Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00425/13.1BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/30/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Helena Canelas
Descritores:CONTRATO – FACTORING – JUROS
Sumário:I – A cessão de crédito operada no quadro de contrato de factoring importa, salvo convenção em contrário, a transmissão para o factor (cessionário) das garantias e outros acessórios do direito transmitido, incluindo-se nestes os juros de mora vincendos.

II – Não se apurando a existência de qualquer cláusula contratual que afastasse a cedência quanto aos juros de mora, deve manter-se a conclusão de que à autora não assiste o direito de reclamar juros moratórios relativamente as faturas por si emitidas, e por conseguinte, vencidas, após ter-se operado a cessação dos respetivos créditos através do contrato de factoring..*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M., S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
M., SA (devidamente identificada nos autos) autora na ação administrativa comum que instaurou em 08/11/2013 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela contra o MUNICÍPIO DE (...) na qual peticionou, por referência aos contratos de empreitada, denominados “Reabilitação das Piscinas Municipais de (...)”, “Saneamento de (...)”, “Vilarinho de (...)”, “Empreitada de Construção de Reservatório de (...)”, “Empreitada de Construção de Reservatório (...)”, a condenação deste a pagar-lhe o montante de 59.312,32€, por esta liquidados à Instituição Bancária C., SA, a título de juros pela não liquidação atempadas das faturas objeto de operação de factoring, bem como no pagamento dos juros vincendos que venham a ser cobrados pela C.,SA desde a presente data até à liquidação integral das faturas por parte da Ré à Instituição C., SA, montantes cujo seu apuramento se relega para ulterior execução de sentença ou, subsidiariamente, a condenação do réu a pagar-lhe os juros vencidos desde a data de vencimento de cada uma das faturas até à data da instauração da ação, no mesmo montante de € 59.312,32, acrescido dos juros vincendos até total e integral pagamento das faturas pela ré, valor relegado para ulterior execução de sentença – inconformada com a sentença datada de 18/06/2019 (fls. 207 SITAF) que julgou improcedente a ação, absolvendo o réu dos pedidos, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 230 SITAF), formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
A. É objecto do recurso a decisão da matéria de facto e da sua subjunção ao Direito aplicável que a Autora, ora Recorrente, apresenta o presente recurso, contra a Sentença proferida em 21-06-2019 (Cfr. Notificação com a Ref.ª 004 307 318).
B. A Sentença deu como provados os factos 1) a 16), como também deu como não provados os factos a) a f), porém, a Recorrente discorda dos factos dados como provados em 2), 5), 6), 15), bem como discorda dos factos não provados em a), b), c), d), e), f),
C. A Sentença deu como provados os factos 1) a 16), como também deu como não provados os factos a) a f).
D. A Recorrente discorda dos factos dados como provados em 2), 5), 6), 15), bem como discorda dos factos não provados em a), b), c), d), e), f), por força da prova documental e testemunhal produzidas nos autos.
E. Nesse sentido, a prova documental, nomeadamente os documentos 1 a 16 da petição inicial: notas de débito e respectivo cálculo de juros enviadas ao Réu pela Autora.
F. Bem como os Documentos 1 a 4 da contestação: i) notificação do contrato de factoring de 17-11-2010 da Autora para o Réu, sem que seja referido em lado algum que o risco de incumprimento e juros seriam cedidos da Autora ao Banco; ii) notificação da C. Leasing para o Réu de 19-11-2010 sem que seja referido em lado algum que o risco de incumprimento e juros seriam cedidos da Autora ao Banco.
G. E, ainda, o requerimento de 10-01-2017 da Autora com documentos cuja junção era requerida na parte final da contestação ponto B, quanto às facturas em que o Réu incorreu em atrasos e eram devidos juros.
H. Acresce a prova testemunhal não relevada das Declarações de parte Legal Representante Autora: 2:33-3:00, 3:01-3:18, 3:40-4:05, 11:08-12:17, 12:17-12:19, 12:20-12:40, 14:15-14:30, 15:07-15:37, 15:58-16:37, 18:20-18:36, 19:00-19:10, 21:40-22:55, 23:05-23:45, 23:50-23:54, 23:54-24:23.
I. E, ainda a testemunha D. (anterior vice-presidente do Réu à data dos factos): 45:04-45:12; a Testemunha B. (anterior administradora da Autora à data dos factos): 50:10-50:34, 50:48.50:51, 52:40-52:48; a testemunha: J. (C. Leasing): 56:35-56:50, 58:10-58:50; e a testemunha A. (anterior administrador da Autora à data dos factos): 01:03:00-01:03:10: Se não estou em erro nos tínhamos uma linha de factoring através da qual nós recorríamos a uma entidade bancária. 01:03:38-01:03:41: Advogado: Recorda-se das facturas terem sido pagas à C. Leasing dentro do prazo? 01:03:41-01:03:45: Não foram pagas dentro do prazo. 01:04:25-01:04:29: Advogado: e no fundo o que está aqui em causa são os juros pelos atrasos nos pagamentos das facturas dessas empreitadas? 01:04:30-01:04:32: Sim.
01:04:45-01:05:10: Nós inclusive tenho a recordação que a C. Leasing pediu para devolver dinheiro porque o MUNICÍPIO DE (...) não estava a pagar ... Sim. 01:05:20-01:05:25: Advogado: lembra-se do envio de cartas com notas de débitos dos juros para o Município? 01:05:25-01:05:28: Várias vezes.
01:06:20-01:06:34: Sim ... tudo estava cabimentado pelo nosso departamento contabilístico. 01:06:50-01:07:03: como disse nós tínhamos dois contabilistas internos que tratavam de tudo relacionado com os juros e o que estava em mora.
J. Além disso o contrato de factoring que ora se junta.
K. Por um lado, quanto à abrangência e âmbito dos contratos de empreitada e quanto às facturas e valores em causa,
L. Por outro lado, quanto à origem da operação de contrato de factoring, pelo Réu é que não disponha de capacidade financeira,
M. Por último, que os juros em causa nos presentes autos eram e são devidos pelo Réu à Autora e não ao Banco C. Leasing que teve o contrato de factoring, pela sua autonomia.
N. Na verdade, nos termos do contrato de factoring, ora junto como documento n.º 1, refere-se nas condições particulares do contrato de factoring, que o factor não assume o risco de crédito por incumprimento do devedor, o que determina que seja a Recorrente quem assumiu o risco do não pagamento, total ou parcial, dos créditos cedidos.
O. A decisão devida quanto aos factos deverão ser dados como não provados nos termos que o foram os factos dados como provados em 2), 5), 6), 15) e ao invés serem dados como provados factos não provados em a), b), c), d), e), f), na decisão de facto.
P. Certo é que, conjugada com os art.ºs 94.º e 95.º do CPTA e art.ºs 607.º a 609.º do CPC, a sentença identifica as questões a solucionar, os fundamentos com os factos provados e não provados discriminados a terem de partir de uma análise crítica e livre apreciação da prova produzida e a interpretação das normas jurídicas aplicáveis pelo Tribunal a quo, inclusive a sentença conhece das questões de facto e Direito alegadas pelas partes,
Q. Os pedidos da Autora na sua petição inicial:
Nestes termos, nos melhores de Direito e nos, por V. Exª. Doutamente supridos, deve a presente Acão ser julgada procedente, por provada e, por via disso, ser a Ré condenada:
a) no pagamento à A. do montante de de € 59.312,32 (cinquenta e nove mil, trezentos e doze euros e trinta e dois cêntimos), por esta liquidados à Instituição Bancária C., SA, a título de juros pela não liquidação atempadas das faturas objeto de operação de factoring;
b) no pagamento dos juros vincendos que venham a ser cobrados pela C., SA à Autora, desde a presente data até à liquidação integral das faturas por parte da Ré à Instituição C., SA, montantes cujo seu apuramento se relega para ulterior execução de sentença;
Caso assim se não entenda:
c) no pagamento de juros vencidos desde a data de vencimento de cada uma das faturas até à presente data, no montante de € 59.312,32 (cinquenta e nove mil, trezentos e doze euros e trinta e dois cêntimos);
d) acrescido dos juros vincendos até total e integral pagamento das faturas pela Ré, valor que se relega para ulterior execução de sentença.
R. A Sentença entendeu, a nosso ver mal, pois, estamos perante um contrato de factoring e a Autora foi considerada parte legítima nos presentes autos, pois, tem a Autora o direito de pedir o pagamento e a responsabilidade do pagamento de juros ao Réu.
S. Nesse sentido o contrato de factoring que ora se junta.
T. A actividade de factoring encontrava-se definida no art.º 2.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 171/95, de 18.7, nos seguintes termos: “a atividade de factoring ou cessão financeira consiste na aquisição de créditos a curto prazo, derivados da venda de produtos ou de prestação de serviços, nos mercados interno e externo”
U. É através da figura da cessão que o Factor passa a poder exigir do devedor o pagamento devido ao cliente.
V. Nos termos do art.º 577.º do Código Civil, o credor, em regra, pode ceder, no todo ou em parte, o seu crédito a terceiro, sem necessidade do consentimento do devedor.
W. Em concreto, verifica-se que do contrato de factoring celebrado se reporta a todos os créditos existentes a essa data e também os futuros, por falta de indicação expressa em contrário.
X. No contrato de factoring nada se estipulara quanto ao facto da cessão/transmissão de créditos englobar ou não os juros do capital em débito relativamente aos montantes das facturas em débito.
Y. Na situação em apreço, refere-se nas condições particulares do contrato de factoring que o factor não assume o risco de crédito por incumprimento do devedor,
Z. O que determina que seja a Recorrente quem assumiu o risco do não pagamento, total ou parcial, dos créditos cedidos,
AA. Ao que acresce a circunstância de nos termos do mesmo contrato de factoring, a Recorrente ter ficado com a possibilidade de poder exigir directamente ao devedor Réu os seus créditos cedidos ao Banco,
BB. Assim, o que determina a possibilidade do Recorrente cedente poder ainda reivindicar junto do devedor Recorrido o pagamento, designadamente dos juros.
CC. Resulta, em qualquer caso, do convencionado que a Recorrente poderia continuar, apesar de tal contrato de factoring, a proceder à cobrança dos seus créditos sobre o Réu Recorrido, nomeadamente de juros, como resulta expresso do contrato de factoring.
DD. Sendo a Autora parte legítima na presente acção, tendo o Réu reconhecido os montantes dos contratos de empreitada, tanto mais que os pagou, embora com mora, os juros mostram-se devidos.
EE. Essa tal obrigação de pagamento de juros pela mora resulta designadamente dos artigos 804.º a 806.º do Código Civil.
FF. Efectivamente, o Dec. Lei n.º 3/2010, de 27/04, veio estabelecer a obrigatoriedade de pagamento de juros de mora pelo Estado pelo atraso no cumprimento de qualquer contrato de qualquer obrigação pecuniária,
GG. Sem prejuízo, de resto a Autora tinha como pedido subsidiário: Caso assim se não entenda: c) no pagamento de juros vencidos desde a data de vencimento de cada uma das faturas até à presente data, no montante de € 59.312,32 (cinquenta e nove mil, trezentos e doze euros e trinta e dois cêntimos); d) acrescido dos juros vincendos até total e integral pagamento das faturas pela Ré, valor que se relega para ulterior execução de sentença. e) tudo acrescido de juros vencidos e vincendos até total e integral pagamento, calculados sobre o capital em divida de € 59.312,32 (cinquenta e e nove mil, trezentos e doze euros e trinta e dois cêntimos), à taxa legal em vigor;
HH. Determinando o art. 326º n.º 2 do Código dos Contrato Públicos que, a obrigação de pagamento de juros de mora, vence-se automaticamente, logo que a obrigação se encontre vencida.
II. Ora, no caso em apreço, a obrigação já se encontra vencida e o Réu em mora, pelo que inexiste qualquer dúvida sobre a responsabilidade do Réu no pagamento dos mesmos juros.
JJ. Tanto mais que estabelece o n.º 3 do art. 326º do CCP a nulidade de qualquer cláusula contratual que exclua a responsabilidade sobre o pagamento de juros.
KK. Pelo que deverá o Réu ser condenado no pagamento à Autora dos juros de mora vencidos, desde a data de vencimento de cada uma das facturas até à presente data, conforme os pedidos em c), d) e e) da petição inicial.
LL. Valor de juros já vencidos até à data da instauração da petição inicial em 2013 que ascendia ao montante de € 59.312,32 (cinquenta e nove mil, trezentos e doze euros e trinta e dois cêntimos) e os juros vincendos.

Termina pugnando pelo provimento do recurso, quer pela impugnação da decisão dos factos provados e não provados, quer pelo erro de julgamento e, consequentemente, pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra que julgue provada e procedente a ação e declare procedentes os pedidos principais ou os pedidos subsidiários da autora.

O recorrido MUNICÍPIO DE (...) contra-alegou (fls. 275 SITAF) pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção quer da decisão sobre a matéria de facto quer da sua aplicação ou subsunção ao direito.
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Remetidos os autos a este Tribunal em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público não emitiu Parecer.
*
Com dispensa de vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º nº 3 do CPTA.
Em face dos termos em que foram enunciadas pela recorrente as respetivas conclusões de recurso, vêm trazidas em recurso as seguintes questões essenciais:
- saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto – (vide conclusões A. a O. das alegações de recurso);
- saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa – (vide conclusões P. a LL. das alegações de recurso).
*
III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto

O Mmº Juiz a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença recorrida:
1. A Autora é uma sociedade comercial anónima que se dedica ao ramo da Construção Civil;
2. Por força da sua atividade, celebrou com a Ré contratos de empreitada, denominados “Reabilitação das Piscinas Municipais de (...)”, “Saneamento de (...)”, “Vilarinho de (...)”, “Empreitada de Construção de Reservatório de (...)”, “Empreitada de Construção de Reservatório (...)”, as quais foram integralmente executada pela A., tendo tais empreitadas decorrido no ano de 2009;
3. Em tais contratos foram estabelecidos, entre outros pressupostos objeto de negociação, a forma faturação e de pagamento;
4. Tendo em consequência a A., mediante os autos de medição, emitido as respetivas faturas, as quais foram enviadas para a Ré e das quais não foi formulada qualquer reclamação.
