Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00921/07.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
GERÊNCIA DE FACTO
Sumário:I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
II) A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
III) A gerência realizada através de procuração dos gerentes a terceiro, porque os actos praticados pelo mandatário se reflectem na esfera jurídica do mandante, tem de considerar-se gerência de facto, verificando-se que o Recorrente admite que a sociedade terá desenvolvido o seu giro normal em função da actividade do identificado mandatário, tendo como pano de fundo a procuração outorgada pelo Recorrente, o que significa que os elementos presentes nos autos permitem a conclusão de que o ora Recorrente foi gerente de facto da sociedade, sendo que os elementos que o mesmo aponta no sentido de afastar a sua ligação à sociedade não apresentam qualquer valor na medida em que existia um terceiro por si mandatado para o efeito e que protagonizava todos esses actos, além de que o entendimento de que a mera emissão de procuração desresponsabilizaria o oponente conduziria ao afastamento deliberado e unilateral da responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores de empresas ou sociedades de responsabilidade limitada pois, continuando embora gerentes ou administradores de direito, facilmente afastariam a responsabilidade subsidiária outorgando procuração para o exercício de tais funções, ou seja, estava assim encontrada a fórmula legal para beneficiar de uma actividade sem ter de arcar com os correspondentes riscos.
IV) A partir daqui, analisada a matéria de facto provada, verifica-se que o probatório comporta matéria capaz de permitir apreender que o ora Recorrido praticou actos em representação da sociedade originária devedora, na medida em que, deparamos com uma conduta é própria de um gerente, que age em nome e no interesse da sociedade, nomeadamente habilitando a mesma com os meios financeiros necessários para fazer face às suas obrigações, situação que permite estabelecer um fio condutor no que concerne ao envolvimento do ora Recorrido na vida da sociedade, sendo que as acções acima apontadas reforçam a ideia do empenho e interesse do Recorrido na actividade da sociedade, matéria que manifestamente se afasta do alegado alheamento em relação a tal matéria.
V) Além disso, se o Recorrido não teve a preocupação de controlar em que termos é que o dinheiro disponibilizado era utilizado, deixando na mão de terceiro tal matéria, apenas pode queixar-se de si próprio, não fazendo é sentido que, alguém que não tem qualquer interesse nos destinos da sociedade, acabe a liquidar dívidas da sociedade, assinando ainda documentos naturalmente relacionados com o giro da sociedade, aparecendo a presente oposição como uma forma, não de renegar a sua ligação à sociedade, mas de dizer como que “já paguei mais do que a minha parte”.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:A...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 18-05-2017, que julgou procedente a pretensão deduzida por A... na presente instância de OPOSIÇÃO relacionada com a execução originariamente instaurada contra a sociedadeG…, Lda., e contra ele revertida, por dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado [IVA] e coimas, dos anos de 2001 a 2003, no valor de € 26.745,05.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 152-159), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a oposição à execução deduzida por A..., NIF 104076569, revertido no processo de execução fiscal n.º 1872200401018400 e Apensos, instaurado pelo Serviço de Finanças de Póvoa de Varzim para cobrança coerciva de dívidas de IVA do terceiro e quarto trimestres de 2003, com datas limite de pagamento em 17/11/2003 e 18/02/2004, respectivamente, e coimas no montante global de € 27 619,22, do qual é devedora originária a sociedade G…, LDA., NIPC 5….
B. É do segmento da douta sentença relativo às dívidas de IVA que se recorre.
C. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com a sentença proferida, discordando da valoração do probatório fixado, atentas as soluções de direito configuráveis para a decisão da causa, bem como com a aplicação do direito efetuada.
D. O Tribunal deu como provados factos que se encontram demonstrados nos autos e foram alegados pelo Oponente no articulado inicial da acção (PI) e pela Fazenda Pública aceites na contestação, e corroborados pela prova testemunhal produzida, os quais se mostram relevantes para a decisão a proferir, devendo, além de integrar o probatório, ser valoradas em conformidade.
E. Assim, visando identificar o erróneo julgamento da matéria de facto, em cumprimento do disposto no art. 640.º do CPC, entende a Fazenda Pública que deve ser dado como provado, de conformidade com os poderes que são concedidos ao Tribunal ad quem pelo art. 662.º do CPC, aplicável por via da al. e) do art. 2.º do CPPT, por se encontrar demonstrado nos autos e se reputar essencial à boa decisão da causa, que: o oponente praticou actos de verdadeira gestão e confessa que assinava documentos no âmbito do giro comercial da originária devedora, que indiscutivelmente configuram actos de gerência de facto.

