Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00921/07.0BEPRT |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 02/22/2018 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | Pedro Vergueiro |
Descritores: | OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO GERÊNCIA DE FACTO |
Sumário: | I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos. II) A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação. III) A gerência realizada através de procuração dos gerentes a terceiro, porque os actos praticados pelo mandatário se reflectem na esfera jurídica do mandante, tem de considerar-se gerência de facto, verificando-se que o Recorrente admite que a sociedade terá desenvolvido o seu giro normal em função da actividade do identificado mandatário, tendo como pano de fundo a procuração outorgada pelo Recorrente, o que significa que os elementos presentes nos autos permitem a conclusão de que o ora Recorrente foi gerente de facto da sociedade, sendo que os elementos que o mesmo aponta no sentido de afastar a sua ligação à sociedade não apresentam qualquer valor na medida em que existia um terceiro por si mandatado para o efeito e que protagonizava todos esses actos, além de que o entendimento de que a mera emissão de procuração desresponsabilizaria o oponente conduziria ao afastamento deliberado e unilateral da responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores de empresas ou sociedades de responsabilidade limitada pois, continuando embora gerentes ou administradores de direito, facilmente afastariam a responsabilidade subsidiária outorgando procuração para o exercício de tais funções, ou seja, estava assim encontrada a fórmula legal para beneficiar de uma actividade sem ter de arcar com os correspondentes riscos. IV) A partir daqui, analisada a matéria de facto provada, verifica-se que o probatório comporta matéria capaz de permitir apreender que o ora Recorrido praticou actos em representação da sociedade originária devedora, na medida em que, deparamos com uma conduta é própria de um gerente, que age em nome e no interesse da sociedade, nomeadamente habilitando a mesma com os meios financeiros necessários para fazer face às suas obrigações, situação que permite estabelecer um fio condutor no que concerne ao envolvimento do ora Recorrido na vida da sociedade, sendo que as acções acima apontadas reforçam a ideia do empenho e interesse do Recorrido na actividade da sociedade, matéria que manifestamente se afasta do alegado alheamento em relação a tal matéria. V) Além disso, se o Recorrido não teve a preocupação de controlar em que termos é que o dinheiro disponibilizado era utilizado, deixando na mão de terceiro tal matéria, apenas pode queixar-se de si próprio, não fazendo é sentido que, alguém que não tem qualquer interesse nos destinos da sociedade, acabe a liquidar dívidas da sociedade, assinando ainda documentos naturalmente relacionados com o giro da sociedade, aparecendo a presente oposição como uma forma, não de renegar a sua ligação à sociedade, mas de dizer como que “já paguei mais do que a minha parte”.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Recorrido 1: | A... |
Decisão: | Concedido provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 18-05-2017, que julgou procedente a pretensão deduzida por A... na presente instância de OPOSIÇÃO relacionada com a execução originariamente instaurada contra a sociedade “G…, Lda.”, e contra ele revertida, por dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado [IVA] e coimas, dos anos de 2001 a 2003, no valor de € 26.745,05. Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 152-159), as seguintes conclusões que se reproduzem: “(…) A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a oposição à execução deduzida por A..., NIF 104076569, revertido no processo de execução fiscal n.º 1872200401018400 e Apensos, instaurado pelo Serviço de Finanças de Póvoa de Varzim para cobrança coerciva de dívidas de IVA do terceiro e quarto trimestres de 2003, com datas limite de pagamento em 17/11/2003 e 18/02/2004, respectivamente, e coimas no montante global de € 27 619,22, do qual é devedora originária a sociedade G…, LDA., NIPC 5…. B. É do segmento da douta sentença relativo às dívidas de IVA que se recorre. C. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com a sentença proferida, discordando da valoração do probatório fixado, atentas as soluções de direito configuráveis para a decisão da causa, bem como com a aplicação do direito efetuada. D. O Tribunal deu como provados factos que se encontram demonstrados nos autos e foram alegados pelo Oponente no articulado inicial da acção (PI) e pela Fazenda Pública aceites na contestação, e corroborados pela prova testemunhal produzida, os quais se mostram relevantes para a decisão a proferir, devendo, além de integrar o probatório, ser valoradas em conformidade. E. Assim, visando identificar o erróneo julgamento da matéria de facto, em cumprimento do disposto no art. 640.º do CPC, entende a Fazenda Pública que deve ser dado como provado, de conformidade com os poderes que são concedidos ao Tribunal ad quem pelo art. 662.º do CPC, aplicável por via da al. e) do art. 2.º do CPPT, por se encontrar demonstrado nos autos e se reputar essencial à boa decisão da causa, que: o oponente praticou actos de verdadeira gestão e confessa que assinava documentos no âmbito do giro comercial da originária devedora, que indiscutivelmente configuram actos de gerência de facto. O que resulta, aliás, do depoimento das testemunhas, pois no período em causa nos autos, o oponente deslocava-se à sede da sociedade devedora originária para assinar cheques e efectuar pagamentos, designadamente a fornecedores. F. O juiz não tem de tomar posição sobre toda a matéria de facto alegada pelas partes, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão segundo as várias soluções plausíveis de direito, tomando em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito – artigo 607.º, n.º 4 do CPC -, sucedendo que, aqueles factos, se mostram relevantes para aferir do exercício efetivo da gerência da sociedade, questão fundamental para a decisão da causa que implica a verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária estabelecida no art. 24.º n.º 1 al. b) da LGT, tendo sido alegados pelo Oponente e admitidos pela Fazenda Pública na contestação como base da sustentação da responsabilidade subsidiária do Oponente. G. Conforme decorre dos autos, o exercício da gerência de facto desde Dezembro de 2002 vem admitido pelo Oponente na sua petição de oposição, quando admite que assinava documentos, sendo que a prova documental aponta no sentido de que a gerência foi, a partir dessa data, assumida exclusivamente por si, factos que vieram a ser corroborados apelos depoimentos das testemunhas por ele arroladas. H. Contestando os fundamentos que sustentam a reversão, pelo facto de ser sócio-gerente, sem nunca referir que renunciou à gerência, afirma que “não foi, nunca, um gestor interessado…”, mas que “Limitou-se a acreditar em algumas informações que lhe eram fornecidas e a assinar alguns documentos que lhe eram colocados à sua frente.” (ponto 19º da PI). I. Da matéria conjugada da sua petição retira-se que o Oponente admite o exercício da gerência de facto até ao momento em que decide suspender a actividade da sociedade devedora originária, em data que não indica, mas seguramente posterior ao ano de 2004. J. Sendo certo que, embora não o refira, continuou, pelo menos até à data em que deliberou pelo encerramento da empresa, a assinar cheques e outros contratos ou documentos, conforme admite no ponto 19º da PI e é confirmado pelo depoimento das testemunhas relativamente ao período em causa. K. Ora, as declarações do Oponente contidas na petição de oposição à execução fiscal constituem contra si um meio de prova nos termos do art.º 352.º e seguintes do Código Civil, por confissão (neste sentido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 2012/01/10, no processo 05066/11). L. Conforme dispõem os artigos 46.º e 465.º do Novo CPC (anteriores art. 38.º e 566.º do CPC), as afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, e são irretratáveis, salvo se forem retificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificamente. M. O Oponente não só estava investido nas funções de gerente, como exerceu efetivamente o cargo de gerente, na medida em que praticou atos de gerência, exteriorizando a vontade da sociedade e vinculando-a perante terceiros. N. Nestes termos, face ao confessado na petição de oposição à execução, afigura-se evidente que, pelo menos, desde a data da constituição da sociedade e até ao seu encerramento (facto não levado ao probatório), o Oponente exerceu, de facto, a gerência da referida sociedade. O. Pelo que, tendo o Oponente sido objeto de reversão em sede de execução fiscal nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, nomeadamente por ter exercido funções de gerente na sociedade devedora originária aquando do término do prazo legal de pagamento ou entrega da dívida, que ocorreu em 17.11.2003 e 18.02.2004, respectivamente, afigura-se demonstrado o pressuposto subjetivo da responsabilidade subsidiária do Oponente atinente ao exercício da gerência de facto nestas datas. P. Pelo exposto, com ressalva do devido respeito, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito, pois não faz a devida enunciação e apreciação de todos os factos evidenciados pelo processo com relevo para a boa aplicação do direito e decisão da causa, nem a adequada aplicação das normas legais referidas ao caso concreto dos autos. Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.” Não houve contra-alegações. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar o invocado erro de julgamento ao nível da matéria de facto e em saber se o Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas. 3. FUNDAMENTOS3.1. DE FACTO Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “… Com relevância para a decisão a proferir resultam provados os seguintes factos: 1. Contra a sociedade G…, Lda., foram instauradas as execuções fiscais n.º 1872200401018400 e aps, para cobrança coerciva de dívidas de IVA e de coimas, no valor de 26.745,05 euros, que assim se especificam [certidões de dívida a seguir indicadas, fls 39-41 e informação de fls. 45 do processo físico]:
2. Em 0.02.2006, foi proferida informação no processo de execução fiscal 1872200401018400 e aps com o seguinte teor [cfr. fls. 25 do processo físico]: “Cumpre-me informar (…) relativamente à sociedade executada (…), foram efectuadas penhoras de várias viaturas, no entanto estes bens são manifestamente insuficientes para garantir o pagamento da dívida, e encontravam-se já na data da penhora na posse de outra pessoa. Não foram encontrados outros bens susceptíveis de serem penhorados. Conforme se averiguou, eram responsáveis subsidiários pela sociedade: A... (…) E…”. 3. Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim, datado de 03.02.2006, no âmbito do processo de execução fiscal 1872200401018400 e aps, com base na informação com a mesma data foi determinada a preparação do processo para reversão [cfr. fls. 113-119 verso do processo físico]. 4. Em 08.02.2006, o Oponente recebeu comunicação convidando-o ao exercício do direito de audição ante a intenção de contra si reverter o processo de execução fiscal 1872200401018400 e aps [cfr. fls. 26 do processo físico]. 5. Em 18.01.2007 foi proferido despacho de reversão no processo de execução fiscal 1872200401018400 e aps, que apresenta o seguinte teor [cfr. fls. 27-27verso do processo físico]. “Em face da informação que consta do sistema informático e dos autos do supra referenciado processo, nomeadamente da escritura de divisão, cessões e unificação de quotas, aumento de capital e alteração do contrato de sociedade outorgada em 26 de Julho de 2002, bem como da declaração de alterações da Firma, verificou-se ser responsável subsidiário da sociedade executada o já anteriormente identificado A..., NIF: 104.076.569. Uma vez registada a nomeação ou designação da gerência, esse registo na competente Conservatória do Registo Comercial constitui presunção legal de que essa situação jurídica existe, nos precisos termos em que aí é definida, conforme o disposto no artigo 11° do Código do Registo Comercial, assim se presumindo a gerência "in nomine"(de Direito). Em relação à gerência de facto, e provada que está a gerência nominal ou de direito, presume-se o exercício daquela pelos responsáveis subsidiários da sociedade executada, porque uma vez feita a prova da gerência de direito, e porque dela se infere, naturalmente o exercício de uma gerência real ou de facto, a fazenda Pública passa a beneficiar da presunção judicial da gerência de facto, assim ficando também dispensada da sua prova para obter a reversão da execução fiscal contra o gerente nominal. Conforme o demonstra as certidões de dívida do supra referenciado processo, relativamente às dívidas de Coimas e Encargos em Processo de Contra Ordenação e dívidas IVA, verifica-se o seguinte: No que respeita às dívidas de COIMAS, verifica-se que o facto tributário, bem como a obrigação legal de pagamento, respeitante às certidões n.º 61716/04; 61717/04; 60050/05; 60472/05; 2006/5001350; 2006/5001353 e 2006/5001354 e que se deveu ao não envio das declarações periódicas 0109T; 0112T; 0103T;0106T e 2006, ocorrem já na vigência do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e da Lei Geral Tributária (LGT), DL n.º 398/98 de 17 de Dezembro, pelo que, competiria ao gerente provar que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas vencidas durante o período de exercício do seu cargo, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º das citadas disposições legais. Relativamente às dívidas provenientes de IVA temos as certidões n.º 2004/8670 e 2004/127860 e verifica-se que tanto o facto tributário, como a obrigação legal de pagamento já ocorrem na vigência da Lei Geral Tributária (LGT). O responsável subsidiário não logrou demonstrar a ausência de culpa pelo facto de o património da sociedade se ter tornado insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais, já que tendo sido notificado para exercer o direito de audição e, nos termos das citadas disposições legais, ilidir a presunção teqalde culpa que recaia sobre o próprio gerente, não o fez, pelo que não haverá quaisquer novos elementos a ponderar na fundamentação da decisão, como determina o n.º 7 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária. Assim determino a reversão contra, A..., NIF: 1…, na qualidade de responsável subsidiário, porque exerceu real e efectivamente as funções de gerente, de facto e de direito, em nome e por conta da Firma e no interesse exclusivo desta, pelo que, sem dúvida, se verifica a sua responsabilidade pessoal, já que houve gerência efectiva no período de que derivam os factos geradores da responsabilidade por dívida de COIMAS E ENCARGOS DE CONTRA-ORDENAÇÃO, respeitantes aos períodos tributários 0109T; 0112T; 0103T; 0106T e 2006; e constante das certidões de dívida supra referidas; de IVA, respeitante, aos períodos tributários de 2003-07 a 2003-09 e 2003-10 a 2003-12, constante das certidões de dívida n.º 2004/127860 e 2004/86750; no valor total de € 26.745,05, seja citado, nos termos e em cumprimento do disposto nos artigos 160.º e 191.º n.º 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), para o pagamento da dívida exequenda de que era devedor originário G… LDA., contribuinte n.º 5…, no prazo de 30 dias referido no artigo 203.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT)(…)” 6. Em 23.01.2007, foi recebida por terceira pessoa a comunicação contendo a citação do Oponente na qualidade de responsável subsidiário pelas dívidas da sociedade G… LDA, em cobrança no processo de execução fiscal n.º 1872200401018400 e aps, no valor de € 26.745,05 [cfr. ofício e aviso de recepção de fls. 28-28verso processo físico]. 7. Em 21.02.2007 foi registada a entrada da petição inicial ao Serviço de Finanças de Póvoa de Varzim [cfr. carimbo de entrada n.º 0300024, na primeira página da PI a fls. 2 do processo físico]. 8. Da declaração de alterações entregue à AT em 08.08.2002 consta a inscrição do nome do Oponente, no quadro 17 “Relação dos sócios-gerentes (…)”, com o cargo “sócio-gerente” [cfr. declaração de fls. 29-29verso do processo físico]. - imagem omissa - 9. Da certidão da Conservatória do Registo Comercial de Póvoa de Varzim, relativa à sociedade G… LDA, constam, além do demais, as seguintes menções [certidão do teor e inscrições em vigor da matrícula n.º 01…/9… respeitante à sociedade G… LDA, fls. 33-36 verso do processo físico]: 10. Durante o ano de 2003 e princípios de 2004, era M… que acompanhava dia-a-dia a empresa, dando ordens e instruções aos empregados, acompanhada por V…. 11. Nesse período, o Oponente deslocava-se à sociedade executada mediante informações que lhe eram fornecidas, para efectuar pagamentos e assinar documentos, desconhecendo o desenvolvimento dos negócios sociais, 12. E, manteve a sua actividade profissional centrada no sector comercial da Moagem… e em duas firmas de panificação situadas no Porto. 13. Posteriormente, em 2004, o conhecimento da situação real da empresa, levou o Oponente a deliberar pelo seu encerramento. 