Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00651/09.8BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/22/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:IAPMEI; REPOSIÇÃO SUBSÍDIOS
Sumário:As fichas de ocorrências visam registar situações que ocorram de forma inesperada e imprevista, não podendo ser utilizadas como forma de colmatar a posteriori irregularidades detectadas nas acções de formação financiadas pelo FSE.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:H..., Etiquetas e Passamanarias, SA
Recorrido 1:APMEI – Instituto de Apoio a Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento e o Ministério da Economia e Inovação
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
H..., Etiquetas e Passamanarias, SA, veio interpor recurso do acórdão do TAF de Aveiro que julgou improcedente a presente acção administrativa especial contra o IAPMEI – Instituto de Apoio a Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento e o Ministério da Economia e Inovação (admitido por intervenção principal provocada no despacho saneador – fls. 159 a 164 dos autos), visando a decisão que indefere o apoio e anula o financiamento no valor de € 71.981,81 e ordena a reposição dos subsídios entretanto pagos, no montante de € 32.055,42, notificada à Autora em 29.07.2009, através do ofício n.º 10717, datado de 27.07.2009, absolvendo os Réus dos pedidos.
*

Em alegações a Recorrente formulou as seguintes CONCLUSÕES:

1ª A decisão impugnada errou nos pressupostos de facto, ao desconsiderar a argumentação e a prova apresentada pela A. de inexistência de qualquer fraude e na explicação dos registos de ocorrências que efetuou, em parte motivados pelo próprio recorrido, que se atrasou na aprovação da candidatura;

2ª A decisão impugnada violou a lei, pois que a A. não infringiu qualquer comando legal, nomeadamente o nº 4 do artº 18º da Portaria 799-B/00, de 20 de Setembro, nela citado, tendo portanto feito incorreta aplicação desta norma: A informação prestada foi atualizada e era correta, apenas não se tendo aceite o expediente formal do registo de ocorrências para apresentar as alterações supervenientes ao plano de formação determinadas pelo atraso do Gestor do Compete, o que não é suficiente para pôr em causa a fiabilidade do processo;

3ª A decisão manteve a anulação de todo o conjunto de incentivos em vez de se limitar à parte que considerou como desconforme, pelo que, mesmo que se considerasse que a inadequação dos registos minava o curso correspondente, aplicava-se o disposto no artº 292º do Código Civil e reduzia-se o apoio apenas à parte não aceite, deixando-se incólume a parte que considerou justificada: A revogação total dos subsídios é uma violência e um excesso, uma desproporção injustificada, não sendo essa intenção do artº 23º, nº 1, n), da Portaria citada, sob pena de violação do artº 18º, nº 2, da CRP.

TERMOS EM QUE DEVE O RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE.


*

Contra-alegou o IAMEI, concluindo:

a) O processo pedagógico deve incluir toda a documentação legalmente prevista, nomeadamente relatórios ou outras formas de realização do acompanhamento e avaliação do projeto por parte da entidade titular do pedido de pagamento.

b) Os elementos fornecidos são nos termos legais declarações que procedem de sistemas baseados em documentos de prova passíveis de verificação e submetidos a ações de controlo.

c) O controlo efetuado permitiu constatar a existência de irregularidades.

d) Essas irregularidades/incumprimentos constituem como se demonstrou fundamentos para a revogação da decisão de aprovação de pedido de financiamento, nos termos da alínea n) do nº 1 do art. 23º da Portaria nº 799-B/2000.

e) A correção dessas irregularidades através da ficha de ocorrências, não reúne condições para ser considerada, uma vez que o que atesta a realização efetiva da formação naquela data e horário são as folhas de presença e sumários que fazem parte integrante do processo pedagógico.

f) As declarações inexatas e desconformes sobre o processo formativo afetam de modo substantivo a justificação do incentivo a receber e impossibilitam a validação da conformidade física e técnica do projeto.

g) não tem aplicação no caso concreto o art. 292º do Código Civil, porque as irregularidades detetadas afetaram de forma substancial e irreparável a relação contratual.

h) A revogação da decisão de homologação do incentivo atribuído com a consequente obrigatoriedade da restituição do incentivo recebido foi efetuada nos termos legais.