O que resulta, aliás, do depoimento das testemunhas, pois no período em causa nos autos, o oponente deslocava-se à sede da sociedade devedora originária para assinar cheques e efectuar pagamentos, designadamente a fornecedores.
F. O juiz não tem de tomar posição sobre toda a matéria de facto alegada pelas partes, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão segundo as várias soluções plausíveis de direito, tomando em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito – artigo 607.º, n.º 4 do CPC -, sucedendo que, aqueles factos, se mostram relevantes para aferir do exercício efetivo da gerência da sociedade, questão fundamental para a decisão da causa que implica a verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária estabelecida no art. 24.º n.º 1 al. b) da LGT, tendo sido alegados pelo Oponente e admitidos pela Fazenda Pública na contestação como base da sustentação da responsabilidade subsidiária do Oponente.
G. Conforme decorre dos autos, o exercício da gerência de facto desde Dezembro de 2002 vem admitido pelo Oponente na sua petição de oposição, quando admite que assinava documentos, sendo que a prova documental aponta no sentido de que a gerência foi, a partir dessa data, assumida exclusivamente por si, factos que vieram a ser corroborados apelos depoimentos das testemunhas por ele arroladas.
H. Contestando os fundamentos que sustentam a reversão, pelo facto de ser sócio-gerente, sem nunca referir que renunciou à gerência, afirma que “não foi, nunca, um gestor interessado…”, mas que “Limitou-se a acreditar em algumas informações que lhe eram fornecidas e a assinar alguns documentos que lhe eram colocados à sua frente.” (ponto 19º da PI).
I. Da matéria conjugada da sua petição retira-se que o Oponente admite o exercício da gerência de facto até ao momento em que decide suspender a actividade da sociedade devedora originária, em data que não indica, mas seguramente posterior ao ano de 2004.
J. Sendo certo que, embora não o refira, continuou, pelo menos até à data em que deliberou pelo encerramento da empresa, a assinar cheques e outros contratos ou documentos, conforme admite no ponto 19º da PI e é confirmado pelo depoimento das testemunhas relativamente ao período em causa.
K. Ora, as declarações do Oponente contidas na petição de oposição à execução fiscal constituem contra si um meio de prova nos termos do art.º 352.º e seguintes do Código Civil, por confissão (neste sentido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 2012/01/10, no processo 05066/11).
L. Conforme dispõem os artigos 46.º e 465.º do Novo CPC (anteriores art. 38.º e 566.º do CPC), as afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, e são irretratáveis, salvo se forem retificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificamente.
M. O Oponente não só estava investido nas funções de gerente, como exerceu efetivamente o cargo de gerente, na medida em que praticou atos de gerência, exteriorizando a vontade da sociedade e vinculando-a perante terceiros.
N. Nestes termos, face ao confessado na petição de oposição à execução, afigura-se evidente que, pelo menos, desde a data da constituição da sociedade e até ao seu encerramento (facto não levado ao probatório), o Oponente exerceu, de facto, a gerência da referida sociedade.
O. Pelo que, tendo o Oponente sido objeto de reversão em sede de execução fiscal nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, nomeadamente por ter exercido funções de gerente na sociedade devedora originária aquando do término do prazo legal de pagamento ou entrega da dívida, que ocorreu em 17.11.2003 e 18.02.2004, respectivamente, afigura-se demonstrado o pressuposto subjetivo da responsabilidade subsidiária do Oponente atinente ao exercício da gerência de facto nestas datas.
P. Pelo exposto, com ressalva do devido respeito, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito, pois não faz a devida enunciação e apreciação de todos os factos evidenciados pelo processo com relevo para a boa aplicação do direito e decisão da causa, nem a adequada aplicação das normas legais referidas ao caso concreto dos autos.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.”

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar o invocado erro de julgamento ao nível da matéria de facto e em saber se o Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
Com relevância para a decisão a proferir resultam provados os seguintes factos:
1. Contra a sociedade G…, Lda., foram instauradas as execuções fiscais n.º 1872200401018400 e aps, para cobrança coerciva de dívidas de IVA e de coimas, no valor de 26.745,05 euros, que assim se especificam [certidões de dívida a seguir indicadas, fls 39-41 e informação de fls. 45 do processo físico]:
PEF
Origem
Período – data limite de pag.voluntário
Certidão/fls.autos
Valor em euros
1872200401018400 IVA 3Trim2003 – 17.11.2003 2004/86750[fls.15] 19.384,32
1872200401022822 IVA 4Trim2003 – 18.12.2004 2004/127860[fls.17] 6.028,42
1872200501006886 Coimas 15.11.2001 – 27.12.2004 61716[fls.18] 1.173,73
1872200501006886 Coimas 15.02.2002 – 27.12.2004 61717[fls. 18verso] 311,14
1872200501008617 Coimas 15.05.2001 – 04.01.2005 60050[fls. 19] 1.082,84
1872200501016563 Coimas 18.08.2001 – 07.03.2005 60472[fls17verso] 264,5
1872200601034863 Coimas 14.11.2003 – 09.05.2006 5001350[fls.15verso] 4.115,20
1872200601034863 Coimas 13.02.2004 – 09.05.2006 5001353[fls.16verso] 1.310,46
1872200601034863 Coimas 14.08.2003 – 09.05.2006 5001354[fls.16verso] 74,44

