Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00077/14.1BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/27/2014
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:RECLAMAÇÃO ART. 276º CPPT.
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA.
PREJUÍZO IRREPARÁVEL.
INEXISTÊNCIA OU INSUFICIÊNCIA DE BENS NÃO IMPUTÁVEL AO EXECUTADO
Sumário:I) Para a dispensa de prestação de garantia é necessária a verificação de três requisitos, cumulativamente, embora dois deles comportem alternativas: (i) que haja uma situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e do acrescido, (ii) que essa inexistência ou insuficiência não seja imputável ao executado e (iii) que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável ao executado ou que seja manifesta a sua falta de meios económicos.
II) O legislador recorre a um conceito relativamente indeterminado na norma em exame ( prejuízo irreparável ), o qual permite a avaliação judicial concreta da natureza do prejuízo (ou dano) invocado, sendo que dano irreparável não é o mesmo que dano de difícil reparação ( cfr.artº.120, nº.1, alªs.b) e c), do C.P.T.A.), e muito menos o mesmo que prejuízo considerável ( cfr. artº. 692, nº.4, do C.P.Civil), ou seja, não basta, pois, que o reclamante alegue e prove o risco de lesão considerável, ou até de lesão de difícil reparação. Antes é necessário que o dano invocado e objecto de prova tenha a característica de irreparável, que não seja susceptível de reparação. Prejuízo esse a analisar de acordo com as regras da experiência comum e segundo um juízo de probabilidade (teoria da causalidade adequada), mais sendo o carácter irreparável do mesmo derivado, desde logo, de uma conjuntura de impossível reparação ou reconstituição da situação existente.
III) Tal impunha que a reclamante alegasse e demonstrasse ter diligenciado no sentido de obter qualquer garantia idónea a garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido, que nenhuma instituição bancária ou seguradora acedeu a emitir em seu nome uma garantia, os custos previsíveis da emissão dessa garantia, o real impacto que a prestação da garantia teria na sua situação económica, o que não fez, não podendo também deixar de subscrever-se o exposto quanto à apontada inaplicabilidade da invocada impenhorabilidade dos bens constantes do activo imobilizado da reclamante, dado tratar-se a mesma de uma pessoa colectiva.
IV) É sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.
V) A eventual dificuldade que possa ter o executado em provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição ao executado do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova.
VI) Embora se aceite que a AT deve proceder à análise crítica dos meios de prova que tenha em seu poder e que possam permitir estabelecer a veracidade dos factos alegados pelo executado para pedir a dispensa de prestação de garantia, não podendo ignorá-los com o fundamento de que o executado não apresentou prova, diremos que na situação dos autos tal tese não logra aplicação. Isto, quer porque a ora Recorrente não alegou a factualidade pertinente para que se pudessem dar como verificados os requisitos da procedência da sua pretensão, quer porque, relativamente ao requisito de que a inexistência de bens ou sua insuficiência não seja imputável à Executada, nem sequer vislumbramos qualquer meio de prova que a AT possa ter em seu poder e que seja apto para comprovar os factos que pudessem integrá-lo, além de que nunca se justificaria um convite para à ora Recorrente para junção de elementos de prova em face da referida insuficiência da alegação.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:L..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
L…, Lda., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 15-04-2014, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de RECLAMAÇÃO, relacionada com o despacho da autoria do Sr. Diretor de Finanças de Viseu, datado de 20/08/2013, que lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 142-146), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
1ª. - Dos pressupostos para o deferimento da dispensa de garantia, só não foi aceita o último, ou seja - ausência de responsabilidade na inexistência ou insuficiência de bens;
2ª. - Não se indica, dos documentos que foram juntos ou dos que tem conhecimento oficioso, quais os que “indiciam” que a “insuficiência resulte da gestão da empresa”, nem porque não instaurou qualquer processo por via de tal gestão;
3ª. - De tais documentos juntos resulta o contrário, pois durante, pelo menos, os últimos 10 anos não há qualquer extravio ou dissipação de bens, já que se mantêm os mesmos;
4ª. - Acresce que dos elementos fiscais da executada em poder da Administração Fiscal não existe nem foi instaurado por esta qualquer infração, contraordenação ou crime praticado que tivesse dado causa a tal insuficiência de bens;
5ª. - Pois que se assim não fosse, era obrigação da Administração Fiscal, que tem consigo, há 10 anos, os documentos juntos com a reclamação e que agora diz que a insuficiência resulta da gestão da empresa, instaurar o competente processo contra a recorrente por via desses 10 anos;
6ª. - Assim sendo, antes de se indeferir o requerimento com fundamento no ónus da prova, impunha-se que o órgão de execução verificasse os elementos que detinha em seu poder - artigo 514 n°.2 do CPC, hoje 412 n°.2 do NCPC - e, em caso de dúvida, solicitasse à requerente que instruísse o respectivo pedido com os documentos em falta;
7ª. - Mas mais, a violação do princípio da proporcionalidade resulta, no caso, agravada pelo facto de verificarmos que a administração fiscal dispõe da maior parte da informação necessária a fazer prova dos factos invocados pela requerente e que lhe permitiriam concluir pelo contrário do que afirma;
8.ª - Pois, a maior parte da prova a realizar pela recorrente implicaria solicitar à administração fiscal esses elementos para de novo os oferecer a esta no procedimento tributário;
9.ª - Existe, pois, desconformidade com o princípio da proporcionalidade - artigo 266 n°2 da CRP - e ainda o princípio constitucional da proibição da indefesa (artigo 20 n°.1 da CRP);
10.ª - O OEF está sujeito ao dever de instruir o processo com prova de factos alegados pelo requerente, quando este nada lhe pede nesse sentido. A decisão de que se recorre ao não atender ao principio da colaboração e do princípio da aquisição processual, viola o disposto no artigo 515 do Cód. Proc. Civil, hoje 413 do NCPC;
11.ª - Ao atribuir-se à execução fiscal a natureza judicial numa Lei de Bases, como é a LGT - artigo 103 - está-se a impor a obrigatoriedade de se moldar a tramitação da execução segundo as formas próprias dos processos judiciais, o que implica a aplicação supletiva das regras do processo civil, daí o princípio da colaboração do órgão de execução fiscal, estabelecido no artigo 99 da LGT;
12.ª - Não pode exigir-se que a executada, sem bens para garantir a pretensa dívida tenha, mormente nos tempos de hoje, com tal falta de bens, a capacidade de obter um dos diversos meios de garantia, e a penhora dos bens - todos utilizados na sua actividade - levaria ao encerramento desta, situação que traria prejuízo irreparável e levaria à falta de rendimentos para pagar os impostos;
13.ª - A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 515 do Cód. Proc. Civil, hoje 413 do NCPC, 514 n°.2 do Cód. Proc. Civil e hoje 412 n°.2 do NCPC, 99 e 103 da LGT e 20 n°.1 e 266 n°.2 da CRP.
Termos em que, deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que defira o pedido de dispensa de garantia, já que a ausência / insuficiência de bens não é da responsabilidade da recorrente.”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 162-167 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.

Sem vistos, por se tratar de processo classificado de urgente, vem o processo à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a questão suscitada consiste em saber se, face aos fundamentos invocados pela ora Recorrente, estão reunidos os pressupostos previstos nos artºs 52º nº 4 da LGT e do artº 170º do CPPT para a dispensa de prestação de garantia.
3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) Em 24/11/2012 o Serviço de Finanças de Tondela instaurou contra a sociedade L…, Lda., ora reclamante, o processo de execução fiscal n.º 2704201201020919, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IVA referente aos exercícios de 2008 e 2009 e respetivos juros compensatórios, cujo montante global ascende a 71.427,88 € - cfr. fls. fls. 12/20 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) A ora reclamante foi citada para o processo de execução fiscal referido em A), por correio registado com aviso de receção assinado em 20/12/2012 – cfr. fls. 21/22 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
C) Em 14/01/2013, a ora reclamante deduziu impugnações judiciais contra os atos de liquidação que estiveram na génese das dívidas em cobrança coerciva no processo de execução fiscal identificado em A), as quais correm termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu sob os n.ºs 20/13.5BEVIS e 21/13.3BEVIS – cfr. informação de fls. 10 dos autos e facto de que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício de funções [consulta SITAF].
D) Por requerimento entrado no Serviço de Finanças de Tondela em 24/01/2013, a ora reclamante apresentou pedido de dispensa de prestação de garantia nos termos e com os fundamentos constantes do requerimento constante de fls. 23/24 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual se destaca o seguinte:
[…]
4.º
A sociedade requerente tem apenas os bens constantes do imobilizado, conforme resulta dos últimos 10 anos, os quais são insuficientes para garantir os valores dos processos executivos n.ºs 2704201201020919 e 2704201201019058.
5.º
E tais bens são os instrumentos indispensáveis ao exercício da sua atividade, pelo que conforme resulta do disposto no artigo 823 n.º 2 do Código Proc. Civil, não devem ser penhorados, até porque está a correr a impugnação judicial que a proceder, torna inútil a penhora e causa prejuízo irreparável à requerente.
6.º
Pois, se fossem penhorados, a requerente não pode continuar a sua atividade, o que repete -se, constitui prejuízo irreparável por não poder cumprir os seus compromissos.
7.º
Acresce que tais bens são insuficientes para o pagamento das quantias exequendas.
8.º
E tal insuficiência não é da responsabilidade da requerente, já que os bens mantêm-se há mais de 10 anos, sem qualquer extravio ou dissipação”.
[…].
E) A reclamante instruiu o requerimento mencionado em D) com os respetivos mapas de reintegrações e amortizações referentes aos exercícios de 2003 a 2011 – cfr. fls. 25/73 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
F) Sobre o requerimento a que se alude em D), foi elaborada, pela Direção de Finanças de Viseu, a informação n.º 33APR_GAR/2013, datada de 28/04/2013, da qual consta, para além do mais, o seguinte:
[…]
III – DOS FACTOS
Através da análise dos documentos que integram o ofício remetido, a informação do SF Tondela que acompanha o requerimento, as aplicações informáticas disponíveis, nomeadamente SEFWEB e SIPE e o relatório de inspeção OI20110802, é possível informar o seguinte:
1. O pedido de dispensa de garantia em análise foi efetuado no âmbito do PEF n.º 2704201201020919, instaurado em 2012-11-24 contra a executada L…, LDA., NIPC 5…, pela divida de IVA e juros Compensatórios dos anos de 2008 e 2009, no montante de € 71 427,88, acrescido de juros de mora e custas processuais.
2. Em 2012-12-12, foi efetuada a citação postal da executada;
3. Em 2012-12-20, foram apresentadas no SF de Tondela as petições de impugnação das liquidações que deram origem ao referido PEF, às quais foram atribuídos os n.º 20/13.5BEVIS e 21/13.3BEVIS, pendentes no TAF de Viseu
4. Em 2013-01-24 a executada apresentou requerimento solicitando a isenção de prestação de garantia, nos termos do n.º 4 do art. 52º da LGT;
5. Através da consulta ao relatório de inspeção acima referido e a da aplicação informática SIPE, é possível identificar em nome da executada os seguintes bens penhoráveis:
Tipo de Bem
Descrição
Valor indicativo
VeículosMatrícula …MO1.193,73 €
VeículosMatrícula …PV500,00 €
VeículosMatrícula …SV500,00 €
VeículosMatrícula QM…500,00 €
VeículosMatrícula QP…500,00 €
Outros Val. e Rendimentos500960046-
Outros Val. E Rendimentos507645308-
Bem MóvelEscavadora Mod. 240 PC-
Bem MóvelBuldozer Mod. 60 A8, Marca KOMATSU-
Bem MóvelBuldozer Mod. 60E 8, Marca KOMATSU-
Bem MóvelRetroescavadora Mod. 438E-Marca CATTERPILAR-

6. Nesta data, o valor da garantia a prestar para efeitos de suspensão do PEF nos termos do art. 169º do CPPT é de € 93.269,31.
III - DO PEDIDO
O requerimento em análise na presente informação, solicita a dispensa de prestação de garantia, ao abrigo do disposto nos art. 170.º do CPPT e 52.º, n.º 4 da LGT, alegando, resumidamente o seguinte:
- Os únicos ativos penhoráveis que possui, são os constantes do seu imobilizado, que se manteve inalterado nos últimos 10 anos;
- Tais bens são instrumentos indispensáveis ao exercício da sua atividade, pelo que a sua penhora causaria prejuízo irreparável;
- Acresce que tais bens são insuficientes para garantirem o valor da dívida e acrescido.
O requerimento vem acompanhado de cópia dos mapas de reintegrações e amortizações dos anos de 2003 a 2011.
[…]
V - DA ANÁLISE DO PEDIDO
Nos termos do n.º 4 do art. 52.º da LGT, e tendo em conta o Ofício Circulado n.º 60077 de 2010-07-29 da DSGCT, a concessão de dispensa de prestação de garantia, para efeitos de suspensão da execução fiscal está dependente da verificação de um dos seguintes pressupostos:
1- A prestação de garantia deve ser causa se um prejuízo irreparável para o contribuinte;
2- Falta de meios económicos para prestar garantia, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido;
Verificando-se um destes pressupostos, é imperativo que o executado não seja responsável pela situação de insuficiência ou inexistência de bens.
O ónus da prova da verificação destes factos recai sobre o executado, nos termos do n.º 1 do art. 74º da LGT, conjugado com o art. 342º do Código Civil, pelo que o requerimento de pedido de dispensa de garantia deve ir acompanhado de todos os elementos necessários para a sua apreciação e competente decisão como aliás se encontra definido no n.º 3 do art. 170º do CPPT.
No caso em apreço, a requerente alega que os únicos bens que possui, além de serem insuficientes para prestar garantia, a sua apreensão inviabilizava o prosseguimento da sua atividade económica, causando por isso um prejuízo irreparável. Por outro lado alega que não ser responsável pela insuficiência de bens, uma vez que o seu património se mantém inalterado há mais de 10 anos, apresentando como prova destes factos a relação do seu imobilizado de 2003 a 2011.
Através da análise da prova documental apresentada, bem como meios informáticos ao nosso dispor, a executada parece não possuir meios suficientes para prestar a garantia necessária para a suspensão dos autos.
No que diz respeito à irresponsabilidade do executado pela situação de insuficiência/inexistência de bens no caso específico de pessoas coletivas, o já referido Ofício-Circulado n.º 60077 refere que “apenas se deve considerar verificado este pressuposto nos casos em que a insuficiência ou inexistência de património não possa resultar da atuação empresarial, ou seja, apenas quando a dissipação dos bens esteja na absoluta indisponibilidade da empresa ou da administração que a representava ou representa, como seja, por exemplo, o caso da catástrofe natural ou humana imprevisível. Fora destes casos, existirá sempre uma responsabilidade da empresa pelo destino dado aos bens que fazem parte do património coletivo empresarial, baseada na atuação gestionária dos seus administradores ou gerentes, pelo que, em tais situações, não se poderá considerar verificado este pressuposto de dispensa”.
Ora, no caso em apreço, para provar a falta de culpa, a executada apresenta mapas de reintegrações e amortizações dos últimos 10 anos, onde se constata que a sociedade não alienou património nesse período. No entanto, estes documentos, permitem também constatar que a situação de insuficiência de bens em que a requerente se encontra, resulta da falta de investimento na atualização e modernização do equipamento indispensável à prossecução e crescimento da atividade da empresa.
Do exposto, não resulta inequivocamente preenchido o pressuposto da falta de culpa da sociedade e dos seus responsáveis pela situação de insuficiência de bens para prestar garantia, nem concretizam em que medida a prestação de garantia lhe cause prejuízo irreparável, já que esta não se resume à penhora do equipamento indispensável ao normal desenvolvimento da atividade económica.
CONCLUSÃO
A concessão de isenção da prestação de garantia, nos casos em que exista manifesta falta de meios económicos ou quando a sua prestação possa causar prejuízo irreparável para o contribuinte, está prevista no n.º 4 do art. 52º da Lei Geral Tributária (LGT), desde que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado, factos estes que têm que ser provados pelo executado, que tem o ónus da prova (art. 74.º, n.º 1 da LGT e art.º 342.º do Código Civil).
No caso em apreço, analisado o requerimento, parece-me que a dispensa de prestação de garantia não pode ser concedida.
[…] .
- [despacho reclamado] – cfr. fls. 77/79 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
G) Sobre a informação referida em F), em 20/08/2013, o Senhor Diretor de Finanças de Viseu proferiu despacho com o seguinte teor:
“Em face da informação prestada, indefiro o pedido de dispensa de prestação de garantia, por não se mostrarem preenchidos os pressupostos referidos no n.º 4 do art. 52º da Lei Geral Tributária.
Notificações necessárias.
Remeta-se a presente informação e despacho ao Serviço de Finanças de Tondela, para cumprimento.” - cfr. fls. 77 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
H) A reclamante foi notificada do despacho mencionado em G), na pessoa do seu mandatário judicial, através do ofício n.º 1837, expedido em 24/09/2013 – cfr. fls. 80 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
I) A presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças de Tondela em 08/10/2013 – cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos.
Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos para além dos supra descritos.
Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou do exame crítico dos documentos e informações constantes dos autos, os quais não foram impugnados e aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.”

3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do objecto do recurso jurisdicional “sub judice”.
No caso presente, a questão a decidir consiste em saber se, face aos fundamentos invocados pela ora Recorrente, estão reunidos os pressupostos previstos nos artºs 52º nº 4 da LGT e do art° 170º do CPPT para a dispensa de prestação de garantia.
A sentença recorrida indeferiu a reclamação deduzida do despacho da autoria do Sr. Director de Finanças de Viseu, datado de 20/08/2013, que indeferiu pedido de dispensa de prestação de garantia, no entendimento de que não se verifica o alegado prejuízo irreparável, além de que não resulta inequivocamente preenchido o pressuposto da falta de culpa da sociedade e dos seus responsáveis pela situação de insuficiência de bens para prestar garantia.
Para o efeito, a sentença recorrida assenta, de forma decisiva, nos seguintes elementos:
“…
Deste modo, considerando que a competência para conhecer do pedido de dispensa de prestação de garantia pertence em exclusivo ao órgão de execução fiscal, e que o órgão decisor parece dar como certo que se verifica o requisito da insuficiência de bens para garantir a dívida exequenda e acrescido, cuidaremos apenas da questão de saber se tal insuficiência patrimonial deveu-se ou não à atuação da sociedade reclamante e se a prestação de garantia lhe causa um prejuízo irreparável.
Do prejuízo irreparável decorrente da prestação de garantia
No tocante ao prejuízo irreparável decorrente da prestação de garantia, a reclamante alegou que não tem condições financeiras, nem económicas para prestar garantia e que se os bens constantes do seu ativo imobilizado fossem penhorados ficaria impedida de continuar a exercer sua atividade, salientando que tais bens, por constituírem instrumentos indispensáveis ao exercício da sua atividade, não devem ser penhorados, conforme preceituado no artigo 737.º, n.º 2 do CPC.
É manifesto que a reclamante não demonstrou que a prestação de garantia lhe causaria um prejuízo irreparável.
Desde logo, contrariamente ao que a reclamante parece supor, a prestação de garantia, com vista à suspensão do processo de execução fiscal, não se esgota na eventual penhora dos bens do seu ativo imobilizado.
Com efeito, nos termos do artigo 199.º, n.º 1 do CPPT, para o qual remete implicitamente o artigo 169.º do mesmo Código, a garantia pode ser constituída por qualquer meio que assegure os créditos do exequente, nomeadamente, através de prestação de caução, seguro-caução, ou constituição de hipoteca, penhor ou fiança [cfr. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume III, 6.ª Edição, Áreas Editora, pág. 411].
Existem, pois, várias garantias possíveis e legalmente admissíveis, que não implicam necessariamente uma paralisação da atividade da reclamante.
A reclamante alega laconicamente que não tem meios financeiros, nem económicos para prestar garantia, no entanto, não concretiza em que medida a prestação de garantia lhe causa um prejuízo irreparável.
Como se assinala no acórdão do TCA-Norte de 29/03/2012, proferido no processo n.º 00502/10.0BEVIS “não releva para a lei o grau de dificuldade na obtenção da garantia desde que ela seja possível, nem que ela se mostre muito onerosa, ou excessivamente onerosa. Tem de causar um prejuízo irreparável, sem retorno ao status quo ante”.
Impunha-se, pois, que a reclamante alegasse e demonstrasse ter diligenciado no sentido de obter qualquer garantia idónea a garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido, que nenhuma instituição bancária ou seguradora acedeu a emitir em seu nome uma garantia, os custos previsíveis da emissão dessa garantia, o real impacto que a prestação da garantia teria na sua situação económica, o que não fez.
Por outro lado, não colhe a argumentação da reclamante, segundo a qual, os bens do seu ativo imobilizado por constituírem instrumentos de trabalho indispensáveis ao exercício da sua atividade, não podem ser penhorados, nos termos do artigo 737.º, n.º 2 do CPC.
Em primeiro lugar, porque, como vimos, a reclamante dispõe de um vasto leque de garantias legalmente admissíveis, desde que se revelem idóneas para assegurar o crédito exequendo e acrescido, sendo certo que não demonstrou, como lhe competia, a impossibilidade de obter qualquer outra garantia, com vista à suspensão do processo executivo.
Em segundo lugar, porque sufragamos o entendimento doutrinal e jurisprudencial, de acordo com o qual a regra da impenhorabilidade dos instrumentos indispensáveis ao exercício da atividade do executado, vertida no citado artigo 737.º, n.º 2 do CPC [artigo 823.º, n.º 2 do CPC anteriormente em vigor], não se aplica às pessoas coletivas.
Com efeito, decorre do citado preceito legal que estão isentos de penhora [salvo se se forem indicados à penhora pelo executado, se a execução se destinar ao pagamento do preço da sua aquisição ou do custo da sua reparação ou se forem penhorados como elementos corpóreos de um estabelecimento comercial] os instrumentos de trabalho e objetos indispensáveis ao exercício da atividade ou formação profissional do executado.
Esta solução filia-se, como observa Amâncio Ferreira, “em motivos de interesse económico, matizados com considerações de humanidade (…)” evitando, assim, “que se retirem ao executado os meios necessários para ganhar a vida e sustentar-se, bem como à sua família” [in Curso de Processo de Execução, Almedina, 2010, 13.ª Edição, pág. 208].
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 53/08.3TBVPA-C.P1, citado pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública: “tendo a norma (art. 823º, nº 2 do C.P.C.) „subjacentes razões económico-sociais, na medida em que o sistema jurídico entende que certos interesses vitais do executado ou de terceiros se devem sobrepor aos do credor exequente, pretendendo-se, assim, evitar que se retirem ao executado os meios necessários para garantir a sua subsistência e do seu agregado familiar‟, impõe-se concluir pela sua inaplicabilidade às pessoas coletivas, devendo tais situações enquadrar-se no âmbito do seu risco empresarial.
A inaplicabilidade, às sociedades comerciais, da exceção estabelecida pelo nº 2 do art. 823º à regra geral da penhorabilidade do património do devedor, resulta da consideração dos interesses que a fundamentam axiologicamente.
Em atenção ao princípio da especialidade (art. 6º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais), do qual resulta, como corolário, a nulidade dos atos praticados pela pessoa coletiva que extravasem dos seus fins (traçados pelo objeto estatutário e fim lucrativo), pode facilmente concluir-se que praticamente todo o património de uma sociedade comercial está adstrito à sua atividade (à prossecução do seu fim – seja alcançar o objeto estatutário, seja a obtenção do lucro) e, assim, sempre seria facilmente demonstrável a imprescindibilidade dos seus bens, quer como instrumentos de trabalho quer como objetos indispensáveis ao exercício da sua atividade.
Alargar a aplicabilidade da exceção prevista no art. 823º, nº 2 do C.P.C. às sociedades comerciais (considerando isentos de penhora os instrumentos de trabalho e objetos indispensáveis ao exercício da atividade daquelas), implicaria admitir que o incumprimento voluntário, continuado e generalizado das obrigações de que fossem titulares passivos sociedades comerciais não poderia ser colmatado pelo credor, de forma eficaz e profícua, com recurso à execução, com o consequente indesejável descalabro do comércio jurídico – e sem que, por contraponto, se alcançasse com tal solução a proteção e salvaguarda de quaisquer interesses económico-sociais imanentes à pessoa humana (a subsistência do executado, pessoa humana, e seu agregado familiar).
Conclui-se, face ao exposto, ser inaplicável às sociedades comerciais o disposto no art. 823º, nº 2 do C.P.C..
Assim, na esteira do entendimento doutrinal e jurisprudencial supra exposto, sempre se teria de concluir pela inaplicabilidade da invocada impenhorabilidade dos bens constantes do ativo imobilizado da reclamante, dado tratar-se a mesma de uma pessoa coletiva.
Destarte, sem necessidade de maiores considerações, impõe-se concluir que a reclamante não logrou demonstrar a verificação do pressuposto alternativo do prejuízo irreparável decorrente da prestação de garantia.
Da irresponsabilidade pela insuficiência de bens para garantir a dívida exequenda e acrescido
No que se reporta à falta de responsabilidade pela insuficiência de bens para garantia a dívida exequenda, no requerimento de dispensa de garantia dirigido à Administração Tributária a reclamante alegou que insuficiência patrimonial evidenciada não lhe é imputável, já que o seu património manteve-se inalterado nos últimos 10 anos, sem qualquer extravio ou dissipação.
A Administração Tributária, por seu turno, louvando-se no ofício circulado n.º 60.077, de 29/07/2010, entendeu que não ficou demonstrado o requisito da irresponsabilidade da reclamante pela situação de insuficiência económica patenteada nos documentos apresentados com o requerimento de dispensa de prestação de garantia, porquanto “no caso específico das pessoas coletivas apenas se deve considerar verificado este pressuposto nos casos em que a insuficiência ou inexistência de património não possa resultar da atuação empresarial, ou seja, apenas quando a dissipação dos bens esteja na absoluta indisponibilidade da empresa ou da administração que a representava ou representa, como seja, por exemplo, o caso de catástrofe natural ou humana imprevisível. Fora destes casos, existirá sempre uma responsabilidade da empresa pelo destino dado aos bens que fazem parte do património coletivo/empresarial, baseada na atuação gestionária dos seus administradores ou gerentes, pelo que, em tais situações, não se poderá considerar verificado este pressuposto de dispensa”.
Há que convir que a interpretação que a Administração Tributária faz do n.º 4 do artigo 52.º da LGT não tem qualquer suporte na letra da lei.
É certo que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, no entanto, esta constitui sempre o ponto de partida, cabendo-lhe, desde logo, como assinala Baptista Machado, “uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei.” [in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1999, 11.ª Reimpressão, pág. 182 e ss], sendo certo que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” [cfr. artigo 9.º do C.C.].
Ora, em parte alguma do n.º 4 do artigo 52.º da LGT se refere que o pressuposto da “responsabilidade do executado” terá de resultar de causas exógenas, completamente alheias à gestão da empresa, como sejam situações de casos fortuitos ou de força maior, derivadas de “catástrofe natural ou humana imprevisível”.
Deste modo, através de mera circular, a Administração Tributária acaba por estabelecer pressupostos mais restritivos que os prescritos na lei, o que não é compaginável com o princípio da legalidade.
Tal não quer dizer, no entanto, que a reclamante tenha satisfeito o ónus que sobre ela impendia de demonstrar a sua irresponsabilidade pela alegada situação de insuficiência patrimonial.
No que tange ao ónus da prova da falta de responsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens, tem-se entendido que “a eventual dificuldade de prova que possa resultar para o executado em provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição do ónus da prova respetivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art. 344.º do CC. (…).
Por outro lado, a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur». (…).
O que, nesta situação, se reconduzirá, no mínimo, a dever-se considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da concorrência da sua atuação para a verificação daquele resultado» [cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, págs. 233 a 235 e acórdão do STA de 17/10/2012 (Pleno), proferido no processo n.º 0414/12.]
A este propósito, a reclamante limitou-se a alegar, vaga e genericamente, que a insuficiência de bens para garantir a dívida exequenda e acrescido não é da sua responsabilidade “já que os bens mantêm-se há mais de 10 anos, sem qualquer extravio ou dissipação”, juntando, para prova do alegado, os mapas de reintegrações e amortizações referentes aos exercícios de 2003 a 2011.
Ora, se tais documentos contabilísticos [mapas de reintegrações e amortizações] demonstram que a sociedade reclamante não alienou bens do seu ativo imobilizado nesse período, o que indicia que não terá havido dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores, já não permitem concluir que a alegada insuficiência económica não lhe é imputável.
Refira-se, aliás, que tais documentos não traduzem sequer uma situação de insuficiência económica, já que pode dar-se o caso de a sociedade não ter no seu ativo imobilizado bens amortizáveis e reintegráveis suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido, mas ser detentora de outros ativos, como sejam aplicações financeiras, contas bancárias, créditos sobre clientes ou outros direitos
igualmente suscetíveis de penhora.
De todo o modo, o certo é que a reclamante não avança com qualquer causa justificativa da alegada insuficiência económica, que não lhe seja imputável.
Ou seja, a reclamante não satisfez, desde logo, o ónus que sobre si impendia de alegar factualidade concreta suscetível de demonstrar que a invocada incapacidade patrimonial não lhe era imputável.
Cabia-lhe, pois, alegar e provar quais as causas concretas que originaram a insuficiência patrimonial da sociedade para assegurar a dívida exequenda e acrescido, bem como quais os esforços desenvolvidos para evitar essa situação, o que não fez.
A reclamante argumenta que a atuação da Administração Tributária viola os princípios do inquisitório e da proporcionalidade, já que devia tê-la notificado para instruir o respetivo pedido de dispensa com os documentos que entendesse necessários, sendo certo que aquela dispunha da maior parte da informação necessária para fazer prova dos factos alegados pela requerente.
Não lhe assiste, porém, razão.
Desde logo, porque o princípio do inquisitório, vertido no artigo 99.º da LGT, apenas impõe a realização de diligências instrutórias necessárias para a descoberta da verdade material relativamente a factos [concretos] que tenham sido alegados.
Depois, porque o facto de a administração tributária possuir informação relevante relativa à situação económica da reclamante não desobriga esta de alegar e provar os factos que invoca, identificando os meios de prova de que se pretende servir e que encontram em poder da Administração Tributária [artigo 74.º, n.º 2 da LGT];
Derradeiramente, porque o princípio do inquisitório não derroga as regras de distribuição do ónus da prova, desonerando a reclamante de demonstrar os factos constitutivos do seu direito à dispensa de prestação de garantia, sobretudo estando em causa a alegação e prova de factos pessoais.
Como se escreveu no acórdão do TCA-Sul de 28/10/2009, proferido no recurso n.º 03475/09, “(…) às normas que consagram tal princípio do inquisitório na descoberta da verdade material não se lhes podem dar total prevalência sobre outras normas contidas nos mesmos códigos e leis tributárias e que impõem ao contribuinte um ónus de alegar e provar os factos com relevo para a satisfação da sua pretensão, como acontece com a norma do art.º 74.º n.º1 da LGT quanto à distribuição do ónus da prova, em geral, e no caso, com a do art.º 170.º n.º 3 do CPPT, que impõe ao interessado que elabore um pedido dirigido à administração tributária, onde mencione os respetivos fundamentos de facto e de direito, e que o instrua com a prova documental necessária para a sua apreciação e decisão, sobretudo com aquela prova atinente aos factos que lhe sejam pessoais e que interessem à procedência do seu pedido, sob pena de, não se mostrar satisfeito tal ónus probatório que, no caso, sobre si impende, e de a sua pretensão não poder deixar de naufragar.”
Deste modo, ainda que se admita um abaixamento do grau de exigência quanto à prova de factos negativos, em face da factualidade alegada e provada, não se pode dar como verificado o requisito da irresponsabilidade da reclamante pela insuficiência ou inexistência de bens.
Ante o exposto, forçoso é concluir que a reclamante não demonstrou reunir os pressupostos legais para beneficiar de dispensa de prestação de garantia, razão pela qual o ato reclamado deverá manter-se na ordem jurídica. …”
Nas suas alegações, a Recorrente refere que dos pressupostos para o deferimento da dispensa de garantia, só não foi aceita o último, ou seja - ausência de responsabilidade na inexistência ou insuficiência de bens e não se indica, dos documentos que foram juntos ou dos que tem conhecimento oficioso, quais os que “indiciam” que a “insuficiência resulte da gestão da empresa”, nem porque não instaurou qualquer processo por via de tal gestão, sendo que de tais documentos juntos resulta o contrário, pois durante, pelo menos, os últimos 10 anos não há qualquer extravio ou dissipação de bens, já que se mantêm os mesmos.
Acresce que dos elementos fiscais da executada em poder da Administração Fiscal não existe nem foi instaurado por esta qualquer infração, contraordenação ou crime praticado que tivesse dado causa a tal insuficiência de bens, pois que se assim não fosse, era obrigação da Administração Fiscal, que tem consigo, há 10 anos, os documentos juntos com a reclamação e que agora diz que a insuficiência resulta da gestão da empresa, instaurar o competente processo contra a recorrente por via desses 10 anos.
Assim sendo, antes de se indeferir o requerimento com fundamento no ónus da prova, impunha-se que o órgão de execução verificasse os elementos que detinha em seu poder - artigo 514 nº.2 do CPC, hoje 412 nº.2 do NCPC - e, em caso de dúvida, solicitasse à requerente que instruísse o respectivo pedido com os documentos em falta.
Mas mais, a violação do princípio da proporcionalidade resulta, no caso, agravada pelo facto de verificarmos que a administração fiscal dispõe da maior parte da informação necessária a fazer prova dos factos invocados pela requerente e que lhe permitiriam concluir pelo contrário do que afirma, pois, a maior parte da prova a realizar pela recorrente implicaria solicitar à administração fiscal esses elementos para de novo os oferecer a esta no procedimento tributário, o que significa que existe, pois, desconformidade com o princípio da proporcionalidade - artigo 266 n°2 da CRP - e ainda o princípio constitucional da proibição da indefesa (artigo 20 n°.1 da CRP), além de que o OEF está sujeito ao dever de instruir o processo com prova de factos alegados pelo requerente, quando este nada lhe pede nesse sentido. A decisão de que se recorre ao não atender ao principio da colaboração e do princípio da aquisição processual, viola o disposto no artigo 515 do Cód. Proc. Civil, hoje 413 do NCPC;
Ao atribuir-se à execução fiscal a natureza judicial numa Lei de Bases, como é a LGT - artigo 103 - está-se a impor a obrigatoriedade de se moldar a tramitação da execução segundo as formas próprias dos processos judiciais, o que implica a aplicação supletiva das regras do processo civil, daí o princípio da colaboração do órgão de execução fiscal, estabelecido no artigo 99 da LGT e não pode exigir-se que a executada, sem bens para garantir a pretensa dívida tenha, mormente nos tempos de hoje, com tal falta de bens, a capacidade de obter um dos diversos meios de garantia, e a penhora dos bens - todos utilizados na sua actividade - levaria ao encerramento desta, situação que traria prejuízo irreparável e levaria à falta de rendimentos para pagar os impostos.
Com interesse para a discussão da realidade subjacente aos autos, o art. 52º nº 4 da Lei Geral Tributária ( LGT ) estabelece que “a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado. ( nº 4 ).
Por seu lado, o art. 170.º do CPPT estabelece, no seu n.º 3, que «o pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária».
Diga-se ainda que a regra básica do ónus da prova, enunciada no n.º 1 do art. 342.º do C. Civil, é adoptada também no âmbito do procedimento tributário, por força do disposto no art. 74º nº 1 da LGT, em que se estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».
Nesta sequência, como se aponta no Ac. do S.T.A. de 17-10-2012, Proc. nº 0414/12, www.dgsi.pt, “… Aquela regra básica do ónus da prova, enunciada no n.º 1 do artº. 342.º do CC, é adoptada também no âmbito do procedimento tributário, por força do disposto no artº. 74.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».
As situações genéricas em que há inversão do ónus da prova são indicadas no artº. 344.º, em que se determina tal inversão «quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine» e «quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado».
À face destas regras, é de concluir que é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.
Aliás, mesmo que se entenda que se está perante uma situação de dúvida sobre este ponto (e a jurisprudência contraditória do Tribunal Central Administrativo Sul recomenda que se considere a questão como duvidosa), terão de considerar-se todos os factos de que depende a prestação de garantia como constitutivos do direito do executado, por força do disposto no n.º 3 do citado artº. 342.º do CC.
Para além disso, o texto do n.º 3 do artº. 170.º do CPPT aponta no mesmo sentido, ao estabelecer que o pedido deve ser instruído com a prova documental necessária, o que pressupõe que toda a prova relativa a todos os factos que têm de estar comprovados para ser possível dispensar a prestação de garantia seja apresentada pelo executado, instruindo o seu pedido, pois a prova de todos esses elementos é necessária para o deferimento da sua pretensão.
A eventual dificuldade que possa ter o executado em provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição ao executado do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art. 344.º do CC. (Neste sentido, pode ver-se ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 451, nota (2) (página 467, na 2.ª edição), em que se refere que «já se tem entendido, erroneamente, que a extrema dificuldade de prova do facto pode inverter o critério legal de repartição do ónus da prova».)
É certo que por força do princípio constitucional da proibição da indefesa, que emana do direito de acesso ao direito e aos tribunais reconhecido no artº. 20.º, n.º 1, da CRP, não serão constitucionalmente admissíveis situações de imposição de ónus probatório que se reconduzam à impossibilidade prática de prova de um facto necessário para o reconhecimento de um direito.
Mas, por um lado, no caso em apreço não se está perante uma situação de impossibilidade prática desse tipo, pois a prova do facto negativo que é a irresponsabilidade do executado pode ser efectuada através da prova de factos positivos, por via da demonstração das causas de tal insuficiência ou inexistência de bens.
Por outro lado, a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur». (Essencialmente neste sentido, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 203, cujos ensinamentos são seguidos no Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/83, de 11-7-1983, publicado no Diário da República, I Série, de 27-8-1983.) …”.
Neste ponto, diga-se também, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na sua Lei Geral Tributária, comentada e anotada, reimpressão, pág. 153 «a responsabilidade do executado, prevista na parte final do n.º 4, deve entender-se em termos de dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores, e não mero nexo de causalidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens».
Nesta situação, está em causa a prestação de uma garantia no montante de € 96.269,31, realidade que a Recorrente aponta como susceptível de lhe prejuízo irreparável.
Para introduzir a discussão sobre o significado deste elemento, reputa-se pertinente o exposto no Ac. T.C.A. Sul de 17-05-2011, Proc. nº 04745/11, onde se refere que “… O legislador recorre a um conceito relativamente indeterminado na norma em exame ( prejuízo irreparável ), o qual permite a avaliação judicial concreta da natureza do prejuízo (ou dano) invocado. Dano irreparável não é o mesmo que dano de difícil reparação ( cfr.artº.120, nº.1, alªs.b) e c), do C.P.T.A.), e muito menos o mesmo que prejuízo considerável ( cfr. artº. 692, nº.4, do C.P.Civil). Não basta, pois, que o reclamante alegue e prove o risco de lesão considerável, ou até de lesão de difícil reparação. Antes é necessário que o dano invocado e objecto de prova tenha a característica de irreparável, que não seja susceptível de reparação. Prejuízo esse a analisar de acordo com as regras da experiência comum e segundo um juízo de probabilidade (teoria da causalidade adequada), mais sendo o carácter irreparável do mesmo derivado, desde logo, de uma conjuntura de impossível reparação ou reconstituição da situação existente.
Neste domínio, devem ser considerados como factos geradores de prejuízos irreparáveis, a título de exemplo, a paralisação da actividade comercial de uma empresa, desde que comprove que tenha como consequência a perda de clientela Ac. S.T.A. de 03-12-1996, Rec. nº 41.323, Apêndice ao D.R., de 15-04-1991, pág. 8173, dispêndio de quantias cujo pagamento seja susceptível de afectar significativamente a estrutura financeira de uma empresa, fazendo perigar a sua subsistência como empresa Ac. S.T.A. de 17-12-1991, Rec. nº 30.118, Apêndice ao D.R., de 31-10-1995, pág. 7348, os sofridos por quem não tem outros meios de assegurar a sua subsistência Ac. S.T.A. de 14-02-1995, Rec. nº 34.318, Apêndice ao D.R., de 31-12-1996, pág. 3089, os que provoquem uma diminuição apreciável do nível e a qualidade de vida do requerente ou a satisfação das suas necessidades primárias Ac. S.T.A. de 06-01-1997, Rec. nº 41.453.
Ora, compulsados os autos, e toda a realidade factual apurada nos autos, entende-se a alegação da Recorrente com referência à questão acima apontada não pode ser acolhida, dado que, como bem refere a decisão recorrida, contrariamente ao que a reclamante parece supor, a prestação de garantia, com vista à suspensão do processo de execução fiscal, não se esgota na eventual penhora dos bens do seu activo imobilizado, sendo que existem várias garantias possíveis e legalmente admissíveis, que não implicam necessariamente uma paralisação da actividade da reclamante, além de que a reclamante alega laconicamente que não tem meios financeiros, nem económicos para prestar garantia, no entanto, não concretiza em que medida a prestação de garantia lhe causa um prejuízo irreparável.
Ora, impunha-se, pois, que a reclamante alegasse e demonstrasse ter diligenciado no sentido de obter qualquer garantia idónea a garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido, que nenhuma instituição bancária ou seguradora acedeu a emitir em seu nome uma garantia, os custos previsíveis da emissão dessa garantia, o real impacto que a prestação da garantia teria na sua situação económica, o que não fez, não podendo também deixar de subscrever-se o exposto quanto à apontada inaplicabilidade da invocada impenhorabilidade dos bens constantes do activo imobilizado da reclamante, dado tratar-se a mesma de uma pessoa colectiva.
A partir daqui, e voltando ao grande tema do presente recurso, relacionado com a irresponsabilidade da ora Recorrente na génese da insuficiência ou inexistência de bens, até porque o despacho reclamado admite que a mesma não possui meios suficientes para prestar a garantia necessária para a suspensão do processo de execução, tem de entender-se que o presente recurso está condenado ao insucesso.
Desde logo, como já ficou dito, para a dispensa de prestação de garantia é necessária a verificação de três requisitos, cumulativamente, embora dois deles comportem alternativas: (i) que haja uma situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e do acrescido, (ii) que essa inexistência ou insuficiência não seja imputável ao executado e (iii) que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável ao executado ou que seja manifesta a sua falta de meios económicos.
A partir daqui, mesmo aceitando que alusão ao facto de a Recorrente não possuir meios suficientes para prestar a garantia necessária para a suspensão do processo de execução deve interpretar-se como inexistência de meios económicos para pagamento da dívida exequenda e do acrescido e que a AT aceitou esse elemento em função dos meios de prova em seu poder, não se vislumbra em que termos (e a Recorrente também não produz qualquer esforço neste domínio) poderá a AT dispor de meios de prova que permitam um juízo conclusivo quanto ao requisito da irresponsabilidade do executado na génese da insuficiência ou inexistência de bens.
Isto porque, como se disse, tal prova do facto negativo que é a irresponsabilidade do executado pode ser efectuada através da prova de factos positivos, por via da demonstração das causas de tal insuficiência ou inexistência de bens.
Mas mais.
O art. 74º nº 2 da LGT contempla a correcta identificação dos elementos probatórios, não se bastando, portanto, com uma mera alusão genérica ao conhecimento dos factos pela administração tributária, sendo de notar que a lei pretende apenas, como é natural, dispensar os interessados da apresentação dos elementos que a AT já tem na sua posse, o que não se confunde com a dispensa de indicar os tais meios de prova em poder da AT que pretendem utilizar, pois que não está em causa a transferência para a AT do encargo de seleccionar os meios de prova de que o interessado pode valer-se.
Por outro lado, e decisivo, é manifesto o défice de alegação fáctica que possa suportar a verificação do requisito agora em análise, dado que, a Recorrente limita-se a remeter para a afirmação produzida em sede de reclamação no sentido de que “tal insuficiência não é da responsabilidade da requerente, já que os bens mantêm-se, há mais de 10 anos, sem qualquer extravio ou dissipação”.
Tal significa que, para a Recorrente, a situação em apreço circunscreve-se ao elemento posto em destaque, situação manifestamente insuficiente, pois que a afirmação descrita surge, com referência ao que foi a actuação da Recorrente, como algo completamente desenquadrado em função daquilo que foi a actuação empresarial da Recorrente.
Ora, neste domínio, como bem refere o despacho reclamado, “… no caso em apreço, para provar a falta de culpa, a executada apresenta mapas de reintegrações e amortizações dos últimos 10 anos, onde se constata que a sociedade não alienou património nesse período. No entanto, estes documentos, permitem também constatar que a situação de insuficiência de bens em que a requerente se encontra, resulta da falta de investimento na atualização e modernização do equipamento indispensável à prossecução e crescimento da atividade da empresa. …”.
Com efeito, a formulação de um juízo conclusivo diferente impunha o conhecimento cabal da estrutura empresarial da ora Recorrente, a sua clientela e bem assim das suas condições de mercado e do desenvolvimento da respectiva actividade, no sentido de afastar a relação de causalidade entre a insuficiência de bens e a actuação da Recorrente.

Pois bem, a Recorrente nada aponta no sentido de evidenciar, como acima se apontou, através da prova de factos positivos, as causas de tal insuficiência de bens, apontando apenas um elemento que, sem mais, nada aporta de decisivo neste âmbito, de modo que, não tendo sido a factualidade correspondente à matéria em causa invocada no requerimento de dispensa da garantia e não sendo a mesma do conhecimento oficioso da administração (sendo que, como ficou dito, não se vislumbra em que termos - e a Recorrente também não produziu qualquer esforço neste domínio - poderá a AT dispor de meios de prova que permitam um juízo conclusivo quanto ao requisito da irresponsabilidade do executado na génese da insuficiência ou inexistência de bens), também não poderia agora servir para sustentar a ilegalidade da decisão administrativa que sobre esse requerimento incidiu ou o acerto da decisão judicial recorrida.

Em suma, embora se aceite que a AT deve proceder à análise crítica dos meios de prova que tenha em seu poder e que possam permitir estabelecer a veracidade dos factos alegados pelo executado para pedir a dispensa de prestação de garantia, não podendo ignorá-los com o fundamento de que o executado não apresentou prova, diremos que na situação dos autos tal tese não logra aplicação. Isto, quer porque a ora Recorrente não alegou a factualidade pertinente para que se pudessem dar como verificados os requisitos da procedência da sua pretensão, quer porque, relativamente ao requisito de que a inexistência de bens ou sua insuficiência não seja imputável à Executada, nem sequer vislumbramos qualquer meio de prova que a AT possa ter em seu poder e que seja apto para comprovar os factos que pudessem integrá-lo, além de que nunca se justificaria um convite para à ora Recorrente para junção de elementos de prova em face da referida insuficiência da alegação.

Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.



4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 27 de Junho de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves