-se em tal despacho indeferir esse pedido.
6º - Com a abertura de tal PA n.º 55/2013 teve o Ministério Público conhecimento dos fundamentos para intentar a presente acção, ou seja, teve conhecimento da investidura do Recorrente como membro eleito da Assembleia de Freguesia e da sua insolvência.
7º - Tal conhecimento ocorreu mais de 20 dias antes da data da propositura da presente acção pois já após a abertura de tal PA por ofício datado de 29-10-2013 foi solicitada a certidão da ata de instalação da Assembleia de Freguesia.
8º - Contrariamente ao que vem alegado nos artigos 20º e 21º da Petição Inicial, o prazo previsto não é meramente ordenador - cfr., a título exemplificativo, o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, Processo n.º 05576/09 de 05 de Novembro de 2009, disponível em www.dgsi.pt.
9º - Ao não declarar a caducidade, o tribunal “a quo” fez uma incorrecta interpretação do artigo 11º, n.º 3 da Lei 27/96 de 1 de Agosto, pelo que deve tal despacho ser revogado, declarando-se a caducidade do direito de acção e, consequentemente, deverá determinar-se a absolvição do Recorrente da instância.
10º - O MM. Juiz “a quo” errou na apreciação que fez na determinação dos factos com interesse para a decisão a proferir e na apreciação das provas produzidas.
11º - Para além dos factos 1) a 16) dados como provados, constantes de fls. 208 a 212 da douta sentença, foram alegados pelo Recorrente outros factos sobre os quais não foi feita qualquer menção e que, independentemente da posterior apreciação jurídica, têm manifesta relevância e interesse para a decisão.
12º - Por se tratar de matéria com interesse para a decisão da causa, deveriam ter sido dado como provados os seguintes factos, devidamente alegados pelo Recorrente na sua contestação:
13º: PONTOS DE FACTO QUE O RECORRENTE CONSIDERA INCORRECTAMENTE JULGADOS (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC):
17 - Em data anterior à da apresentação da sua candidatura o Réu teve o cuidado de se informar acerca da sua elegibilidade.
18 - Nessa altura o Réu teve conhecimento da existência de um Parecer emitido pela Comissão Nacional de Eleições em 19 de Fevereiro de 2013.
19 – O Parecer da CNE versa sobre a Inelegibilidade de cidadãos falidos e insolventes para os órgãos das autarquias locais.
20 - O Parecer da CNE termina com a seguinte conclusão:
“Assim, e face ao regime atualmente em vigor, afigura-se que só os cidadãos falidos e insolventes cujos processos de insolvência ainda não tenham sido encerrados nos termos e com as consequências previstas nos artigos 230.º e 233.º do CIRE, bem como os cidadãos devedores afetados pela qualificação da sentença de insolvência como culposa nos termos do artigo 189.º do CIRE estão abrangidos pela inelegibilidade constante da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º da LEOAL, estando, nessa condição, impedidos de se candidatarem aos órgãos das autarquias locais, durante o período temporal que decorrer até ao encerramento do processo de insolvência ou, na última situação, durante o período que durar a inibição resultante da qualificação da insolvência como culposa.”
21 - No “site” do Conselho Superior de Magistratura foi divulgado o texto actualizado da autoria do Exmo. Senhor Juiz de Direito Dr. António Fialho, sobre o processo eleitoral para os órgãos das autarquias locais.
22 - Esse texto destina-se a auxiliar os juízes no processo eleitoral para os órgãos das autarquias locais (câmaras municipais, assembleias municipais e assembleias de freguesia) que teve lugar em 2013.
23 - Na página 30 do mencionado texto, a propósito das inelegibilidades dos “falidos e insolventes, salvo se reabilitados”, faz-se a remissão para duas notas de rodapé (n.ºs 71 e 72).
24 - Na nota de rodapé n.º 71 é dito: “É difícil de concretizar o regime actual em vigor na medida em que o novo regime não prevê a figura da reabilitação do falido mas sim a previsão dos efeitos decorrentes do encerramento do processo (artigo 233.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), fazendo assim uma clara analogia entre ambos.
25 - A nota de rodapé n.º 72 transcreve a Deliberação da Comissão Nacional de Eleições proferida no âmbito do processo n.º 3-AL/2013, mencionando que “Cabendo exclusivamente aos tribunais a apreciação das situações de inelegibilidade dos cidadãos que integrem listas de candidatura, são inelegíveis para os órgãos das autarquias locais os cidadãos falidos e insolventes cujos processos de insolvência ainda não tenham sido encerrados nos termos e com as consequências previstas nos artigos 230.º e 233.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, na sua redacção actual, e até ao momento do encerramento do processo de insolvência, bem como os cidadãos devedores afectados pela qualificação da sentença de insolvência como culposa, durante o período que resultar da inibição nela fixada.”
26 - O Conselho Superior de Magistratura, nas directivas que decidiu divulgar, remete para as conclusões apresentadas na Deliberação da Comissão Nacional de Eleições, aproximando-se do entendimento aí perfilhado, valorando tal Parecer.
27 - O Réu agiu sempre convicto de que a sua situação estava abrangida pelo Parecer da CNE, o qual refere expressamente que o mesmo não se encontra numa situação de inelegibilidade.
28 – A convicção do Réu foi reforçada pelo texto divulgado no site do Conselho Superior de Magistratura.
14º - PROVAS QUE IMPÕE DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA (art. 640º, n.º 1, al. b) do CPC):
- Parecer emitido pela Comissão Nacional de Eleições, em 19 de Fevereiro de 2013, junto como documento n.º 1 na contestação apresentada pelo Réu.
- Texto divulgado no “site” do Conselho Superior de Magistratura:
- Conjugação dos depoimentos produzidos em audiência final, em concreto:
a) Depoimento da testemunha CAPCF...:
cfr. CD – acta de audiência de 11.03.2014 (gravação iniciada a 15:22:27):
De 01:07:30 a 01:07:42;
De 01:08:06 a 01:08:56;
De 01:10:13 a 01:12:41.
b) Depoimento da testemunha CMMM...:
cfr. CD – acta de audiência de 11.03.2014 (gravação iniciada a 15:43:32):
De 01:17:15 a 01:18:50;
De 01:19:32 a 01:20:35;
De 01:21:21 a 01:22:44.
c) Depoimento da testemunha JJELG...:
cfr. CD – acta de audiência de 11.03.2014 (gravação iniciada a 15:57:14):
De 01:34:17 a 01:35:22
15º - O Tribunal errou ao considerar que os factos agora enunciados não eram matéria relevante, não se pronunciando sobre os mesmos.
16 º - Atendendo às provas objectivas que os sustentam, devem os factos ora indicados ser aditados aos factos dados como provados.
17º - No que toca à aplicação do direito, incorre a douta sentença numa errada interpretação dos preceitos legais aplicáveis aos presentes autos.
18º - A questão que se coloca consiste em saber como interpretar e aplicar a norma do artigo 6º, n.º 2 al. a) da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto (LEOAL), quando preceitua:
“São igualmente inelegíveis para os órgãos das autarquias locais:
a) Os falidos e insolventes, salvo se reabilitados.”
19º - A figura da reabilitação do falido encontrava-se prevista no regime da insolvência em Portugal desde o Código Comercial de 1833 (Ferreira Borges) e foi mantendo-se nos regimes legais que lhe foram sucedendo.
20º - A reforma operada ao regime falimentar existente em Portugal com a aprovação do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência (CPEREF), aprovado através do Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de abril, manteve a figura jurídica da reabilitação do falido, no seu artigo 239.º.
21º - A cessação dos efeitos legais da falência em relação ao falido, que constituía pressuposto para a decisão de reabilitação do falido, encontrava-se estabelecida no artigo 238.º daquele Código.
22º - A reabilitação do falido ocorreria depois de levantada a sua inibição e desde que se mostrassem extintos os efeitos penais decorrentes da indiciação das infrações previstas no n.º 1 do artigo 224.º do CPEREF que, por sua vez, se reportava aos crimes contra direitos patrimoniais previstos no Código Penal de “insolvência dolosa” (227.º), “insolvência negligente” (228.º) e “favorecimento de credores” (229.º).”
23º - Daí que se entendesse que os efeitos decorrentes da declaração de falência, relativos ao falido, só pudessem ser levantados pelo juiz, bem como decretada a respetiva reabilitação, a pedido do interessado, nos casos em que não tivesse havido instauração de procedimento criminal e o juiz reconhecesse que o devedor tivesse agido no exercício da sua atividade com lisura e diligência normal.”
24º - O quadro legal vigente constante do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, com as sucessivas e abrangentes alterações que lhe foram sendo introduzidas pelos Decretos-Lei n.ºs 200/2004, de 18 de agosto, 76-A/2006, de 29 de março, 282/2007, de 7 de agosto, 116/2008, de 4 de julho, 185/2009, de 12 de agosto e pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, não prevê a figura da “reabilitação” do falido no âmbito do processo de insolvência.”
25º - Da análise ao mesmo, ressalta, porém, a consagração de incidentes (incidente pleno e incidente limitado) de caráter exclusivamente civil e destinados à qualificação da insolvência (como culposa ou fortuita) – arts. 185.º a 191.º – o que é inovador em relação à lei anterior (CPEREF).
26º - O incidente de qualificação da insolvência constitui uma fase do processo destinada a averiguar as razões que conduziram à situação de insolvência, possibilitando ao administrador de insolvência designado ou a qualquer interessado requerer de forma fundamentada a qualificação da insolvência como culposa (artigos 185.º e segs. do CIRE).”
26º - A insolvência culposa verifica-se quando a situação tenha sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave (presumindo-se a segunda em certos casos), do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, e indicando-se que a falência é sempre considerada culposa em caso da prática de certos atos necessariamente desvantajosos para a empresa.
27º - Essa avaliação pode naturalmente ter consequências penais (artigo 227.º e segs. do Código Penal), mas a qualificação atribuída neste incidente e em sede do processo de insolvência não é vinculativa para efeitos de causas penais (185.º do CIRE).
28º - Essa avaliação assume a máxima relevância para efeitos civis, dado que a qualificação da insolvência como culposa implica sérias consequências para as pessoas afetadas que podem ir da inibição da administração de património de terceiros por um período de 2 a 10 anos, à inibição temporária para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de cargos de titulares de órgãos de sociedades comerciais ou civis, empresas públicas ou cooperativas, a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência e a condenação a restituir os bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
29º - A inibição decretada ao cidadão insolvente relativamente à administração de património de terceiros por um período entre 2 e 10 anos, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE, leva-nos a considerar inelegível o cidadão sobre o qual venha ser decretada esta inibição (e apenas durante o período da mesma), atenta a ratio da norma constante da Lei Eleitoral traduzida na intenção do legislador em vedar o acesso aos órgãos das autarquias locais a cidadãos que se revelem incapazes de gerir o seu património pessoal.
30º - A reforçar este entendimento surge o facto da figura jurídica da reabilitação anteriormente constante do regime da insolvência em Portugal e a que a LEOAL ainda faz referência estar limitada – como resulta de quanto acima exposto – a situações de insolvência fortuita.
31º - De acordo com o CPEREF, a reabilitação do falido ocorria nos termos do disposto no artigo 239º.
32º - O referido em tal artigo levantamento dos efeitos da falência ocorre quando se verifica uma das seguintes situações previstas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 238º:
33º - Da leitura do disposto no artigo 239º e 238º do CPEREF ressalta o facto de a reabilitação poder ocorrer em diferentes circunstâncias, por motivos diversos, plasmados nas alíneas transcritas, pelo que há 4 situações distintas que conduzem à reabilitação do insolvente.
34º - Poderá encontrar-se similitudes entre o que vem referido na alínea c) do artigo 238º e a actual figura da exoneração do passivo restante, sendo essa apenas uma das alíneas referidas.
35º - A situação prevista na alínea a) corresponde, grosso modo, ao actual plano de pagamentos aos credores.
36º - A situação prevista na alínea d) configurando uma das que permite a reabilitação do insolvente, corresponde ao encerramento do processo de insolvência ressalvados os efeitos da qualificação da insolvência como culposa e ressalvada a eventual instauração de procedimento criminal.
37º - É essa a situação em que se encontra o Recorrente.
38º - No âmbito do Processo 1068/11.0TJPRT, que correu termos no 1º Juízo Cível do Porto, por sentença datada de 07.12.2012, o ora Recorrente foi declarado insolvente.
39º - O Recorrente contestou a Acção de declaração de insolvência e apresentou Recurso da Sentença que declarou a sua insolvência, motivo pelo qual não requereu o benefício do instituto de exoneração do passivo restante nem apresentou qualquer plano de pagamento a credores.
40º - Posteriormente foi proferido Acórdão a julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença, tendo a mesma transitado em 16 de Abril de 2013.
41º - Em 13 de Maio de 2013, no âmbito do processo de insolvência, foi publicitado Anúncio, sob o assunto “encerramento do processo”, e onde consta, entre o mais, que o processo de insolvência foi encerrado, por “insuficiência da massa insolvente”.
42º - Do Assento de nascimento do Recorrente constam os averbamentos atinentes à declaração de insolvência, assim como ao encerramento do processo de insolvência.
43º - O despacho de encerramento do processo de insolvência foi proferido em 9 de Maio de 2013.
44º - No âmbito do processo de insolvência não foi aberto o incidente de qualificação da insolvência, pelo que nunca a mesma foi qualificada como culposa.
45º - De acordo com o disposto no artigo 230.º do CIRE, com o encerramento do processo, cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, neles se devendo incluir a limitação aos direitos políticos do insolvente imposta pela LEOAL em matéria de inelegibilidade, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa.
46º - Como decorre do artigo 233.º do CIRE, o devedor recupera o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa, os credores da insolvência passam a poder exercer os seus direitos contra o devedor e os credores da massa passam a poder reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos.
47º - Em face ao regime atualmente em vigor, só os cidadãos falidos e insolventes cujos processos de insolvência ainda não tenham sido encerrados nos termos e com as consequências previstas nos artigos 230.º e 233.º do CIRE, bem como os cidadãos devedores afetados pela qualificação da sentença de insolvência como culposa nos termos do artigo 189.º do CIRE estão abrangidos pela inelegibilidade constante da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º da LEOAL, estando, nessa condição, impedidos de se candidatarem aos órgãos das autarquias locais, durante o período temporal que decorrer até ao encerramento do processo de insolvência ou, na última situação, durante o período que durar a inibição resultante da qualificação da insolvência como culposa.
48º - Como o CIRE deixou de compreender o regime de reabilitação, e não havendo presunção de culpa nas insolvências, a norma do artigo 6º, n.º 2 al. a) da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto apresenta-se como antagónica e discrepante com o disposto no artigo 233º, n.º 1, al, a) do CIRE.
49º - Nessa medida deve entender-se que a inelegibilidade prevista no artigo 6º, n.º 2, al. a) da Lei Orgânica n.º 1/2001 apenas poderá ter aplicação nos casos em que o processo de insolvência não tenha sido encerrado, ou, caso tal tenha sucedido, se a mesma for declarada culposa, através de incidente de qualificação.
50º - As inelegibilidades como restrições a um direito fundamental (que tem uma função iminentemente sancionatória) «devem limitar-se ao estritamente necessário a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» (in Jorge Migueis e Maria de Fátima Abrantes Mendes - Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, anotada e comentada, 2005, p.16), devendo nessa medida ser rigorosamente pautadas por uma justificação bastante, razoável, desproporcionada, indispensável, e determinada, tendo, como é bom de ver, o Tribunal Constitucional declarado inconstitucionais as normas que introduzem limitações a capacidade eleitoral activa dos condenados a prisão por crime doloso (Acórdão n.° 748/93).
51º - O artigo 6º, n.º 2 al. a) da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto, quando interpretado no sentido de que a excepção aí prevista (elegibilidade dos insolventes ou falidos, quando reabilitados) não se aplica às insolvências decretadas ao abrigo do CIRE, no qual não está prevista a figura da reabilitação, mesmo nos casos em que o processo de insolvência tenha sido encerrado e inexista qualquer qualificação da sentença de insolvência como culposa nos termos do artigo 189.º do CIRE, viola os artigos 48º e 50º da Constituição da República Portuguesa.
52º - INCONSTITUCIONALIDADE que aqui expressamente se invoca.
53º - Os dois Acórdãos do Tribunal Constitucional (n.º 588/13 e 553/13) mencionados na douta sentença versam sobre a situação de insolventes que requereram a exoneração do passivo restante, o que não sucede com o Recorrente.
54º - Nas situações em que há um despacho liminar de exoneração do passivo restante, apenas com a decisão final da exoneração prevista no artigo 244º do CIRE, é que ocorre a libertação definitiva dos débitos não integralmente satisfeitos no processo de insolvência ou nos 5 anos posteriores ao seu encerramento, permitindo a reabilitação económica do insolvente.
55º - Equipara-se assim esta situação ao disposto nas alíneas b) e c) do artigo 238º do CPEREF, sendo essa uma das situações previstas para que ocorra o levantamento dos efeitos da falência e, consequentemente, para que haja a reabilitação do falido.
56º - A situação do Recorrente é totalmente diversa desta, porquanto com o encerramento do seu processo de insolvência, ao cessarem todos os seus efeitos, o recorrente:
- não está privado da disposição dos seus rendimentos disponíveis;
- a sua gestão não está cometida a qualquer fiduciário;
- não existe sequer qualquer fiduciário;
- não está obrigado ao cumprimento de qualquer condição quanto a esse património.
57º - As exigências sobre o insolvente que requereu a exoneração do passivo restante justificam-se porque decorridos 5 anos desde o despacho liminar, ainda que não tenha pago um único euro, por não ter rendimento disponível, desde que cumpridas as obrigações ocorre a extinção de todos os créditos sobre a insolvência.
58º - No caso do Recorrente tal não sucede, nem nunca sucederá, pois as dívidas existentes não se extinguem.
59º - Com o encerramento do processo de insolvência do Recorrente cessam todos os efeitos da insolvência, tudo voltando ao normal, tanto em termos de deveres e obrigações como de direitos, não havendo legalmente qualquer restrição de uns ou outros.
60º - O afastamento da inelegibilidade do Recorrente decorre do encerramento do processo, da não qualificação da insolvência como culposa, bem como da conjugação do estabelecido no artigo 237º e na alínea d) do n.º 1 do artigo 238º do CPEREF e do disposto no artigo 233º, n.º 1, al, a) do CIRE.
61º - Em termos de efeitos, o Recorrente já não se encontra insolvente.
62º - O Recorrente pode comprar e vender bens; abrir e movimentar contas bancárias, constituir sociedades, ser sócio, gerente, administrador, etc., não tendo qualquer restrição quando comparado com qualquer outro cidadão.
63º - O Recorrente está, sem qualquer restrição, plenamente integrado na vida económica.
64º - Atendendo ao supra exposto, mormente às situações que se encontravam estabelecidas no CPEREF, para que ocorresse a reabilitação do falido, situações previstas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 238º, deve entender-se que a reabilitação pode ocorrer em diferentes circunstâncias, por motivos diversos, plasmados nas referidas alíneas.
65º - A situação prevista na alínea d) corresponde à actual figura do encerramento do processo de insolvência ressalvados os efeitos da qualificação da insolvência como culposa e ressalvada a eventual instauração de procedimento criminal.
66º - Deste modo, são elegíveis para os órgãos das autarquias locais os cidadãos insolventes cujos processos de insolvência tenham sido encerrados nos termos e com as consequências previstas nos artigos 230.º e 233.º do CIRE, desde que não tenha ocorrido a qualificação da sentença de insolvência como culposa, durante o período que resultar da inibição nela fixada.