5. Porque a A. não disponha de capacidade financeira para prosseguir com a execução das empreitadas, estabeleceu operação de factoring com a Instituição Bancária C., SA, cedendo a esta o crédito existente sobre a Ré e disponibilizando a C., SA os recursos financeiros à A. para que pudesse prosseguir a sua atividade.
6. Tal operação tem subjacente a obrigação de pagamento de juros ao Banco, calculados desde a data de disponibilização dos montantes das faturas entregues pela A. á C.., até à data em que o valor das mesmas seja integralmente liquidado pelo Réu à referida C., SA.
7. Os juros foram sempre liquidados pela Autora ao Factor.
8. O Réu tendo recebido as Notas de Debito juntas aos autos como doc. nº 1 a 16, não pagou qualquer valor,
9. Por carta de 17 de Novembro de 2010, a Autora/M., notificou o Município Réu/Câmara Municipal de que havia celebrado“... um Contrato de Factoring com a C. LEASING E FACTORING, IFIC, S.A., pelo qual cederemos a esta entidade financeira, créditos decorrentes de vendas e de prestação de serviços a clientes nossos, entre os quais estão VªS. Exªs.” – cfr. doc. nº 1 junto aos autos com a contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
10. De acordo com tal contrato: “... A C. LEASING E FACTORING, IFIC, S.A., passará a ser a única entidade que poderá dar quitação dos valores a cobrar aos nosso clientes incluídos no contrato de Factoring, encarregando-se da cobrança dos mesmos” – cfr. doc. nº 1 junto aos autos com a contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
11. Assim, a partir de 17 de Novembro de 2010, o Município/Réu e notificado deveria:“... efectuar à C. LEASING E FACTORING, IFIC, S.A., todos os pagamentos respeitantes aos nossos créditos sobre a V. empresa, designadamente decorrentes de facturas, notas de crédito e quaisquer outros títulos...” cfr. doc. nº 1 junto aos autos com a contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
12. Tais instruções e cláusulas notificadas ao Réu aplicavam-se a:“... todos os créditos emitidos a V/Exªs. a partir desta data, só poderão ser revogadas por carta subscrita pela C. LEASING E FACTORING, IFIC, S.A. e nos exactos termos nela estabelecidos” – cfr. doc. nº 1 junto aos autos com a contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
13. Tal contrato de factoring, a que o Factor/Cessionário atribuiu o nº 100023779, foi também por este notificado ao Réu por carta registada com AR de 19/Novembro/2010 – cfr. doc. nº 2 junto aos autos com a contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
14. Por comunicação de 25/Novembro/2010, com Registo e AR, o Réu confirmou tal a notificação e contrato de factoring ao Factor/cessionário – cfr. doc. nº 3 junto aos autos com a contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
15. Reportadas às empreitadas elencadas pela Autora no item 2 dos factos provados, acima, esta cedeu à C. LEASING e FACTORING, os créditos constantes das seguintes facturas:
a) – Factura nº 75, emitida em 6/7/2011, com vencimento em 4/9/2011 e no valor de 19.692,48 €;
b) - Factura nº 76, emitida em 6/7/2011, com vencimento em 5/8/2011 e no valor de 6.088,50 €;
c) - Factura nº 90, emitida em 5/8/2011, com vencimento em 4/10/2011 e no valor de 19.285,22 €;
d) - Factura nº 105, emitida em 12/9/2011, com vencimento em 11/11/2011 e no valor de 22.382,88 €;
e) - Factura nº 117, emitida em 7/10/2011, com vencimento em 6/12/2011 e no valor de 15.027,40 €;
f) - Factura nº 135, emitida em 7/11/2011, com vencimento em 6/1/2012 e no valor de 16.358,24 €.

16. Todas essas facturas foram pagas pelo Réu ao Factor C. LEASING.

E deu como não provados os seguintes factos, assim vertidos ipsis verbis na sentença recorrida:
a) Na data de vencimento de cada uma das faturas, a Ré não tinha disponibilidade económica para proceder à liquidação atempada das mesmas;
b) A A. veio a conferenciar com a Ré sobre tal situação e face a tal realidade, foi acordado que tais faturas seriam objeto da operação de factoring estabelecida com a Instituição Bancária C., SA;
c) A solução encontrada que levou a recorrer à operação de factoring, apenas decorreu da impossibilidade de a Ré liquidar os valores faturados quer nos prazos legalmente estabelecidos na legislação aplicável, quer nos contratos celebrados entre as partes.
d) A liquidação dos juros, decorre diretamente da realidade de a Ré não ter procedido ao pagamento das faturas nos prazos legais e contratualmente estabelecidos;
e) A A., após proceder à liquidação à Instituição Bancária dos juros por esta cobrados, emitiu as respetivas Notas Debito, as quais foram enviadas para a Ré, por forma a que esta procedesse à sua liquidação à A.;
f) Notas de Debito essas que sempre foram acompanhadas da respetiva explicação quanto ao calculo de juros e valor a liquidar por parte da Ré à A..
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B – De direito

1. Do imputado erro de julgamento quanto à matéria de facto
1.1 A recorrente começa por impugnar o julgamento da matéria de facto, pugnando que os factos dados como provados nos pontos 2., 5., 6. e 15. do probatório da sentença deveriam ser dados como não provados, e que os factos dados como não provados em a), b), c), d), e), f) do probatório da sentença, deveriam ser dados como provados – (vide conclusões A. a O. das alegações de recurso).
1.2 Tendo o recorrente cumprido os ónus que se lhe impunham quanto a tal impugnação, previstos no artigo 640º do CPC novo, aplicável aos processos dos tribunais administrativos ex vi dos artigos 1º e 140º nº 3 do CPTA, vejamos, pois, se deve ser modificado o julgamento da matéria de facto nos termos propugnados pelo recorrente.
1.3 A factualidade que o Mmº Juiz a quo deu como provada na sentença recorrida nos indicados pontos 2., 5., 6. e 15. do probatório, que vertem o seguinte:
2. Por força da sua atividade, celebrou com a Ré contratos de empreitada, denominados “Reabilitação das Piscinas Municipais de (...)”, “Saneamento de (...)”, “Vilarinho de (...)”, “Empreitada de Construção de Reservatório de (...)”, “Empreitada de Construção de Reservatório (...)”, as quais foram integralmente executada pela A., tendo tais empreitadas decorrido no ano de 2009;
5. Porque a A. não disponha de capacidade financeira para prosseguir com a execução das empreitadas, estabeleceu operação de factoring com a Instituição Bancária C., SA, cedendo a esta o crédito existente sobre a Ré e disponibilizando a C., SA os recursos financeiros à A. para que pudesse prosseguir a sua atividade.
6. Tal operação tem subjacente a obrigação de pagamento de juros ao Banco, calculados desde a data de disponibilização dos montantes das faturas entregues pela A. á C.., até à data em que o valor das mesmas seja integralmente liquidado pelo Réu à referida C., SA.
15. Reportadas às empreitadas elencadas pela Autora no item 2 dos factos provados, acima, esta cedeu à C. LEASING e FACTORING, os créditos constantes das seguintes facturas:
a) – Factura nº 75, emitida em 6/7/2011, com vencimento em 4/9/2011 e no valor de 19.692,48 €;
b) - Factura nº 76, emitida em 6/7/2011, com vencimento em 5/8/2011 e no valor de 6.088,50 €;
c) - Factura nº 90, emitida em 5/8/2011, com vencimento em 4/10/2011 e no valor de 19.285,22 €;
d) - Factura nº 105, emitida em 12/9/2011, com vencimento em 11/11/2011 e no valor de 22.382,88 €;
e) - Factura nº 117, emitida em 7/10/2011, com vencimento em 6/12/2011 e no valor de 15.027,40 €;
f) - Factura nº 135, emitida em 7/11/2011, com vencimento em 6/1/2012 e no valor de 16.358,24 €.
E deu como provado nos indicados pontos em a), b), c), d), e), f) do probatório, que vertem o seguinte:
a) Na data de vencimento de cada uma das faturas, a Ré não tinha disponibilidade económica para proceder à liquidação atempada das mesmas;
b) A A. veio a conferenciar com a Ré sobre tal situação e face a tal realidade, foi acordado que tais faturas seriam objeto da operação de factoring estabelecida com a Instituição Bancária C., SA;
c) A solução encontrada que levou a recorrer à operação de factoring, apenas decorreu da impossibilidade de a Ré liquidar os valores faturados quer nos prazos legalmente estabelecidos na legislação aplicável, quer nos contratos celebrados entre as partes.
d) A liquidação dos juros, decorre diretamente da realidade de a Ré não ter procedido ao pagamento das faturas nos prazos legais e contratualmente estabelecidos;
e) A A., após proceder à liquidação à Instituição Bancária dos juros por esta cobrados, emitiu as respetivas Notas Debito, as quais foram enviadas para a Ré, por forma a que esta procedesse à sua liquidação à A.;
f) Notas de Debito essas que sempre foram acompanhadas da respetiva explicação quanto ao calculo de juros e valor a liquidar por parte da Ré à A..
1.4 O Mmº Juiz a quo motivou o julgamento factual que efetuou nos seguintes termos, assim vertidos na sentença, e que se passam a transcrever:
«C. Motivação:
Em face do disposto no artigo 396.º do Código Civil e do disposto no artigo 607.º, n.º 5 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA, a formação da convicção do Tribunal acerca de cada facto baseou-se essencialmente numa apreciação livre da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, em conjugação com a prova documental constante dos autos, e no acordo das partes quando tal foi possível.
Em relação aos factos considerados não provados, a sua etiologia radica na ausência de prova quanto aos mesmos. Competia à Autora ter feito prova dos factos alegados e que, por falta da mesma, foram levados ao elenco dos “factos não provados”. Note-se que embora junte facturas e notas de débito, não quantifica nem descrimina quais foram os montantes que lhe foram cobrados por força da alegada demora por parte do Município na liquidação das facturas cedidas ao Factor. A testemunha J., Engº Civil, Presidente do Conselho de Administração da M. disse que tinham comunicado ao Município que iriam começar a debitar juros pelas facturas cujo pagamento estaria atrasado. Perguntado especificamente sobre a existência de acordo sobre o pagamento pelo município dos encargos com o contrato de factoring, o mesmo disse que não era preciso acordo, que tal resultava da lei, insistindo em referir-se a juros moratórios por atraso na liquidação das facturas (curiosamente, note-se que as facturas em causa eram devidas apenas em 2011, mas o contrato de factoring foi celebrado, um ano antes, em 2010). Tal, de resto, inviabiliza que se dê como provado qualquer factualidade que se prenda com a alegada necessidade de recorrer ao mesmo por força do atraso do município na liquidação das facturas referentes aos trabalhos realizados nas empreitadas referidas em 2.
A Autora não logrou, de todo, provar a existência de qualquer acordo que diz ter existido nesse sentido (ou seja, no sentido de que o Município, antecipando a falta de liquidez, tenha acordado com a autora que esta recorreria ao Factoring).
A testemunha Manuel D., que J. disse ser o seu interlocutor no Município, negou quaisquer acordos referente quer ao recurso ao Factoring quer a suportar quaisquer encargos com o recurso ao mesmo.
A testemunha B., que fez parte da Administração da M. entre 2008 e 2013 recorda-se de a empresa ter liquidado quantias referentes a juros com a operação de Factoring junto da C. e que teria pretendido que as mesmas fossem liquidadas pelo Réu Município, mas não soube precisar de quanto se trataria. Apenas que houve reuniões de outros colegas da Administração, com o Município, nesse sentido. Quem normalmente tinha essas reuniões era o colega J. (que foi inquirido como parte e não referiu quaisquer reuniões onde fosse especificamente discutida a imputação ao Município dos juros suportados com a operação de Factoring).
A testemunha J., responsável pelo Departamento Operacional de Factoring da C. Leasing e Factoring, da C,, explicou que consultou os registos e constatou que existiu um contrato de factoring com M. e MUNICÍPIO DE (...). Não soube adiantar nada mais em relação ao contrato em causa. O mesmo decorreu sem quaisquer vicissitudes dignas de nota, caso contrário lembrar-se-ia.
A testemunha C., responsável pela área de gestão de contratos de factoring, também não soube adiantar nada em relação ao contrato em causa.
A testemunha A., Engº Civil, responsável pela logística em empresa, Administrador na M. até 2013. Recorda-se da linha de factoring que tinham para se financiar. Não se recorda de qualquer convenção em relação à responsabilização do Município pelos juros pagos à C.. Lembra-se que o Município não pagou facturas ao Factor atempadamente e tiveram de pagar juros à C. por isso.
Não soube precisar que facturas constantes aos autos poderão reportar-se aos juros devidos por força do atraso na liquidação das facturas.»
1.5 No que tange à factualidade que o Tribunal a quo deu como provados sob os pontos 2., 5. e 6. do probatório diga-se que não se vê porque razão ou em que medida possa proceder a tese da recorrente, de que tal factualidade não deveria ser dada como não provada, quando se trata de factos que ela própria alegou na Petição Inicial da ação, respetivamente nos artigos, 2º, 5º, 6º, 8º e 9º daquele seu articulado. Emergindo como inusitada esta sua pretensão.
De todo o modo os depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento levada a cabo em 07/06/2019 (cfr. ata de fls. 202 SITAF), cuja gravação integral ouvimos atentamente, e em particular a do indicado J. que, enquanto Presidente da Administração da sociedade autora prestou declarações de parte, isso mesmo atestou, no que foi corroborado, ainda que nem sempre com a mesma densidade de pormenor, pelas testemunhas B., J., C. e A..
Não é, pois, motivo para modificar o julgamento de «provado» para «não provado» propugnado pela recorrente quanto aos pontos 2., 5. e 6. do probatório.
1.6 Quanto à factualidade que foi dada como provada sob o ponto 15. do probatório ela decorre do que foi alegado no artigo 7º da Contestação, tendo suporte documental nas cópias dessas mesmas faturas que a autora juntou aos autos em 10/01/2017 (fls. 80 SITAF), em obediência ao despacho de 29/09/2016 (fls. 76 SITAF) do Mmº Juiz a quo que deferiu o pedido formulado pelo réu a final da sua contestação, no sentido de, ao abrigo do artigo 429º nº 1 do CPC ser a autora a juntar as faturas discriminadas naquele artigo 7º da Contestação.
Não havendo motivo que justifique a modificação de «provado» para «não provado» também quanto a esta factualidade. Que assim se mantém.