14. No processo executivo 1872200401018400 foi paga a quantia de 10.000 euros, sendo 7.000 euros correspondentes a quantia exequenda [cfr. informação de fs. 46 e fls. 20, 21 e 38 do processo físico]. * Com interesse não se apuraram outros factos, provados ou não provados. * A convicção do Tribunal a respeito dos factos provados assentou, essencialmente, do teor da alegação das partes e da análise crítica e conjugada, à luz da experiência comum, da prova documental e testemunhal produzida nestes autos. A prova documental relevou de forma decisiva na formação da convicção do Tribunal, tendo sido valorados os documentos que se encontram integrados nos autos e processo administrativo que foram referidos junto a cada um dos factos assentes. Os factos atinentes ao teor dos títulos executivos são de conhecimento oficioso do Tribunal em função do exercício das suas funções, não carecendo de ser alegados [artigo 412.º, n.º 2 CPC]. A prova testemunhal resultante da inquirição das testemunhas arroladas pelo Oponente Ver…, S… e Mónica…, contribuiu para a formação da convicção do Tribunal, acerca dos factos patentes dos pontos 10 a 13 do probatório. Ver…, declarou conhecer o Oponente e a sociedade executada desde 2002, porque trabalhou naquela empresa desde 1998 até ao encerramento. Tendo afirmado que tal circunstância não a impede de dizer a verdade e revelando razão de ciência, nos períodos a que as dívidas se reportam, enquanto trabalhadora da empresa, sobre factos inerentes à actividade ali desenvolvida, prestou um depoimento articulado com os demais depoimentos prestados que o Tribunal valorou quanto à matéria sobre que revelou conhecimento directo, designadamente, ao afirmar que não viu o Oponente a dar ordens e que quem dava ordens era o Sr. V… e quem coordenava dentro da empresa era a D. H... e que o Sr. A... ia à empresa uma ou duas vezes por semana, ao final do dia, para dar dinheiro para serem feitos pagamentos e assinar cheques. Relativamente à matéria sobre a qual a testemunha revelou conhecimento indirecto, designadamente, sobre o Oponente ter sido chamado para entrar como sócio capitalista para dar dinheiro à empresa, mas trabalhar noutra actividade, como gerente comercial ou vendedor na Moagem… e ter duas pastelarias, o Tribunal atendeu à congruência destas afirmações com o que resultou da prova documental. S…, referiu conhecer o Oponente e a empresa desde 2002, quando para lá foi trabalhar na área administrativa, onde esteve até ao seu encerramento, afirmando que tal facto não a impede de dizer a verdade. Prestou um depoimento que se apresentou articulado e coerente e apresentou razão de ciência compatível com a permanência como trabalhadora na área administrativa na sociedade executada. Assim, o Tribunal valorou o seu depoimento no que respeita à matéria de que revelou um conhecimento directo, ao referir que recebia ordens de pagamento da Dona H... e do Sr. V… e do D…, que não recebeu ordens do Oponente, que este trabalhava noutra empresa e tinha padarias e lá ia esporadicamente para levar dinheiro para pagar aos fornecedores e que não tem dúvidas de que este até certa altura confiava em quem lá estava [na sociedade executada]. Especificou ainda que, na área administrativa, quem decidia a que fornecedores pagar era V… e D… e que o Oponente não lhe dava instruções. Mónica…, gestora comercial e empresarial, declarou ser conhecida do Oponente, desde 2004, porque trabalha numa empresa que passou a laborar no local onde anteriormente laborava a G…, quando esta última encerrou, uma vez que, por esta altura [após o encerramento], o Oponente ia lá buscar a correspondência dirigida à sociedade executada. Prestou um depoimento coerente, que foi valorado pelo Tribunal apenas quanto à matéria sobre a qual a testemunha revelou um conhecimento directo dos factos que lhe foram perguntados, designadamente, quanto à circunstância por si referida de os fornecedores da executada que ali se dirigiam procurarem pela Dona H... e não revelarem conhecer o senhor A... e sobre as cartas que ali chegavam virem em nome da Dona H.... Assim, os factos provados nos pontos 10 a 13 assentaram na apreciação da prova documental e testemunhal. A informação prestada pelo Instituto de Segurança Social aos autos permite verificar que, junto daquele instituto, foi declarado que M… recebeu remunerações na qualidade de Membro de Órgão Estatutário [MOE] pagas pela sociedade executada, desde 01.02.1994 até 31.07.2004 [integrada a fls. 100-104 do processo físico]. A livre apreciação, à luz das regras da experiência comum, do depoimento prestado pelas três testemunhas inquiridas, atenta certeza destas na afirmação de que recebiam ordens de M…, em conjugação com a prova documental, permitiu ao Tribunal formar convicção sobre os factos assentes nos pontos 10 e 13. Os factos assentes nos pontos 11 e 12 assentaram na informação prestada pelo Instituto de Segurança Social aos autos que permitiu verificar que, junto daquele instituto, apenas foi declarado que o Oponente recebesse remunerações na qualidade de Membro de Órgão Estatutário [MOE] pagas pela “ APP …” desde 12.07.2004 e na qualidade de Trabalhador por conta de outrem *TCO+ da “MOAGEM…– AD” desde 01.12.1967 [integrada a fls. 87-82 do processo físico] e na livre apreciação da prova testemunhal decorrente do depoimento das três testemunhas inquiridas que permitiu concluir que o Oponente, no quotidiano, dedicava a quase totalidade do seu tempo à actividade profissional exercida na moagem C… e a duas padarias/pastelarias no Porto, deslocando-se esporadicamente à sociedade executada, mediante indicação de M…a, V…a ou D…, para disponibilizar dinheiro para se proceder a pagamentos.” «» 3.2. DE DIREITO Nas suas conclusões do recurso, o Recorrente questiona a sentença recorrida em termos de decisão sobre a matéria de facto, por não considerar provados factos relevantes para a boa decisão da causa. Ora, constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia. Vejamos. Na óptica da Recorrente, visando identificar o erróneo julgamento da matéria de facto, em cumprimento do disposto no art. 640.º do CPC, entende a Fazenda Pública que deve ser dado como provado, de conformidade com os poderes que são concedidos ao Tribunal ad quem pelo art. 662.º do CPC, aplicável por via da al. e) do art. 2.º do CPPT, por se encontrar demonstrado nos autos e se reputar essencial à boa decisão da causa, que: o oponente praticou actos de verdadeira gestão e confessa que assinava documentos no âmbito do giro comercial da originária devedora, que indiscutivelmente configuram actos de gerência de facto. O que resulta, aliás, do depoimento das testemunhas, pois no período em causa nos autos, o oponente deslocava-se à sede da sociedade devedora originária para assinar cheques e efectuar pagamentos, designadamente a fornecedores. Mais refere que o juiz não tem de tomar posição sobre toda a matéria de facto alegada pelas partes, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão segundo as várias soluções plausíveis de direito, tomando em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito - artigo 607.º, n.º 4 do CPC -, sucedendo que, aqueles factos, se mostram relevantes para aferir do exercício efectivo da gerência da sociedade, questão fundamental para a decisão da causa que implica a verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária estabelecida no art. 24.º n.º 1 al. b) da LGT, tendo sido alegados pelo Oponente e admitidos pela Fazenda Pública na contestação como base da sustentação da responsabilidade subsidiária do Oponente. Neste domínio, a conduta da Recorrente não se revela adequada para o fim em vista. Desde logo, quanto reclama que seja consagrado que o oponente praticou actos de verdadeira gestão e confessa que assinava documentos no âmbito do giro comercial da originária devedora, que indiscutivelmente configuram actos de gerência de facto, matéria essencialmente conclusiva e, como tal, insusceptível de ser levada ao probatório. Depois, é sabido que a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que a Recorrente, “in casu”, não cumpre com o referido ónus, pois já vimos que a indicação da matéria de facto a incluir no probatório não é a mais feliz, e também não indica para cada ponto concreto da matéria de facto os concretos elementos probatórios, sendo que a indicação dos meios probatórios é feita genericamente, remete para os depoimentos das testemunhas, sem os identificar um a um e sem os relacionar com cada um dos pontos da matéria de facto, de modo que, não tendo a recorrente cumprido o determinado na norma citada, o recurso nesta parte é rejeitado, o que obsta a que este Tribunal proceda ao reexame de tal matéria de facto. Mas nem assim deixaremos de apreciar em todo o seu âmbito a matéria questionada pela Recorrente e que diz respeita à citada confissão. Ora, a confissão, no plano jurídico-substantivo que é aquele no qual se insere sistematicamente o art. 352º do Código Civil, não se confunde com a simples alegação de um facto feita pelo mandatário da parte em articulado processual, sendo que não há que confundir a admissão dos factos por acordo, também designada por confissão tácita ou pela expressão latina «confessio ficta» resultante do efeito cominatório pleno ou semi-pleno ou do incumprimento do ónus de impugnação especificada, com a confissão como meio de prova, de que trata o preceito legal indicado. Como refere o Prof. Antunes Varela, “as declarações confessórias feitas pelo advogado, oralmente ou por escrito, com simples procuração “ad litem”, não valem como confissão» (Código Civil anotado, I, 4ª edição, pág. 316). No entanto tal exigência de poderes especiais não é necessária quando a confissão, expressa ou tácita, é feita nos articulados. Dito isto, convém precisar o que é a confissão feita nos articulados, ou seja, convém ter em atenção que nem todas as alegações de factos pelas partes valem como confissões, como acontecerá, v. g., se o facto for alegado na suposição de estar correcto, vindo a demonstrar-se no julgamento da causa que assim é ou não vindo a confirmar-se. A confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, segundo dispõe o art. 352º do Código Civil, sendo essencial que o sujeito processual tenha consciência de que o facto desfavorável que alega é real e, mesmo assim, alega-o, nisto se traduzindo o reconhecimento, que é uma «contra se pronunciatio». Nesta sequência, a análise da realidade acima descrita não pode olvidar que o Recorrido está essencialmente a imputar à sócia M… com a colaboração temporária de Mário… todos os actos e decisões relacionados com a gestão da sociedade executada, sendo ainda de sublinhar que no art. 13º da petição inicial, o ora Recorrido aponta que “Durante o ano de 2003 e princípios de 2004 - período a que se reportam as dívidas fiscais e coimas em causa na presente execução - o Oponente não exerceu qualquer acto de gerência efectiva e de facto, se bem que tivesse sido nomeado gerente em acto notarial”, retomando depois no artigo 18º da petição inicial a afirmação de que “O Oponente não foi, nunca, gestor interessado da administração e gerência da G…, como se disse, e nunca dirigiu, actuou ou exerceu qualquer acto ou tarefa no interesse da Executada Originária.”, apontado ainda no art. 19º que “Limitou-se a acreditar em algumas informações que lhe eram fornecidas e a assinar alguns documentos que lhe eram colocados à frente”. Pois bem, com este pano de fundo, não é possível verter para o probatório qualquer novo elemento, pois não se vislumbra no exposto algo que possa ser acrescentado à matéria já contemplada pelo probatório. Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que a questão sucitada pelo Recorrente resume-se, em suma, em em saber se o Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas. Diga-se ainda que tais elementos são claramente suficientes para afirmar a prática de actos de gerência, tendo presente o que ficou dito sobre o exercício da gerência, além de que a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto, o que impõe a conclusão de que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento devendo ser revogada por via da procedência do presente recurso.
Concluindo, deve este Tribunal avançar para o conhecimento em substituição, resultante da revogação da decisão recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de direito incidente sobre se o Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas de molde a poder ser responsabilizada pelo pagamento das mesma, o que significa avançar para a apreciação da questão da culpa na insuficiência do património.
Pois bem, quanto à questão da culpa, e na medida em que tal responsabilidade é aferida pela lei vigente ao tempo do nascimento das dívidas, no caso, deparamos com a aplicação do disposto no art. 24º nº 1 al. b) da LGT, o qual contempla as “dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”. Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a sentença recorrida na parte impugnada e, em substituição, julgar improcedente a presente oposição à execução fiscal no que concerne às dívidas de IVA do terceiro e quarto trimestres de 2003. Custas pelo Recorrido, na proporção do decaimento, apenas em 1ª Instância Notifique-se. D.N.. Porto, 22 de Fevereiro de 2018 Ass. Pedro Vergueiro Ass. Ana Patrocínio Ass. Ana Paula Santos |