Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00662/19.5BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/30/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Helena Canelas
Descritores:DIREITO A UMA DECISÃO JUDICIAL EM PRAZO RAZOÁVEL – ATRASO NA JUSTIÇA – PRESCRIÇÃO
Sumário:i – O direito a uma decisão judicial em prazo razoável, assegurado no artigo 6º § 1º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), e acolhido no artigo 20º nº 4 da CRP, sob a epígrafe “acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva”, através da consagração de que “…todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”, assegura o direito à justiça em prazo razoável, garantindo-se às partes envolvidas numa ação judicial o direito de obter do órgão jurisdicional competente uma decisão dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à natureza e complexidade do processo judicial.

II – Por força do disposto no artigo 5º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro), o direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas coletivas de direito público e dos titulares dos respetivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição.

III – Se na ação se pretende efetivar o direito a indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual do ESTADO PORTUGUÊS por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, erigindo-se como causa de pedir a demora excessiva na duração global do processo, relevante para a determinação do início do cômputo do respetivo prazo de prescrição, nos termos do artigo 498º nº 1 do Código Civil, é o momento em que foi prolatada a decisão que lhe põe fim.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J.
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:N/A
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

J. (devidamente identificado nos autos) autor na ação administrativa que instaurou em 10/07/2019 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro contra o ESTADO PORTUGUÊS – na qual, com fundamento na violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, por referência ao Proc. n.º 84/02.7BTAVR (com os números anteriores 108/2002 e 3202/2004), que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, peticionou a condenação deste a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais, na quantia 5.247,46€, e por danos não patrimoniais na quantia de 10.000,00 € inconformado com a sentença (saneador-sentença) datada de 23/01/2020 (fls. 452 SITAF) pela qual o Mmº Juiz a quo julgou verificada a exceção perentória de prescrição do direito do autor e em consequência absolveu o Estado Português do pedido, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 475 SITAF), pugnando pela sua revogação, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
1. Salvo o devido respeito, a douta decisão recorrida padece de uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas que serviram de fundamento à referida decisão – in casu do artigo 498.º do Código Civil, aplicável ex vi artigos 5.º e 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro –, tornando-a, assim, irrazoável e profundamente injusta.
2. Mais precisamente, a decisão recorrida padece de erro de julgamento quanto à contagem do início do prazo de prescrição previsto no artigo 498.º do Código Civil, uma vez que desconsiderou o momento em que o ora A./Recorrente constatou efetivamente e em concreto a “ocorrência de um dano indemnizável (ainda que não completamente determinável) que proveio da prática de um facto ilícito e culposo”, (in casu, pela morosidade excessiva do processo de impugnação n.º 84/02.7BTAVR), presumindo erradamente que aquela constatação teria ocorrido em 19/06/2013 (data da primeira decisão em primeira instância), ou, na pior das hipóteses em 20/04/2015 (data da segunda decisão em primeira instância).
3. Ora, hoje constitui firme jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores que: “V – O citado prazo de prescrição começa a correr no momento em que o lesado tem consciência de que o processo jurisdicional ou judiciário tem uma duração excessiva e que tal facto lhe está a causar danos” – cfr. citado Acórdão do TCA Sul, de 04/04/2019.
4. No caso em apreço, ao contrário do decidido, só com o trânsito em julgado, em 20/04/2018, do Acórdão do TCAN de 08/03/2018, proferido no sobredito processo de impugnação n.º 84/02.7BTAVR – acórdão que julgou definitivamente improcedente a ação de impugnação das liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios em causa no processo 84/02.7BTAVR – é que o A./Recorrente teve consciência das gravosas consequências da improcedência daquela ação após 16 anos sobre o seu início, ou seja, só nessa data é que A./Recorrente teve conhecimento concreto e seguro do direito de indemnização pelos danos decorrentes do atraso desse mesmo processo judicial.
5. Ou seja, só naquela data é que o A./Recorrente tomou consciência que a duração excessiva daquele processo conjugada com a improcedência da ação lhe iria causar graves danos patrimoniais (ainda que a essa data não soubesse a sua integral extensão) e que os danos não patrimoniais que tinha sofrido ao longo dos 16 anos que tinha durado o processo eram de tal modo graves que eram merecedores da tutela de direito nos termos do disposto no artigo 496.º do Código Civil.
6. Pelo que, neste caso e de acordo com o citado Acórdão do TCA Sul, de 04/10/2018, proferido no âmbito do proc. n.º 1909/16.5BELSB, o artigo 498.º do Código Civil, aplicável ex vi artigos 5.º e 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, deve ser interpretado no sentido de que: “Numa acção de responsabilidade civil extra-contratual do Estado por atraso na administração da justiça, relativamente a um processo declarativo, a data do trânsito em julgado da decisão ali proferida pelo STA identifica a data em que os lesados passaram a ter conhecimento seguro do seu direito de indemnização pelos danos decorrentes do atraso dessa mesma acção;”.
7. Encontrando-se, aliás, esta linha jurisprudencial em consonância com aquela que, nesta matéria, defende que a análise da eventual verificação da violação do direito a uma decisão em prazo razoável passa por ter em consideração, num primeiro momento, o eventual cumprimento dos prazos processuais e, num segundo momento, pela verificação e consideração da totalidade do período de tempo em que o processo se desenvolveu – cfr. citado Acórdão do TCA Sul, de 19/06/2019 e citado Acórdão do TCA Sul, de 23/05/2019.
8. Finalmente, acresce concluir que, ao ter julgado procedente a exceção de prescrição do direito do A./Recorrente, a sentença recorrida incumpriu ainda com a especial obrigação de analisar “as circunstâncias de cada caso [e não, portanto, de forma abstrata ou automática]” existente nestes casos de responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional, uma vez que desconsiderou o específico momento e as concretas circunstâncias em que o A./Recorrente se sentiu lesado com a morosidade do processo de impugnação n.º 84/02.7BTAVR – cfr. citado Acórdão do TCA Sul, de 04/04/2019
9. Por conseguinte, a decisão recorrida andou mal ao ter julgado procedente a exceção perentória de prescrição do direito de indemnização prevista no artigo 498.º do Código Civil, na medida em que ainda não passaram três anos sobre a data em que o A./Recorrente teve conhecimento do direito de indemnização exercido na presente ação.
10. Pelo que a decisão recorrida padece de erro de julgamento por violar não só o disposto no artigo 498.º do Código Civil, aplicável ex vi artigos 5.º e 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, como o sentido em que foram interpretadas e aplicadas tais normas jurídicas viola ainda o disposto o artigo 22.º da CRP que prevê constitucionalmente a Responsabilidade do Estado e das Demais Entidades Públicas.
11. Devendo, em consequência, ser revogada por este Colendo Tribunal.

O recorrido ESTADO PORTUGUÊS contra-alegou (fls. 493 SITAF), pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, formulando o seguinte quadro conclusivo:
1. O Recorrente, intentou a ação de indemnização contra o Estado, com fundamento na responsabilidade civil extracontratual e formulou o pedido de condenação no pagamento da indemnização, no valor global no valor global de 15247,46€, acrescido de juros de mora.
2. E peticiona que o Estado seja considerado responsável pelos danos causados em consequência de, no âmbito do Processo de Impugnação n.º 84/02.7BTAVR (n.º(s) anteriores 108/2002 e 3202/2004), não ter sido proferida decisão judicial, transitada em julgado, em tempo razoável e invoca a violação do artigo 97º n.º 1 da Lei Geral Tributária, artigo 20º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e artigo 6º § 1º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
3. O prazo geral de prescrição do direito de indemnização, por prejuízos decorrentes de atos de gestão pública, é o estabelecido no artigoº 498º, n.º 1, do Código Civil.
4. A douta sentença/saneador a quo absolveu o Réu Estado do pedido condenatório, com fundamento na prescrição do exercício do direito indemnizatório, invocando o preceituado nos termos conjugados dos artigos 1º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos e 576º n.º 3 do Código de Processo Civil.
5. O Recorrente carece de total legitimidade para invocar (cf. conclusões 4ª e 8ª) qualquer incumprimento sobre interpretação factual porque tal não corresponde à verdade, tendo sido feito uma análise criteriosa sobre o conceito do início do prazo de prescrição, previsto no artigo 498º do CC a nível doutrinal e jurisprudencial, em consonância com a interpretação dos factos apresentados na PI.
6. Olvidando toda a argumentação clara e concisa apresentada na douta sentença recorrida para se “escorar” numa falácia porque não logrou “explicar” o seu comportamento após a data da segunda decisão em primeira instância, ou seja, em 20/04/2015, sendo certo que nem sequer contra-alegou nos recursos interpostos pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. A conclusão 4ª revela uma posição ambígua pois admite, a contrario que se o TCA Norte, em 2018, tivesse decidido no sentido da procedência do processo de impugnação n.º 84/02.7BTAVR (atos de liquidação de IRS e respetivos juros de mora dos anos de 1997, 1998 e 1999), o decurso do prazo de 11/13 anos, contados desde a data propositura da ação referente à tramitação em primeira instância e constituem a causa de pedir na presente ação (cf. o alegado em 17º, 24º e 25º da PI) não lhe causa qualquer “lesão”.
8. Não sendo suscetível de configurar um facto ilícito, causal e adequado, a constituir a obrigação de indemnizar.
9. Esta posição ambígua decorre do facto de as decisões proferidas em primeira instância, datadas de 19/06/2013 e 20/04/2015, terem sido no sentido da procedência da impugnação apresentada pelo Recorrente.
10. O artigo 498º do CC dispõe que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral do dano, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.
11. Como refere Carlos Cadilha: “Não se exige, no entanto, um conhecimento jurídico respeitante aos requisitos de responsabilidade civil, mas apenas um conhecimento empírico que permita ao lesado formular um juízo subjetivo quanto à possibilidade de obter um ressarcimento pelos danos decorrentes de uma atuação imputável a terceiro”. (in “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas”, Coimbra Editora, pag.122 e segs e Acórdão do STA, de 21 de Janeiro de 2003 – Proc.º n.º 1233/02)
12. O prazo geral de prescrição do direito de indemnização fundado em responsabilidade civil extracontratual conta-se a partir data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral do dano, sem prejuízo da prescrição ordinária, se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso. (cf. Acórdãos do STA, de 17-04-1997 – Proc.º n.º 040735, de 21-01-2003 – Proc.º n.º 01233/02, de 26-03-2003 – Proc.º n.º 01231/02, de 11-05-2004 – Proc.º n.º 0258/04, de 07-03-2006 – Proc.º n.º 0889/05, de 09-02-2006 – Proc.º n.º 0294/05 e de 27-04-2006 – Proc.º n.º 0304/05, todos in http://www.dgsi.pt).
13. O conhecimento do direito deve ser entendido como o conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade – ato ilícito, culpa, dano e nexo causal entre o ato e o dano – e não como a tomada de consciência do respetivo direito pelo seu titular. (neste sentido, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, 2.ª Ed., pág. 503, e Acórdão do STJ, de 27-11-1973, in BMJ n.º 231, pág. 162).
14. Nos danos que tenham sido produzidos pela omissão do cumprimento do dever, “o prazo prescricional começa a correr logo que o interessado toma consciência do carácter lesivo da omissão”. (v. Acórdão do STA, de 27 de Abril de 2006 – Proc.º n.º 304/05).
15. Ou seja, desde que se constate a ocorrência de um dano indemnizável, ainda que não completamente determinável, que proveio da prática de um facto ilícito e culposo, inicia- se o prazo prescricional. (cf. Carlos Cadilha, in Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, 2006, pág. 481 e segs)
16. E isto independentemente do facto de os respetivos danos se poderem prolongar no tempo. (cf. Ac. do STA, de 08/01/2009, proc. 0604/08)
17. Ou de ser invocado como fundamento da responsabilidade civil um facto ilícito de natureza continuada. (cf. Acs. do STA de 04/12/2002, proc. nº 01203/02, de 01/06/2006, proc. 0257/06, de 27/04/2006, proc. nº 0304 /05)
18. "Não é necessário que se trate de um facto instantâneo, nada obstando a que a prescrição se desencadeie relativamente a um facto lesivo suscetível de se prolongar no tempo, como sucede quando o dano tenha sido produzido pela omissão do cumprimento de um dever, caso em que o prazo prescricional começa a correr logo que o interessado toma consciência do carácter lesivo da omissão". (cf. Carlos Cadilha in Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado, Coimbra Editora, 2008, pág. 96)
19. Na petição inicial, nomeadamente no articulado em 17º, 24º, 25º, o Recorrente para fundamentar a responsabilidade civil extracontratual do Estado, invocou como facto ilícito, a manifesta demora do processo de impugnação nº 3202/2004, atualmente com o n.º 84/02.7BTAVR, que imputa ao incumprimento dos prazos processuais aplicáveis.
20. E concretiza que tal atraso se verificou em 3 momentos distintos, que claramente identifica, a saber: na prolação do despacho a admitir a petição inicial (o qual ocorreu mais de 3 anos e cinco meses depois da abertura de conclusão); na prolação do despacho a designar data para audição de testemunhas (que se verificou quase 7 anos depois da apresentação da contestação) e na prolação da 1º sentença pelo tribunal de 1ª instância (ocorrida em 19.06.2013, ou seja 11 anos depois da instauração da respetiva impugnação).
21. O Recorrente teve conhecimento da prolação do despacho que admitiu a petição inicial, pelo menos em 06/02/2006, (data do ofício pelo qual foi notificado do teor da contestação apresentada pela Fazenda Pública); da data da prolação do despacho que designou data para a audição de testemunhas, por ofício de 09/01/2013, da prolação da sentença de 19/06/2013 por ofício de 24/06/2013 e em 21/04/2015, data da notificação da segunda sentença proferida em 20/04/2015, cerca de 13 anos após a propositura da ação de impugnação.
22. Todavia, só no dia 10/07/2019, isto é, decorridos mais de seis anos, noutra hipótese, quatro anos e dois meses sobre aquela última data, o Recorrente veio propor contra o Estado ação administrativa, peticionando uma indemnização fundada na referida violação da obrigação de proferir decisão jurisdicional “em prazo razoável”.
23. Na presente situação impõe-se concluir que à data da citação do Réu Estado já há muito havia decorrido integralmente o prazo de três previsto no artigo 498º n.º 1 do Código Civil que deve ser contado desde o conhecimento (inicial e empírico) pelo recorrente do carácter pretensamente lesivo da demora da tramitação temporal do processo de impugnação nº 3202/2004, atualmente com o n.º 84/02.7BTAVR.
24. O Recorrente teve o conhecimento inicial e empírico em junho de 2013, data em que foi notificado da sentença ou em 21/04/2015, data da notificação da segunda sentença proferida em 20/04/2015, pelo que em 2019 já há muito se encontrava prescrito o direito de indeminização fundamento da presente ação.
25. Segundo defende Ricardo Pedro: “O momento inicial a ter em conta na perspetiva pontual é o início de uma paralisação do processo e o “dies ad quem” será o fim do tempo morto ou da paralisação do processo. Todavia, o lesado poderá desencadear a ação de responsabilidade mesmo antes do tempo morto ou da paralisação processual ter terminado. Para tal deve fazê-lo no prazo de três anos a contar do conhecimento da dilação indevida, por força do artigo 498.º do Código Civil, para o qual remete o artigo 5.º do RRCEE.”. (in “Contributo para o Estudo da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado por Violação do Direito a uma Decisão em Prazo Razoável ou Sem Dilações Indevidas”, AAFDL, 2011, págs. 117/118)
26. Assim sendo, e em qualquer caso, não há dúvidas de que o Recorrente teve conhecimento de todo os elementos constitutivos e dos pressupostos do direito à indemnização, pelo menos, desde junho de 2013 ou em abril de 2015.
27. Nestas datas em consequência das notificações das sentenças proferidas no TAF de Aveiro e, sem qualquer margem para dúvidas, o Recorrente ficou a conhecer os factos ilícitos que agora invoca como causadores dos alegados danos.
28. O Recorrente baliza, claramente, como causa do atraso na tramitação do processo de impugnação, a demora na prolação das 3 decisões supra referidas.
29. E não invoca quaisquer factos suscetíveis de integrar “danos novos” indemnizáveis, para além daqueles.
30. A solução estabelecida no artº. 498.º, do Código Civil, “não impede que, mesmo depois de decorrido o prazo de três anos e enquanto a prescrição ordinária não se tiver consumado, o lesado requeira a indemnização correspondente a qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos três anos anteriores». (cf. Antunes Varela - Das Obrigações em Geral, volume I, 6.ª edição, página 598)
31. Mas por tais “danos novos.» não poderão entender-se as meras consequências de um ato lesivo inicial, ou seja, a simples extensão das consequências lesivas já conhecidas.
32. E os eventuais “danos”, decorrentes da invocada demora generalizada do processo, constituem, na versão da própria petição inicial, um mero desenvolvimento normal e objetivamente previsível da lesão inicial, a indicada demora na prolação das 3 decisões identificadas.
33. Ora “uma conduta lesiva, mesmo sendo de natureza «continuada», não é suscetível de afetar o «termo inicial» de contagem do prazo de prescrição aqui em causa, seja de modo a deferir o seu início para o momento da cessação da conduta danosa, seja de modo a gerar o contínuo surgir de novos prazos de prescrição relativos a cada dano instantâneo”. (cf. Acórdão TCA Norte de 03.05.2013, Proc. 00905/12.6BEPRT)
34. E este douto Acórdão do TCA Norte refere que “[…] se assim é, pela perspetiva da ação lesiva, já assim não terá de ser, necessariamente, pela perspetiva do dano, já que é este que, constatado pelo prejudicado, despoleta o fluxo cognitivo e volitivo que o leva a conhecer o seu direito e a reagir, ou não, contra o responsável pela agressão da sua esfera jurídica. Destarte, se um determinado dano, porque leve ou tolerado, pode não desencadear qualquer reação do respetivo prejudicado, tal não pode obstar a que novo dano, causado pela ação lesiva continuada, possa pôr termo a essa tolerância inicial, sendo certo que o «início do prazo de prescrição» relativo ao direito de indemnização por este «novo dano» não poderá, cremos, ficar refém do conhecimento, pelo lesado, do direito que lhe competia relativamente aos «danos iniciais». (com igual entendimento ver Acórdão do TCAN de 15.03.2019, processo nº 260/18.0BEAVR)
35. Impõe-se concluir que a inércia do Recorrente em quatro períodos temporais, a saber, em 6.02.2006, em 9.01.2013 e em 24.06.2013, data do oficio de notificação da sentença proferida em 19.06.2013, cerca de 11 anos após a propositura da ação de impugnação e em 21-04-2015, data da notificação da segunda sentença proferida em 20.04.2015, cerca de 13 anos após a propositura da ação de impugnação, é causa direta e necessária de não ter reagido atempadamente, pois está demonstrado que o Recorrente pelo menos desde essas datas, teve conhecimento do seu direito.
36. Logo, quando a presente ação foi intentada e o Ministério Público citado, em representação do Estado, em 10/07/2019, já se encontrava, há muito, esgotado o putativo direito de indemnização em relação aos invocados danos referentes à causa de pedir e ao pedido, supostamente gerador da obrigação de indemnizar por parte do Réu Estado.
37. Pelo que ocorrendo, in casu, a exceção perentória de prescrição, muito bem decidiu a douta sentença recorrida em absolver do pedido o Réu Estado em obediência ao disposto nos termos conjugados dos artigos 498º, n.º 1, do Código Civil, 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º, do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi artigo 1º e artigo 89º nº 1 e 2 do CPTA.
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Remetidos os autos a este Tribunal Central Administrativo Norte em recurso, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DOS RECURSOS/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º nº 3 do CPTA.
Em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as respetivas conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se o Tribunal a quo ao julgar verificada a invocada prescrição do direito indemnizatório incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação do artigo 498º nº 1 do Código Civil.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto

O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis no saneador-sentença recorrido:
1. O Autor, em 12/04/2002, intentou ação de Impugnação Judicial a que coube o n.º 84/02.7 BTAVR (com os números anteriores 108/2002 e 3202/2004), contra ato praticado pela Autoridade tributária e Aduaneira, tendo estes autos sido conclusos em 10/05/2002 – Direção de Finanças de Aveiro – cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial
2. Em 12/10/2005, foi proferido despacho a admitir a petição inicial apresentada no processo a que coube o n.º 84/02.7 BTAVR (com os números anteriores 108/2002 e 3202/2004) – cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial.
3. Em 19/01/2006, foi apresentada contestação no mesmo processo a que coube o n.º 84/02.7 BTAVR (com os números anteriores 108/2002 e 3202/2004) – cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial.
4. Por decisão de 02 de maio de 2013, o Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, 2º Juízo Criminal, não pronunciou o arguido naqueles autos S. – cfr. fls. 309 e ss. do Vol. II do processo n.º 792/10.9 GDVFR, que constitui o PA anexo aos presentes autos.
5. Em 08/01/2013, no processo a que coube o n.º 84/02.7 BTAVR (com os números anteriores 108/2002 e 3202/2004), foi proferido despacho a designar data de audição de testemunhas, que, diligência que teve lugar no dia 29/04/2013 – cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial.
6. Em 19/06/2013, foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro no processo a que coube o n.º 84/02.7 BTAVR (com os números anteriores 108/2002 e 3202/2004), – cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial.
7. Do recurso interposto pela Fazenda Pública, da decisão identificada no ponto anterior, foi proferido Acórdão pelo tribunal Central Administrativo Norte em 13/11/2014, que ordenou que os autos baixassem ao Tribunal Administrativo e Fiscal para prolação de nova decisão – cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial.
8. Em 20/04/2015, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro proferiu nova sentença no processo a que coube o n.º 84/02.7 BTAVR (com os números anteriores 108/2002 e 3202/2004) – cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial
9. Do recurso interposto pela Fazenda Pública, da nova decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em 20/04/2015, o Tribunal Central Administrativo Norte, em 08/03/2018, proferiu novo Acórdão, que decidiu pela improcedência da Impugnação Judicial a que coube o n.º 84/02.7 BTAVR (com os números anteriores 108/2002 e 3202/2004), que transitou em julgado no dia 20/04/2018 – cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial
10. O Autor não contra-alegou nos recursos interpostos pela Fazenda Pública, nos termos identificados nos pontos 7. e 9 deste probatório, cfr. docs. juntos pelo Réu a fls. 98 e ss. (SITAF).
11. A Autor apresentou a petição inicial dos presentes autos em 10/07/2019 – cfr. fls. 1 dos presentes autos.
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B – De direito

1. Da decisão recorrida
O autor peticionou na ação a condenação do réu ESTADO PORTUGUÊS a pagar-lhe uma indemnização, com fundamento na violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, por referência ao identificado Processo de Impugnação Judicial que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, seja por danos patrimoniais, na quantia 5.247,46€, seja por danos não patrimoniais, na quantia de 10.000,00 €.
Na sua contestação o réu ESTADO PORTUGUÊS defendendo-se por exceção, invocou a prescrição do direito indemnizatório do autor, e após a apresentação de réplica pelo autor, e o Mmº Juiz a quo no saneador-sentença datado de 23/01/2020 (fls. 452 SITAF) julgou verificada a exceção perentória de prescrição do direito do autor e em consequência absolveu o Estado Português do pedido. E é desta decisão que o autor recorre.

2. Da tese do recorrente
O recorrente imputa à decisão recorrida erro de julgamento, de direito, por violação do artigo 498.º do Código Civil, ex vi artigos 5.º e 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, com o sentido em que foram interpretadas e aplicadas, com violação do artigo 22.º da CRP, defendendo, em suma, que o Tribunal a quo errou quanto à contagem do início do prazo de prescrição, por, ao contrário do decidido, só com o trânsito em julgado, em 20/04/2018, do Acórdão do TCAN de 08/03/2018, proferido no sobredito processo de impugnação n.º 84/02.7BTAVR, que julgou definitivamente improcedente a ação de impugnação é que o autor teve consciência das gravosas consequências da improcedência daquela ação após 16 anos sobre o seu início, ou seja, só nessa data é que autor teve conhecimento concreto e seguro do direito de indemnização pelos danos decorrentes do atraso desse mesmo processo judicial.