67º - Estando o Recorrente nesta situação deve entender-se que o mesmo não se encontrava, nem se encontra numa situação de inelegibilidade, pelo que deve a Sentença ser revogada, julgando-se improcedente a acção e, consequentemente, não ser declarada a perda de Mandato do Recorrente.
68º - Ainda que se pudesse entender que a situação do Recorrente configuraria uma causa de inelegibilidade, ao mesmo não deverá ser aplicada a sanção de perda de mandato.
69º - Em face dos factos dados como provados (aqui se incluindo todos os factos que o Recorrente entende serem dados como provados, enumerados de 17 a 28, como supra exposto), existem causas objectivas de exclusão da culpa do Recorrente, o que, de acordo com o disposto no artigo 10º da Lei 27/96 de 01 de Agosto, conduz a que não haja lugar á perda de mandato.
70º - A douta sentença recorrida não faz a mínima alusão quanto a esta matéria, apesar da mesma ter sido devidamente alegada pelo Recorrente na contestação que apresentou (cfr. artigos 64º a 70º da Contestação).
71º - Tal ausência de pronúncia determina a nulidade da Sentença, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil.
72º - Pelo que, quanto a este ponto, a sentença recorrida enferma de nulidade, nulidade esta que expressamente se argui.
73º - Como decorre dos factos dados como provados, o Recorrente agiu sempre convicto de que a sua situação estava abrangida pelo Parecer da CNE, o qual refere expressamente que o mesmo não se encontra numa situação de inelegibilidade.
74º - Nos termos da Lei n.º 71/78, de 27 de dezembro à Comissão Nacional de Eleições impende a atribuição de "promover o esclarecimento objectivo dos cidadãos acerca dos actos eleitorais”, com a possibilidade de emissão de parecer sobre esta matéria.
75º - Ao promover “o esclarecimento objectivo dos cidadãos”, é natural e compreensível que os cidadãos acreditem e sigam as indicações e entendimentos que lhes são expressos pela CNE, confiando no que lhes é dito por quem tem essa competência.
76º - Foi o que fez o Recorrente.
77º - Tal convicção é reforçada pelo próprio texto divulgado no site do Conselho Superior de Magistratura, que refere ser “difícil de concretizar o regime actual em vigor na medida em que o novo regime não prevê a figura da reabilitação do falido mas sim a previsão dos efeitos decorrentes do encerramento do processo”.
78º - A ausência de culpa resulta também do próprio processo de declaração de insolvência, o qual foi encerrado sem que tenha ocorrido qualquer qualificação da mesma como culposa.
79º - A Perda de Mandato nas circunstâncias descritas consubstanciaria uma profunda e injusta restrição ao direito constitucionalmente protegido do Recorrente, da sua capacidade eleitoral passiva, prevista nos artigos 48º e 50º da CRP.
80º - Atendendo à exclusão de culpa do Recorrente não deverá ser aplicada ao mesmo a sanção de Perda de Mandato, pelo que deve a sentença ser revogada, declarando-se a acção improcedente.
TERMOS EM QUE, COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V.EXAS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA:
1 – DECRETAR-SE A CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO E, CONSEQUENTEMENTE, ABSOLVER-SE O RÉU DA INSTÂNCIA;
CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA:
2 – REVOGAR-SE A SENTENÇA RECORRIDA JULGANDO-SE A ACÇÃO IMPROCEDENTE, NÃO SE DECLARANDO A PERDA DE MANDATO;
3 – DECLARAR-SE A NULIDADE DA SENTENÇA POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 615º, N.º 1, ALÍNEAS B) E D) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
TUDO CONFORME AO SUPRA EXPOSTO, EM PREITO À JUSTIÇA

Por sua vez, o recorrido, conclui do seguinte modo:
1 - Em 04 de abril de 2014, o Meritíssimo Juiz de Direito a quo proferiu sentença na qual declarou a perda de mandato do ora Réu – AJGF..., com fundamento no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) da LEOAL, conjugado com o disposto no artigo 8.º, n.º 1, alínea b) – 2.ª parte - da Lei n° 27/96, de 01 de agosto.
2 - Em face desta decisão de perda de mandato, em 05 de maio de 2014, o Réu discordou da douta sentença a quo e impugnou de facto e de direito, através do competente recurso de apelação.
3 - Sendo que é pelas conclusões do recurso que se delimita o respetivo objeto como decorre das disposições conjugadas do artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil [CPC] ex vi artigo 1º e 42º, nº 2 ambos do CPTA, as questões a apreciar e decidir neste recurso de apelação interposto pelo Recorrente resumidamente são as adiante melhor identificadas.
4 - Se o artigo 6º, nº 2, al. a) da LEOAL quando interpretado no sentido de que a exceção aí prevista (elegibilidade dos insolventes ou falidos, quando reabilitados) não se aplica às insolvências decretadas ao abrigo do CIRE, no qual não está prevista a figura da reabilitação, mesmo nos casos em que o processo de insolvência tenha sido encerrado e inexista qualquer qualificação da sentença de insolvência como culposa nos termos do artigo 189º do CIRE padece de inconstitucionalidade por violar os artigos 48º e 50º da CRP.
5 - Se o Tribunal a quo fez incorreta apreciação e decisão final sobre a exceção dilatória de caducidade do direito de ação deduzida pelo Réu, a qual devia ter sido considerada provada e procedente, de modo que violou o disposto no artigo 11º, n.º 3 do RJTA.
6 - Se o Tribunal a quo incorreu em nulidade da sentença, por não ter incluindo factos – que no seu entender – deviam ter sido dados como provados suscetíveis de integrar causa de exclusão da culpa (artigo 10º RJTA), em manifesta violação do artigo 615º, nº 1, al. b) e d) do CPC.
7 - Se o Tribunal a quo fez incorreta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso concreto e por isso devia ter considerado improcedente por não provada a ação especial de perda de mandato.
8 - São estas, em suma, as questões a dirimir em sede deste recurso.
9 – Na opinião do ora Recorrente – AJGF..., o artigo 6º, n.º 2, al. a) da LEOAL é inconstitucional por violar o direito de capacidade eleitoral passiva dos cidadãos ainda que declarados insolventes, mas não culposos, de acordo com o princípio geral de garantia de participação política, previsto nos artigos 48º e 50º da CRP.
10 - Ora, a fixação desta causa de inelegibilidade geral para cargos das autarquias locais está inserida na exclusiva competência da AR, em lei da reserva absoluta, nos termos do artigo 164º, al. l) da CRP.
11 - Estamos, assim, perante a opção política vertida num ato legislativo inserido na ambito da sua função política e legislativa, cujo conhecimento está subtraído e vedado aos tribunais administrativos, nos termos do artigo 4º, nº 2, al.a] do ETAF.
12 - Ora, assim sendo não cabe aos tribunais administrativos aferir da sua legalidade e conformidade com a CRP, tanto mais que esta é uma faculdade da opção política do legislador quanto à fixação desta causa como de inelegibilidade geral passiva, pelo que esta matéria está subtraída e excluída da apreciação dos tribunais administrativos.
13 - Deste modo, deve ser excecionada, nesta parte, a competência material deste Tribunal para o conhecimento da inconstitucionalidade suscitada pelo ora Réu – AJGF..., com base neste fundamento, nos termos do artigo 4°, n° 2, al. a) do ETAF conjugado com o disposto nos artigos 576º, nº 1 e 2, 577º, al. a) ambos do CPC aplicável ex vi artigo 1º e 13º ambos do CPTA.
Ainda assim e não obstante,
14 – A norma do artigo 6º, nº 2, al. a) da LEOAL, na parte em que estabelece que o candidato a membro do órgão autárquico local que haja sido declarado insolvente sofre duma inelegibilidade geral passiva, não é inconstitucional, pois encontra justificação na necessidade de garantir a isenção e independência no exercício do cargo autárquico, contemplada no artigo 50º, nº 3 da CRP.
15 - Além disso, a referida inelegibilidade não se mostra desproporcionada e desadequada ao fim que se pretende prevenir, limitando-se ao necessário para salvaguardar os ditos valores de isenção e de independência que qualquer membro eleito local deve ter no exercício do seu munus público.27
[27 Note-se que o artigo 235º, nº 2 da CRP refere sobre este assunto: As autarquias locais são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas.” (sublinhado nosso).]
16 - A lei considera em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, de modo que o legislador procurou evitar que cidadãos que se revelem incapazes de gerir o seu património pessoal particular possam ser candidatos e eleitos locais, passando a ter acesso à administração do património público alheio.
17 - Aliás, o TC já se pronunciou sobre esta questão no acórdão nº 553/2013 e nº 588/13, de 12 de setembro onde rebateu e desconsiderou os argumentos aduzidos no Parecer da Comissão Nacional de Eleições (CNE), de 19 de fevereiro de 2013 e acabou por declarar que o artigo 6º, nº 2, al. a) da LEOAL não viola qualquer norma constitucional.
Por outro lado,
18 - O ora Recorrente invoca ainda como questão prévia sobre o mérito do recurso, a verificação da caducidade do direito de ação, classificando-a como exceção dilatória e que, na sua opinião, acarreta a absolvição da instância do Réu, nos termos do artigo 89º, n.º 1, al. h) do CPTA.
19 - Para esse efeito, refere que a ação deu entrada em 26 de novembro de 2013, quando a denúncia ao MP que originou o Processo dito Administrativo n.º 55/2013 dos Serviços de Contencioso Administrativo do Ministério Público junto do TAF do Porto é muito anterior, pelo menos a partir de 29.10.2013.
20 – Sucede que o prazo ínsito no artigo 11º, n.º 3 do RJTA, não é um prazo de direito substantivo (de caducidade) preclusivo do direito de instaurar a ação de perda de mandato, tal como acontece com o nº 4 da mesma norma jurídica.