1.7 E quanto aos factos que o Mmº Juiz a quo deu como não provados na sentença e a recorrente pretende dever ser dados como provados?
1.8 Já se transcreveu a motivação em que o Mmº Juiz a quo assentou o seu julgamento.
A recorrente invoca que os documentos juntos aos autos e os depoimentos prestados, que indica, devem conduzir a conclusão distinta.
Lamentavelmente não a podemos acompanhamos.
1.9 A prova documental junta aos autos não permite estabelecer uma ligação entre cada um dos contratos de empreitada a que a autora (a que genericamente a autora se referiu na sua Petição Inicial, e que foram mencionados no ponto 1. do probatório), as faturas emitidas pela autora quanto aos trabalhos prestados/executados em cada um deles, as respetivas datas de vencimento e, em especial, e seria isso que importava apurar, quais é que foram pagas pelo réu MUNICÍPIO para além do respetivo prazo de vencimento, e nesse caso, com quantos dias de atraso.
As notas de débito a que a recorrente se refere no recurso foram, ademais, atendidas na sentença e vertidas no probatório (vide ponto 8. do probatório). Mas delas não se pode retirar, como aparenta pretender a recorrente, que os valores nelas debitados correspondem efetivamente a atrasos nos pagamentos das faturas que os documentos de cálculo efetuados pela autora, como anexos àquelas notas de débito, referem.
1.10 Depois, ainda que seja crível, e decorre dos depoimentos prestados, incluindo pela testemunha M., que à data dos factos integrava o executivo camarário, que pudesse ter havido atraso no pagamento de faturas emitidas pela autora ao réu MUNICÍPIO no âmbito da execução dos contratos de empreitada que com este celebrou, a referência que este fez foi generalizada, assim como o foram os demais depoimentos prestados sobre esta matéria. E isto porque não se fez, seja na alegação, seja na prova, a necessária descrição circunstanciada nem, concomitantemente, a devida correspondência, entre quais as faturas emitidas que, face ao respetivo prazo de vencimento, o seu pagamento foi efetuado com atraso, e qual.
1.11 Por outro lado, e como bem detetou o Mmº Juiz a quo, as notas de débitos emitidas pela autora ao réu MUNICÍPIO referem-se a faturas que seriam devidas a partir de 2011, mas o contrato de factoring foi notificado ao MUNICÍPIO em Novembro de 2010 (vide pontos 9. a 14. do probatório).
Pelo que não se pode chegar ao enquadramento que a autora lhe pretendeu dar ou à motivação da sua celebração.
Sendo certo que, e importa apenas esclarecê-lo, que muito embora a recorrente refira nas suas alegações de recurso o juntar com elas, todavia não o fez, e que mesmo que o tivesse feito, a junção de tal documento apenas com o recurso não seria de admitir à luz do disposto no artigo 651º nº 1 do CPC novo, aplicável aos tribunais administrativos ex vi dos artigos 1º e 140º nº 3 do CPTA (vide, a título ilustrativo, o acórdão deste TCA Norte de 16/10/2020, Proc. nº 2255/17.2BEPRT, in. www.dgsi.pt/jtcn).
1.12 Aqui chegados, e pelas razões expostas, não há motivo que justifique a modificação propugnada pela recorrente quanto ao julgamento factual feito pelo Tribunal a quo, não colhendo, pois, o recurso nesta parte.

2. Do imputado erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa
2.1 A recorrente invoca que a sentença incorreu em erro de julgamento, defendendo que no caso, em face do convencionado no Contrato de Factoring e à luz do quadro normativo aplicável, que convoca, poderia, não obstante a cedência ao fator dos seus créditos sobre o réu MUNICÍPIO, continuar a reivindicar junto deste o seu pagamento, designadamente dos juros; que os juros pela mora no pagamento das faturas são devidos nos termos dos artigos 804.º a 806.º do Código Civil, do DL. n.º 3/2010, de 27 de abril e do artigo 326º n.º 2 do Código dos Contrato Públicos; que na ação peticionou a titulo subsidiário o seu pagamento, no montante de 59.312,32€; que vencida a obrigação de pagamento e estando o réu em mora sobre ele recaía a responsabilidade no seu pagamento, e que, assim, deve o réu MUNICÍPIO ser condenado no pagamento à autora dos juros de mora vencidos, desde a data de vencimento de cada uma das faturas, conforme os pedidos formulados em c), d) e e) da Petição Inicial – (vide conclusões P. a LL. das alegações de recurso).
Vejamos da sorte do recurso.
2.2 Comecemos por precisar que o Mmº Juiz a quo teve presente na sentença que a autora peticionou na ação a título principal a condenação do réu MUNICÍPIO a pagar-lhe o montante de 59.312,32€, por esta liquidados à Instituição Bancária C., SA, a título de juros pela não liquidação atempadas das faturas objeto de operação de factoring, bem como no pagamento dos juros vincendos que venham a ser cobrados pela C.,SA desde a presente data até à liquidação integral das faturas por parte da Ré à Instituição C., SA, montantes cujo seu apuramento se relega para ulterior execução de sentença. E que subsidiariamente, e caso assim não se entendesse, fosse o réu MUNICÍPIO condenado a pagar à autora os juros vencidos desde a data de vencimento de cada uma das faturas até à data da instauração da ação, no mesmo montante de 59.312,32€, acrescido dos juros vincendos até total e integral pagamento das faturas pela ré, valor relegado para ulterior execução de sentença.
Sendo que, aliás, não vem apontada à sentença qualquer nulidade por omissão de pronúncia, designadamente no que tange ao pedido subsidiário. E que o Mmº Juiz a quo decidiu pela improcedência da ação, com absolvição do réu MUNICÍPIO dos pedidos formulados, tal como concluiu no segmento decisório da sentença.
2.3 A decisão do Tribunal a quo, de improcedência da ação, com absolvição do réu MUNICÍPIO dos pedidos contra ele formulados pela autora, assentou na seguinte fundamentação, assim externada na sentença recorrida, e que se passa a transcrever:
«(…)
A propósito da noção de contrato financeiro ou de factoring diz LUÍS M. PESTANA DE VASCONCELOS em “O Contrato de Cessão Financeira (Factoring) no comércio internacional” in: “Estudos Homenagem ao Prof. Dr. Jorge Ribeiro Faria”, Coimbra 2003, págs. 405/406 que o mesmo “… pode ser definido como o contrato pelo qual uma das partes (o facturizado) cede ou se obriga a ceder a outra (o factor) a totalidade ou parte dos seus créditos comerciais de curto prazo decorrentes dos contratos já celebrados ou a celebrar com certos terceiros (alguns ou mesmo a totalidade dos clientes do cedente), para que este último os administre e cobre na data do seu vencimento e, eventualmente, nos termos fixados nesse negócio, lhe conceda adiantamentos calculados sobre o valor nominal desses créditos e/ou, também, garanta o cumprimento ou a solvência dos devedores cedidos. Pelo serviço de gestão e cobrança dos créditos o facturizado paga uma comissão (comissão de cobrança), em contrapartida do adiantamento, quando concedido, …, paga juros e pela garantia paga igualmente uma comissão (comissão garantia) …”
Por sua vez, LUÍS M. TELES DE MENEZES LEITÃO in: “Cessão de Créditos”, págs. 511/512, refere que este tipo de contrato passa, por um lado, por uma “função de financiamento ou aquisição de liquidez”, que possibilita ao credor/cedente/aderente a obtenção imediata de disponibilidades financeiras quando não está em situação que lhe permita esperar pelo prazo de vencimento dos créditos de que é titular. Por outro lado, por uma função de “prestação de serviços”, assegurada ou fornecida pelo «cessionário/factor» ao passar o mesmo, através da sua estrutura e meios próprios, a assegurar a gestão e cobrança dos créditos e, assim, permitir que as empresas cedentes possam reduzir/poupar custos administrativos com tal actividade. E, por fim, por uma outra função de “assunção dos riscos de cobrança do crédito”, nas situações de convenção «del credere» pela qual o «cessionário/factor» assume o risco do incumprimento por parte dos devedores do «cedente/aderente».