3. Da análise e apreciação do recurso
3.1 Em sede de despacho-saneador o Mmº Juiz a quo apreciando a exceção perentória da prescrição do direito indemnizatório que havia sido expressamente invocada pelo réu ESTADO PORTUGUÊS na sua contestação, julgou-a verificada, absolvendo o Estado Português do pedido.
Decisão que tendo por base a matéria de facto dada como provada, que não vem impugnada no recurso, assentou na seguinte fundamentação, ali assim vertida, e que se passa a transcrever:
«Da prescrição do direito do Autor:
Alega a Digna Magistrada do Ministério Público que o direito que o Autor pretende efetivar pela presente ação se mostra prescrito, porquanto, a ocorrer a violação do direito a sentença jurisdicional em prazo razoável, tal verificou-se com a prolação da sentença em primeira instância.
Que o Autor ao ter uma atitude passiva, sem contra-alegar nos recursos interpostos das sentenças proferidas em primeira instância, atuou de modo a conformar-se com a alegada violação do direito a decisão em prazo razoável.
Por sua vez e em suma, a Autor quanto a tal exceção alega que, para poder peticionar uma indemnização contra o Réu pela demora na aplicação da justiça no processo judicial, é necessário aguardar pelo final do processo, o qual apenas ocorreu com o trânsito em julgado, da decisão final, por Acórdão do Tribunal central Administrativo Norte, que transitou em julgado em 20/04/2018.
Pelo que, o prazo de três anos só se iniciou a partir do momento, em que o lesado, neste caso, o aqui Autor, tomou conhecimento da produção efetiva desse dano, isto é, com a decisão final, transitada em julgado, que decidiu a improcedência da Impugnação Judicial a que coube o processo n.º 84/02.7 BTAVR (com os números anteriores 108/2002 e 3202/2004).
Do probatório, pontos 1, resulta que em 12/04/2002, o aqui Autor intentou impugnação judicial de impugnação de liquidação de tributos, a que coube o processo n.º 84/02.7 BTAVR e que em 12/10/2005, ocorreu a admissão da petição inicial, ponto 2.
Resulta ainda do probatório que a decisão em primeira instância ocorreu em 19/06/2013, ponto 6 do probatório.
Que daquela decisão foi interposto recurso, que o Autor não contra-alegou e o Tribunal central Administrativo Norte ordenou a baixa dos autos para prolação de nova decisão que ocorreu em 20/04/2015 – pontos 7 e 8 do probatório.
E interposto recurso desta segunda decisão, que não conheceu contra-alegações do Autor, o Tribunal Central Administrativo Norte, por Acórdão transitado em julgado em 20/04/2018, concedeu provimento ao recurso e decisão pela improcedência da impugnação judicial apresentada pelo Autor.
Entende, assim, o Autor que apenas tomou conhecimento do seu direito com o Transito em julgado do segundo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte e uma vez que este lhe foi desfavorável, apenas nesta circunstância ocorreu o dano.
Com efeito, emerge do disposto no citado art.º 498.º, n.º1 do Cód. Civil, aplicável ex vi art.º 42.º do CPTA, que ¯o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (...)”.
O pedido indemnizatório formulado pelo Autor nos presentes autos assenta no instituto da responsabilidade civil extracontratual e encontra-se por via disso, conforme é jurisprudência firmada, sujeito ao prazo prescricional de três anos fixado no aludido art. 498º, n.º 1 do Cód. Civil, cuja contagem se inicia a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.
Tal significa que a contagem do início do prazo de prescrição de três anos se dá mal o lesado tenha conhecimento do direito que lhe assiste, ou seja, a partir da data em que ele conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu independentemente de não conhecer a identidade da pessoa responsável pela satisfação desse seu direito e da extensão integral dos danos. Por sua vez, nos termos do disposto no art.º 323, n.º1, do Cód. Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
O Autor, reafirma-se, ancora o direito indemnizatório exercido nos autos decorrente de responsabilidade civil extracontratual do estado por facto ilícito derivado da violação do direito a uma decisão em prazo razoável no âmbito do processo de impugnação judicial de liquidação de tributos.
Em resposta à exceção de prescrição, diz que só com a decisão final correspondente ao segundo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que, declarou improcedente tal impugnação, poderia exercer o seu direito.
Por conseguinte, o momento a partir do qual tomou conhecimento do seu direito à efetivação de responsabilidade civil extracontratual por violação de prazo razoável na obtenção de decisão judicial sobre a sua impugnação judicial, foi em 20/04/2018, com a prolação do segundo Acórdão do Tribunal central Administrativo Norte.
Ora, tal como decorre do disposto no art.º 498.º, n.º1 do CPC para o começo do prazo de prescricional de 3 anos não releva o conhecimento pelo lesado da extensão integral do dano, mas tão somente o momento a partir do qual aquele tenha conhecimento do direito indemnizatório que eventualmente lhe assiste e, no caso, o A. conforme se viu, teve conhecimento do direito à eventual indemnização que lhes assiste logo com a notificação da decisão em primeira instância, porquanto, é neste enquadramento que o Autor configura a causa de pedir, nomeadamente nos artigos 17.º, 24.º e 25.º da petição inicial dos presentes autos.
Neste sentido, pronuncia-se Carlos Alberto F. Cadilha, in Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual, pág. 96, onde se lê: « O prazo de prescrição do direito de indemnização fundado em responsabilidade civil extracontratual conta-se da data em que o lesado teve conhecimento do seu direito de indemnização, isto é, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu (...). Não se exige, no entanto, um conhecimento jurídico respeitante aos requisitos da responsabilidade civil, mas apenas um conhecimento empírico que permita ao lesado formular um juízo subjectivo quanto á possibilidade de obter um ressarcimento pelos danos decorrentes duma actuação imputável a terceiro. Não é necessário que se trate dum facto instantâneo, nada obstando a que a prescrição se desencadeie relativamente a um facto lesivo susceptível de se prolongar no tempo como sucede quando o dano tenha sido produzido pela omissão do cumprimento dum dever, caso em que o prazo prescricional começa a correr logo que o interessado toma consciência do carácter lesivo da omissão».
O n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil — aplicável por via do disposto no artigo 5º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro — estatui que ¯o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.”
No âmbito específico da prescrição do direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, o legislador tornou o início do prazo independente do conhecimento da extensão integral dos danos e independente do conhecimento da pessoa do responsável.
Defende-se na doutrina e na jurisprudência que o momento do conhecimento pelo lesado do direito de indemnização se ajusta ao momento do conhecimento dos pressupostos condicionantes da responsabilidade, fazendo assim apelo a um mínimo de objetividade no qual se alicerce a contagem do respetivo prazo — cfr. v.g. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7ª edição, volume I, págs. 620 e ss; Vaz Serra: Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ 106, pág. 199; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª edição, volume I, página 503; Entre outros, Acórdãos do STA, de 27-04-2006, processo nº 0304/05, e de 01-06-2006, processo nº 0257/06; Acórdão do TCAN, de 19-06-2015, processo nº 00436/09.1BEMDL.
Tal como referido neste último acórdão, a questão de saber em que momento o lesado teve conhecimento do direito de indemnização, envolve a formulação de um juízo sobre os factos que não assente exclusivamente na interpretação das regras jurídicas, antes implicando a aplicação de regras de vida e da experiência comum.
Seguindo-o de perto, considera-se aqui, como ali, o seguinte:
«Por ¯conhecimento do direito” deve entender-se o momento em que o lesado tem conhecimento do respetivo direito de indemnização que lhe compete, o que não significa que tenha de conhecer na perfeição e integralidade todos os elementos que fazem nascer na sua esfera jurídica o direito de indemnização, pois que não necessita de conhecer a identidade da pessoa responsável ou a extensão integral dos danos – cfr. Acórdão do STA de 27.01.2010, Proc. 0513/09.
Está em causa o conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e não a consciência da possibilidade do seu ressarcimento, sendo de salientar que não se trata de um conhecimento jurídico relativo ao preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil, mas antes um conhecimento empírico que permita a um lesado razoável formular um juízo subjetivo quanto à possibilidade de obter um ressarcimento pelos danos decorrentes de uma atuação de terceiro – cfr. Acórdãos do STA de 04.11.2009, Proc. 01076/07, de 07.03.2006, Proc. 889/05 e de 21.01.2003, Proc. 1233/02.
O dies a quo do prazo prescricional coincide, portanto, com a constatação por parte do lesado da «ocorrência de um dano indemnizável (ainda que não completamente determinável) que proveio da prática de um facto ilícito e culposo» – in Carlos Alberto Fernandes Cadilha – Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado, Coimbra Editora, 2008, pág. 96.
Assim, o prazo de prescrição de 3 anos começará a correr na data em que o lesado tomar conhecido o facto danoso, isto é, do facto ilícito e culposo que tem a suscetibilidade de produzir danos na sua esfera jurídica.
Em termos temporais, o facto danoso tanto se pode traduzir na prática de um simples ato que se esgota temporalmente num único momento, havendo coincidência entre a conduta violadora realizada ou executada e a produção do dano (infração instantânea), como pode traduzir-se numa série de atos suscetíveis de configurar uma infração de natureza continuada ou permanente na qual os danos se vão produzindo em vários momentos temporais sucessivos (infração continuada).
A propósito do dies a quo do prazo prescricional em relação a condutas que pela sua natureza prolongam no tempo o surgimento de danos, o STA refere o seguinte no acórdão de 04.12.2002, Proc. 01203/02: Como refere o Prof. ANTUNES VARELA, reportando-se ao art. 498.º, do Código Civil, «a solução estabelecida não impede que, mesmo depois de decorrido o prazo de três anos e enquanto a prescrição ordinária não se tiver consumado, o lesado requeira a indemnização correspondente a qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos três anos anteriores» (Das Obrigações em Geral, volume I, 6.ª edição, página 598.).
Esta possibilidade justifica-se por, relativamente a esses danos, só posteriormente o lesado conhecer a sua existência, pelo que só então ficará em condições de exercer o direito de indemnização correspondente. (Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 19-3-1998, proferido no recurso n.º 41682, publicado em Apêndice ao Diário da República de 17-12-2001, página 2188.).
No entanto, se os danos são uma mera consequência ou desenvolvimento normal dos danos iniciais, eles podem ser invocados desde início, pois o n.º 1 do art. 498.º permite o exercício do direito independentemente do conhecimento da extensão integral dos danos.
Por isso, «os danos têm de apresentar novidade no sentido de não serem a consequência ou o desenvolvimento normal e objectivamente previsível da lesão inicial. Tem de ser uma outra consequência do acto lesivo não conhecida nem cognoscível para o homem médio suposto pela ordem jurídica (segundo um critério de razoabilidade), não a simples extensão das consequências lesivas já conhecidas inerente à sua natureza duradoura», pois, «a lei tornou o início do prazo de prescrição independente do conhecimento da extensão integral dos danos, equilibrando a situação do lesado com a possibilidade de formulação de pedidos genéricos». (Acórdão citado.)
E a propósito da mesma matéria, o TCA Norte refere o seguinte no acórdão de 03.05.2013, Proc. 00905/12.6BEPRT: A nossa mais alta jurisprudência tem sublinhado que o prazo de prescrição é um só, e será dentro dele que tem de ser exercido o direito de indemnização relativamente à «extensão integral» dos danos, o que se percebe, e se louva nas razões de certeza e segurança que justificam o instituto em causa [entre outros, o AC STA 01.06.2006, Rº0257/06].
Assim, uma conduta lesiva, mesmo sendo de natureza «continuada», não é suscetível de afetar o «termo inicial» de contagem do prazo de prescrição aqui em causa, seja de modo a deferir o seu início para o momento da cessação da conduta danosa, seja de modo a gerar o contínuo surgir de novos prazos de prescrição relativos a cada dano instantâneo.
Todavia, se assim é, pela perspetiva da ação lesiva, já assim não terá de ser, necessariamente, pela perspetiva do dano, já que é este que, constatado pelo prejudicado, despoleta o fluxo cognitivo e volitivo que o leva a conhecer o seu direito e a reagir, ou não, contra o responsável pela agressão da sua esfera jurídica.
Destarte, se um determinado dano, porque leve ou tolerado, pode não desencadear qualquer reação do respetivo prejudicado, tal não pode obstar a que novo dano, causado pela ação lesiva continuada, possa pôr termo a essa tolerância inicial, sendo certo que o «início do prazo de prescrição» relativo ao direito de indemnização por este «novo dano» não poderá, cremos, ficar refém do conhecimento, pelo lesado, do direito que lhe competia relativamente aos «danos iniciais».
Tudo depende, assim, de estarmos perante «novo dano», ou seja, perante um dano que não se traduza em mero agravamento quantitativo ou qualitativo de danos anteriores, iniciais. E neste sentido restritivo deverá, a nosso ver, ser interpretada a expressão «extensão integral dos danos» presente no nº1 do artigo 498º do CC.
Da fundamentação dos acórdãos transcritos resulta a seguinte interpretação, essencial para a decisão do caso concreto: para que seja admitida a invocação de danos para além do prazo de três anos em que o facto danoso foi conhecido (danos novos) não é suficiente a demonstração de que os danos se produziram em momento posterior; os novos danos são apenas aqueles que constituem uma consequência do ato lesivo não conhecida ou cognoscível por um homem médio (pessoa razoável e diligente).
Se os danos, embora ocorrente em momento posterior ao ato lesivo, constituírem um mero desenvolvimento normal e objetivamente previsível da lesão inicial não estaremos perante danos novos.».

Vertendo agora estas considerações ao caso concreto.
Alega o Autor que o seu direito indemnizatório exercido nos autos decorre de responsabilidade civil extracontratual do estado por facto ilícito derivado da violação do direito a uma decisão em prazo razoável no âmbito do processo de impugnação judicial, e que, em termos práticos só o trânsito em julgado do segundo Acórdão do Tribunal Central Administrativo, transitado em julgado em 20/04/208 (ponto 9 do probatório), teve conhecimento do seu direito.
Mas como bem afirma o Autor, para a ocorrência da prescrição declarada, terá contribuído o tempo que medeia a data da apresentação da impugnação judicial e a data de transito em julgado do Acórdão do tribunal central Administrativo Norte e, naturalmente, seria expetável que tal morosidade poderia constituir fator determinante para que, a final pudesse ocorrer a prescrição declarada.
Daí que, tal factualidade envolva a formulação de um juízo sobre os factos que não assente exclusivamente na interpretação das regras jurídicas, antes implicando a aplicação de regras de vida e da experiência comum mediante a qual seria expectável poder ocorrer o desfecho que ocorreu no processo de impugnação judicial, o da sua improcedência.
Veja-se neste sentido o Acórdão do TCA Norte de 07/10/2016, processo n.º 00524/13.0BEAVR, que com a devida vénia anteriormente transcrevemos parcialmente.
Com efeito, o Autor na sua petição inicial, artigos 17.º, 24.º e 25.º centra o efeito da violação do direito na obtenção de decisão judicial em prazo razoável na demora de decisão em primeira instância
A Autor intentou a presente ação em 10/07/2019, ponto 11 do probatório.
Ou seja, os factos dos quais o Autor deveria ter retirado a consequência ou causa de pedir que pelos presentes autos fundamenta o pedido indemnizatório, ocorreram em 19/06/2013 – data da primeira decisão em primeira instância, ou, na pior das hipóteses em 20/04/2015 – data da segunda decisão em primeira instância, e tendo proposto a presente ação em 10/07/2019, à data da propositura da presente ação, já haviam decorrido os três anos para o efeito.
Efetivamente, a decisão da impugnação judicial que apresentou ocorreu, na pior das hipóteses, em 20/04/2015, sendo, pois, expectável que essa decisão fosse sujeita a escrutínio em segunda instância, como veio a acontecer e de forma desfavorável e contrária à decisão em primeira instância.
E significa que, a decisão em prazo razoável, não tem a ver com a solução adotada para as questões que são colocadas ao Tribunal, mas sim com a decisão abstratamente objetivada, da sua pretensão.
E no caso dos autos, segundo alega o Autor, se se mantivesse a decisão da primeira instância, daí não resultariam danos, incluindo, naturalmente, os danos morais reclamados.
Mas como a decisão de segunda instância revogou a decisão proferida em primeira instância, que lhe era favorável, então já se verificam os danos, independentemente do tempo decorrido para que a primeira instância houvesse emitido a sua decisão.
Todavia, tal posição não colhe na jurisprudência e na doutrina, porquanto, como já referido, o que verdadeiramente está em causa e como configura o Autor a causa de pedir, a violação do direito a decisão em prazo razoável, ocorre por morosidade na decisão em primeira instância, sendo, pois, expectável que essa decisão viesse a ser sujeita a recurso, como veio a ser, enquanto desenvolvimento normal do processo judicial abstratamente considerado e que, no caso dos autos, não mereceu, sequer da parte do Autor posição através das contra-alegações.
Pelo exposto, verifica-se existir a invocada exceção de prescrição do direito do Autor.»