21 - É antes um prazo de direito adjetivo, de carater meramente ordenador ou disciplinar, que não preclude a possibilidade de instaurar a ação de perda de mandato, mesmo para além dos 20 (vinte) dias após o conhecimento da denúncia, atenta a necessidade de carrear prova com vista a aferir da viabilidade na propositura dessa mesma ação. [Neste sentido: Ac. TCA Norte de 08.03.2007, Rec. 110/06.0 BEBRG e Ernesto Vaz Pereira in Da Perda de Mandato Autárquico, Liv. Almedina, Ed. 2009, nota 4 ao artigo 11º, p. 54.]
22 - Daí que, o MP tivesse tido o cuidado de referir isso mesmo no artigo 20º da sua PI como circunstância temporal justificativa, juntando para esse efeito como prova, o documento nº 7, no qual se pode comprovar a data de entrada do mesmo no TAF do Porto em 25 de novembro de 2013.
23 - Ora, a presente ação administrativa especial de perda de mandato deu entrada no TAF do Porto, em 26 de novembro de 2013.
24 – Acresce que este prazo só se possa iniciar a sua contagem a partir do momento em que o MP é possuidor de todos os elementos probatórios suscetíveis de serem carreados na petição inicial.
25 - Daí a sem razão dos argumentos usados pelo ora Recorrente.
26 - O ora Recorrente esgrimiu o argumento de que ainda na fase de pré-candidatura eleitoral, apercebeu-se do impedimento legal consistente na sua inelegibilidade geral passiva advinda da sua condição de insolvente e auscultou o seu ora mandatário judicial sobre este assunto, o qual lhe assegurou que juridicamente este quid – insolvência – não constituía obstáculo legal à sua candidatura e eventual eleição, sustentando esta sua opinião no Parecer da Comissão Nacional de Eleições (CNE), de 19 de fevereiro de 2013, o qual se encontra vertido no site do CSM.
27 - Pese embora tal argumentação por si veiculada neste recurso, a mesma não foi dada como assente na matéria de facto inscrita na douta sentença a quo ora posta em crise, de modo que, na sua opinião, a mesma padece de nulidade por violação do disposto no artigo 615º, nº 1, al. b) e d) do CPC.
28 - Para esse efeito, entende o ora Recorrente que a sentença a quo devia ter dado como assente a factualidade por si indicada como artigos 17º a 28º acima transcritos nesta peça recursiva.
29 - Ora, o artigo 615º, nº 1 do CPC, refere que “é nula a sentença:
b) - quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; e
d) – o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”.
30 - Compaginando a própria sentença a quo ora posta em crise nela é expressamente referida que:
“Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado, ou não provado.” (sublinhado nosso).
31 - E tal enunciação fática ainda que genérica e sumária é suficiente e bastante para se considerar que os pretensos factos aduzidos pelo ora Recorrente – o qual pretende sejam aditados à Matéria de Facto Assente - não possam ser considerados em face da convicção e motivação livre do Juiz a quo, na apreciação da prova.
32 - O qual, na sentença ora posta em crise, referiu:
“E quanto ao facto de o Réu ter pautado a sua conduta [como assim alegou] quer pelo teor do Parecer da CNE, assim como face ao divulgado pelo site do CSM, essa factualidade, só por si, é inócua, isto é, é irrelevante para aferir da sua condição de cidadão elegível, assim como, para sustentar [como o faz o Réu], a violação dos artigos 48.º e 50.º, ambos da CRP.”.
33 - Ora, o Juiz a quo pronunciou-se sobre estas duas questões, considerando-as como “não provados” os alegados factos que o ora Recorrente pretende que sejam levados à matéria de facto dada por assente e depois na fundamentação considerou-as, só por si, inócua ou irrelevante para aferir da sua condição de cidadão elegível, uma vez que ab initio o ora Recorrente já não era um cidadão elegível, em face da sua condição de insolvente e tal situação mantém-se após a eleição, uma vez que não foi reabilitado.
34 – Já no que concerne à questão da figura da “reabilitação”, não estar prevista no atual CIRE, em contra ponto com a “exoneração de passivo restante”, a qualificação da insolvência como “culposa” ou “fortuita” suscetível de gerar uma causa de exclusão da culpa, no recente Acórdão do STA, de 21.11.2013, in Processo n.º 1260/13 foi apreciada e decidida factualidade em tudo similar à que aqui objeto destes autos.
35 – E nele considerou-se como segue:
[...] o objetivo do instituto da exoneração do passivo restante é a extinção das dívidas e a libertação do devedor, para que, “aprendida a lição”, este não fique inibido de começar de novo e de, eventualmente, retomar o exercício da sua atividade económica. Está em causa a libertação definitiva dos débitos não integralmente satisfeitos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, permitindo a reabilitação económica do insolvente.
[...]
Na verdade, este período de cinco anos ainda está a decorrer, pelo que ainda não foi proferida a decisão final de exoneração prevista no artigo 244.° do CIRE.
[...]
Ora, uma vez que o processo de insolvência somente foi encerrado em 02/09/2011, ainda não decorreram cinco anos desde esse momento, pelo que o demandado ainda se encontra a cumprir as condições referenciadas supra.[...]
Ou seja, não se pode ainda concluir, de forma definitiva, ter tido o devedor um comportamento anterior ou atual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé, no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência. Só aí saberemos se é merecedor de uma nova oportunidade.
Ainda tendo subjacente a ideia do presente processo sancionatório, cabe, agora, ultrapassado o crivo do preenchimento do tipo de ilícito, apreciar o elemento “culpa”, por referência ao disposto no artigo 10.º da Lei n.° 27/96, de 1 de Agosto, no sentido de que não haverá lugar à perda de mandato quando se verifiquem causas que justifiquem o facto ou excluam a culpa dos agentes.
[...]
Pelo já exposto supra, verifica-se que em qualquer dos regimes vigentes após a entrada em vigor da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, a qualificação da insolvência como fortuita não significa que o insolvente se encontre reabilitado.[...]“ [sublinhado nosso]
Ou seja, não fará qualquer sentido apreciar, em concreto, a culpa do demandado nos moldes previstos no artigo 10.° da Lei n.° 27/96, de 1 de Agosto, e até chegar à conclusão que existem causas que justificam a insolvência e excluem a sua culpa, obviando à perda do mandato, mas depois ter que afirmar, de forma certa e segura, que o insolvente é inelegível, pois o disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 6.° da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, impede, por si só, a eleição de insolvente que não se encontre reabilitado [sublinhado nosso] ou que ainda não tenha “começado de novo” - fresh start, na terminologia dos Estados Unidos, adotada no nosso ordenamento jurídico.
Aliás, estando em causa já o final do mandato do réu, mostra-se, manifestamente, pouco relevante a perda do mesmo neste momento. Todavia, não podemos deixar de afirmar que o demandado não reúne as condições de elegibilidade (capacidade eleitoral passiva) no âmbito das muito próximas eleições, por ter sido declarado insolvente e ainda não ter sido proferida a decisão final de exoneração prevista no artigo 244.° do CIRE, que permite retirar a ilação de estar o réu reintegrado plenamente na vida económica. (sublinhado nosso)
36 - A evolução do quadro normativo do CPEREF para o CIRE veio demonstrar que a figura da reabilitação prevista no anterior CPEREF não está plasmada qua tale no atual CIRE.
37 - Porém, esta asserção somente é válida quanto ao nomen juris da figura da “reabilitação”, a qual deixou com esse nome de existir, mas passou a ter como legítimas sucessoras, outras duas figuras jurídicas com denominações diferentes no atual CIRE, a saber: a “exoneração do passivo restante” e o “plano de pagamentos”.
38 - A este propósito, os pontos 44 a 46 do Preambulo do CIRE, onde se faz uma análise comparativa com o anterior regime do CPEREF são muito explícitos sobre esta matéria.
39 - Donde se conclui que o atual regime do CIRE, prevê figuras jurídicas como a “exoneração do passivo restante” e do “plano de pagamentos aos credores”, que mais não são do que legítimos sucessoras do instituto da “reabilitação” tal qual estava prevista no CPEREF.
40 - Figuras jurídicas que não se discutem nos nossos autos, porquanto no âmbito do processo falimentar o ora Recorrente não fez uso de qualquer das mesmas a saber: a “exoneração do passivo restante” ou o “plano de pagamentos aos credores”, tendo antes optado por deixar encerrar o processo de insolvência sem mais, por insuficiência da massa insolvente.
41 - O ora Recorrente retira a conclusão de que encerrado judicialmente o processo de insolvência, cessam todos os efeitos que resultem da declaração de insolvência, neles se devendo incluir a limitação dos direitos políticos do insolvente imposta pela LEOAL em matéria de inelegibilidade geral passiva.
42 - Daí não se poder retirar a conclusão contrária, isto é, de que o insolvente readquire o direito de poder se candidatar a órgãos autárquicos, não obstante a sua situação de insolvência ainda se manter, visto que aqueles débitos de que redundaram na declaração judicial da sua insolvência ainda não foram pagos, designadamente através do instituto da exoneração do passivo restante reconduzível à figura da reabilitação.
43 - Esta exoneração funciona como “…extinção das dívidas e a libertação do devedor, para que, aprendida a lição, este não fique inibido de começar de novo e de, eventualmente retomar o exercício da sua atividade económica.”.
44 - “Está em causa a libertação definitiva dos débitos não integralmente satisfeitos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, permitindo a reabilitação económica do insolvente – emblematicamente designada de modelo fresh start ou da nova oportunidade.[In Acórdão do STA, de 21.11.2013, proc. 1260/13, 1ª seção, JSTA 000P16602 in www.sta.pt. ]
45 - Ora, aquilo que o legislador proibiu de entrar pela porta, não pode penetrar pela janela, pois caso contrário estava encontrada a maneira capciosa de ser judicialmente declarado insolvente, por insuficiência da massa insolvente, em virtude de ter ficado em dívida para com terceiros credores a nível individual e não obstante tal, ficar automaticamente reabilitado a poder gerir o património público alheio a nível coletivo.
46 - Quando a lei no seu artigo 8º, nº 1, al. b) do RJTA refere que “Incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos…que após a eleição, …relativamente aos quais se tornem conhecidos elementos reveladores de uma situação de inelegibilidade já existente, e ainda subsistente, mas não detetada previamente à eleição” está a querer referir-se à data após a sua eleição.