Nestes termos e no demais de direito aplicável não deverá ser dado provimento ao recurso confirmando-se o douto Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro de 30 de Novembro de 2012.


*

QUESTÕES A RESOLVER

Pretensos erros de julgamento da decisão recorrida por não relevar o erro nos pressupostos de facto da decisão do IAPMEI que anula o financiamento e ordena a reposição de incentivos, violando nomeadamente o artigo 18º/4 da Portaria 799-B/00, de 20 de Setembro e, ainda, por tal anulação incidir sobre a globalidade desses incentivos em vez de se limitar à parte considerada desconforme, violando assim a regra da redução do negócio contemplada no artigo 292º do C. Civil e o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18º/2 CRP.


*

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Consta do acórdão recorrido:

«São os seguintes os factos provados:

A) Em 27.12.2005, a Autora candidatou-se a uma medida de qualificação de recursos humanos do PRIME, ao abrigo da Portaria n.º 1285/2003, de 17 de Novembro, tendo o processo recebido o n.º 00/17542 (acordo);

B) Em 06.01.2006, o Réu IAPMEI notificou a Autora para informar se pretendia enquadrar a sua candidatura no âmbito da Portaria n.º 1318/2005, de 26 de Novembro que alterou a Portaria n.º 1285/2005, de 17 de Novembro (cfr. fls. 294 e 295 da Pasta 2 do Processo Administrativo apenso aos autos doravante designado por PA);

C) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 20.01.2006, a Autora informou o Réu IAPMEI que pretendia enquadrar a sua candidatura no âmbito da Portaria n.º 1318/2005, de 26 de Novembro (cfr. fls. 292 da Pasta 2 do PA);

D)Em 12.04.2006, o Réu IAPMEI requereu à Autora elementos adicionais, designadamente documentos de suporte à verificação das condições de acesso (cfr. fls. 289 a 291 da Pasta 2 do PA);

E) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 21.04.2006, a Autora respondeu ao pedido solicitado pelo Réu IAPMEI, referido em D) (cfr. fls. 296 da Pasta 2 do PA);

F) Em 02.06.2006, o Réu IAPMEI notificou a Autora da validação dos elementos adicionais pela mesma enviados e requereu esclarecimentos adicionais (cfr. fls. 283 a 285 da Pasta 2 do PA);

G) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 30.06.2006 e por fax, de 30.06.2006, a Autora respondeu ao pedido solicitado pelo IAPMEI, referido em F) (cfr. fls. 278 a 282 e 286 a 288 da Pasta 2 do PA);

H) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 07.07.2006, a Autora informou o Réu IAPMEI «… que o curso n.º 2, “Técnicas de Melhoria da Produtividade”, teve início no passado dia 15 de Maio 2006.” (cfr. fls. 277 da Pasta 2 do PA);

I) Em 12.09.2006, o Réu IAPMEI notificou a Autora que recebeu o Termo de Aceitação referente à candidatura daquela ao PRIME com o n.º 00/17542 (cfr. fls. 275 e 276 da Pasta 2 do PA);

J) Em 28.09.2006, o Réu IAPMEI notificou a Autora da decisão de aprovação de financiamento para formação profissional no âmbito do programa de incentivos à modernização da economia Prime – candidatura n.º 00/17542, tendo sido atribuído um incentivo no valor de € 71.981,81 (cfr. fls. 149 a 163 da Pasta 2 do PA);

K) A Autora, em 21.06.2006, comunicou ao Réu IAPMEI alterações ao cronograma inicial dos cursos (acordo);

L) Em 06.10.2006, o Réu IAPMEI comunicou à Autora que “… foi emitida a seguinte ordem de pagamento: Adiantamento de 2006: 10.797,27 Euros.” (cfr. fls. 273 e 274 da Pasta 2 do PA);

M) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 12.01.2007, a Autora informou o Réu IAPMEI que o curso Inglês Comercial Intermédio se iniciaria a 22.01.2007 e que os cursos de Socorrismo Avançado e Formação Pedagógica Inicial de Formadores estavam previstos a iniciar em 06.02.2007 e 05.03.2007, respectivamente (cfr. fls. 272 da Pasta 2 do PA);

N) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 12.01.2008, a Autora informou o Réu IAPMEI que “… no ano de 2008 continua a desenvolver o seu plano de formação no âmbito da candidatura apresentada ao programa PRIME.” (cfr. fls. 271 da Pasta 2 do PA);

O) Em 05.08.2008, o Réu IAPMEI solicitou à Autora as Folhas de Presença e de Sumários dos cursos (acordo);

P) Em 07.08.2008, a Autora respondeu ao pedido solicitado, referido em O), tendo enviado as Folhas de Sumários e Presenças do curso “Melhorias da Produtividade – 2ª Acção”, do curso “Informática Básica – 1ª Acção”, do curso “Formação Pedagógica de Formadores – 1ª Acção” e do curso “Comunicação e Relacionamento Interpessoal – 2ª Acção” (cfr. fls. 35 a 60 dos autos e fls. 202 a 227 da Pasta 2 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

Q) Por carta registada com aviso de recepção, o IAPMEI, em 24.10.2008, notificou a Autora do seguinte:
«PRIME - Medida 4.1 Qualificação de Recursos Humanos
Artº 100º do Código do Procedimento Administrativo
Candidatura nº 00/17542 - H... - ETIQUETAS E PASSAMANARIAS, SA
Serve a presente para informar V. Exas. que é intenção da Comissão de Gestão de Incentivos deste Instituto proceder à revogação da decisão de aprovação do financiamento acima referido com os seguintes fundamentos:

“Factos Relevantes

Em sede de análise do PPS após cruzamento das folhas de sumários e presenças dos vários cursos do plano de formação do projecto referido em epígrafe, verificamos a existência de sobreposições:

Ao nível dos formandos

- Nos dias 8, 15, 22, 29 de Novembro de 2007 e 6, 13, 17 e 24 de Janeiro de 2008 os formandos APLF, MCOM, PCM, RBC, SMLF e SRAS “frequentaram” o curso 1 “Melhorias da Produtividade – 2ª acção” das 08h00 às 17h00 e o curso 8 “Informática Básica” das 14h00 às 16h00.

Ao nível do formador entre projectos:

- Nos dias 24, 26 e 30 de Abril de 2007 e 8 e 10 de Maio de 2007 a formadora NN ministrou o curso 7 “Formação Pedagógica de Formadores” das 18h00 às 22h00 na empresa H... (C...) e o curso 5 “Comunicação e Relacionamento Interpessoal” das 17h00 às 20h00 na empresa I... - INDÚSTRIA DE EQUIPAMENTOS INOXIDÁVEIS, SA (C... II).

Conclusão

Face ao exposto e tendo em consideração que, pela sua natureza, as acções de formação são intangíveis, as evidências físicas consubstanciam-se, em última instância, nos casos de projectos já concluídos, nas folhas de presença e sumários. Assim, estes elementos têm de transmitir informação fiável e fidedigna, salientando-se que os mesmos são assinados quer pelos formandos quer pelos formadores.

Tendo-se verificado, neste projecto, a sobreposição de formandos e um formador, como já foi referido, e independentemente da expressão que tal situação assume no âmbito do incentivo a atribuir, está em causa o princípio da fiabilidade de toda a informação prestada, dada a intangibilidade do investimento e, tal como anteriormente já referido, dada a impossibilidade de verificação in loco da veracidade da informação.

Face ao exposto, considerando que o promotor prestou declarações inexactas e desconformes sobre o processo formativo, propõe-se a rescisão da concessão de financiamento, de acordo com o previsto na alínea n) do nº 1 do art. 23º da Portaria 799-B/2000 de 20 de Setembro, com a consequente descativação do incentivo atribuído no valor de 71.981,81€ e restituição de verbas já auferidas no montante de 32.055,42€.

Assim, e antes de ser tomada a decisão final e nos termos e para os efeitos dos artigos 100º e 101º do Código do Procedimento Administrativo, poderá essa empresa pronunciar-se sobre supra expostos, no prazo de 10 dias contados da recepção da presente carta.
(…)»
(cfr. fls. 195 a 198 da Pasta 2 do PA);

R) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 31.10.2008, a Autora pronunciou-se sobre a intenção de revogação da decisão de aprovação do financiamento, referida em Q), opondo-se à mesma e apresentou prova documental e testemunhal, designadamente o Cronograma Específico – 2ª Versão do curso “Melhorias da Produtividade” e o documento seguinte (Ficha de Ocorrências):

(imagem omissa)

(cfr. fls. 228 a 232 da Pasta 2 do PA);

S) Por carta registada com aviso de recepção, em 23.01.2009, o Réu IAPMEI notificou a Autora para apresentar o depoimento escrito das testemunhas que a mesma indicou na sua pronúncia, referida e R) (cfr. fls. 192 a 194 da Pasta 2 do PA);

T) O depoimento escrito das testemunhas arroladas pela Autora foi enviado pela mesma ao Réu IAPMEI, tendo quatro testemunhas (MCOM, PCM, RBC e SMLF) referido que participaram no curso “Informática Básica” e no curso de “Melhorias da Produtividade”, no âmbito da candidatura n.º 00/17542, nos dias e nas horas constantes da cópia da ficha de ocorrências e do Cronograma Específico – 2ª Versão; sete testemunhas (EN, GS, LGC, MS, PB, RS e VF) declararam que participaram no curso de “Formação Pedagógica de Formadores”, no âmbito da candidatura n.º 00/17542, nos dias constantes das folhas de presença; uma testemunha (SC) referiu que o curso “Melhorias da Produtividade” e “Informática Básica”, ministrado no âmbito da candidatura n.º 00/17542, decorreu nos dias e horas constantes da Ficha de Ocorrências e no Cronograma Específico – 2ª Versão e que o curso “Formação Pedagógica de Formadores” decorreu nos dias constantes das respectivas folhas de presença/sumários; uma outra testemunha (AL) declarou que participou no curso “Informática Básica” e no curso “Melhorias de Produtividade”, no âmbito da candidatura n.º 00/17542, nos dias e horas constantes da Ficha de Ocorrências e no Cronograma Específico – 2ª Versão (cfr. fls. 233 a 267 da Pasta 2 do PA);

U) Por carta registada com aviso de recepção, em 29.07.2009, o Réu IAPMEI notificou a Autora da decisão final, constando da mesma o seguinte:
“Relativamente à candidatura apresentada por V. Exas., em conformidade com os artigos 66º e 106º do CPA, procede-se à notificação final que recaiu sob o projecto referenciado em epígrafe, nos termos do despacho de homologação do Senhor Gestor do PRIME de 19/06/2009, ao abrigo da sub-delegação de competências, o qual foi exarado na Informação n.º 135/GPF/UFET/2009 do GGPF, que se junta.

Nos termos daquela decisão conclui-se pela anulação do financiamento para o projecto referido em epígrafe no montante de 71.981,81 € tendo sido apurado que essa entidade, titular do pedido de financiamento em causa, tem de proceder à restituição do montante de 32.055,42 €.

Informamos que, em cumprimento do que determina o artigo 152º do CPA conjugado com o artigo 35º do Decreto Regulamentar n.º 12-A/2000, de 15 de Setembro, que, no que respeita à restituição do referido montante, o acto vai ser executado pelo IGFSE – Instituto de Gestão para o Fundo Social Europeu.”
(cfr. fls. 190 e 191 da Pasta 2 do PA);

Na Informação n.º 135/GPF/UFET/2009 do GGPF consta, além do mais o seguinte:
(imagem omissa)
(cfr. fls. não numeradas da Pasta 2 do PA).


*

Inexiste qualquer factualidade que, revestindo interesse para a solução da causa, tenha resultado como não provada.
*

DE DIREITO

Questão de erro nos pressupostos de facto

Esta questão é contemplada nas conclusões 1ª e 2ª da Recorrente.

Em primeiro lugar deve precisar-se que os pressupostos de facto relevantes da decisão do IAPMEI ora impugnada consistem na falta de documentação idónea para preencher a exigência legal de “processo técnico do projeto actualizado, com a informação sobre a formação ministrada, conteúdos pedagógicos, horários e presenças”, o que é conceitualmente desligável da “verdade material” de que fala a Recorrente, no sentido de as ações de formação previstas terem sido efetivamente ministradas nos dias e horas constantes de fichas de ocorrências, posteriormente elaboradas, diga-se, com o intuito de suprir a referida irregularidade do processo técnico.

Esta necessidade de suprimento das ditas e confessadas irregularidades confirma, pela sua extemporaneidade, pelo menos, a falta de um processo técnico do projeto actualizado e, nessa medida, demonstra a violação das obrigações impostas pelo artigo 18º/4 da Portaria 799-B/00, de 20 de Setembro que fundamentam a decisão do IAPMEI.

Isto mesmo se refere no acórdão recorrido:

«Assim, nos termos do normativo transcrito, a Autora tinha obrigação de possuir um processo técnico do projecto actualizado, com a informação sobre a formação ministrada, conteúdos pedagógicos, horários e presenças.

Contudo, não obstante as razões mencionadas pela Autora, esta entregou ao IAPMEI elementos referentes à formação que não correspondiam à verdade, uma vez que as Folhas de Sumários e Presenças entregues constituem declarações inexactas e desconformes com o processo formativo, afectando de modo substantivo a justificação do subsídio recebido.»

A Recorrente interpõe neste passo do raciocínio a objecção de que se trata de uma construção “puramente formalista” que “desconsidera a verdade material” de a formação proposta ter sido ministrada sem qualquer fraude. E que esta verdade material está reflectida nas “folhas de ocorrência”.

Seriam as ditas irregularidades supríveis deste modo?

Entende-se que a resposta é negativa, não só por tal meio não ter o condão de sanar iniludivelmente a pré-existente irregularidade/desactualização da informação constante do projecto técnico, como pela sua inadequação formal e probatória à situação em causa, como se demonstrou em caso similar, no Acórdão de 26-09-2013, Proc. 02994/09.1BEPRT deste TCAN, assim:


*

«Apenas, acrescentaremos que as fichas de ocorrências têm essencialmente por finalidade o seu uso em imprevistos, pelo que daqui decorre o seu carácter excepcional, sendo assim destinadas, sobretudo, para situações que fogem ao normal desenrolar do processo formativo.

Ora, face ao carácter excepcional das fichas de ocorrência, estas não serão os elementos documentais por excelência que deverão suportar as declarações prestadas pelas entidades financiadas.

Esses documentos serão, sem dúvida, os sumários e as fichas de presença, pois só esses elementos permitem assegurar a veracidade do plano formativo, servindo as fichas de ocorrências para complementar situações pontuais.

Realce-se que, as folhas de presença e de sumário são aqueles elementos que devem acompanhar as sessões formativas, devendo ser preenchidas no decurso da sessão a que respeitam, conforme resulta do probatório.

A finalidade dos registos de presença e sumários, que devem instruir o dossier técnico-pedagógico visam atestar que (i) os formandos inscritos em determinada acção de formação, efectivamente, a frequentaram, que (ii) o formador ministrou o número de horas de formação que constituem a referida acção, que (iii) a mesma ocorreu nos dias e horas assinalados para o efeito e que (iv) foram ministrados os conteúdos pedagógicos identificados para a acção.

Já a ficha de ocorrências, como resulta do seu próprio nome, visa apenas registar situações que ocorram de forma inesperada e imprevista, não se podendo fazer deste registo uma forma de colmatar irregularidades detectadas, com vista a despistá-las.

E o facto de se ter constatado que estes registos de ocorrências não foram apresentados ab inicio, mas só depois da recorrente ter sido confrontada com as irregularidades detectadas, naturalmente que têm de ser sopesadas em termos probatórios, sob pena de, se assim, não fosse, vingar a tese da recorrente, que com esta apresentação de folhas de registo de ocorrência tenta sanar todas as irregularidades detectadas.

Acresce que, no mínimo, aquando do pedido de pagamento de saldos devia a A./recorrente, desde logo, fazer acompanhar esse pedido com todos os elementos físicos essenciais ao controlo das despesas, sendo os sumários, as folhas de presença e as fichas de ocorrência [quando se pretenda justificar alterações aos demais] elementos essenciais a juntar, a fim de comprovar a realização da formação da qual se pretende o restante pagamento.

Ora, apesar das várias alterações documentadas em fichas de ocorrência, não foram estas juntas com o pedido de pagamento de saldo, mas tão-só os sumários e as folhas de presenças, pois, tal como resulta do probatório, estas só foram juntas aquando da audiência prévia.

Assim, podemos concluir que as fichas de ocorrência não permitem assegurar a fiabilidade da informação prestada, ou seja, não asseveram que ocorreram as alterações conforme delas constam.

Aliás, a ser como pretende a recorrente, qual seria afinal a justificação para o tribunal dar “preferência probatória” aos registos de ocorrência elaborados pela recorrente, somente depois de ser confrontada pelo recorrido com as irregularidades detectadas?

A ser assim estava descoberta uma forma airosa de impedir que as acções de fiscalização exercessem verdadeiramente as suas funções e os respectivos agentes agissem em conformidade com a realidade apurada, porque sempre seria, posteriormente, apresentado um registo de ocorrência com vista a sanar o problema detectado.

Com efeito, estes registos de ocorrência, apenas podiam e deviam ser valorados, se constassem ab inicio, como deviam, do processo técnico-pedagógico e não moldados às situações apontadas pelo recorrido.»


*

Assim improcedem as conclusões em análise.

*

Redução do negócio, princípio da proporcionalidade

Lê-se no acórdão recorrido:

«Importa referir que a revogação do financiamento nos termos previstos na alínea n), do n.º 1, do artigo 23º da Portaria n.º 799-B/2000, de 20 de Setembro, não depende do facto de ter sido ministrada alguma formação ou a maior parte dela. Depende, sim, do facto dos elementos fornecidos serem de tal modo inexactos que deixam de ser credíveis, não sendo possível a partir deles comprovar que a formação foi dada nos termos acordados e financiados.

Não está também em questão o número de erros cometidos, mas a importância dos mesmos face à necessária justificação da formação efectivamente realizada.»

Pode dizer-se que esta decisão flui ao sabor da corrente jurisprudencial estabelecida.

Como se decidiu no Acórdão do STA de 30.01.2002, Rec. n.º 048163 (cfr. sumário):

«II - Os apoios concedidos pelo IEFP ao abrigo do programa para «criação de redes de recolha e distribuição do artesanato com garantia de qualidade» emanavam de um acto administrativo, pelo que o «termo de responsabilidade» subscrito pelo beneficiário apenas significava a aceitação do enunciado de condições pressupostas pelo acto unilateral autoritário.

III - A previsão de que, «no caso de incumprimento injustificado», o beneficiário do apoio deveria devolver «a importância concedida» tinha natureza sancionatória e conduzia a que a Administração, verificado aquele pressuposto, exigisse, em termos estritamente vinculados, o reembolso da totalidade do que prestara.

IV - Tendo sido praticado no exercício de poderes vinculados, o acto que ordenou esse reembolso total não pode enfermar de violação do princípio da proporcionalidade, por este vício ser inerente ao exercício de poderes discricionários.»

E no Acórdão do STA de 03-11-2005, Rec. 01377/03:

«Ora, a Portaria º 799-B/2000 prevê situações de redução do financiamento (21.º), de suspensão dos pagamentos (22.º) e de revogação (23.º).

O acto alicerça-se na verificação de situações que constituem fundamentos para a revogação da decisão de aprovação do pedido de financiamento, nos termos do 23.º da citada Portaria.

É passível de discussão saber se os n.ºs 21.º, 22.º e 23.º, previnem actuação estritamente vinculada da Administração. Se assim fosse, nem sequer haveria que colocar o problema da violação do princípio da proporcionalidade na acção concreta da Administração, já que, a existir, a violação se teria de situar a montante, na vertente normativa.

Mas, admitindo que se trata de actividade no exercício de poderes discricionários, a verdade é que não vem sinalizado nem se descortina qualquer elemento capaz de permitir afirmar que a Administração não devia ter aplicado a medida que aplicou (de revogação), sendo que ela se enquadra, sem reparo, na factualidade considerada.

Não se antolha, pois, que a Administração tenha cometido qualquer excesso.»

Na mesma senda o Acórdão de 20-11-2014 deste TCAN, Proc. 01388/07.8BEBRG onde se lê:

«Na esteira do defendido pela decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que se sufraga, neste ponto, integralmente:

Convém atentar, ademais, que a convocação de princípios, como balizadores do agir administrativo, só pode ser feita quando se trate de actuação discricionária, não quando, como no caso vertente, a mesma está vinculada ao cumprimento da lei.

Verificados os requisitos (falta deles) de que a lei faz depender a redução/modificação (e até resolução – cfr. art. 23º da Portaria) do contrato, a actuação do R. é basicamente vinculada. É, portanto legal e, consequentemente, imparcial. É proporcional (é a lei que determina as opções) e, consequentemente, justa.

Tratando-se, no caso, de um acto estritamente vinculado, não se podem considerar violados os referidos preceitos legais.»

Mesmo que, de certo modo ao arrepio da jurisprudência citada, se admitisse a natureza contratual da relação em causa teriam que relevar-se devidamente as peculiaridades e constrições de interesse público aí prevalentes, “isto porque o tipo de contrato celebrado entre as partes” – como refere a entidade recorrida – “é um negócio sob condição resolutiva – alínea c) do nº2 do Termo de Aceitação – em que os contraentes fazem depender a cessação da eficácia do negócio da verificação de um certo evento, que ocorrendo dá lugar à resolução do contrato”.

Iniludível é que a matéria em causa extravasa do ambiente de “liberdade contratual” standard do direito privado comum que emana do artigo 405º do C. Civil, onde o princípio da proporcionalidade aflorado na regra de redução do negócio jurídico – artigo 292º do C. Civil – projecta todo o seu potencial.

E, pelo contrário, se situa nos domínios onde prevalecem normas de direito público estritamente vinculativas, onde o princípio da redução do negócio jurídico não “respira” com facilidade sem o “oxigénio” da plena liberdade contratual.

Nesta ambiência normativa de perfil acentuadamente impositivo e perante a objectividade e relevância dos fundamentos do acto impugnado, não se afigura que a revogação total dos incentivos possa ser classificada no caso como injustificada e desproporcionada.

Deste modo falecem as razões invocadas pela Recorrente e confirma-se a decisão recorrida.


*

DECISÃO

Pelo exposto acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


*

Porto, 22 de Outubro de 2015

Ass.: João Beato Sousa

Ass.: Helena Ribeiro

Ass.: Esperança Mealha