3.2 O recorrente imputa à decisão recorrida erro de julgamento, de direito, por violação do artigo 498.º do Código Civil, ex vi artigos 5.º e 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, com o sentido em que foram interpretadas e aplicadas, com violação do artigo 22.º da CRP, defendendo, em suma, que o Tribunal a quo errou quanto à contagem do início do prazo de prescrição, por, ao contrário do decidido, só com o trânsito em julgado, em 20/04/2018, do Acórdão do TCAN de 08/03/2018, proferido no sobredito processo de impugnação n.º 84/02.7BTAVR, que julgou definitivamente improcedente a ação de impugnação é que o autor teve consciência das gravosas consequências da improcedência daquela ação após 16 anos sobre o seu início, ou seja, só nessa data é que autor teve conhecimento concreto e seguro do direito de indemnização pelos danos decorrentes do atraso desse mesmo processo judicial.
3.3 A divergência situa-se, pois, quanto ao momento a partir do qual deve, no caso, ser contado o prazo prescricional de 3 anos previsto no artigo 498º nº 1 do Código Civil, para o exercício do direito indemnizatório fundado na violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável. Sendo certo que o autor fundou o pedido indemnizatório que formulou na ação precisamente na violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, por referência ao Proc. n.º 84/02.7BTAVR (com os números anteriores 108/2002 e 3202/2004), que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.
Pelo que, para a solução da questão em torno do termo inicial da contagem do prazo prescricional a que tal direito indemnizatório se encontra sujeito, importa ter presente a natureza desse direito alegadamente violado.
3.4 O direito a uma decisão judicial em prazo razoável, acolhido no artigo 20º nº 4 da CRP, sob a epígrafe “acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva”, através da consagração de que “…todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”, assegura o direito à justiça em prazo razoável, garantindo-se às partes envolvidas numa ação judicial o direito de obter do órgão jurisdicional competente uma decisão dentro dos prazos legais pré-estabelecidos, ou, no caso de esses prazos não decorrerem da lei, de um lapso temporal proporcional e adequado à natureza e complexidade do processo judicial (vide J. Gomes Canotilho e Vital Moreira in, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4.ª edição revista, vol. I, p. 417 e Isabel Fonseca in, “Estudos em Comemoração do 10.º Aniversário da Licenciatura em Direito da Universidade do Minho”, pág. 360).
O que também subjaz ao disposto no artigo 06º § 1º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), ratificada pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro, nos termos do qual “…qualquer pessoa tem direito a que a causa seja examinada num prazo razoável por um Tribunal, o qual decidirá sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil”.
3.6 Como é enfatizado no acórdão do STA de 13/07/2016, Proc. nº 0783/14, “…em ambos os preceitos a exigência de celeridade vem associada àquela outra exigência de equidade, indo o texto do segundo preceito mais longe, associando ainda a exigência da celeridade a um processo justo ou, em termos amplos, à qualidade da justiça, referindo, v.g., os valores da independência e da imparcialidade, e a necessária protecção das garantias individuais. A doutrina e a jurisprudência têm extraído desta associação a ilação de que a celeridade da justiça não é uma questão puramente quantitativa, no sentido de que basta, para atestar de um atraso da justiça, balizar os marcos temporais de início (ou a data da prática dos factos) e fim de um processo. Efetivamente, desde logo se reconhece que a necessidade de uma justiça justa, designadamente, de uma justiça que respeite a igualdade de armas, em especial o contraditório, significa que a questão do atraso tem que ser vista como uma questão igualmente qualitativa.”
3.7 Simultaneamente, e como já referiam Gomes Canotilho e Vital Moreira in, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 417 ss., a propósito do artigo 20º nº 4 da CRP, o sentido do direito ao prazo razoável como momento material da tutela judicial efetiva “…aponta para a sua aplicação em qualquer processo e perante qualquer jurisdição” e “a «razoabilidade» ou a «desrazoabilidade» do prazo não pode fixar-se a priori, podendo e devendo recorrer-se a tópoi interpretativos (complexidade do processo, comportamento do recorrente e das autoridades do processo, modo de tratamento do assunto pelas autoridades judiciais e administrativas, consequências para as partes)”, explicitando que o sentido da razoabilidade do prazo “…aponta para a necessidade de a tutela jurisdicional dever assegurar-se em prazo côngruo” em termos que “a não observância do princípio da razoabilidade temporal na duração do processo só poderá ser justificada nos processos de particular dificuldade ou extensão, mas dificilmente poderão considerar-se causas justificativas do «atraso» as insuficiências materiais e humanas (tribunais, pessoas, organizações) ou as deficiências regulativas do processo.”.
3.7 É ampla a jurisprudência nacional incidente sobre a matéria, importando, ainda assim, neste conspecto citar-se, a título exemplificativo, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
- acórdão de 01/02/2001, Proc. nº 046805, assim sumariado: «I - O Estado Português incorre em responsabilidade civil extracontratual por danos patrimoniais resultantes do defeituoso funcionamento dos seus Serviços de Justiça, se violar ilícita e culposamente o direito à execução de sentença proferida pelo tribunal (art.º 205°, n.º 3 da CRP), designadamente o direito de efectuar a penhora de bens no património do executado em "prazo razoável", consagrado no art.º 6°, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e art.º 20°, n.º 1 da CRP. II - Para a determinação de um "prazo razoável", há que ter em consideração o caso concreto, designadamente o período gasto na diligência, as circunstâncias desta, a sua complexidade e a conduta dos serviços do Tribunal.»;
- Acórdão de 06/02/2007, Proc. nº 01037/06, assim sumariado: «I - A responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo de causalidade entre este e o facto. II - O atraso na decisão de processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, garantido pelo art. 20.º, n.º 4, da CRP, e pelo art. 6.º, § 1.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pode gerar uma obrigação de indemnizar. III - A conduta dos serviços do Estado - atraso na prolação de sentença cível - não foi condição do dano quando este proveio do accionamento de uma garantia bancária autónoma, à primeira interpelação, se a decisão judicial, por mais célere que fosse, não podia ter evitado o respectivo levantamento e se não está provado que a demora tenha inviabilizado a possibilidade de ressarcimento do lesado através do património do beneficiário que accionou a garantia em seu proveito.»
- Acórdão de 09/10/2008, Proc. nº 0319/08, assim sumariado: «I - Os tribunais apreciam a violação dos arts. 20º n.º 1 da CRP e 6º §1.º da CEDH preenchendo o conceito de "prazo razoável", isto é, o período de tempo dentro do qual, para aquele processo concreto, considerado na sua globalidade, seria expectável a emissão de uma decisão jurisdicional em tempo útil. II - Nessa apreciação haverá que considerar todas as coordenadas do caso, como a duração média daquela espécie a complexidade e ocorrências especiais, os incidentes suscitados, entre outros factores, e que excluir o tempo de atraso injustificado que tenha ficado a dever-se à actuação da parte que pede a indemnização. III - Se globalmente se houver de considerar excedido o prazo razoável de modo manifesto ou indiscutível não há lugar a apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada acto, porque mesmo quando se concluísse pelo respectivo cumprimento não se infirmaria a conclusão obtida, antes deveria concluir-se que os meios de resolução daquele conflito pela justiça estadual não são adequados e estruturados devidamente, o que envolve também responsabilidade do Estado por deficiência da organização. IV - Se o prazo for de considerar razoável, sem margem de dúvida, também não importará que num acto, ou mesmo mais, tenha havido ligeiro atraso sem influência no resultado. V - No caso de se suscitarem dúvidas quanto a concluir que foi ultrapassado, ou não, o prazo razoável, um caminho consiste em analisar o cumprimento dos prazos processuais em cada acto da sequência que o compõe (embora, não seja elemento exclusivo a ter em conta). VI - Em processo de execução que ao fim de cerca de cinco anos não estava concluído e foi suspenso por ter havido um acordo de pagamento, tendo havido um incidente de habilitação que durou um ano com recurso para a Relação, e necessidade de uma peritagem de avaliação de benfeitorias cujo prazo de realização foi largamente excedido (embora sobreposto ao período de suspensão da instância), podia colocar-se a dúvida quanto a saber se foi ultrapassado o prazo razoável, ainda que para esta espécie se aponte para um prazo médio de dois anos e meio (em geral, para conclusão da acção executiva). Para dissipar a dúvida e verificando-se que o processo esteve um ano a aguardar um despacho judicial que apenas declarou finda a suspensão derivada do incidente de habilitação e ordenou uma notificação aos peritos, deve concluir-se que foi excedido o razoável de modo significativo, injustificado e ilícito, constituindo assim o Estado no dever de indemnizar. VII - Os danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre atingem os demandantes, isto é, ocorrem em praticamente todos os casos de atraso significativo na actuação da justiça, merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respectiva relevância, sem prejuízo de prova em contrário, ou de diferente causalidade, em cada caso. VIII - Se a parte que invoca a lesão alegar e procurar provar mais danos do que os comuns, mas não conseguir provar que os sofreu, nem por isso fica prejudicada no direito à indemnização que resulta da presunção natural de um dano moral relevante, salvo quando se provar que em concreto, mesmo este, não ocorreu.»;
- Acórdão de 26/03/2009, Proc. nº 0227/08, em que se sumariou entre o demais o seguinte: «(…) II - O atraso na decisão de processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, garantido pelo art. 20º, nº 4 da CRP, em sintonia com o art. 6º, nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pode gerar uma obrigação de indemnizar, desde que estejam verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual. III - Para efeitos de integração do conceito de "prazo razoável", ínsito nas disposições legais citadas, haverá, segundo a jurisprudência do STA e do TEDH, que considerar todas as coordenadas do caso, como a duração média da espécie processual, a complexidade e ocorrências especiais, os incidentes suscitados, entre outros factores, e que excluir o tempo de atraso injustificado que tenha ficado a dever-se à actuação da parte que pede a indemnização e à ocorrência de factores alheios ao funcionamento e controlo dos tribunais.»;
- acórdão de 08/07/2009, Proc. nº 0122/09, assim sumariado: «I - O atraso na decisão de processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, garantido pelo artigo 20.º, n.º 4 da CRP, em sintonia com o artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, gera uma obrigação de indemnizar, desde que estejam verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual; II - Para efeitos de integração do conceito de "prazo razoável", ínsito nas disposições legais citadas, haverá que considerar todas as coordenadas do caso, designadamente, a complexidade, incidentes suscitados, ocorrências especiais, tempo de atraso injustificado que tenha ficado a dever-se à actuação da parte que pede a indemnização»;
- Acórdão de 05/05/2010, Proc. nº 0122/10, assim sumariado: «I - Num processo para efectivação de responsabilidade civil extracontratual emergente de atraso na administração da justiça, se se considerar globalmente excedido o prazo razoável de modo manifesto ou indiscutível, não há que apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada acto processual, porque, mesmo que se concluísse pelo respectivo cumprimento, não se infirmaria a conclusão obtida sobre o excesso do prazo razoável, antes deveria concluir-se que os meios de resolução daquele conflito pela justiça estadual não são adequados e não estão estruturados de forma eficiente, o que envolve também responsabilidade do Estado por deficiência da organização. II - É violado o direito a uma decisão em prazo razoável, assegurado pelo art. 20.º, n.º 4, da CRP, em sintonia com o art. 6.º, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, se num processo de recuperação de empresa seguido de falência decorrem mais de sete anos e meio entre a data em que foi apresentada uma reclamação de créditos e aquela em que ficou definido que não havia verba suficiente para o pagar.»;
- Acórdão de 01/03/2011, Proc. nº 0336/10, assim sumariado: «I – Excedido que se mostre o prazo razoável de decisão do processo é ao Estado que o devia garantir, que incumbe alegar e provar qualquer causa justificativa do excesso verificado, já que tal constitui matéria de excepção, cujo ónus de alegação e prova cabe ao Réu, nos termos gerais (cf. artº 342º, nº2 do CC). II – Para efeitos de aferição da violação do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, o exercício pelos interessados dos direitos processuais que a lei lhes confere, como o direito ao contraditório, a deduzir incidentes e a reclamar ou recorrer nos termos da lei, das decisões que lhes são desfavoráveis proferidas no processo, não exclui, naturalmente, a responsabilidade do Estado, a não ser que deles seja feito um uso abusivo ou pré-determinado a atrasar o processo. III – É que o prazo razoável para resolver um litígio judicial não pode deixar de garantir a defesa dos intervenientes, nos termos da lei.»;
- Acórdão de 06/11/2012, Proc. nº 0976/11, assim sumariado: «I - A duração global de um processo judicial, por mais de 25 anos, onde se incluem cerca de três anos e meio de atrasos imputáveis ao tribunal, traduz um anormal funcionamento da justiça e é, por si só, violadora, pelo Estado, dos artº6º §1º e artº20º, nº4 da CRP. II - O facto de as partes utilizarem os vários meios processuais que a lei interna lhes permite para defesa dos seus interesses, não pode relevar como comportamento censurável a atender para efeitos de excluir a responsabilidade do Estado pela duração de um processo para além do prazo razoável, a não ser que deles façam um uso abusivo ou pré-determinado a atrasar o processo. III - É que cabe ao Estado organizar o seu sistema judiciário de molde a evitar que os processos se eternizem nos tribunais, através de sucessivos incidentes e recursos permitidos na lei interna. (…).»;
- Acórdão de 27/11/2013, Proc. nº 0144/13, assim sumariado: «I - A duração global de um processo judicial, por mais de 8 anos, traduz um anormal funcionamento da justiça e é, por si só, violadora, pelo Estado, dos art.º 6º §1º e art.º 20º, n.º4 da CRP. II - O facto de as partes utilizarem os vários meios processuais que a lei lhes permite para defesa dos seus interesses, não pode relevar como comportamento censurável a atender para efeitos de excluir a responsabilidade do Estado pela duração de um processo para além do prazo razoável, a não ser que deles façam um uso abusivo ou pré-determinado a atrasar o processo. III - É que cabe ao Estado organizar o seu sistema judiciário de molde a evitar que os processos se eternizem nos tribunais, através de sucessivos incidentes e recursos permitidos na lei interna.»;
- Acórdão de 10/09/2014, Proc. nº 090/12, assim sumariado: «I – O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, é um facto ilícito, gerador de responsabilidade civil do Estado. II – Quando, considerando o processo na sua globalidade, é manifesto que a sua duração ultrapassou o prazo razoável, não há que apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada acto, pois, ainda que assim se considerasse, não se poderia infirmar aquela conclusão, porque o Estado sempre teria que prover à criação de outros ou diferentes meios, mecanismos, prazos, organização para atingir o objectivo de administrar a justiça em prazo razoável. III – Tratando-se de um meio processual de tramitação simplificada e não revestindo a matéria nele em causa especial complexidade ou dificuldade, não pode deixar de se concluir que ultrapassou o prazo razoável a alteração da regulação do exercício do poder paternal que, até à obtenção de uma decisão transitada em julgado, durou cerca de 7 anos.»;
- Acórdão de 21/05/2015, Proc. nº 072/14, assim sumariado: «I - O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, constitui facto ilícito gerador de responsabilidade civil do Estado. II - A apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita em concreto, apreciação essa em que importa atender, nomeadamente, à complexidade do processo, ao comportamento das partes, à atuação das autoridades competentes no processo e à natureza do litígio [assunto objeto de apreciação, tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional das pessoas ou sujeitos envolvidos, mormente, a importância que a decisão tem para as partes - l’ enjeu du litige]. III - Não tendo os AA., após prolação de sentença que decretou a falência duma sociedade, deduzido qualquer reclamação de créditos, cujo pagamento visassem vir a obter através da massa falida e em função da respetiva sentença de graduação, não lhes assiste o direito a indemnização por atraso ocorrido na tramitação do apenso de reclamação e graduação de créditos, visto não poderem invocar que tenha existido, in casu, atuação ilícita lesiva da sua esfera jurídica por falta de emissão de decisão judicial em prazo razoável. (…)»;
- Acórdão de 13/07/2016, Proc. nº 0783/14, em que se sumariou o seguinte: «I - O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola manifestamente o direito a uma decisão em prazo razoável, é um facto ilícito gerador de responsabilidade civil extracontratual do Estado. II - A causa directa da não integração do imóvel disputado no património da autora foi o facto de o contrato-promessa com eficácia real que o tinha como objecto não ter sido registado.»;
- Acórdão de 30/03/2017, Proc. nº 0488/16, em que se sumariou o seguinte: «I - Convivendo no tempo uma «acção interna de responsabilização do Estado» por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável e uma petição no TEDH exactamente sobre o mesmo caso, as duas decisões, nelas a proferir, não se neutralizam, nem têm uma vocação de indemnização cumulativa, mas antes de indemnização complementar. II - Deverá existir, assim, uma metodologia dialogante entre o «juiz europeu» e o «juiz nacional» no que respeita à determinação do quantum da reparação, nomeadamente do dano moral. III - A doutrina da «margem nacional de apreciação» pode auxiliar este diálogo entre a justiça nacional e internacional. Ela diferencia aquilo que é «próprio de cada comunidade» daquilo que, em virtude da sua fundamentalidade, terá de ser imposto a cada Estado signatário da Convenção, independentemente da sua cultura específica.»;
- Acórdão de 11/05/2017, Proc. nº 01004/16, em que se sumariou o seguinte: «I - Convivendo no tempo uma «ação interna de responsabilização do Estado» por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável e uma petição no TEDH exatamente sobre o mesmo caso, as duas decisões, nelas a proferir, não se neutralizam, nem têm uma vocação de indemnização cumulativa, mas antes de indemnização complementar. II - De harmonia com o princípio da subsidiariedade, nos termos interpretados e afirmados pelo «TEDH» e, bem assim, daquilo que é interpretação que aquele Tribunal faz da Convenção Europeia dos Direitos do Homem [«CEDH»], mormente, em matéria de aferição, fixação ou quantificação/computo do montante adequado à reparação do dano não patrimonial, impenderá sobre o juiz nacional um dever de conformação e de decisão que, na observância de tais interpretações, assegure e adeque no plano interno a efetividade dos mecanismos existentes e o quantum indemnizatório de modo a conferir proteção dos direitos e liberdades reconhecidos naquela Convenção. III - À luz das exigências da «CEDH» a ação indemnizatória interna, destinada à efetivação daquela responsabilidade do Estado, deve ser decidida de forma célere e rápida. IV - Perante uma ausência do cumprimento garantístico de tal exigência, mercê da constatação de situação de atraso desrazoável naquela ação indemnizatória, e ainda que o lesado não haja feito uso dos meios e mecanismos adjetivos que o processo lhe faculta, caberá ao julgador, oficiosamente e uma vez assegurado o devido contraditório, aferir e considerar, até aquele concreto momento, do atraso e considerá-lo para efeitos do montante a fixar a título de danos não patrimoniais, arbitrando valor suplementar a esse título e que terá como limite sempre o valor que se mostre peticionado na ação.»;
- Acórdão de 08/03/2018, Proc. nº 035/17, em que se sumariou o seguinte: «I - Para aferição do concreto prazo que se deve entender por “razoável” não se pode adicionar o tempo de duração do processo penal ao da acção cível sem se demonstrar que a possibilidade legal de decidir o pedido cível em separado determinada pelo juiz criminal carece de sentido. II - A demora excessiva de um processo, que resulta de dificuldades encontradas na acção executiva, nomeadamente na efectivação das penhoras ordenadas pelo tribunal - bens móveis, contas bancárias, quota social - e na venda dos bens penhorados, com recurso à negociação particular não deriva de insatisfatória regulamentação legal imputável ao Estado nem da falta de andamento dos referidos processos em moldes normais e aceitáveis.»;
- Acórdão de 05/07/2018, Proc. nº 0259/18, em que se sumariou o seguinte: «I - Constatada uma violação do art. 06.º, § 1.º, da CEDH, relativamente ao direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, existe e opera, em favor da vítima daquela violação da Convenção, uma forte presunção natural da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável. II - Àquela vítima impenderá um ónus de alegação e de prova dos danos não patrimoniais que excedam aquele dano comum e se mostrem relativos à sua específica situação concreta. III - Tal presunção é, todavia, ilidível pelo demandado, impendendo sobre este o ónus de alegação e de prova em concreto da inexistência daquele dano e do afastamento do automatismo entre a violação constatada da Convenção e aquele dano. IV - O demandante, para poder beneficiar da operatividade e aplicação daquela presunção, carecerá apenas de alegar e demonstrar a existência de uma violação objetivamente constatada da Convenção, nisso radicando o seu ónus de alegação e prova, que, uma vez satisfeito, conduz a que se presuma como existente o dano psicológico e moral comum, sem necessidade de que dele por si seja feita a sua prova.»;
- Acórdão de 12/07/2018, Proc. nº 0428/18, em que se sumariou o seguinte: «I - O nexo naturalístico a que se refere o art. 563.º do CC ocorre sempre que o facto ilícito é suscetível de se mostrar, face à natureza das coisas e à experiência comum, como adequado à produção do dano. II - O mesmo só deixará de ser fonte da obrigação indemnizatória quando, na ordem natural das coisas, for de todo em todo indiferente para a produção do dano e se só se tornou condição deste em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, fortuitas e excecionais. III - Resulta preenchido o nexo de causalidade relativamente a perda patrimonial sofrida com impossibilidade de cobrança pelo credor de crédito reconhecido por sentença judicial emitida com violação do direito à emissão de decisão judicial em prazo razoável se estiver demonstrado que foi o retardamento havido na emissão daquela decisão judicial que impossibilitou o credor de ter podido diligenciar, mais cedo, pela dedução e instauração dos meios e dos mecanismos de garantia e de cobrança executiva e que estes, por conferidores de anterioridade e prioridade registal, lhe teriam permitido obter na ação executiva, em sede da operação de pagamento dos credores graduados, o pagamento da totalidade do seu crédito e que só tardiamente lhe veio a ser reconhecido naquela decisão.»;
- Acórdão de 13/03/2019, Proc. nº 0437/12.2BEALM 0683/18, em que se sumariou o seguinte: «I - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas colectivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos (cfr. arts. 7º e 12º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Pessoas Colectivas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31/12 e art. 483º e seguintes do CC). II - A obrigação que não foi cumprida pelo réu Estado, é a obrigação de garantir o direito constitucional a uma decisão em prazo razoável, que pode consubstanciar responsabilidade civil extracontratual, não é uma obrigação pecuniária, pelo que não tem aqui aplicação a norma do art. 806º, nº1 do CC. III - Não tendo a A alegado e demonstrado os danos que lhe foram causados pelo atraso nas decisões definitivas nos processos expropriativos, não podia o Réu ser condenado na indemnização respectiva. IV - O TCAS não podia conhecer do pedido de indemnização a título de danos não patrimoniais causados pelo anormal funcionamento dos serviços de administração da justiça, já que a aqui Recorrida, não o efectuou, como devia, na PI, tendo sido violado o princípio da estabilidade da instância (cfr. arts. 260º, 264º e 265º do CPC) e o princípio do contraditório (cfr. art. 3º, nº 3 e 415º do CPC), visto que o Réu Estado não teve oportunidade de se pronunciar sobre esse pedido em sede própria, e, sobre o qual a sentença de primeira instância não se havia pronunciado ao não ter sido formulado pedido nesse sentido na petição inicial ou até ao encerramento da discussão em 1ª instância, no qual veio o R. a ser condenado. V - Assim, o TCAS incorreu na nulidade de decisão prevista no art. 615º, nº 1, al. e) do CPC, já que decidiu questão e pedido de que não podia conhecer, por ter sido efectuado extemporaneamente. VI - A fixação do valor da indemnização devida pelos honorários suportados em excesso nos processos expropriativos, por recurso à equidade, nos termos do art. 566º, nº 3 do CC, pressupunha que a aqui recorrida tivesse provado que pagou honorários ao seu advogado num determinado montante, o qual foi superior, mesmo que não apurado um valor exacto, àquele que seria caso os referidos processos não tivessem sofrido atrasos, ou seja, que sofreu um dano, prova que não logrou fazer.»;
- Acórdão de 06/06/2019, Proc. nº 684/04.0BELRA, em que se sumariou o seguinte: « (…) II - O dano não patrimonial constitui consequência normal da violação do direito a uma decisão em prazo razoável, e, destarte, deverá presumir-se sempre que tal violação tenha sido objectivamente constatada, embora esta presunção seja ilidível; III - Assim, da aceitação do julgamento sobre a ocorrência de danos morais, por ambas as partes, não resulta sem mais a existência de nexo causal quanto ao dano patrimonial, de tal forma que o eventual julgamento negativo sobre este implique uma antinomia;
IV - Quanto aos danos patrimoniais essa forte presunção ilidível não se verifica, devendo resultar dos factos provados um encadeamento etiológico que faça emergir o atraso na realização da justiça como conditio sine qua non desses danos; V - Cabe ao autor, para preencher este necessário nexo causal, alegar e provar que no plano naturalístico a duração desmesurada do processo foi condição necessária do dano patrimonial; VI - A adequação de uma tal condição, enquanto vínculo causal relevante para a lei, é já, analiticamente, um juízo subsequente, formulado no plano jurídico, e supõe a verificação daquela condição no processo causal empírico; VII - Se a violação do direito do autor a uma decisão em prazo razoável apenas diminuiu a sua chance de obter o bom pagamento de uma quota social, não se verifica nexo de causalidade adequada entre essa violação e o não recebimento da quota social.
»;
- acórdão de 27/11/2019, Proc. nº 02445/15.2BELSB, assim sumariado: «I – O TEDH já entendeu que a fase procedimental, na medida em que constitua um obstáculo de facto ao acesso aos tribunais, poderá ser contabilizada para efeitos de apuramento do prazo razoável (Golder c. Reino Unido, n.º 4451/70, § 32, 21 fevereiro 1975). II – O TEDH tem afirmado que o apuramento da razoabilidade da duração do processo nos termos do artigo 6 § 1 da CEDH deve ter em conta as particulares circunstâncias de cada caso (cfr. Frydlender c. França [GC], § 43).»
- acórdão de 23/04/2020, Proc. nº 0290/13.9BESNT, assim sumariado: «I – O atraso na decisão de processos judiciais, quando violador do direito a uma decisão em prazo razoável, consubstancia um facto ilícito gerador de responsabilidade civil do Estado. II – Não obstante tratar-se de processo com alguma complexidade e sujeito a vicissitudes várias, o processo de falência é um projecto urgente, não sendo de admitir, in casu, e em especial, o atraso ocorrido na graduação definitiva dos créditos.»
- Acórdão de 05/03/2020, Proc. nº 0284/17.5BELSB, assim sumariado: «Na indemnização devida à parte vencedora a título de responsabilidade civil por atraso na administração da justiça não é de incluir a importância decorrente das despesas com os honorários do seu advogado que, estando sujeitas a um regime específico, só podem ser compensadas através das custas de parte nos termos previstos no Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Processuais.»
- Acórdão de 04/06/2020, Proc. nº 01510/13.5BEPRT 01389/17, assim sumariado: «I – Deve resultar dos factos provados a adequação causal entre o alegado atraso na justiça e os danos sofridos. II – Cumpre ao autor, para o efeito de preenchimento do necessário nexo causal, alegar e provar que a duração excessiva do processo foi causa adequada da verificação de danos patrimoniais.
III – A presunção de danos morais é ilidível, podendo o julgador concluir que a sua verificação não resultou provada.».
3.8 Simultaneamente é consensual, seja na doutrina, seja na jurisprudência do TEDH e dos tribunais nacionais, que a apreciação do cumprimento ou não do prazo razoável na resolução de um litígio judicial deverá ser uma apreciação global, recaindo sobre todos os motivos que determinaram o atraso na decisão, sem embargo de se dedicar mais atenção a determinados aspetos.
A este propósito Luís Fábrica, in, “Comentário ao Regime da responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas”, Universidade Católica Portuguesa, 2013, pág. 332 ss. refere que “o juízo sobre a duração do processo deve ser feito em termos globais, olhando à duração efetiva, e não segundo um método analítico, centrado no cômputo dos prazos legalmente fixados e da sua eventual ultrapassagem” e que “ …se a duração do processo se manteve dentro da duração média dos processos daquela espécie, em função, designadamente, da complexidade do caso-, pouco importa se relativamente a cada um dos trâmites os prazos respetivos foram ou não observados. A análise dos prazos e da sua ultrapassagem pode justificar-se apenas numa zona intermédia, cinzenta, em que foi ultrapassada aquela duração média, “ mas não existe uma demora que se afaste profundamente daquela média nem do tempo que seria expectável por um destinatário médio bem colocado para esta apreciação …”.
E Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, e Demais Entidades Públicas – anotado”, Coimbra Editora, pág. 199 ss. diz, a tal respeito, o seguinte: “…a não prolação de decisão judicial em prazo razoável corresponde a uma situação e morosidade processual, que terá, em todo o caso, de ser analisada, enquanto requisito material do direito á indemnização, em função da complexidade do processo e do comportamento que nele adotaram as partes ou que possa ser imputado a outras entidades, ainda que não diretamente de pendentes da justiça. (…) Por outro lado, o protelamento do processo tanto poderá ser imputável individualmente a um magistrado por não terem praticado os atos que lhe competem dentro dos prazos legais ou com a celeridade exigível, como poderá ser resultante de diversas falhas atribuíveis aos serviços globalmente considerados ou a factos ocorridos em diferentes ordens de tribunais. Em qualquer caso, não esta em causa a prática de um ato jurisdicional em si, mas a circunstância de a decisão (favorável ou desfavorável) ter sido proferida para além de um prazo razoável tendo em atenção a duração média da resolução dos litígios em juízo”.
3.9 Vindo a jurisprudência nacional a seguir aquela que tem também sido a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), no sentido de que a apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita em concreto, apreciação essa em que importa atender, nomeadamente, à complexidade do processo, ao comportamento das partes, à atuação das autoridades competentes no processo e à natureza do litígio, designadamente tendo em atenção o assunto objeto de apreciação, o tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional das pessoas ou sujeitos envolvidos, mormente, a importância que a decisão tem para as partes (l’ enjeu du litige).
Veja-se, por todos, o acórdão do STA de 21/05/2015, Proc. nº 072/14, citado no acórdão deste TCA Norte de 27/09/2019, Proc. nº 2114/17.9BEPRT, disponível in, www.dgsi.pt/jtcn, onde se explanou o seguinte:
«(…)no que tange à apreciação e integração do conceito de justiça em “prazo razoável” ou de obtenção de decisão judicial em “prazo razoável” temos que se trata dum processo de avaliação a ter de ser feito in concreto e nunca em abstrato, pelo que, nessa tarefa, nunca nos poderemos socorrer única e exclusivamente do que deriva das regras legais que definem o prazo ou os sucessivos prazos para a prática e prolação dos atos processuais pelos vários intervenientes. XXXI. Nessa medida, a apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita analisando cada caso em concreto e numa perspetiva global, tendo como ponto de partida a data de entrada da ação no tribunal competente e como ponto final a data em que é tomada a prolação definitiva, contabilizando as instâncias de recurso [incluindo a junto do Tribunal Constitucional] e ainda a fase executiva. XXXII. Para tal tarefa de avaliação e de ponderação afigura-se-nos adequado e útil fazer apelo à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem [TEDH] quanto à metodologia para avaliar a razoabilidade da duração dum processo. XXXIII. Tal jurisprudência, inicialmente, serviu-se apenas de três critérios [1.º - o da complexidade do processo; 2.º - o do comportamento das partes; e 3.º - o da atuação das autoridades competentes no processo], sendo que mais recentemente aquela jurisprudência acrescentou um outro critério [o 4.º] que se prende com o assunto do processo e ao significado que ele pode ter para o requerente [“l’ enjeu du litige”], sendo que todos estes critérios são valorados e aferidos em concreto atendendo “às circunstâncias da causa” [cfr., entre outros, decisões do TEDH no caso Frydlender c. França (P. n.º 30979/96) in: CEDH 2000-VII; no caso Cavelli e Ciglio c. Itália - acórdão de 17.01.2002, CEDH 2002, p. 23 in: «www.gddc.pt/direitos-humanos/sist-europeu-dh/sumariosTEDH.pdf»; no caso Martins Castro e Alves Correia de Castro c. Portugal (P. n.º 33729/06 - acórdão 10.06.2008, no seu § 38); no caso Ferreira Alves c. Portugal N.º 6 (P. n.ºs 46436/06 e 55676/08 - acórdão de 13.04.2010, no seu § 35) in: «www.gddc.pt/direitos-humanos/portugal-dh/acordaos»; no caso Domingues Loureiro e outros c. Portugal (P. n.º 57290/08 - acórdão de 12.04.2011, no seu § 56) e no caso Chy¿yñski c. Polónia (P. n.º 32287/09 - acórdão 24.07.2012, no seu § 47) ambos in: «www.hudoc.echr.coe.int/»].
XXXIV. Chamando aqui à colação aquela jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo para a definição ou integração de cada um destes critérios, tal como este STA já tem feito apelo, mormente, nos acórdãos de 28.11.2007, de 09.10.2008, de 26.03.2009, e de 10.09.2014 [respetivamente, Procs. n.ºs 308/07, 0319/08, 0227/08, e 090/12], temos que quanto ao primeiro critério se analisam tanto as circunstâncias de facto como o enquadramento jurídico do processo [mormente, número de pessoas/partes envolvidas na ação; tipo de peças processuais, nomeadamente, articulados; produção de prova e que tipos de prova foram produzidos, incluindo a pericial ou a realização de prova com recurso a cartas precatórias/rogatórias, ou que envolvam investigações de âmbito ou dimensão internacional; sentença (as dificuldades da aplicação do direito ao caso concreto, dúvidas sobre as questões jurídicas em discussão ou própria natureza complexa do litígio); número de jurisdições envolvidas por via de recursos; elaboração da conta].
XXXV. É, assim, que o número e a complexidade das questões de facto, a dificuldade das questões de direito, o volume do processo, a quantidade de provas a produzir, devem ser tomadas em conta no cômputo do prazo, sendo que não haverá que levar em conta quanto à complexidade da causa quando o atraso respeite a um ato ou uma fase processual em que ela não tenha incidência.
XXXVI. Já quanto ao segundo critério a avaliação do comportamento das partes atende não só ao uso do processo para o exercício ou efetivação de direitos como à utilização de mecanismos processuais [afere-se, nomeadamente, o uso de expedientes ou certas faculdades que obstam ao regular andamento do processo, v.g., a constante substituição do advogado, a demora na entrega de peças processuais, a recusa em aceitar as vias de instrução oral, o abuso de vias de impugnação e recurso sempre que a atitude das partes se revele abusiva e dilatória]. Daí que o TEDH exige que a parte queixosa tenha tido uma “diligência normal” no decurso do processo, não lhe sendo imputável a demora decorrente do exercício de direitos ou poderes processuais, como o de recorrer ou de suscitar incidentes inúteis.
XXXVII. Relativamente ao terceiro critério atende-se não apenas aos comportamentos das autoridades judiciárias no processo mas também ao comportamento dos órgãos do poder executivo e legislativo, exigindo-se, assim, que o direito ao processo equitativo se concretize com reformas legislativas ao nível das leis de processo e com reformas estruturais, mormente, com reforço dos meios humanos e materiais.
XXXVIII. A este propósito o TEDH tem considerado que a invocação de excesso de zelo para a realização de prova, a “lacuna na sua ordem jurídica”, a “complexidade da sua estrutura judiciária”, a doença temporária do pessoal do tribunal, a falta de meios e de recursos, uma recessão económica, uma crise política temporária ou a insuficiência provisória de meios e recursos no tribunal, não podem servir como razão suficiente para desculpar o Estado pelos períodos de tempo em que os processos estão parados traduzindo-se em situação de demora excessiva do processo o que constituiria infração ao art. 06.º da CEDH porquanto face à ratificação desta Convenção pelos Estados estes comprometem-se a organizar os respetivos sistemas judiciários de molde a darem cumprimento aos ditames decorrentes daquele preceito.
XXXIX. Também a justificação do atraso na prolação de decisão judicial com base no volume de trabalho não tem merecido aceitação, pois, se pode eventualmente afastar a responsabilidade pessoal dos juízes não afasta a responsabilidade dos Estados.
XL. Assim, para efeitos de avaliar se houve violação do direito à justiça em “prazo razoável” a conduta negligente ou omissiva do juiz é equivalente à inércia do tribunal ou de qualquer autoridade dependente do tribunal em que corre o processo.
XLI. Nessa medida, quer estejamos perante atuação ou omissão de juiz, quer estejamos face a ausência de juiz, de falta de juízes por não haverem sido formados ou por má gestão dos respetivos quadros face ao volume de serviço do tribunal [deficiente definição dos quadros], quer, ainda, quando haja grande volume de serviço e não haja um adequado quadro de funcionários judiciais, como também pela insuficiência de condições físicas e meios colocados à disposição do tribunal [faltas de salas de audiência ou mesmo da falta equipamento ou do seu deficiente funcionamento quanto aquilo que são os meios legalmente previstos e impostos], o Estado responderá civilmente pela desorganização do aparelho judicial.
XLII. Por fim, quanto ao quarto critério analisa-se ou afere-se a natureza do litígio, assunto objeto de apreciação e tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional das pessoas ou sujeitos envolvidos, mormente, a importância que a decisão tem para as partes.
XLIII. Este último critério tem desempenhado ou assumido um papel cada vez mais relevante a ponto de ser utilizado na apreciação da razoabilidade da duração dos processos em que se discutem certos direitos, mormente, em áreas como as da assistência social, as do emprego, as dos sinistros rodoviários ou ainda as relativas ao estado civil das pessoas [sua regularização].
XLIV. O critério da finalidade do processo assume importância primordial quando está em causa um processo urgente que vise tutelar situação de alegada ofensa irreparável. Com efeito, o tardar numa decisão judicial para além daquilo que foi o prazo alegado ou reclamado como necessário para evitar tal ofensa poderá tornar inútil o processo decorrido esse prazo, desvirtuando-se por completo o direito à tutela jurisdicional efetiva.
XLV. Atente-se igualmente ao que foi considerado por este Supremo Tribunal no seu acórdão de 09.10.2008 [Proc. n.º 0319/08 cuja jurisprudência veio a ser reafirmada, nomeadamente, nos acórdãos deste mesmo Tribunal de 05.05.2010 (Proc. n.º 0122/10) e de 01.03.2011 (Proc. n.º 0336/10) ambos in: «www.dgsi.pt/jsta»] a este propósito “o direito à decisão em prazo razoável mediante processo equitativo consagrado no art. 6.º da CEDH e n.º 4 do art. 20.º da Const. remete o aplicador para operar a determinação, apreciando as circunstâncias de cada caso, do que é o prazo razoável. (…) Esta determinação tem de adotar como primeiro critério o que resulta do elemento textual, isto é, a razoabilidade, o que nos remete para uma análise global, de conjunto da situação processual dos autos em que o demandante se queixa do atraso e não para os seus pormenores e para os prazos de cada fase e momento processual. (…) São de excluir desde logo da possibilidade de servir de esteio à apreciação os atrasos que tenham sido provocados pela própria parte que se queixa da demora. (…) Deve em seguida passar a analisar-se na globalidade o tempo de duração da ação e o seu estado e, se a conclusão que se recolher deste conspecto for clara e seguramente no sentido de que foi ultrapassado o prazo razoável não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos atos daquele percurso. Uma situação deste tipo pressupõe evidentemente uma opinião praticamente unânime de um universo de apreciadores que o julgador pode prefigurar e portanto ocorre apenas quando a demora processual seja chocante, inaceitável, para os critérios do homem comum e das suas expetativas ponderadas sobre o andamento da máquina da administração da justiça. (…) É de sublinhar neste ponto que em alguns casos de claro excesso do prazo razoável poderia porventura o método analítico de cada ato processual e respetivo prazo conduzir à conclusão de que não houve atrasos, mas nem assim se pode infirmar a conclusão do excesso injustificado porque a ser assim teria o Estado que prover a criação de outros ou diferentes meios, mecanismos, prazos, organização, para atingir o objetivo de administrar a justiça em prazo razoável”.
XLVI. E continua-se no referido acórdão que numa “segunda hipótese vemos aqueles casos em que no conjunto do meio processual e do tempo que tardou, atendendo a aspetos como a complexidade do caso e o enxerto de incidentes indispensáveis, haja de concluir-se que se tratou ainda de um prazo razoável. (…) Também neste caso, como no antecedente se deve evitar conceder relevância, sequer analítica ao que se passou concretamente com os atos atomísticos que preenchem o processo e irreleva se houve um atraso na secretaria ou de um magistrado se ele não determinou a ultrapassagem do tempo razoável para a decisão da causa. (…) Uma terceira hipótese contempla aqueles casos em que é ultrapassada a duração média daquele tipo de processos, mas não existe uma demora que se afaste profundamente daquela média nem do tempo que seria expectável por um destinatário médio bem colocado para esta apreciação e o processo teve relativa complexidade e incidentes de modo que se podem colocar dúvidas quanto a determinar o que seria o prazo razoável naquela situação. (…) Neste grupo de casos parece que, ao lado de outros o critério analítico do cumprimento ou não dos prazos processuais pode desempenhar um papel relevante”.
XLVII. Sustentou-se ainda no acórdão deste Supremo de 10.09.2009 [Proc. n.º 083/09 consultável no mesmo sítio] que “a definição do que seja um prazo razoável não só não é meramente objetiva como também essa qualificação não pode ser atribuída em abstrato antes havendo de ter em consideração as circunstâncias concretas de cada caso, designadamente as relacionadas com natureza e complexidade do processo, a conduta do requerente e o comportamento das autoridades competentes (magistrados, órgãos de polícia e agentes dos serviços de justiça). O que quer dizer que o facto da conclusão do processo ter excedido o prazo legal, pode não ser qualificado como ilícito e culposo - Vd., entre outros, Acórdãos deste STA de 15/10/98 (rec. 36.811) e de 17/03/2005 (rec. 230/03). Ou seja, a violação do direito a uma decisão num prazo razoável só pode gerar a obrigação de indemnizar se as circunstâncias concretas do caso ditarem que ela podia ter sido alcançada num prazo inferior ao que efetivamente foi e que tal só aconteceu por incúria ou negligência dos operadores judiciários”.»
3.10 O que vem de dizer-se conduz à inexorável conclusão de que o entendimento feito Tribunal a quo não pode manter-se. Vejamos porquê.
3.11 Considerou-se na decisão recorrida que o Autor centrou na sua petição inicial a violação do direito na obtenção de decisão judicial em prazo razoável na demora de decisão em primeira instância, isto por referência ao que alegou nos artigos 17.º, 24.º e 25.º daquele seu articulado inicial.
3.12 O autor alegou, com efeito, naqueles indicados artigos 17.º, 24.º e 25.º da Petição Inicial, o seguinte:
17.º - «Com a manifesta demora do processo de impugnação n.º 3202/2004, especialmente nos 3 primeiros anos sem que houvesse um primeiro e mero despacho liminar e depois mais 7 longos anos sem que houvesse uma decisão de 1.ª instância ou sequer uma data previsível para a realização da inquirição das testemunhas por si arroladas, o A. passou a padecer de incerteza, inquietude, ansiedade, irritabilidade e indignação pela anómala situação. Uma odisseia!»

24.º - «Ora, como a prolação do despacho a admitir a petição inicial se verificou mais de 3 anos e 5 meses depois da abertura da conclusão e a prolação do despacho a designar a data para audição das testemunhas se verificou quase 7 anos depois da apresentação da contestação, resulta muito claro e evidente que os prazos processuais previstos no artigo 21.º do CPPT não foram cumpridos no referido processo de impugnação n.º 3202/04.»

25.º - «Além disso, ao ter sido proferida sentença pelo tribunal de 1.ª instância apenas em 19/06/2013, ou seja, 11 anos depois da instauração da respetiva impugnação, foi também manifestamente violado o prazo de 2 anos previsto até à decisão em 1.ª instância, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 96.º do CPPT, cita-se: “2 - Para cumprir em tempo útil a função que lhe é cometida pelo número anterior, o processo judicial tributário não deve ter duração acumulada superior a dois anos contados entre a data da respetiva instauração e a da decisão proferida em 1.ª instância que lhe ponha termo.”»

3.13 Mas o Tribunal a quo não atendeu ao demais que o autor expôs, designadamente, nos artigos 2º, 3º, 4º, 26º, 26º, 27º, 28º e 41º da mesma Petição Inicial, e que importa, aqui, explicitar:
2.º - «Com efeito, o ora A. não pode passivamente aceitar nem simplesmente conformar-se com os danos que sofreu pela demora desrazoável e totalmente inaceitável verificada no referido processo de impugnação que teve uma duração global de 16 anos.»

3.º - «Isto quando, seguindo a jurisprudência uniforme do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, igualmente seguida pelos nossos Tribunais Superiores, considerando a generalidade das matérias e abrangendo a 1ª e 2ª instâncias, tem-se como padrão referencial de razoabilidade de duração média global do processo um período de 4 a 6 anos.»

4.º - «Assim, para além dos danos morais sofridos pelo A. pelo atraso excessivo na decisão final do processo, também não é aceitável que o uso pelo contribuinte do seu legítimo direito de impugnar atos de liquidação adicionais de IRS acabe por se traduzir num autêntico enriquecimento por parte da Fazenda Pública, quando, por força da morosidade do processo judicial em causa, a dívida inicial de €12.020,77 se transformou, 16 anos depois, em €20.927,88, significando que o Estado (na veste de Fazenda Pública) beneficiou desproporcionada e diretamente do seu próprio atraso no exercício da sua Função Jurisdicional.»

26.º - «No que se refere à totalidade do período de tempo em que o processo se desenvolveu, o processo de impugnação em questão ao ter tido uma duração global de 16 anos e 8 dias violou claramente o disposto nos artigos 97.º, n.º 1 da LGT, 20.º, n.º 4 da CRP e 6.° § 1.º da CEDH.»

27.º - «Ou seja, no âmbito no processo de impugnação n.º 3202/04, o Estado violou manifestamente o direito do A. a obter uma decisão em prazo razoável, tanto mais que este processo NÃO teve nem muitos nem anormais incidentes processuais, NÃO teve várias sessões de julgamento e NÃO foi tecnicamente complexo; digamos que FOI um normal e vulgar processo de impugnação judicial.»

28.º - «Na esteira da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e da dos nossos Tribunais Superiores, considerando a generalidade das matérias e abrangendo a 1ª e 2ª instâncias, tem-se como padrão referencial de razoabilidade de duração média global do processo o período de 4 a 6 anos.»

41.º - «Pelo que, no caso em apreço e tendo em conta que a decisão final do processo foi proferida 10 anos após os 6 anos de padrão referencial de razoabilidade de duração média global do processo, deve o R. ser condenado ao pagamento ao A. de uma quantia não inferior a €10.000,00 a título de danos não patrimoniais, ou seja, €1.000,00 por cada ano de demora para além do padrão referencial de razoabilidade de duração média global do processo.»

3.14 Aliás, lida a Petição Inicial na sua integralidade facilmente se apreende que o autor fundou o pedido indemnizatório por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável (com invocação do disposto no artigo 97.º, n.º 1 da LGT, no artigo 20.º, n.º 4 da CRP e no artigo 6.°, § 1.º da CEDH, que ali expressamente indicou) na duração global do processo de impugnação, excessiva do seu ponto de vista. A que faz desde logo referência nos iniciais artigos 1º a 5ª da PI, na parte I a que deu a epígrafe de «introito», em que se incluem os já supra citados artigos 2º, 3º e 4º da PI.
Sendo que a referência que fez nos artigos 17.º, 24.º e 25.º da PI à delonga na prática dos atos processuais na 1ª instância, se insere na explanação que efetuou seja na parte II, a que deu a epígrafe «dos factos», seja na parte III, a que deu a epígrafe «do direito» quanto ao percurso e vicissitudes do processo, desde a sua instauração até à sua decisão definitiva com trânsito em julgado. Ora, aí incluiu, também, a circunstância de ter sido excedido o padrão de referência de duração razoável do processo, a que se referiu, designadamente, nos já supra citados artigos 26º, 26º, 27º e 28º da PI.
3.15 Não se vê, pois, como pôde o Tribunal a quo retirar a conclusão de que o autor centrou o efeito da violação do direito na obtenção de decisão judicial em prazo razoável na demora de decisão em primeira instância.
O que inquina o subsequente raciocínio, que fez, de que os factos dos quais o Autor deveria ter retirado a consequência ou causa de pedir que pelos presentes autos fundamenta o pedido indemnizatório, ocorreram em 19/06/2013, data da primeira decisão em primeira instância, ou, na pior das hipóteses em 20/04/2015, data da segunda decisão em primeira instância, e tendo proposto a presente ação em 10/07/2019, à data da propositura da presente ação, já havia decorrido o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 498º nº 1 do Código Civil.
3.16 É seguro que por força do disposto no artigo 5º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro), o direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas coletivas de direito público e dos titulares dos respetivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição.
3.17 Dispõe o n.º 1 do artigo 498.º do CC que “o direito à indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”.
Por seu turno, o artigo 306.º do Código Civil estabelece que “o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”.
A prescrição é uma forma de extinção de um direito pelo seu não exercício por um dado lapso de tempo fixado na lei e variável de caso para caso, só estando excluídos da prescrição os direitos indisponíveis e aqueles que a lei expressamente dela isenta (cfr. artigo 298.º do Código Civil), consubstanciado, assim, uma exceção perentória que, a verificar-se, conduz à absolvição do pedido (cfr. artigo 89º nº 3 do CPTA).
3.18 É pacífico, hoje, o entendimento de que resulta do inciso “a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete” constante do nº 1 do artigo 498º do Código Civil, que o momento relevante para efeitos do termo a quo do prazo prescricional ali previsto é o do conhecimento, pelo lesado, dos pressupostos que condicionam a responsabilidade que pretende efetivar. Isto porque o conhecimento desses pressupostos implica o conhecimento do direito à indemnização pelos danos que decorrem do facto danoso. Ainda que com desconhecimento da extensão integral dos danos.
3.18 Ora, se na ação se pretende efetivar o direito a indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual do ESTADO PORTUGUÊS por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, erigindo-se como causa de pedir a demora excessiva na duração global do processo, relevante para a determinação do início do cômputo do respetivo prazo de prescrição, nos termos do artigo 498º nº 1 do Código Civil, é o momento em que foi prolatada a decisão que lhe põe fim.
Nesse sentido se pronunciou, aliás, o recente acórdão do STA de 06/02/2020, Proc. nº 03/16.3BEALM, disponível in, www.dgsi.pt/jsta, assim sumariado: «Em situações de responsabilidade do Estado por atraso na justiça como as dos presentes autos, deve entender-se que o prazo prescricional fixado no artigo 498.º do CC apenas começa a correr com a prolação da decisão de mérito irrecorrível.». Ali se disse, a tal respeito, que «(…) estas situações de indemnização por atraso na justiça são situações sui generis, estando-se em face de um non facere, além do mais não reportado a nenhum prazo específico. Acresce a isto que estamos no âmbito do exercício de um direito que tem uma fonte simultaneamente interna (art. 20.º CRP) e internacional (art. 6.º CEDH), sendo que a adequação do ordenamento interno às exigências que derivam da adesão à CEDH pode implicar algumas soluções mais específicas ou individualizadas do legislador ou mesmo do julgador, no sentido de não vulnerar de forma desproporcional o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas. O princípio da subsidiariedade da tutela europeia pressupõe a exaustão dos remédios domésticos e o dever do Estado de implementar ou prover à existência desses mesmos remédios domésticos. Ora, a solução preconizada pelas instâncias nos presentes autos teria como consequência uma restrição excessiva do mencionado direito. A verdade é que nestas situações de indemnização por atraso na justiça, um eventual atraso terá de ser apreciado de forma unitária, desde a proposição da acção até à prolação da decisão de mérito final. Até porque pode haver atrasos em certas fases do processo e não em todas, sendo isso, no entanto, suficiente para condenar o Estado por atraso na justiça. Só uma visão global do processo permite, pois, ao julgador, avaliar se a decisão judicial foi dada sem dilações indevidas.».
3.19 Na situação dos autos temos, em face da factualidade dada como provada, que o processo de Impugnação Judicial (a que coube o n.º 84/02.7 BTAVR, com os números anteriores 108/2002 e 3202/2004), que o autor dirigiu contra ato praticado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, apenas veio a ser definitivamente decidida pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 08/03/2018, que o julgou improcedente, decisão que transitou em julgado em 20/04/2018 (vide pontos 1. e 9. do probatório).
Ora, se a ação presente, pela qual o autor pretende obter a condenação do ESTADO PORTUGUÊS a pagar-lhe uma indemnização por danos, patrimoniais e não patrimoniais, que funda na demora excessiva daquele processo de impugnação judicial, foi instaurada em 10/07/2019, data em que foi logo citado o ESTADO PORTUGUÊS na pessoa do Digno Magistrado do Ministério junto do Tribunal a quo (cfr. fls. 55 SITAF), ato que, assim, interrompeu a prescrição (cfr. artigo 323º nº 1 do Código Civil), tem que concluir-se que em tal data não havia ainda decorrido o prazo prescricional de 3 anos previsto no artigo 498º nº 1 do Código Civil.
O direito indemnizatório reivindicado pelo autor não se mostra, pois, prescrito.
3.20 Merece, pois, acolhimento o recurso, devendo a decisão recorrida ser revogada. E julgando-se não prescrito o direito indemnizatório reivindicado pelo autor, determinar a baixa dos autos à primeira instância, para que aí prossigam os seus termos, se nada mais entretanto obstar.
O que se decide.
*
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, e julgando-se não verificada a invocada prescrição, determinar a baixa dos autos à primeira instância, para que aí prossigam os seus termos, se nada mais entretanto obstar.
*
Custas pelo recorrido - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.
D.N.
*
Porto, 30 de outubro de 2020

M. Helena Canelas
Isabel Costa
Rogério Martins