47 - Pese embora, este artigo 8º, nº 1, al. b) do RJTA tem que ser conjugado necessariamente com a causa ex ante estipulada no artigo 23.º, n.º 3 da LEOAL quando refere que “A declaração de candidatura é assinada conjunta ou separadamente pelos candidatos, dela devendo constar, sob compromisso de honra, que não estão abrangidos por qualquer causa de inelegibilidade…”, o que faz reportar a causa de inelegibilidade geral passiva – a insolvência - à data da candidatura à eleição, ou seja, antes da data designada para a eleição ao órgão autárquico
48 – A perda de mandato só pode ser decretada nas situações taxativamente indicadas na lei e fora desses casos inexiste fundamento para decretar tão grave sanção.
49 - Excetuados os casos em que o dolo é legalmente exigível na configuração da infração, a perda do mandato só pode ser decretada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não mera culpa ou simples negligência no cumprimento de um dever ou duma obrigação legal. E isto porque a perda de mandato de alguém que foi democraticamente eleito só deve ser decretada quando houver uma relação de adequação e proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção.
50 - Assim, in casu existe culpa grave e relação de adequação e proporcionalidade entre a falta e a perda de mandato quando aquela consistiu desde logo em - falsearos dados pessoais na apresentação da candidatura “RM...: Porto, Nosso Partido” em que estava inserido, ao subscrever a declaração de candidatura assinada, conjunta ou separadamente pelos candidatos, dela constando,… sob compromisso de honra, que não estão abrangidos por qualquer causa de inelegibilidade…” prevista no artigo 23º, nº 3 da LEOAL o que sabia não corresponder à verdade - e subsequentemente no ato de investidura no cargo de membro da Assembleia de Freguesia e subsequente nomeação para Presidente da Junta de Freguesia - ao escamotear a sua condição de insolvente - constitutiva ab initio duma causa de inelegibilidade geral passiva prevista no artigo 6º, nº 2, al. a) da LEOAL.
51 - O Recorrente alega que ainda na fase de pré-candidatura eleitoral apercebeu-se do impedimento legal consistente na sua inelegibilidade geral passiva e auscultou o seu ora mandatário judicial sobre este assunto, o qual lhe assegurou que juridicamente este quid – insolvência – não constituía obstáculo legal à sua candidatura, sustentando esta sua interpretação sobre o artigo 6º, nº 2, al. a) da LEOAL no Parecer da Comissão Nacional de Eleições (CNE), de 19 de fevereiro de 2013, o qual está vertido no site do CSM.
52 - Ora, ainda que tal seja verdadeiro, não podemos deixar de salientar que um candidato a eleições autárquicas, com experiência na gestão autárquica advinda de mandato anterior, tenha ficado convencido com a opinião de um advogado sustentada noutra opinião de um jurista da CNE, ao arrepio daquilo que já era jurisprudência consolidada no Tribunal Constitucional sobre esta matéria. [Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 553/2013, de 12 de setembro e Acórdão do Tribunal Constitucional nº 588/2013, de 17 de setembro.]
53 - Por outro lado, a lei é muito clara e rigorosa sobre esta matéria quando refere que o insolvente constitui causa de inelegibilidade geral passiva, nos termos do artigo 6º, nº 2, al. a) da LEOAL, sem distinguir se a mesma é qualificada ou não.
54 - Daí que a lei seja a primeira fonte de direito (ao contrário de meras opiniões jurídicas vertidas em pareceres), não podendo agora o ora Recorrente querer escudar a sua candidatura inválida às eleições autárquicas e a sua posterior eleição ilegal na opinião de um causídico que, por sua vez, se tinha estribado no parecer de outro jurista (CNE).
55 – O Recorrente, à data da sua candidatura às eleições autárquicas de 2013/2017 objetivamente já era um cidadão inelegível, pelo que neste momento é irrelevante apreciar a eventual causa de exclusão da culpa posteriormente a ter sido eleito.
56 - Na verdade, tendo em conta a factualidade dada como provada foi feita correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, sendo que a argumentação aduzida pelo ora Recorrente de maneira nenhuma põe em causa fundamentação da decisão recorrida, no sentido que se mostram preenchidos os requisitos da sua perda de mandato, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) da LEOAL, e porque foi eleito, atento o disposto no artigo 8.º, n.º 1, alínea b) – 2.ª parte – do RJTA.
Assim,
57 - É inútil apreciar as razões de ciência do ora Recorrente sobre a sua discordância relativamente à matéria de facto dada como assente na sentença a quo, porquanto os factos pretensa e incorretamente julgados redundam na causa de exclusão da culpa ora invocada, que como se viu é inócua.
58 - Nestes termos e no mais de Direito deve este recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença a quo que considerou a ação procedente, por provada e condenou o ora Recorrente – AJGF... na perda de mandato.
*
Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), vêm os autos a conferência.
*
As questões colocadas a recurso versam:
I) - quanto ao despacho interlocutório : a caducidade da acção;
I) - relativamente à decisão final: a da sua nulidade; o aditamento à matéria de facto; a solução jurídica dada no caso quanto à inelegibilidade imputada ao recorrente, alicerçada no art.º 6º, nº 2, a), da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto.
Passemos à sua análise.
*
Caducidade do direito de acção
O recorrente impugna decisão interlocutória, de 14/01/2014, que não atendeu à excepcionada caducidade da acção.
Esgrime com o disposto no artigo 11º, n.º 3 da Lei 27/96, de 1 de Agosto, “O Ministério Público tem o dever funcional de propor as acções referidas nos números anteriores no prazo máximo de 20 dias após o conhecimento dos respectivos fundamentos.”.
Entende que este é um prazo de caducidade, conforme Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, de 05 de Novembro de 2009, Processo n.º 05576/09.
Circunstancialmente: deduz a ultrapassagem do prazo porque o recorrido deu entrada à acção em 26 de Novembro de 2013, sendo que com a abertura do respectivo PA n.º 55/2013 teve o Ministério Público conhecimento dos fundamentos para intentar a presente acção, e tal conhecimento ocorreu mais de 20 dias antes da data da propositura da presente acção, pois, já após a abertura de tal PA, por ofício datado de 29-10-2013 foi solicitada a certidão da ata de instalação da Assembleia de Freguesia.
A decisão em causa teve por fundamento (sic):
1 - Na Contestação apresentada pelo Réu, e sob os pontos 1.º a 11.º suscitou o mesmo a ocorrência da caducidade do direito de acção.
Tendo sido determinada a notificação do Autor, o mesmo veio esgrimir argumentos contra a invocada caducidade, concluindo pela sua improcedência.
Cumpre apreciar e decidir.
Sustentou o Réu que o Ministério Público devia propor a presente acção no prazo de 20 dias, nos termos do artigo 11.º, n.° 3 da Lei n.° 27/96, de 01 de Agosto, e que os fundamentos para intentar a presente ação eram já do seu prévio conhecimento, porque foi solicitada a emissão e certidão da ata de instalação da Assembleia de freguesia, por oficio datado de 29 de outubro de 2013.
O Autor sustentou que a certidão que requereu, apenas lhe foi enviada em 25 de Novembro de 2013, e que a acção foi apresentada no dia seguinte [dia 26 de novembroj, tendo sido tempestivamente apresentada.
E como julgamos, assiste razão ao Autor
Com efeito, pese embora o Ministério Público poder atuar, para prossecução da legalidade objectiva, com base em denúncias, de todo o modo, o recurso aos meios processuais adequados só pode ser levado a cabo, no momento em que disponha da necessária base documental.
E face ao que resulta do processado nos autos, a ata de investidura dos membros do executivo da Junta de freguesia, apenas foi remetida por telecópia em 25 de Novembro de 2013, razão porque, tendo a Petição inicial que motiva os presentes autos, sido entregue neste Tribunal em 26 de Novembro de 2013, foi respeitado o prazo de 20 [vinte] dias a que se reporta o referido artigo 11.°, n.° 3 da Lei n.° 27/96, de 01 de Agosto.
Termos em que, julgo improcedente a invocada caducidade do direito de acção.
As circunstâncias não são contestadas.
Mas, a nosso ver, não suportam o direito que delas o recorrente quer retirar.
Em apoio à posição contrária, invoca o recorrido em contributo: Ac. TCA Norte de 08.03.2007, Rec. 00110/06.0 BEBRG, e Ernesto Vaz Pereira in Da Perda de Mandato Autárquico, Liv. Almedina, Ed. 2009, nota 4 ao artigo 11º, p. 54.
Quanto a nós, o prazo (nº 3) não é de caducidade.
Prevê o artigo 11º da Lei 27/96, de 1 de Agosto:
1. (…)
2. (…)
3. O Ministério Público tem o dever funcional de propor as acções referidas nos números anteriores no prazo máximo de 20 dias após o conhecimento dos respectivos fundamentos.
4. As acções previstas no presente artigo só podem ser interpostas no prazo de cinco anos após a ocorrência dos factos que as fundamentam.”
Constitui doutrina e jurisprudência pacíficas que o prazo de propositura de acções é um prazo de caducidade (Pires de Lima e Antunes Varela in CC Anotado, 2ª ed, pág. 252).
Preceito geral aplicável, diz-nos o art.º 298º, nº 2, do CC que “Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.”.
O que explicitamente se assinala e se tem em atenção no nº 3 da norma é um dever funcional, não um direito, cuja inobservância pode alicerçar eventuais responsabilidades, mas que não é preclusivo quanto ao prazo.
Sobre o direito à acção rege o nº 4, em que se comina um prazo para que “as acções previstas no presente artigo” possam “ser interpostas”.
Por certeza e segurança.
Prazo coincidente com o prazo prescricional, como é de típica feição nos processos de figurino sancionatório.
Nulidade da sentença
Entrando já na análise da sentença.
O recorrente imputa-lhe nulidades, nos termos do art.º 615º, n.º 1, alíneas b) e d).