2. Em 0.02.2006, foi proferida informação no processo de execução fiscal 1872200401018400 e aps com o seguinte teor [cfr. fls. 25 do processo físico]:
“Cumpre-me informar (…) relativamente à sociedade executada (…), foram efectuadas penhoras de várias viaturas, no entanto estes bens são manifestamente insuficientes para garantir o pagamento da dívida, e encontravam-se já na data da penhora na posse de outra pessoa. Não foram encontrados outros bens susceptíveis de serem penhorados.
Conforme se averiguou, eram responsáveis subsidiários pela sociedade: A... (…) E…”.
3. Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim, datado de 03.02.2006, no âmbito do processo de execução fiscal 1872200401018400 e aps, com base na informação com a mesma data foi determinada a preparação do processo para reversão [cfr. fls. 113-119 verso do processo físico].
4. Em 08.02.2006, o Oponente recebeu comunicação convidando-o ao exercício do direito de audição ante a intenção de contra si reverter o processo de execução fiscal 1872200401018400 e aps [cfr. fls. 26 do processo físico].
5. Em 18.01.2007 foi proferido despacho de reversão no processo de execução fiscal 1872200401018400 e aps, que apresenta o seguinte teor [cfr. fls. 27-27verso do processo físico].
“Em face da informação que consta do sistema informático e dos autos do supra referenciado processo, nomeadamente da escritura de divisão, cessões e unificação de quotas, aumento de capital e alteração do contrato de sociedade outorgada em 26 de Julho de 2002, bem como da declaração de alterações da Firma, verificou-se ser responsável subsidiário da sociedade executada o já anteriormente identificado A..., NIF: 104.076.569. Uma vez registada a nomeação ou designação da gerência, esse registo na competente Conservatória do Registo Comercial constitui presunção legal de que essa situação jurídica existe, nos precisos termos em que aí é definida, conforme o disposto no artigo 11° do Código do Registo Comercial, assim se presumindo a gerência "in nomine"(de Direito).
Em relação à gerência de facto, e provada que está a gerência nominal ou de direito, presume-se o exercício daquela pelos responsáveis subsidiários da sociedade executada, porque uma vez feita a prova da gerência de direito, e porque dela se infere, naturalmente o exercício de uma gerência real ou de facto, a fazenda Pública passa a beneficiar da presunção judicial da gerência de facto, assim ficando também dispensada da sua prova para obter a reversão da execução fiscal contra o gerente nominal.
Conforme o demonstra as certidões de dívida do supra referenciado processo, relativamente às dívidas de Coimas e Encargos em Processo de Contra Ordenação e dívidas IVA, verifica-se o seguinte:
No que respeita às dívidas de COIMAS, verifica-se que o facto tributário, bem como a obrigação legal de pagamento, respeitante às certidões n.º 61716/04; 61717/04; 60050/05; 60472/05; 2006/5001350; 2006/5001353 e 2006/5001354 e que se deveu ao não envio das declarações periódicas 0109T; 0112T; 0103T;0106T e 2006, ocorrem já na vigência do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e da Lei Geral Tributária (LGT), DL n.º 398/98 de 17 de Dezembro, pelo que, competiria ao gerente provar que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas vencidas durante o período de exercício do seu cargo, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º das citadas disposições legais. Relativamente às dívidas provenientes de IVA temos as certidões n.º 2004/8670 e 2004/127860 e verifica-se que tanto o facto tributário, como a obrigação legal de pagamento já ocorrem na vigência da Lei Geral Tributária (LGT).
O responsável subsidiário não logrou demonstrar a ausência de culpa pelo facto de o património da sociedade se ter tornado insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais, já que tendo sido notificado para exercer o direito de audição e, nos termos das citadas disposições legais, ilidir a presunção teqalde culpa que recaia sobre o próprio gerente, não o fez, pelo que não haverá quaisquer novos elementos a ponderar na fundamentação da decisão, como determina o n.º 7 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária.
Assim determino a reversão contra, A..., NIF: 1…, na qualidade de responsável subsidiário, porque exerceu real e efectivamente as funções de gerente, de facto e de direito, em nome e por conta da Firma e no interesse exclusivo desta, pelo que, sem dúvida, se verifica a sua responsabilidade pessoal, já que houve gerência efectiva no período de que derivam os factos geradores da responsabilidade por dívida de COIMAS E ENCARGOS DE CONTRA-ORDENAÇÃO, respeitantes aos períodos tributários 0109T; 0112T; 0103T; 0106T e 2006; e constante das certidões de dívida supra referidas; de IVA, respeitante, aos períodos tributários de 2003-07 a 2003-09 e 2003-10 a 2003-12, constante das certidões de dívida n.º 2004/127860 e 2004/86750; no valor total de € 26.745,05, seja citado, nos termos e em cumprimento do disposto nos artigos 160.º e 191.º n.º 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), para o pagamento da dívida exequenda de que era devedor originário G… LDA., contribuinte n.º 5…, no prazo de 30 dias referido no artigo 203.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT)(…)”
6. Em 23.01.2007, foi recebida por terceira pessoa a comunicação contendo a citação do Oponente na qualidade de responsável subsidiário pelas dívidas da sociedade G… LDA, em cobrança no processo de execução fiscal n.º 1872200401018400 e aps, no valor de € 26.745,05 [cfr. ofício e aviso de recepção de fls. 28-28verso processo físico].
7. Em 21.02.2007 foi registada a entrada da petição inicial ao Serviço de Finanças de Póvoa de Varzim [cfr. carimbo de entrada n.º 0300024, na primeira página da PI a fls. 2 do processo físico].
8. Da declaração de alterações entregue à AT em 08.08.2002 consta a inscrição do nome do Oponente, no quadro 17 “Relação dos sócios-gerentes (…)”, com o cargo “sócio-gerente” [cfr. declaração de fls. 29-29verso do processo físico].
- imagem omissa -
9. Da certidão da Conservatória do Registo Comercial de Póvoa de Varzim, relativa à sociedade G… LDA, constam, além do demais, as seguintes menções [certidão do teor e inscrições em vigor da matrícula n.º 01…/9… respeitante à sociedade G… LDA, fls. 33-36 verso do processo físico]:

10. Durante o ano de 2003 e princípios de 2004, era M… que acompanhava dia-a-dia a empresa, dando ordens e instruções aos empregados, acompanhada por V….
11. Nesse período, o Oponente deslocava-se à sociedade executada mediante informações que lhe eram fornecidas, para efectuar pagamentos e assinar documentos, desconhecendo o desenvolvimento dos negócios sociais,
12. E, manteve a sua actividade profissional centrada no sector comercial da Moagem… e em duas firmas de panificação situadas no Porto.
13. Posteriormente, em 2004, o conhecimento da situação real da empresa, levou o Oponente a deliberar pelo seu encerramento.
14. No processo executivo 1872200401018400 foi paga a quantia de 10.000 euros, sendo 7.000 euros correspondentes a quantia exequenda [cfr. informação de fs. 46 e fls. 20, 21 e 38 do processo físico].
*
Com interesse não se apuraram outros factos, provados ou não provados.
*
A convicção do Tribunal a respeito dos factos provados assentou, essencialmente, do teor da alegação das partes e da análise crítica e conjugada, à luz da experiência comum, da prova documental e testemunhal produzida nestes autos.
A prova documental relevou de forma decisiva na formação da convicção do Tribunal, tendo sido valorados os documentos que se encontram integrados nos autos e processo administrativo que foram referidos junto a cada um dos factos assentes.
Os factos atinentes ao teor dos títulos executivos são de conhecimento oficioso do Tribunal em função do exercício das suas funções, não carecendo de ser alegados [artigo 412.º, n.º 2 CPC].
A prova testemunhal resultante da inquirição das testemunhas arroladas pelo Oponente Ver…, S… e Mónica…, contribuiu para a formação da convicção do Tribunal, acerca dos factos patentes dos pontos 10 a 13 do probatório.
Ver…, declarou conhecer o Oponente e a sociedade executada desde 2002, porque trabalhou naquela empresa desde 1998 até ao encerramento. Tendo afirmado que tal circunstância não a impede de dizer a verdade e revelando razão de ciência, nos períodos a que as dívidas se reportam, enquanto trabalhadora da empresa, sobre factos inerentes à actividade ali desenvolvida, prestou um depoimento articulado com os demais depoimentos prestados que o Tribunal valorou quanto à matéria sobre que revelou conhecimento directo, designadamente, ao afirmar que não viu o Oponente a dar ordens e que quem dava ordens era o Sr. V… e quem coordenava dentro da empresa era a D. H... e que o Sr. A... ia à empresa uma ou duas vezes por semana, ao final do dia, para dar dinheiro para serem feitos pagamentos e assinar cheques. Relativamente à matéria sobre a qual a testemunha revelou conhecimento indirecto, designadamente, sobre o Oponente ter sido chamado para entrar como sócio capitalista para dar dinheiro à empresa, mas trabalhar noutra actividade, como gerente comercial ou vendedor na Moagem… e ter duas pastelarias, o Tribunal atendeu à congruência destas afirmações com o que resultou da prova documental.
S…, referiu conhecer o Oponente e a empresa desde 2002, quando para lá foi trabalhar na área administrativa, onde esteve até ao seu encerramento, afirmando que tal facto não a impede de dizer a verdade. Prestou um depoimento que se apresentou articulado e coerente e apresentou razão de ciência compatível com a permanência como trabalhadora na área administrativa na sociedade executada. Assim, o Tribunal valorou o seu depoimento no que respeita à matéria de que revelou um conhecimento directo, ao referir que recebia ordens de pagamento da Dona H... e do Sr. V… e do D…, que não recebeu ordens do Oponente, que este trabalhava noutra empresa e tinha padarias e lá ia esporadicamente para levar dinheiro para pagar aos fornecedores e que não tem dúvidas de que este até certa altura confiava em quem lá estava [na sociedade executada]. Especificou ainda que, na área administrativa, quem decidia a que fornecedores pagar era V… e D… e que o Oponente não lhe dava instruções.
Mónica…, gestora comercial e empresarial, declarou ser conhecida do Oponente, desde 2004, porque trabalha numa empresa que passou a laborar no local onde anteriormente laborava a G…, quando esta última encerrou, uma vez que, por esta altura [após o encerramento], o Oponente ia lá buscar a correspondência dirigida à sociedade executada. Prestou um depoimento coerente, que foi valorado pelo Tribunal apenas quanto à matéria sobre a qual a testemunha revelou um conhecimento directo dos factos que lhe foram perguntados, designadamente, quanto à circunstância por si referida de os fornecedores da executada que ali se dirigiam procurarem pela Dona H... e não revelarem conhecer o senhor A... e sobre as cartas que ali chegavam virem em nome da Dona H....
Assim, os factos provados nos pontos 10 a 13 assentaram na apreciação da prova documental e testemunhal. A informação prestada pelo Instituto de Segurança Social aos autos permite verificar que, junto daquele instituto, foi declarado que M… recebeu remunerações na qualidade de Membro de Órgão Estatutário [MOE] pagas pela sociedade executada, desde 01.02.1994 até 31.07.2004 [integrada a fls. 100-104 do processo físico]. A livre apreciação, à luz das regras da experiência comum, do depoimento prestado pelas três testemunhas inquiridas, atenta certeza destas na afirmação de que recebiam ordens de M…, em conjugação com a prova documental, permitiu ao Tribunal formar convicção sobre os factos assentes nos pontos 10 e 13.
Os factos assentes nos pontos 11 e 12 assentaram na informação prestada pelo Instituto de Segurança Social aos autos que permitiu verificar que, junto daquele instituto, apenas foi declarado que o Oponente recebesse remunerações na qualidade de Membro de Órgão Estatutário [MOE] pagas pela “ APP …” desde 12.07.2004 e na qualidade de Trabalhador por conta de outrem *TCO+ da “MOAGEM…– AD” desde 01.12.1967 [integrada a fls. 87-82 do processo físico] e na livre apreciação da prova testemunhal decorrente do depoimento das três testemunhas inquiridas que permitiu concluir que o Oponente, no quotidiano, dedicava a quase totalidade do seu tempo à actividade profissional exercida na moagem C… e a duas padarias/pastelarias no Porto, deslocando-se esporadicamente à sociedade executada, mediante indicação de M…a, V…a ou D…, para disponibilizar dinheiro para se proceder a pagamentos.”
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3.2. DE DIREITO
Nas suas conclusões do recurso, o Recorrente questiona a sentença recorrida em termos de decisão sobre a matéria de facto, por não considerar provados factos relevantes para a boa decisão da causa. Ora, constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Na óptica da Recorrente, visando identificar o erróneo julgamento da matéria de facto, em cumprimento do disposto no art. 640.º do CPC, entende a Fazenda Pública que deve ser dado como provado, de conformidade com os poderes que são concedidos ao Tribunal ad quem pelo art. 662.º do CPC, aplicável por via da al. e) do art. 2.º do CPPT, por se encontrar demonstrado nos autos e se reputar essencial à boa decisão da causa, que: o oponente praticou actos de verdadeira gestão e confessa que assinava documentos no âmbito do giro comercial da originária devedora, que indiscutivelmente configuram actos de gerência de facto.
O que resulta, aliás, do depoimento das testemunhas, pois no período em causa nos autos, o oponente deslocava-se à sede da sociedade devedora originária para assinar cheques e efectuar pagamentos, designadamente a fornecedores.
Mais refere que o juiz não tem de tomar posição sobre toda a matéria de facto alegada pelas partes, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão segundo as várias soluções plausíveis de direito, tomando em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito - artigo 607.º, n.º 4 do CPC -, sucedendo que, aqueles factos, se mostram relevantes para aferir do exercício efectivo da gerência da sociedade, questão fundamental para a decisão da causa que implica a verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária estabelecida no art. 24.º n.º 1 al. b) da LGT, tendo sido alegados pelo Oponente e admitidos pela Fazenda Pública na contestação como base da sustentação da responsabilidade subsidiária do Oponente.