Resulta desde logo do art. 02.º, n.º 1 do DL n.º 171/95, de 18.07, relativo às sociedades e contratos de factoring que a “… atividade de factoring ou cessão financeira consiste na aquisição de créditos a curto prazo, derivados da venda de produtos ou de prestação de serviços, nos mercados interno e externo …”.
E, do art. 07.º que o “… contrato de factoring é sempre celebrado por escrito e dele deve constar o conjunto das relações do factor com o respetivo aderente …(n.º 1) … a transmissão de créditos ao abrigo de contratos de factoring deve ser acompanhada pelas correspondentes faturas ou suporte documental equivalente, nomeadamente informático, ou título cambiário …” (n.º 2)”
Por outro lado o art. 8º, nos seus nºs 1, 2 e 3, sob a epígrafe de “pagamentos dos créditos transmitidos”, refere que o pagamento ao aderente dos créditos por este transmitidos ao factor deverá ser efetuado nas datas de vencimento dos mesmos ou na data de um vencimento médio presumido que seja contratualmente estipulado podendo o factor também pagar antes dos vencimentos, médios ou efetivos, a totalidade ou parte dos créditos cedidos ou possibilitar, mediante a prestação de garantia ou outro meio idóneo, o pagamento antecipado por intermédio de outra instituição de crédito sendo que os pagamentos antecipados de créditos, efetuados nos termos do número anterior, não poderão exceder a posição credora do aderente na data da efetivação do pagamento.
Relativamente à cessão de créditos, refere no art. 577.º do Código Civil, que:
“1. O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.
2. A convenção pela qual se proíba ou restrinja a possibilidade da cessão não é oponível ao cessionário, salvo se este a conhecia no momento da cessão.”
Segundo o art. 582.º do Código Civil, quanto à transmissão de garantias e outros acessórios:
“1. Na falta de convenção em contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente.
2. A coisa empenhada que estiver na posse do cedente será entregue ao cessionário, mas não a que estiver na posse de terceiro.”
Dispõe o artigo 583.º do Código Civil, quanto aos efeitos em relação ao devedor que:
“1. A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite.
2. Se, porém, antes da notificação ou aceitação, o devedor pagar ao cedente ou celebrar com ele algum negócio jurídico relativo ao crédito, nem o pagamento nem o negócio é oponível ao cessionário, se este provar que o devedor tinha conhecimento da cessão.”
Veja-se sobre a questão o vertido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo – Norte, datado de 25/1/2013, in www.djsi.pt/jtcn.nsf: “[n]este quadro e pretensão impõe-se então cuidar ou determinar dos efeitos decorrentes da outorga do contrato de cessão financeira ou de factoring em termos das suas implicações quanto às quantias e outros acessórios do crédito na titularidade do “Aderente/Cedente” aquando da transmissão.
E a resposta a tal problema importa ser coligida no âmbito do que se mostra disposto no nº 1 do artigo 582 do CC supra transcrito, do mesmo derivando que a cessão de crédito operada no quadro do contrato de cessão financeira ou de factoring importa, salvo convenção em contrário, a transmissão para o Factor/Cessionário das garantias e outros acessórios do direito transmitido, incluindo-se nestes acessórios claramente os juros de mora vincendos que, assim, passam para a esfera jurídica da titularidade do Factor/Cessionário [cfr. Luís M. Teles de Menezes Leitão in: Cessão de Crédito págs. 335/336; Luís M. Pestana de Vasconcelos em “Dos Contratos....” in BFDC-Studia Iuridica 43, pág. 302 e em “Contrato de Cessão Financeira ... in “Estudos Homenagem ao Prof. Dr. Jorge Ribeiro Faria” – Coimbra, pág. 436...”
Ora, no caso dos autos, os créditos da Autora foram cedidos ao Factor/cessionário, ainda antes de haver ocorrido o seu vencimento (cerca de um ano antes), pelo que não haviam nascido ou vencido quaisquer juros à data da cedência (em Novembro de 2010).
Nessa medida à Autora/Cedente do crédito não lhe assiste o direito de reclamar tais juros moratórios, já que se venceram em momento que o crédito se encontrava na titularidade do Factor.
Sobre este assunto, em situação praticamente igual à aqui abordada, veja-se o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 2017-01-19, proferido no Processo n.º 0484/16, onde se sumariou o seguinte:
“I - O contrato de factoring rege-se pelas suas cláusulas e, subsidiariamente, pelas regras da cessão de créditos (artigos 577º e seguintes do Código Civil), na falta de um regime jurídico próprio estabelecido pelo Decreto-lei n.º 171/95.
II - Salvo estipulação em contrário o crédito de juros acompanha a cessão do crédito de capital nos termos do art. 582º do CC, mesmo quando esteja em causa um contrato de factoring impróprio.
III- Quanto aos juros moratórios já vencidos o art. 561.º do CC determina a sua autonomia relativamente ao crédito principal, designadamente, para estes efeitos de cessão.”
Nesse acórdão, diz-se expressamente que “(…) não podemos confundir os juros de mora com os juros pelo adiantamento. É que se estes não se transmitem com os créditos (já que, qualquer que seja a modalidade de factoring – com recurso e antecipação ou sem recurso –, o pagamento de juros pelo adiantamento é sempre um encargo do aderente, pois constitui uma despesa resultante da celebração do contrato de cessão financeira querido pelo aderente os juros de mora, são transmitidos com os créditos cedidos enquanto acessórios daqueles créditos (…)” (negrito, itálico e sublinhado é sempre nosso)
Do acima exposto, resulta que os juros reclamados na presente acção, alegadamente liquidados pela Autora ao Factor, por força de atraso do Réu na liquidação das facturas a este, deverão ser assumidos pela Autora, tanto assim que inexistiu qualquer convenção entre a mesma e o Réu que impusesse solução contrária (pelo menos a Autora não o logrou provar, nos termos acima explicitados, aquando da motivação da fixação da matéria de facto). Mas ainda que assim não fosse, e outra solução se exigisse por força de convenção entre Autora e Réu, a Autora nem sequer logrou provar, nos autos, quais os montantes por si liquidados ao Factor por força do alegado atraso do Réu na liquidação das facturas na posse daquele.