A sentença é nula quando “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” (alínea b), do nº 1, do art.º 615º do CPC), como também quando “O juiz deixe de pronunciar -se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (alínea d), do nº 1, do art.º 615º do CPC).
São nulidades que não estão presentes na sentença.
A primeira que vem apontada só ocorre só quando a sentença seja totalmente omissa no tocante à fundamentação, não bastando que seja insuficiente, obscura ou mesmo errada visto que, nestes casos, esse erro, insuficiência ou obscuridade se traduzir num erro de julgamento que determina a sua revogação ou alteração e não num vício que importe a sua nulidade.
“Uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base. …. As partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar fundamento ou fundamentos perante o Tribunal superior. Este carece também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso.”” (…) Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de facto e de direito.” - Vd. Prof. J. A. Reis, CPC Anotado, vol. V, págs. 139 e 140.
Ora, vistos os termos da sentença, conhecida das partes, a sua estatuição não se encontra “desgarrada”, antes vindo enunciados factos e direito em que assentou.
A arguida nulidade é de evidente improcedência.
A propósito do vício inserto na alínea d) do aludido normativo (ainda que em diferente versão do CPC), escreveu Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág. 142) : «O vício relaciona-se com o dispositivo do art.° 660.°, n.° 2.° e por ele se tem de integrar. A primeira modalidade tem a limitação aí constante quanto às decisões que devam considerar-se prejudicadas pela solução dada a outras; a segunda reporta-se àquelas questões de que o tribunal não pode conhecer oficiosamente e que não tenham sido suscitadas pelas partes, como nesse preceito se dispõe.
A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da nulidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a “fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sobre os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.
Seria erro, porém, inferir-se que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável. Neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”». [sublinhado nosso].
Como esclarece M. TEIXEIRA DE SOUSA (Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, 1997, págs. 220 e 221), está em causa “o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte) o que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. [sublinhado nosso]
E, claramente, não está a sentença eivada de qualquer omissão de pronúncia (pelo enquadramento dado pelo recorrente, o motivo da arguição da nulidade).
O recorrente assenta a nulidade no ensejo que tinha de ver atendida matéria relativa a causa(s) de justificação ou de exclusão da culpa.
O que na sentença não conheceu luz.
Mas não sem que o tribunal a quo tivesse tomado posição, considerando que “(…) quanto ao facto de o Réu ter pautado a sua conduta [como assim alegou] quer pelo teor do Parecer da CNE, assim como face ao divulgado pelo site do CSM, essa factualidade, só por si, é inócua, isto é, é irrelevante para aferir da sua condição de cidadão elegível, assim como, para sustentar [como o faz o Réu], a violação dos artigos 48.º e 50.º, ambos da CRP.”.
Bem ou mal, isso já respeita à bondade do julgamento.
Por isso se compreende que o recorrente, na sua própria perspectiva, aponte que o MM Juiz “a quo” errou na apreciação que fez na determinação dos factos com interesse para a decisão.
O que nos leva de seguida já à questão seguinte.
Julgamento – aditamento - da matéria de facto
Uma nota prévia.
Para assinalar que pese embora o recorrente, para além do erro na apreciação que o tribunal fez na determinação dos factos com interesse para a decisão, refira também erro na apreciação das provas produzidas, tão só verdadeiramente é a primeira razão que está em jogo.
Perscrutado todo o seu recurso não se vê que aponte um erro de julgamento naquilo que constitui a matéria levada ao probatório da sentença, nem que tenha existido erro em dada matéria julgada como não provada em razão de falência da prova apreciada.
O que é fundamento do recurso é que o recorrido tem como pertinente matéria que indica na conclusão 13ª do seu recurso, entendendo que há suporte probatório para sua afirmação, sustentando-o em prova documental e testemunhal que indica.
Vejamos a primeira proposição do juízo.
Entende que devem os factos ora indicados ser aditados aos factos dados como provados.
Trata-se, no entender do recorrente, de matéria atinente à justificação ou exclusão de culpa, de que o recorrente pretende colher favor ao abrigo do art.º 10º, nº 1, da Lei 27/96, de 01 de Agosto [Não haverá lugar à perda de mandato ou à dissolução de órgão autárquico ou de entidade equiparada quando, nos termos gerais de direito, e sem prejuízo dos deveres a que os órgãos públicos e seus membros se encontram obrigados, se verifiquem causas que justifiquem o facto ou que excluam a culpa dos agentes.].
Acontece que as matérias a que o recorrente pretende dar corpo, relativas ao dito Parecer da CNE e site do CSM, pelos quais terá regido comportamento, nada contribuem para a demonstração a que se propõe.
Não confundamos.
A culpa afere-se com relação à circunstância da inelegibilidade, no caso a prevista no art.º 6º, nº 2, a), da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto, que tem como inelegíveis para os órgãos das autarquias locais os falidos e insolventes, salvo se reabilitados.
Não com relação ao que é de posterior comportamento, quanto ao convencimento que o recorrente possa ter tido quanto à regularidade da sua candidatura, totalmente indiferente relativamente a culpas (ou sua ausência) no facto que sustenta o impedimento.
Sem embargo, o que agora se diz não verte prejuízo quanto ao for de prova documental plena, que em rigor não tem de ser levado a probatório como facto provado, mas sempre pode ser considerado em sentença, na medida de valoração que a solução jurídica do julgamento lhe conceda.
Assim conste respectivo suporte documental no processo.
E no que mais relevante pudesse interessar ao recorrente, com respeito às incidências do processo de insolvência, cuidou o tribunal a quo de as ter em consideração, ainda que não no agrado de sentido que o recorrente pretenderia, de oposta consequência jurídica.
Nenhuma alteração, pois, resulta ao acervo factual sobre o qual o tribunal a quo alicerçou aplicação e direito.
*
Factos assentes
Vertem, pois:
Factos assentes, assim consignados pelo tribunal a quo, que fez acompanhar de indicação quanto ao suporte probatório:
1 - O Réu é o primeiro elemento da lista “RM...: Porto, Nosso Partido-RM, de pessoas a eleger, constantes do Edital publicitado pela Câmara Municipal do Porto, datado de 09 de Setembro de 2013, definitivamente admitidas à eleição dos órgãos das autarquias locais na Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória do concelho do Porto – Cfr. fls. 12 dos autos em suporte físico;
2 - No dia 03 de outubro de 2013, foram publicitados Editais pela Assembleia de Apuramento Geral do Concelho do Porto, onde consta o apuramento geral [eleitores inscritos, votantes, votos em branco, e votos nulos, assim como os votos alcançados pelas listas submetida a sufrágio] da eleição referente aos mandatos distribuídos pelos órgãos das autarquias locais do concelho do Porto, e em particular, quanto ao número de mandatos alcançados pela lista “RM...” aos orgãos da Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória do concelho do Porto – Cfr. fls. 13 e 14 dos autos em suporte físico;
3 - No dia 03 de outubro de 2013, a Assembleia de Apuramento Geral do Concelho do Porto, publicitou edital onde elencou, como candidato eleito em 1.º lugar, o ora Réu – Cfr. fls. 15 dos autos em suporte físico;
4 - No dia 21 de outubro de 2013, foi instalada a Assembleia de freguesia da União das Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória, com base nos cidadãos eleitos pelo sufrágio universal e directo realizado no dia 29 de Setembro de 2013, tendo o ora Réu dirigido os trabalhos, o qual foi também o 1.º a subscrever a ata lavrada nesse domínio, assim como o autor da sua redacção, por ter sido o cidadão que encabeçou a lista mais votada – Cfr. fls. 17 a 20 dos autos em suporte físico;
5 - No dia 5 de novembro de 2013, realizou-se a continuação dos trabalhos da reunião da Assembleia de freguesia da União das Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória [realizada no dia 21 de outubro de 2013], a qual foi presidida pelo ora Réu, na qualidade de Presidente de Junta, e na qual se procedeu à eleição dos vogais da junta de freguesia e da mesa da assembleia de freguesia, do que foi lavrada ata – Cfr. fls. 22 a 24 dos autos em suporte físico;
6 - A acta realizada no dia 05 de novembro de 2013, foi remetida ao Ministério Público junto deste Tribunal, por telecópia, em 25 de Novembro de 2013 – Cfr. fls. 21 a 29 dos autos em suporte físico;
7 - Pelo ofício n.º11773111, datado de 01 de novembro de 2013, emitido pela Mm.º Juíza do 1.º Juízo Cível do Porto, no âmbito do processo de insolvência n.º 1.068/11.0 TJYPRT, sob o assunto “Informação-PA 55/2013”, consta que o ora Réu foi declarado insolvente por sentença datada de 07 de dezembro de 2012, que lhe foi notificada em 10 de dezembro de 2012, e que tendo sido objecto de recurso jurisdicional interposto pelo aqui Réu, em 21 de março de 2013 veio a ser proferido Acordão que julgou improcedente o recurso, tendo a sentença sido confirmada, do que foi notificado o Senhor Mandatário do aqui Réu, tendo a sentença transitado em 16 de Abril de 2013 – Cfr. fls. 30 dos autos em suporte físico;
8 - Em 13 de maio de 2013, foi publicitado Anúncio pelo 1.º Juízo Cível do Porto, no âmbito do processo de insolvência n.º 1.068/11.0 TJYPRT, sob o assunto “Encerramento do Processo”, e onde consta, entre o mais, que o processo de insolvência foi encerrado, por “insuficiência da massa insolvente”, e que foi nomeado administrador de insolvência, CDB... – Cfr. fls. 31 dos autos em suporte físico;
9 - Do assento de nascimento do ora Réu, constam, entre o mais, os averbamentos n.º 1 de 2012/12/12, e Averbamento n.º 2, de 2013/0/14, atinentes à declaração de insolvência do ora Réu, assim como ao encerramento do processo de insolvência, nos termos do artigo 39, n.º 7, alínea b) do CIRE, por decisão judicial de 9 de maio de 2013 - Cfr. fls. 34 dos autos em suporte físico;
10 - Pelo ofício n.º11783894, datado de 13 de novembro de 2013, emitido pela Mm.º Juíza do 1.º Juízo Cível do Porto, no âmbito do processo de insolvência n.º 1.068/11.0 TJYPRT, sob o assunto “Informação”, consta que o ora Réu, Insolvente, não beneficiou do instituto da exoneração do passivo restante, nem do plano de pagamentos aos credores, e que foi proferido despacho de encerramento, em 09 de maio de 2013, ao abrigo do artigo 39, n.º 7, alínea b) do CIRE - Cfr. fls. 35 dos autos em suporte físico;