Neste domínio, a conduta da Recorrente não se revela adequada para o fim em vista.
Desde logo, quanto reclama que seja consagrado que o oponente praticou actos de verdadeira gestão e confessa que assinava documentos no âmbito do giro comercial da originária devedora, que indiscutivelmente configuram actos de gerência de facto, matéria essencialmente conclusiva e, como tal, insusceptível de ser levada ao probatório.

Depois, é sabido que a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que a Recorrente, “in casu”, não cumpre com o referido ónus, pois já vimos que a indicação da matéria de facto a incluir no probatório não é a mais feliz, e também não indica para cada ponto concreto da matéria de facto os concretos elementos probatórios, sendo que a indicação dos meios probatórios é feita genericamente, remete para os depoimentos das testemunhas, sem os identificar um a um e sem os relacionar com cada um dos pontos da matéria de facto, de modo que, não tendo a recorrente cumprido o determinado na norma citada, o recurso nesta parte é rejeitado, o que obsta a que este Tribunal proceda ao reexame de tal matéria de facto.
Mas nem assim deixaremos de apreciar em todo o seu âmbito a matéria questionada pela Recorrente e que diz respeita à citada confissão.
Ora, a confissão, no plano jurídico-substantivo que é aquele no qual se insere sistematicamente o art. 352º do Código Civil, não se confunde com a simples alegação de um facto feita pelo mandatário da parte em articulado processual, sendo que não há que confundir a admissão dos factos por acordo, também designada por confissão tácita ou pela expressão latina «confessio ficta» resultante do efeito cominatório pleno ou semi-pleno ou do incumprimento do ónus de impugnação especificada, com a confissão como meio de prova, de que trata o preceito legal indicado.
Como refere o Prof. Antunes Varela, “as declarações confessórias feitas pelo advogado, oralmente ou por escrito, com simples procuração “ad litem”, não valem como confissão» (Código Civil anotado, I, 4ª edição, pág. 316).
No entanto tal exigência de poderes especiais não é necessária quando a confissão, expressa ou tácita, é feita nos articulados.
Dito isto, convém precisar o que é a confissão feita nos articulados, ou seja, convém ter em atenção que nem todas as alegações de factos pelas partes valem como confissões, como acontecerá, v. g., se o facto for alegado na suposição de estar correcto, vindo a demonstrar-se no julgamento da causa que assim é ou não vindo a confirmar-se.
A confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, segundo dispõe o art. 352º do Código Civil, sendo essencial que o sujeito processual tenha consciência de que o facto desfavorável que alega é real e, mesmo assim, alega-o, nisto se traduzindo o reconhecimento, que é uma «contra se pronunciatio».
Nesta sequência, a análise da realidade acima descrita não pode olvidar que o Recorrido está essencialmente a imputar à sócia M… com a colaboração temporária de Mário… todos os actos e decisões relacionados com a gestão da sociedade executada, sendo ainda de sublinhar que no art. 13º da petição inicial, o ora Recorrido aponta que “Durante o ano de 2003 e princípios de 2004 - período a que se reportam as dívidas fiscais e coimas em causa na presente execução - o Oponente não exerceu qualquer acto de gerência efectiva e de facto, se bem que tivesse sido nomeado gerente em acto notarial”, retomando depois no artigo 18º da petição inicial a afirmação de que “O Oponente não foi, nunca, gestor interessado da administração e gerência da G…, como se disse, e nunca dirigiu, actuou ou exerceu qualquer acto ou tarefa no interesse da Executada Originária.”, apontado ainda no art. 19º que “Limitou-se a acreditar em algumas informações que lhe eram fornecidas e a assinar alguns documentos que lhe eram colocados à frente”.
Pois bem, com este pano de fundo, não é possível verter para o probatório qualquer novo elemento, pois não se vislumbra no exposto algo que possa ser acrescentado à matéria já contemplada pelo probatório.

Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que a questão sucitada pelo Recorrente resume-se, em suma, em em saber se o Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.