O demais peticionado pela Autora, igualmente, não merece provimento, porquanto atenta contra o acima explicitado em dupla vertente. Ou bem que os juros são anteriores à cedência dos créditos ao Factor ou posteriores, for força de atraso do Réu na liquidação dos créditos em posse do Factor. Se se trata dos primeiros, então deveriam ser objecto da cedência de créditos ao Factor; se se trata dos segundos, então, repetindo o acima vertido à saciedade, na ausência de convenção em contrário, deverão ser assumidos pela Autora.
Assim sendo, cumpre julgar totalmente improcedente a presente acção e, consequentemente, absolver o Réu dos pedidos formulados.»
2.4 Não há dúvida que não sendo pagas no respetivo prazo de vencimento as faturas emitidas pela autora no âmbito da execução dos contratos de empreitada que esta celebrou com o réu MUNICÍPIO seriam devidos por este juros de mora sobre o seu respetivo montante, a partir desse mesmo vencimento, nos termos gerais, por se tratar de obrigação pecuniária de prazo certo (cfr. artigos 805º nº 2 alínea a) e 806º nº 1 do Código Civil), recaindo sobre este, como devedor, a obrigação do pagamento de juros de mora a incidir sobre o montante de cada uma delas, pelo atraso (mora) no respetivo pagamento (vide, a título ilustrativo, os acórdãos deste TCA Norte de 18/10/2019, Proc. nº 00741/08.4BECBR e de 03/05/2019, Proc. nº 03300/14.9BEPRT).
2.5 Sucede é que a autora cedeu os seus créditos à sociedade de factoring.
O contrato de factoring, encontra-se regulado pelo DL. n.º 171/95, de 18 de julho (atualmente com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL. nº 157/2014, de 24 de outubro e pelo DL. n.º 100/2015, de 2 de junho) o qual, no seu artigo 2º nº 1, define como atividade de factoring ou cessão financeira a atividade consistente “na aquisição de créditos a curto prazo, derivados da venda de produtos ou da prestação de serviços, nos mercados interno e externo”. Assim, pelo contrato de factoring (ou de cessão financeira) o factor (sociedade de factoring) adquire do titular de uma empresa fornecedora de bens ou prestadora de serviços (o aderente), os créditos comerciais a curto prazo deste perante terceiro (devedor), derivados da venda de produtos ou da prestação de serviços a esse mesmo terceiro – vide ainda o artigo 3º do DL. nº 171/95, de 18 de julho a respeito dos conceitos (para efeitos deste diploma) de «factor ou cessionário», de «aderente» e de «devedor».
Sendo certo que o artigo 7º daquele diploma dispõe, sob a epígrafe “contrato de factoring”, que do contrato de factoring (sempre celebrado por escrito) “…deve constar o conjunto das relações do factor com o respetivo aderente” (nº 1) e que “…a transmissão de créditos ao abrigo de contratos de factoring deve ser acompanhada pelas correspondentes faturas ou suporte documental equivalente, nomeadamente informático, ou título cambiário” (nº 2).
Segundo Menezes Cordeiro, in, “Manual de Direito Bancário”, Almedina, 3.ª Edição, 2006, pág. 584, o contrato de factoring pode assumir, consoante o que for convencionado pelas partes, uma de duas configurações: (a) uma estrutura unitária, consubstanciada num único contrato de cessão de créditos futuros ou (b) uma estrutura dual, integrada por um contrato-quadro e pelas subsequentes cessões de crédito. Neste segundo modelo, o contrato de factoring desdobra-se em duas vertentes: - uma consistente na existência do contrato-quadro que regula o conjunto das relações do factor com o aderente, no qual se estipula a venda dos créditos futuros e, nomeadamente, a assunção do risco pela sociedade de factoring e a prestação de diversos serviços; – outra a posterior cessão dos créditos. De modo que como se evidenciou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/06/2003, Proc. 04B100, in, www.dgsi.pt “(…)no contracto de factoring, a transmissão das faturas tem uma função estruturante do negócio, pois a cessão de créditos derivada daquele contrato é, ao fim e ao cabo, uma venda da faturação do aderente ou cedente”. O que resulta de o contrato de factoring envolver, por um lado, a cedência pelo aderente ao factor de direitos de crédito com vista à realização por este da respetiva cobrança e, por outro, mediante contrapartida remuneratória, a cobertura do risco inerente àquela cobrança e a gestão ou o financiamento a curto prazo através da antecipação fundos.
Assim, em termos gerais, celebrado o contrato de factoring, e notificado o mesmo ao devedor, fica este obrigado a efetuar o pagamento dos créditos cedidos ao factor (vide, a este propósito, o acórdão do TCA Sul de 12/11/2015. Proc. nº 11246/14, por nós então relatado, disponível in, www.dgsi.pt/jtca).
2.6 Ora, tendo a autora cedido os seus créditos à sociedade de factoring, não lhe assiste o direito de reclamar os juros moratórios. Isto porque face ao disposto no n.º 1 do artigo 582.º do Código Civil a cessão de crédito operada no quadro de contrato de factoring importa, salvo convenção em contrário, implica a transmissão para o factor (cessionário) das garantias e outros acessórios do direito transmitido, incluindo-se nestes acessórios os juros de mora vincendos que passam, assim, para a esfera jurídica da titularidade do factor.
A este respeito vejam-se, entre outros, e a título ilustrativo, os seguintes acórdãos deste TCA Norte, todos disponíveis in, www.dgsi.pt/jtcn:
- de 25/01/2013, Proc. nº 00195/09.8BEPRT, assim sumariado: «I. O contrato de cessão financeira/contrato de factoring constitui negócio jurídico obrigacional nominado, atípico misto, de conteúdo variável, de cuja estrutura é elemento essencial, sempre presente, uma cessão de créditos [regulada nos arts. 577.º segs. do CC], créditos esses presentes e/ou eventualmente futuros e que consiste, nos termos legais, na tomada continuada por intermediário financeiro («Factor/Cessionário») da totalidade ou de parte dos créditos a curto prazo (30, 90, 180 dias) derivados da venda de produtos ou da prestação de serviços a terceiros nos mercados interno e externo [no caso, prestação serviço decorrente da execução de empreitada de obra pública] que os fornecedores desses produtos e serviços («Aderentes/Cedentes») constituem sobre os seus clientes (Devedores). II. O mesmo importa uma transmissão continuada de créditos subordinada aos princípios da globalidade e da exclusividade, de que decorre que, na vigência do contrato celebrado com o factor, o aderente só pode ter relações de factoring com ele e deve submeter todos os créditos de curto prazo à aceitação do mesmo. III. No âmbito deste tipo de contrato importa distinguir, nomeadamente, entre o “contrato de factoring sem recurso”, também denominado como “contrato de factoring próprio” («conventional factoring») e o “contrato de factoring com recurso” por sua vez denominado como “contrato de factoring impróprio” («unconventional factoring»), distinção essa que se afere pela existência, na primeira modalidade de contrato, pela assunção pelo «Factor/Cessionário» dos riscos da insolvência ou de não cumprimento por parte do terceiro devedor e que inexiste na segunda modalidade de contrato em que aquele, não assumindo o risco, exigirá do «Aderente/Cedente» o reembolso dos valores adiantados. IV. Ao contrato de cessão financeira/contrato de factoring, na ausência de cláusulas contratuais e no silêncio do DL n.º 171/95, são-lhe aplicáveis as regras da cessão de créditos (arts. 577.º e segs. do CC), termos em que, desta forma, existe uma sucessão do «Factor/Cessionário» na titularidade dos créditos cedidos (art. 582.º do CC), sendo que ocorre a oponibilidade ao «Factor/Cessionário» das exceções fundadas na relação subjacente, por exemplo, as exceções que obstem ao nascimento do crédito, nomeadamente a inexistência, a nulidade, a anulabilidade do negócio jurídico celebrado com o «Aderente/Cedente» (art. 585.º do CC), mas, apenas, quando os meios de defesa não provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão. V. Para que haja produção de efeitos em relação ao devedor a cessão carece de ser notificada a este, como decorre do art. 583.º do CC, notificação essa que pode operar extrajudicialmente, ou então, que o mesmo a venha a aceitar. VI. Na situação em presença estamos perante contrato de cessão financeira/factoring impróprio (com recurso) e antecipação, dado ter tido lugar cessão de créditos com direito de regresso do «Factor/Cessionário» sob o «Aderente/Cedente» visto este haver assegurado que, em caso de incumprimento por parte do terceiro devedor, o crédito seria retransmitido àquele «Aderente/Cedente» sendo-lhe debitada na sua conta corrente, mormente, o seu valor e a comissão da cessão financeira. VII. Face ao disposto no n.º 1 do art. 582.º do CC a cessão de crédito operada no quadro de contrato de cessão financeira ou de factoring importa, salvo convenção em contrário, a transmissão para o «Factor/Cessionário» das garantias e outros acessórios do direito transmitido, incluindo-se nestes acessórios claramente os juros de mora vincendos que, assim, passam para a esfera jurídica da titularidade do «Factor/Cessionário». VIII. Tal apenas não ocorrerá, salvo também estipulação ou convenção em contrário, quanto aos juros moratórios já vencidos porquanto quanto a estes o art. 561.º do CC determina a sua autonomia relativamente ao crédito principal, designadamente, para estes efeitos de cessão. IX. Se os créditos de que importa cuidar na ação foram cedidos pela A. ao «Factor/Cessionário» ainda antes de haver ocorrido o seu vencimento então temos que não existiam quaisquer juros de mora vencidos não lhe assistindo o direito de reclamar tais juros. X. O ónus probatório de que ocorreu convenção negocial contrária àquilo que é o regime supletivo decorrente do art. 582.º, n.º 1 do CC recai sobre a A. e não sobre o R. dado se tratar de pressuposto/facto constitutivo do direito que invoca [cfr. art. 342.º, n.º 1 do CC]»;
- de 25/09/2014, Proc. nº 00208/06.5BEVIS, assim sumariado: «1. O contrato de cessão financeira/contrato de factoring constitui negócio jurídico obrigacional nominado, atípico misto, de conteúdo variável, de cuja estrutura é elemento essencial, sempre presente, uma cessão de créditos [regulada nos arts. 577.º segs. do CC], créditos esses presentes e/ou eventualmente futuros e que consiste, nos termos legais, na tomada continuada por intermediário financeiro («Factor/Cessionário») da totalidade ou de parte dos créditos a curto prazo (30, 90, 180 dias) derivados da venda de produtos ou da prestação de serviços a terceiros nos mercados interno e externo [no caso, prestação serviço decorrente da execução de empreitada de obra pública] que os fornecedores desses produtos e serviços («Aderentes/Cedentes») constituem sobre os seus clientes (Devedores). 2. Face ao disposto no n.º 1 do art. 582.º do CC a cessão de crédito operada no quadro de contrato de cessão financeira ou de factoring importa, salvo convenção em contrário, a transmissão para o «Factor/Cessionário» das garantias e outros acessórios do direito transmitido, incluindo-se nestes acessórios claramente os juros de mora vincendos que, assim, passam para a esfera jurídica da titularidade do «Factor/Cessionário»»;
- de 19/11/2015, Proc. nº 00267/11.9BEPRT, assim sumariado: «I) – Em princípio, cedido o crédito em factoring, para o cessionário transmite-se também o crédito de juros enquanto acessório do direito principal, se não autonomizado. II) – O “factoring com recurso” não tem por efeito o reingresso da titularidade do crédito na esfera jurídica do primitivo credor que o cedeu; antes se constitui a benefício do “factor”, ao qual o cedente garante solvabilidade do devedor.»;
- de 23/11/2018, Proc. nº 00397/12.0BEPNF, assim sumariado: «I) – Tratando-se de contrato de empreitada, o dono da obra deve promover a liquidação do preço, notificando o empreiteiro dessa liquidação para efeito do respetivo pagamento, no prazo estipulado (art.º 392º do CCP), prazo convencionado no contrato. II) - Como sumariado no Ac. deste TCAN, de 19.11.2015, proferido no processo n.º 00267/11.9BEPRT: “I) – Em princípio, cedido o crédito em factoring, para o cessionário transmite-se também o crédito de juros enquanto acessório do direito principal, se não autonomizado. II) – O “factoring com recurso” não tem por efeito o reingresso da titularidade do crédito na esfera jurídica do primitivo credor que o cedeu; antes se constitui a benefício do “factor”, ao qual o cedente garante solvabilidade do devedor.”».
E assim também se entendeu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19/01/2017, Proc. nº 0484/16, disponível in, www.dgsi.pt/jsta, assim sumariado «I - O contrato de factoring rege-se pelas suas cláusulas e, subsidiariamente, pelas regras da cessão de créditos (artigos 577º e seguintes do Código Civil), na falta de um regime jurídico próprio estabelecido pelo Decreto-lei n.º 171/95. II - Salvo estipulação em contrário o crédito de juros acompanha a cessão do crédito de capital nos termos do art. 582º do CC, mesmo quando esteja em causa um contrato de factoring impróprio. III- Quanto aos juros moratórios já vencidos o art. 561.º do CC determina a sua autonomia relativamente ao crédito principal, designadamente, para estes efeitos de cessão.», e cuja fundamentação a sentença recorrida já transcreveu.
2.7 Ora, nada se apura nos autos quanto à existência de qualquer cláusula contratual que afastasse a cedência quanto aos juros de mora. Pelo que deve manter-se, pois, a conclusão a que chegou o Tribunal a quo no sentido de que à autora não lhe assiste o direito de reclamar juros moratórios relativamente as faturas emitidas, e por conseguinte, vencidas, após ter-se operado a cessação dos respetivos créditos através do contrato de factoring.
2.8 Deve ainda dizer-se que a circunstância de não ter sido recusada à autora, em sede de despacho-saneador, legitimidade ativa para ação, não conduz naturalmente, como parece defender, à legitimação do pedido que faz na ação (à sua procedência), já que a primeira tende com a relação processual e a segunda com a relação substantiva.
2.9 Aqui chegados, e independentemente de qualquer outra questão de que igualmente pudesse conduzir à improcedência da pretensão da autor quanto à condenação do réu MUNICÍPIO a pagar-lhe os montantes peticionados, a sentença recorrida que decidiu, pelos fundamentos supra exarados, pela improcedência da ação, deve ser mantida, na medida em que não se verificam os erros de julgamento apontados pela recorrente.

O que se decide.
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IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente, sem prejuízo de eventual apoio judiciário de que demonstre beneficiar - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.
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Porto, 30 de outubro de 2020

M. Helena Canelas
Isabel Costa
Rogério Martins