11 - Pelo ofício n.º117843359, datado de 16 de janeiro de 2013, emitido pela Mm.º Juíza do 1.º Juízo Cível do Porto, para a instrução dos presentes autos, foi informado que no âmbito do processo de insolvência n.º 1068/11.0 TJYPRT, não foi aberto o incidente de qualificação da insolvência - Cfr. fls. 132 dos autos em suporte físico;
12 - Tendo subjacente o teor de um Parecer da Comissão Nacional de Eleições, proferido em 19 de fevereiro de 2013, o ora Réu inferiu que não estava limitado na sua capacidade eleitoral passiva, e que podia encabeçar uma lista eleitoral – Cfr. fls. 96 a 106 dos autos em suporte físico; ainda nos termos dos depoimentos prestados pelas testemunhas Carlos Magalhães e Joaquim Granja, depoimento que julgamos prestado com isenção e objectividade, o que permitiu formar convicção na fixação da factualidade vertida neste ítem;
13 - No mandato autárquico 2009/2013, o ora Réu integrou o executivo da freguesia de S. Nicolau, no Porto - Nos termos dos depoimentos prestados pelas testemunhas JF..., e CF..., depoimentos que julgamos prestados com isenção e objectividade, o que permitiu formar convicção na fixação da factualidade vertida neste ítem;
14 - A insolvência do ora Réu, já era conhecida antes do acto eleitoral realizado em 29 de Setembro de 2013, por ser matéria já veiculada nas redes sociais, e que depois veio a ser publicitado na imprensa - Nos termos dos depoimentos prestados pelas testemunhas JF..., e CF..., depoimentos que julgamos prestados com isenção e objectividade, o que permitiu formar convicção na fixação da factualidade vertida neste ítem;
15 - Aquando da instalação da Assembleia de freguesia da União das Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória, realizada no dia 21 de outubro de 2013, um dos eleitos, questionou o Presidente da Junta, aqui Réu, para que questionasse a Assembleia no sentido de se saber se algum dos membros estava ou não impedido, por insolvência, tendo o ora Réu referido que se tratava de uma situação sua [do Réu], de insolvência, mas que já estava resolvida - Nos termos dos depoimentos prestados pelas testemunhas JF..., e CF..., depoimentos que julgamos prestados com isenção e objectividade, o que permitiu formar convicção na fixação da factualidade vertida neste ítem;
16 - A Petição inicial que motiva os presentes autos, foi entregue neste Tribunal em 26 de novembro de 2013 - Cfr. fls. 2 dos autos.
*
O direito aplicável
O art.º 6º, nº 2, a), da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto, tem como inelegíveis para os órgãos das autarquias locais os falidos e insolventes, salvo se reabilitados.
A sentença sob recurso concluiu que “Face ao que se aprecia nos presentes autos, tendo o Réu sido declarado insolvente, por sentença transitada em julgado em 16 de abril de 2013 – Cfr. ponto 7 da matéria de facto assente -, e que o processo de insolvência foi encerrado por insuficiência de bens da massa falida, isto é, que o Réu não teve bens suficientes para pagamento das dívida aos seus credores, e bem assim, que o mesmo [ora Réu] não beneficiou do instituto da exoneração do passivo restante [porque não o requereu], nem do plano de pagamentos aos credores, e independentemente da qualificação da insolvência, julgamos ser manifesto que o Réu, à data em que apresentou a sua candidatura, já então se encontrava numa situação típica de inelegibilidade, face ao que dispõe o artigo 6.º, n.º 2, alínea a) da LEOAL, e porque foi eleito, atento o disposto no artigo 8.º, n.º 1, alínea b) – 2.ª parte - da Lei n.° 27/96, de 01 de agosto, incorre em perda de mandato, pelo que, a presente acção tem de proceder.”
Assentou fundamentação, entre o mais, na leitura que fez do Ac. do Trib. Const. nº 588/2013 (proc. nº 875/2013), de 16/09/2013.
Recordando algum do seu texto:
«(…)
7. A questão que se coloca nos presentes autos exige que se proceda à interpretação do artigo 6.º, n.º 2, alínea a), da LEOAL. De acordo com a letra deste preceito são inelegíveis para os órgãos das autarquias locais «Os falidos e insolventes, salvo se reabilitados».
A complexidade do problema advém do facto de a legislação actualmente em vigor não prever o instituto da reabilitação do insolvente. De facto, à data da entrada em vigor da LEOAL vigorava o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência (CPEREF) – Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de abril – cujo regime previa (em determinadas e específicas situações) a cessação dos efeitos da falência em relação ao falido, designadamente quando se procedia, nos termos conjugados dos seus artigos 238.º e 239.º, à reabilitação do falido. No entanto, com a entrada em vigor do atual Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) – Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março –, deixou de expressamente se fazer qualquer referência à figura da “reabilitação”. De forma inovatória foi criado, quanto às pessoas singulares (que é o que importa in casu), o regime da exoneração do passivo restante e regulou-se o encerramento do processo de insolvência, nos artigos 230.º e 233.º, ambos do CIRE.
8. O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta questão.
No recente Acórdão n.º 553/2013, o Tribunal Constitucional formulou o seguinte entendimento:
“13.2 Numa leitura formal, a decisão de encerramento do processo de insolvência tomada em 14 de agosto de 2013 ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º – segundo a qual «Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento quando este ainda não haja sido declarado, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante referido na alínea b) do artigo 237.º – poderia bastar para o efeito em causa.
Contudo, em face da ratio da inelegibilidade em causa estabelecida na lei, não se mostra adequado retirar tais consequências de uma decisão de encerramento do processo que não se mostra nem definitiva, nem plena. Sobretudo, nesta última asserção, já que o insolvente, nos termos do regime específico da exoneração do passivo restante, admitido liminarmente o pedido formulado pelo próprio para a concessão do benefício da exoneração do passivo restante, continua adstrito a uma série de condições, obrigatórias nos termos da lei e que devem constar do despacho judicial inicial, de que resulta, em substância, não dispor até ao termo do período de cessão (nos cinco anos após o encerramento do processo de insolvência) de autonomia na disposição, pelo menos de parte, dos seus bens.
Com efeito, o despacho inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante (decretando logo o encerramento do processo de insolvência ou venha este a ser decretado na sua sequência, como sucede in casu) determina que «durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.» (artigo 239.º, n.º 2, do CIRE).
Depois, nos termos do n.º 4, do mesmo artigo, «durante o período de cessão o devedor fica obrigado a:
a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão;
d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respetiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores».
E sublinhe-se também que, por um lado, mesmo antes de terminado o período da cessão, pode ter lugar a cessação do procedimento de exoneração (cfr. artigo 243.º do CIRE) e, por outro lado, a exoneração do passivo restante pode ser revogada, verificados os pressupostos previstos no artigo 246.º do CIRE, até ao termo do ano subsequente ao trânsito em julgado do despacho de exoneração.
13.3 Na apreciação que cabe agora ao Tribunal Constitucional deve ter-se presente o fundamento para a previsão, pelo legislador, da inelegibilidade dos insolventes no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) da LEOAL.
Do que se trata, em face do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), da LEOAL, é pois da relação estabelecida entre as funções de administração pública a desempenhar pelo candidato, se eleito, e a gestão dos seus bens patrimoniais (dos seus rendimentos) na esfera privada. A inelegibilidade dos insolventes prende-se pois com a necessidade de garantir, com independência e plena capacidade de gestão, a administração financeira dos bens públicos que lhe vai ser confiada no cargo para o qual serão eleitos. Trata-se da gestão de património financeiro, em grande medida determinado pelas receitas cobradas aos contribuintes/eleitores, o que justifica exigir o legislador a observância de um certo rigor na gestão privada dos bens e rendimentos do eleito e a garantia de capacidade para o efeito, o que não acontece em face das obrigações e efeitos decorrentes da decisão liminar de exoneração do passivo restante nos termos do CIRE em vigor.
Ora, privado o insolvente, até ao termo do período de cessão, da disposição, pelo menos em parte, dos seus rendimentos disponíveis, pois cometida a sua gestão a um fiduciário, de acordo com a lei e a decisão judicial de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante, e obrigado o insolvente ao cumprimento de várias condições quanto a esse património, no mesmo período, não parecem reunidas as condições para afastar a inelegibilidade estabelecida no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) da LEOAL no presente caso, não obstante o encerramento do processo de insolvência determinado nos termos acima explicitados.”
Nesta decisão, veio o Tribunal Constitucional a estabelecer que a inelegibilidade estabelecida no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), da LEOAL, no caso de a insolvência ser qualificada como fortuita, apenas cessa no termo do período de cessão – ou seja, mantém-se até à decisão final de concessão da exoneração do passivo restante, que efetivamente confere ao devedor uma segunda oportunidade para recomeçar a sua vida económica liberto das dívidas que não conseguiu pagar durante o processo de insolvência ou ao longo dos cinco anos do período de cessão.
No caso dos presentes autos, ainda não tendo ocorrido a decisão final de exoneração prevista no artigo 244.º do CIRE, deve considerar-se que o cidadão JMSP... se encontra numa situação de inelegibilidade, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea a), da LEOAL.
(…)»
Também o STA, no seu Ac. de 21-11-2013, proc. nº 01260/13, enunciou:
I - De acordo com o preceituado no art. 6º, n.º 2, alínea a), da LEOAL (Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14.8) o cidadão declarado insolvente, em insolvência qualificada como fortuita, considera-se inelegível até ocorrer a decisão final de exoneração prevista no artigo 244.º do CIRE.
II - Nos termos do art. 8º, n.º 1, alínea b), da Lei n.° 27/96, de 1.8, perdem o mandato os membros dos órgãos autárquicos que “Após a eleição, sejam colocados em situação que os torne inelegíveis …”.
Este último arresto ancorado no supra citado Ac. do Trib. Const. nº 553/2013.
As hipóteses aí tratadas implicavam situações em que havia sido pedida a exoneração do passivo.
«A exoneração do passivo restante é um dos aspetos inovadores do atual Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Como se diz no preâmbulo do Decreto -Lei n.º 53/2004 que aprova o Código, este «conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio da fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da «exoneração do passivo restante». O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração das dívidas que não forem integralmente pagas no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste». Trata -se de um desvio à índole essencialmente adjetiva tradicional no nosso direito falimentar. Permite -se ao insolvente que seja pessoa singular, caso não satisfaça integralmente os créditos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento mas cumpra as obrigações impostas para a satisfação possível dos credores, cedendo o seu rendimento disponível (artigo 239.º do CIRE), vir a ser exonerado das dívidas remanescentes. A exoneração tem por efeito a extinção dos créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida (com exceções que não importa enumerar), dívidas essas que, de outro modo, seriam exigíveis ao devedor até ao limite do prazo de prescrição.» - Ac. do Trib. Const nº 328/2012 (proc. nº 189/12), de 27 de Junho de 2012 (Diário da República, 2.ª série — N.º 222 — 16 de novembro de 2012)
Mas, no caso, e como lembra o recorrente, não existiu pedido de exoneração do passivo restante (art.º 235º e ss. do CIRE).
Quando há pedido de exoneração do passivo restante, pese o encerramento do processo (se antes não tiver sido, em despacho inicial, nos termos do art.º 237º, b), do CIRE) - art.º 230º, nº 1, e), do CIRE) - o devedor, que está em período de cessão, continua ainda em larga medida atingido (e protegido) por efeitos falimentares; não são uns (mais tendentes à liquidação), mas são outros.
Neste “período probatório” a razão de ser da inelegibilidade mantém-se, e, pese o encerramento, sujeito ainda a final apreciação judicial, tal como no anterior art.º 238º, nº 1, d), do CPEREF, também se haveria de apreciar da “lisura e diligência normal” para cessação de efeitos.
Compreende-se, pois, a solução alcançada nos referidos arrestos supra.
Mas, como assinalamos, não aqui estamos perante hipótese em que tenha sido pedida a exoneração do passivo restante.
O contexto histórico e unidade do sistema importam de sobremaneira ao caso em mãos.
O CIRE (DL nº 53/2004, de 18/03) sucedeu ao CPEREF (DL nº 132/93, de 23/04).
Foi na vigência deste último que conheceu luz o art.º 6º, nº 2, a), da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto, aqui centro de atenções.
Prevendo-se no CPEREF que os efeitos decorrentes da declaração de falência, relativos ao falido, pudessem ser levantados pelo juiz nos casos enumerados no seu art.º 238º, poderia, então, o falido conhecer decisão de reabilitação conforme previsto na disposição normativa que se seguia:
Artigo 239.º
Reabilitação do falido
1 - Levantados os efeitos da falência nos termos do artigo anterior, o juiz decretará a reabilitação do falido, desde que se mostrem extintos os efeitos penais decorrentes da indiciação das infracções previstas no n.º 1 do artigo 224.º
2 - A decisão de reabilitação é igualmente averbada no registo à inscrição da falência, a instância do interessado.
Volvendo à lei actual, e para o que interessa no nosso particular caso, foi dada decisão de encerramento do processo, em 09/05/2013, “ao abrigo do disposto no art. 39, n.º 7, alínea b) do CIRE”.
E, portanto, sem que tenha sido requerido o “complemento da sentença”:
“a) O devedor não fica privado dos poderes de administração e disposição do seu património,
nem se produzem quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência, ao abrigo das normas deste Código;
b) O processo de insolvência é declarado findo logo que a sentença transite em julgado, sem prejuízo da tramitação até final do incidente limitado de qualificação da insolvência [que sequer teve lugar] (…)”
Encerrado o processo “Cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e do disposto no artigo seguinte” (art.º 233º, nº 1, a), do CIRE).
E “Sempre que ocorra o encerramento do processo de insolvência sem que tenha sido aberto incidente de qualificação por aplicação do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 36.º [como não foi], deve o juiz declarar expressamente na decisão prevista no artigo 230.º o caráter fortuito da insolvência.” (art.º 233º, nº 6, do CIRE).
Assim, e no que é o caso do recorrente, temos como certo que cessados estão os (substanciais) efeitos da falência (que interessam à razão de ser da inelegibilidade).
Levantados, na expressão do CPEREF, cujo art.º 238º, no entanto, se referia em epígrafe à “Cessação dos efeitos legais”; a necessidade de despacho explica.
Certo que suscitando uma questão de abrogação, face aos díspares pressupostos presentes na actual lei, que, mais a mais, não prevê expressamente a figura da reabilitação.
Mas por aí não vamos, nem concluímos.
Isso seria negar sentido, e o sentido permanece.
E foi essa presença que os supra referidos Acs. do Trib. Const. nº 588/2013 e 553/2013 tiveram em conta; tal como o também mencionado Ac. do STA.
Aceitando assim as coisas, retomamos lembrança do art.º 239º do CPEREF.
Levantados os efeitos a reabilitação seria concedida “desde que se mostrem extintos os efeitos penais decorrentes da indiciação das infracções previstas no n.º 1 do artigo 224.º”.
Cfr. Ac. do Trib. Const. nº 382/01 (proc. nº 134/01), de 26.09.2001:
A inelegibilidade como fundamento da perda de mandato de quem exerce funções de membro de órgão autárquico justifica-se pela necessidade de garantir a isenção e a independência no exercício do cargo autárquico. Pretende-se assegurar que quem foi eleito membro de órgão autárquico garanta no exercício do cargo essas isenção e independência, competindo ao legislador ordinário criar, por um lado, condições para que os cargos autárquicos sejam exercidos com isenção e independência e, por outro, condições para que os titulares dos cargos autárquicos se apresentem aos olhos dos cidadãos como pessoas acima de qualquer suspeita.
Por isso a reabilitação é possível e devida quando já sem a virulência dos efeitos da falência/insolvência e perante aparente paz penal.
A indiciação das infracções era dada a conhecer pelo Juiz ao Ministério Público, fosse oficiosamente ou por denúncia feita no requerimento inicial, fosse também por notícia do liquidatário (artºs. 224º e 187º do CPEREF); modo de actuar hoje em dia o CIRE prevê nos artºs 36º, nº 1, h), e 297º.
E aqui há que fazer notar (em contrário da lógica argumentativa do recorrente, mas até bem mais lhe amparando posição) que não é nestes comandos do CPEREF que assenta o incidente de qualificação da insolvência introduzido no CIRE; antes logra razão em função da prática dos tribunais que sobre a inibição prevista no seu art.º 148º, nº 2, aos gerentes, administradores ou directores era apenas tida a impulso dos credores ou Ministério Público.
Como vem no preâmbulo do DL nº 53/93, de 18 de Março, “Um objectivo da reforma introduzida pelo presente diploma reside na obtenção de uma maior e mais eficaz responsabilização dos titulares de empresa e dos administradores de pessoas colectivas. É essa a finalidade do novo ‘incidente de qualificação da insolvência’ (ponto 40), estabelecendo uma “presunção de culpa grave dos administradores, de direito ou de facto, responsáveis pelo incumprimento daquele dever, para efeitos da qualificação desta como culposa” (ponto 13); incidente obrigatório, conforme tinha sido já pensado na Proposta de Lei n.º 39/XII; e pese as alterações operadas pela Lei nº 16/2012, de 20/04, mesmo quanto a toda a vinculação de obrigatoriedade, sem perder a sua razão de origem.
Portanto, não é a propósito do incidente de qualificação da insolvência que gravita ou depende a questão da reabilitação.
Antes na referida indiciação de infracções, operacionalizada por diferentes comandos do incidente.
Não existindo essa indiciação, não sendo exigível condição inexistente, bastante seria apenas o reconhecimento da cessação de feitos.
Volvendo ao caso presente, temos (i) o processo de insolvência como findo; (ii) e sem qualquer mínimo laivo de ter operado indiciação de infracção penal.
Hoje em dia, cessando efeitos e não havendo óbice de qualquer indiciação penal, encontrando-se assim reunidas as condições para ser declarada a reabilitação, pode ser imposta a (restritiva) inelegibilidade, quando em matéria restritiva de direitos fundamentais só por lei em adequada e proporcional medida isso pode ocorrer - no caso, a inelegibilidade do falido ou insolvente salvo a reabilitação, isto é, salvo reunidas as condições que o legislador entendeu darem salvaguarda à garantia de tutela que a inelegibilidade visa -, mas em que, na superveniente falta de previsão legal do despacho que ela própria previu e pressupôs para tanto, nessa medida, e enquanto não permite a prolação de juízo quanto à cessação da restrição, ela deixa de ser adequada e proporcional ?
Não pode.
Se é certo que a declaração de reabilitação decorria de uma declaração judicial no processo falimentar, se também seguro é que ela não está prevista na lei actual, nem por isso pode o recorrente ver-se privado da sua capacidade e direito de participação na vida pública (art.º 48º CRP) e no acesso a cargos públicos (art.º 50º CRP), cessados efeitos de insolvência e sem ter dependência de extinção de efeitos penais não indiciados.
Em directa aplicação (art.º 18º da CRP).
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte em julgar:
- improcedente o recurso quanto à decisão interlocutória;
- conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar improcedente a acção.
Custas: pelo recorrente, com decaimento que se fixa em 50%.
Porto, 27 de Junho de 2014.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Isabel Soeiro
Ass.: Fernanda Brandão