Na sentença recorrida, foi entendido que:
“…
Retomando o caso concreto sob apreciação, resulta do probatório que o exequente não carreou para os autos qualquer prova do exercício da gerência de facto por parte do ora Oponente [ou seja, factos demonstrativos da prática de atos vinculativos da sociedade], quer nos períodos em que ocorreram os factos constitutivos das dívidas tributárias, quer nos períodos em que terminou o seu prazo de pagamento, tendo procedido à reversão da execução contra o Oponente exclusivamente com base na gerência nominal, isto é, com base na informação que constava do registo comercial.
Ora, foi levado a registo que o Oponente era o único gerente da executada desde 19.12.2002, obrigando-se a sociedade exclusivamente com a sua assinatura.
Todavia, dos autos não consta qualquer facto demonstrativo do exercício efetivo da gerência, naquele período, por banda do ora Oponente, gerência essa que este afirma não ter exercido, imputando o seu exercício a outrem o que, aliás, foi corroborado pela prova testemunhal produzida, através do depoimento das três testemunhas inquiridas.
Com efeito, na sua alegação, o Oponente admite ter assinado alguns documentos colocados à sua frente sem especificar quais nem em que período mas alega também que em 2003 e início de 2004 não exerceu qualquer acto de gerência tendo a administração sido exercida pela sócia M…, a qual apenas em Março de 2004 abandonou a gerência tendo transmitido a quota.
Ora, é sobre a Administração tributária, enquanto titular do direito de reversão, que recai o ónus de demonstrar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária e, nomeadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência, de acordo com a regra geral de direito probatório segundo a qual, àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito que alega – cf. artigos 342º, nº 1, do Código Civil e 74º, nº 1, da LGT.
Finalmente, importa sublinhar que a presunção judicial da gerência efetiva, que o julgador pode extrair, do facto provado de que o Oponente era à data dos factos o único gerente nominal e com poderes para representar a sociedade tem de resultar do conjunto da prova produzida, das regras de experiência e dos juízos de probabilidade, não lhe sendo admissível extraí-la quando não foi produzida prova nesse sentido, baseando-se a reversão, apenas, na gerência nominal do revertido e, por outro lado, da prova produzida resultar corroborada a alegação do Oponente, de que a gerência da executada estava, à data, acometida a outrém, que a exerceu de facto.
Assim, não tendo o órgão de execução fiscal logrado provar, pelas razões acima expostas, a gerência de facto do Oponente e verificando-se que do conjunto da prova produzida, das regras de experiência e dos juízos de probabilidade, o julgador não logrou extraí-la porque a prova produzida assim não permite, baseando-se a reversão, apenas, na gerência nominal do revertido, não estão preenchidos os pressupostos da sua responsabilização subsidiária, o que determina a sua ilegitimidade para a execução, com a consequente procedência da oposição. …”.

Nas suas alegações, a Recorrente refere que, conforme decorre dos autos, o exercício da gerência de facto desde Dezembro de 2002 vem admitido pelo Oponente na sua petição de oposição, quando admite que assinava documentos, sendo que a prova documental aponta no sentido de que a gerência foi, a partir dessa data, assumida exclusivamente por si, factos que vieram a ser corroborados apelos depoimentos das testemunhas por ele arroladas e contestando os fundamentos que sustentam a reversão, pelo facto de ser sócio-gerente, sem nunca referir que renunciou à gerência, afirma que “não foi, nunca, um gestor interessado…”, mas que “Limitou-se a acreditar em algumas informações que lhe eram fornecidas e a assinar alguns documentos que lhe eram colocados à sua frente.” (ponto 19º da PI).
Da matéria conjugada da sua petição retira-se que o Oponente admite o exercício da gerência de facto até ao momento em que decide suspender a actividade da sociedade devedora originária, em data que não indica, mas seguramente posterior ao ano de 2004, sendo certo que, embora não o refira, continuou, pelo menos até à data em que deliberou pelo encerramento da empresa, a assinar cheques e outros contratos ou documentos, conforme admite no ponto 19º da PI e é confirmado pelo depoimento das testemunhas relativamente ao período em causa.
Ora, as declarações do Oponente contidas na petição de oposição à execução fiscal constituem contra si um meio de prova nos termos do art.º 352.º e seguintes do Código Civil, por confissão e conforme dispõem os artigos 46.º e 465.º do Novo CPC (anteriores art. 38.º e 566.º do CPC), as afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, e são irretratáveis, salvo se forem rectificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificamente e o Oponente não só estava investido nas funções de gerente, como exerceu efectivamente o cargo de gerente, na medida em que praticou actos de gerência, exteriorizando a vontade da sociedade e vinculando-a perante terceiros, de modo que, face ao confessado na petição de oposição à execução, afigura-se evidente que, pelo menos, desde a data da constituição da sociedade e até ao seu encerramento (facto não levado ao probatório), o Oponente exerceu, de facto, a gerência da referida sociedade, pelo que, tendo o Oponente sido objecto de reversão em sede de execução fiscal nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, nomeadamente por ter exercido funções de gerente na sociedade devedora originária aquando do término do prazo legal de pagamento ou entrega da dívida, que ocorreu em 17.11.2003 e 18.02.2004, respectivamente, afigura-se demonstrado o pressuposto subjectivo da responsabilidade subsidiária do Oponente atinente ao exercício da gerência de facto nestas datas, o que significa que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito, pois não faz a devida enunciação e apreciação de todos os factos evidenciados pelo processo com relevo para a boa aplicação do direito e decisão da causa, nem a adequada aplicação das normas legais referidas ao caso concreto dos autos.

Que dizer?
Nesta matéria, “é pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respectivamente)” - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. nº 0368/11, www.dgsi.pt.

Ora, sendo as dívidas exequendas provenientes de IVA do terceiro e quarto trimestres de 2003, ganha particular acuidade o art. 24º nº 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
Ora, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar.
Posto isto e voltando ao caso em apreço, na sentença recorrida e ainda que sem o referir expressamente, a Mma. Juíza “a quo” apreciou a questão da presunção judicial.
Com efeito, refere que a Administração Fiscal não alegou nem provou factos que indiciem o exercício da gerência de facto.
Daqui resulta que a sentença apreciou a prova em termos de presunção judicial, concluindo pela não gerência de facto.
Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/2/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.
Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.
Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.
Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.
Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido.
Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.» …”.
Perante o que fica exposto, e que traduz o real enquadramento da matéria em apreço, é ponto assente que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.
Aliás, como se aponta no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 16-10-2013, Proc. nº 0458/13, www.dgsi.pt, onde se ponderou que: “… De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
E sendo um acto administrativo tributário, aquele despacho está sujeito a fundamentação, dado até o princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (nº 3 do art. 268º da CRP) densificado, no caso, no nº 4 do art. 23º e nº 1 do art. 77º da LGT. Daí que, enquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (De acordo com o disposto neste nº 4 do art. 23º da LGT «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).

Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
É que, como se exara no acórdão de 31/10/2012, da Secção do Contencioso Tributário deste STA, processo nº 0580/12, «não … parece, porém, … que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário» (No mesmo sentido ver também o acórdão de 23/1/2013, processo nº 0953/12.) sendo que, em caso de discordância, o revertido sempre poderá exercer o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT); (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT). …”.
Ora, considerando a realidade vertida no probatório, pode dizer-se que os elementos apontado para o ora Recorrido ser considerado gerente de facto ou efectivo, reconduzem-se ao facto de o mesmo ter sido nomeado para o exercício da gerência da sociedade devedora originária, matéria que abrange todo o período em que nasceram as dívidas.
Ora, o estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa, verificando-se que a lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos arts. 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (Ac. deste Tribunal de 08-05-2012, Proc. nº 5392/12).
É no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr. objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr. arts. 260º nº 1 e 409º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.).
Naturalmente, não se olvida que tal matéria deixou de ser suficiente para o preenchimento desse fundamento da gerência efectiva ou de facto, pelo que só fundada nessa nomeação não poderia haver lugar à reversão da execução contra a ora Recorrida ao abrigo do disposto no art. 24º da LGT, antes tendo a mesma de ter praticado em nome e por conta dessa sociedade alguns dos actos típicos que normalmente por eles são praticados, em que se consubstanciam os poderes de representação e de exteriorização da vontade do ente colectivo - cfr. arts. 390º e segs do CSC.

Nesta sequência, considerando a realidade vertida no probatório e tendo presente o regime de responsabilidade aplicável atrás definido, pode dizer-se que os elementos presentes nos autos permitem a conclusão de que o ora Recorrido foi gerente de facto da sociedade.

Na verdade, se o facto de a partir de certa altura o ora Recorrido se ter tornado o único gerente da sociedade executada, não constitui um argumento decisivo, na medida em que, se bem que se afigure compreensível que se postule a necessidade da respectiva intervenção no que concerne ao giro comercial normal da executada originária, tal apenas é legítimo, no entanto, à luz do enquadramento legal aplicável, nada impedindo, de facto, que ela exerça a actividade para que se constituiu, negociando com clientes e fornecedores, sem o acatamento da aludida prescrição estipulada no pacto e que, como é sabido, inúmeras vezes é desconhecida daqueles que entram em relações comerciais com as empresas que assim operam.
Ou seja e dito de outra forma, a circunstância do pacto estipular a necessidade da assinatura de um ou mais sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, sendo certo que tal conduta apenas se reflecte ao nível da sua responsabilidade perante aqueles e, por consequência, se e na medida em que não cumpra os acordos e transacções comerciais que tenha celebrado.
Ou já, ainda que a partir de certa altura, o ora Recorrido apareça como o único gerente, nada garante que a situação se tenha desenvolvido nos termos sugeridos pelo Recorrente, de modo que, apesar do exposto, não se pode concluir decorrer uma qualquer presunção natural de que o ora Recorrido exerceu a gerência da sociedade executada.
Isto porque a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139.

No entanto, o probatório informa ainda que durante o ano de 2003 e princípios de 2004, era M… que acompanhava dia-a-dia a empresa, dando ordens e instruções aos empregados, acompanhada por V… e D…u e, nesse período, o Oponente deslocava-se à sociedade executada mediante informações que lhe eram fornecidas, para efectuar pagamentos e assinar documentos, desconhecendo o desenvolvimento dos negócios sociais.
Tal significa que, durante o período em causa, embora permitindo o protagonismo da referida M…, o Oponente deslocava-se à sociedade para efectuar pagamentos, o que implica um peso particular da sua influência, dado que, e disso se queixa o ora Recorrido, tentou viabilizar a firma com uma verba de centenas de milhar de euros, o que quer dizer que era o Oponente, afinal, o motor deste processo, ao disponibilizar os meios para se efectuarem os pagamentos inerentes ao funcionamento da sociedade devedora originária, sendo que, neste contexto, e de acordo com as regras da experiência comum, tem de entender-se que os documentos que assinava integravam-se no âmbito do giro da sociedade, sendo a sua presença reclamada, no fundo, para fornecer o capital e assinar elementos relevantes para o funcionamento da sociedade.
Tal significa, de forma decisiva, que o probatório comporta matéria capaz de permitir apreender que o ora Recorrido praticou actos em representação da sociedade originária devedora, na medida em que, deparamos com uma conduta é própria de um gerente, que age em nome e no interesse da sociedade, nomeadamente habilitando a mesma com os meios financeiros necessários para fazer face às suas obrigações, situação que permite estabelecer um fio condutor no que concerne ao envolvimento do ora Recorrido na vida da sociedade, sendo que as acções acima apontadas reforçam a ideia do empenho e interesse do Recorrido na actividade da sociedade, matéria que manifestamente se afasta do alegado alheamento em relação a tal matéria.
Além disso, se o Recorrido não teve a preocupação de controlar em que termos é que o dinheiro disponibilizado era utilizado, deixando na mão de terceiro tal matéria, apenas pode queixar-se de si próprio, não fazendo é sentido que, alguém que não tem qualquer interesse nos destinos da sociedade, acabe a liquidar dívidas da sociedade, assinando ainda documentos naturalmente relacionados com o giro da sociedade, aparecendo a presente oposição como uma forma, não de renegar a sua ligação à sociedade, mas de dizer como que “já paguei mais do que a minha parte”.

Diga-se ainda que tais elementos são claramente suficientes para afirmar a prática de actos de gerência, tendo presente o que ficou dito sobre o exercício da gerência, além de que a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto, o que impõe a conclusão de que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento devendo ser revogada por via da procedência do presente recurso.


A partir daqui, cabe indagar se, de acordo com o art. 715º do C. Proc. Civil (actual art. 665º), se pode aplicar no processo vertente a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Norte incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução que deu ao litígio, tudo ao abrigo do princípio da economia processual, o qual, no caso concreto, se sobrepõe à eventual preocupação de supressão de um grau de jurisdição.
A resposta a esta questão terá de ser positiva, pois que se impõe apenas considerar a factualidade já apurada nos autos, nada havendo que obste a tal conhecimento, pois que o processo dispõe dos elementos de facto para o efeito e as partes já tomaram posição no processo sobre esta matéria.

Concluindo, deve este Tribunal avançar para o conhecimento em substituição, resultante da revogação da decisão recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de direito incidente sobre se o Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas de molde a poder ser responsabilizada pelo pagamento das mesma, o que significa avançar para a apreciação da questão da culpa na insuficiência do património.

Pois bem, quanto à questão da culpa, e na medida em que tal responsabilidade é aferida pela lei vigente ao tempo do nascimento das dívidas, no caso, deparamos com a aplicação do disposto no art. 24º nº 1 al. b) da LGT, o qual contempla as “dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.
Nesta medida, tratando-se de dívidas enquadradas no âmbito dessa alínea, impõe-se todavia esclarecer que o facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente.
Ora, incumbindo ao oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas durante a sua gerência não lhes pode ser imputada, porque a inexistência ou insuficiência de bens na empresa que geriu não é da sua responsabilidade, a verdade é que não alegou factos concretos de que assim foi, refugiando-se na mesma argumentação utilizada para afastar a gerência de facto.
Na alínea b) do referido artigo 24º, ao responsabilizar-se o gestores que «não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento», estabelece-se uma presunção legal de culpa, no pressuposto de que, tendo o prazo legal de pagamento terminado no período da sua gestão, não podem desconhecer a existência da dívida, e por conseguinte, ao colocarem a empresa numa situação de insuficiência patrimonial, indiciam uma conduta dolosa que é especialmente grave para os interesses do Estado Fiscal, e por isso, só lhes resta provar que não foi por culpa sua que a empresa caiu em tal situação.
O acto ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64º do CSC, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.
Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não podia deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.
Mas não isso que se verificou no caso dos autos.
Com efeito, o ora Recorrido limitou-se a fazer a ligação entre a ausência de gerência de facto e a consequente falta de culpa na insuficiência do património, de modo que, afastado o primeiro elemento, a pretensão do Recorrido está também condenada ao naufrágio nesta sede, pois que, cabia ao ora Recorrido alegar toda a realidade que envolveu a actividade da devedora originária e que desembocou na tal falta de meios financeiros por forma a permitir um juízo sobre a conduta do ora Recorrido neste processo e, nesta medida, afastar a presunção acima apontada, situação que o probatório não contempla para permitir uma percepção da realidade em termos de se afirmar que o Recorrido não é responsável pela falta de pagamento da liquidação que constitui a dívida exequenda.
Com efeito, trata-se de um elemento, que teria de explicitado e desenvolvido em termos de evidenciar o comportamento da sociedade executada e dos seus gerentes em termos de se poder afirmar que fizeram tudo para o cumprimento das respectivas obrigações, tendo esgotados todos os meios para o efeito, sendo que o exposto pelo Recorrido tem efeito contraproducente, dado que, foi a sua falta de diligência no controlo do destino do dinheiro que foi injectando na empresa e nas escolhas que eram feitas quanto à aplicação desse dinheiro que, de acordo com a sua própria versão, estão na base do descalabro da empresa, o que implica um juízo de censura em relação à sua conduta, não existindo matéria capaz de permitir uma outra percepção da realidade em apreço, improcedendo a pretensão do Oponente/Recorrido neste âmbito.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a sentença recorrida na parte impugnada e, em substituição, julgar improcedente a presente oposição à execução fiscal no que concerne às dívidas de IVA do terceiro e quarto trimestres de 2003.
Custas pelo Recorrido, na proporção do decaimento, apenas em 1ª Instância
Notifique-se. D.N..
Porto, 22 de Fevereiro de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos