Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03188/11.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/28/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR
PENA DEMISSÃO
PRESUNÇÃO INOCÊNCIA - IN DUBIO PRO REO
ERRO SOBRE PRESSUPOSTOS FACTO
AGENTE PROVOCADOR - INSTIGADOR
PROPORCIONALIDADE DA PENA
NULIDADE DECISÃO - ART. 668.º, N.º 1, AL. B) CPC
Sumário:I. No processo disciplinar o ónus da prova dos factos constitutivos da infração cabe ao titular do poder disciplinar, sendo que nele o arguido assume uma posição de sujeito processual e não dum seu mero objeto.
II. O arguido não tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada dado o ónus da prova dos factos constitutivos da infração impender sobre o titular do poder disciplinar, na certeza de que um “non liquet” em matéria de prova terá de ser resolvido em favor do arguido por efeito da aplicação dos princípios da presunção de inocência do arguido e do “in dubio pro reo”.
III. A condenação deve estribar-se em provas que permitam um juízo de certeza, uma convicção segura, que esteja para além de toda a dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados.
IV. No processo sancionador a prova da prática da infração que é exigida deve ser conclusiva e inequívoca no sentido de que o sancionado é o autor responsável, não podendo impor-se uma sanção com base em simples indícios, presunções ou conjeturas subjetivas.
V. Na fixação dos factos que funcionam como pressupostos de aplicação das penas disciplinares a Administração não detém um poder insindicável em sede contenciosa, porquanto nada obsta a que o julgador administrativo sobreponha o seu juízo de avaliação àquele que foi adotado pela Administração, mormente por reputar existir uma situação de insuficiência probatória
VI. A prova testemunhal e documental produzida no processo disciplinar e na qual se funda a decisão punitiva mostram-se dotadas do grau de certeza e de segurança exigidos nesta matéria para além de toda a dúvida razoável, permitindo formar uma convicção segura para a sustentação da imputação/efetivação de responsabilidade disciplinar à arguida, pelo que não foram feridos os princípios da presunção da inocência do arguido e do "in dubio por reo", para além de que inexiste qualquer erro sobre os pressupostos de facto.
VII. A prova obtida e produzida no processo disciplinar foi-o de forma válida, legal e legítima, não se vislumbrando o recurso a qualquer das figuras do “agente provocador”, do “agente encoberto” ou do “instigador”, tanto mais que as testemunhas em questão, pelo que se revela claramente dos autos, limitaram-se a ter um papel totalmente passivo, de meros ouvintes/assistentes da conversa que veio a ocorrer ou a estabelecer-se apenas entre a arguida e os então candidatos a eventual família de acolhimento, sem terem qualquer influência naquilo que foi a vontade livremente manifestada, a conduta e/ou a atuação desenvolvida pela arguida tendente à materialização dos seus objetivos.
VIII. Em sede disciplinar o princípio da proporcionalidade postula a adequação da pena imposta à gravidade dos factos apurados, de molde a que a medida punitiva a aplicar seja aquela que, sendo idónea aos fins a atingir, se apresente como a menos gravosa para o arguido, em decorrência também do princípio da intervenção mínima ligado ao princípio do "favor libertatis".*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:CMSTP...
Recorrido 1:Instituto da Segurança Social, I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
CMSTP..., devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 16.10.2012, proferida na ação administrativa especial pela mesma instaurada contra o “INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.” (doravante «ISS, IP») e que julgou improcedente a sua pretensão invalidatória [nulidade ou anulabilidade do despacho de 15.06.2011 do Secretário de Estado da Segurança Social que negou provimento ao recurso que interpôs da deliberação de 07.12.2010 do Conselho Diretivo do «ISS, IP» que lhe havia aplicado a pena disciplinar de demissão], absolvendo o R. do pedido.
Formula a A. aqui recorrente nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem [cfr. fls. 283 e segs. e fls. 356 e segs. após convite ao seu aperfeiçoamento - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário]:
...
1. Salvo o devido respeito, a sentença recorrida não contempla uma solução legal e completa do litígio, nomeadamente, no que respeita ao direito aplicável, porquanto deverá ser reanalisada.
2. Não se pronunciou de forma fundamentada quanto às questões controvertidas, com o recurso a doutrina e a jurisprudência que enquadrasse devidamente a situação concreta.
3. No caso em apreço, é evidente a insuficiência, invalidade, mesmo ausência da prova produzida no âmbito do processo disciplinar e de acordo com o Acórdão do STA de 16.10.97, in Rec. n.º 031496: «I) não sendo de concluir, pela análise da prova produzida no processo disciplinar, com um mínimo grau de certeza e segurança que o arguido praticou os factos de que foi acusado, integrantes de infração disciplinar, o ato que considere esta verificada incorre em violação de lei, por erro nos pressupostos de facto».
4. É também evidente a completa desconsideração da defesa da Recorrente e bem assim o princípio da presunção da inocência, e sobre esta matéria, decidiu também o Acórdão supra referido que «II) No processo disciplinar vale o princípio da presunção da inocência (artigo 32.º, n.º 2, da CRP), competindo assim ao titular da ação disciplinar o ónus da prova dos factos constitutivos da infração imputada ao arguido».
5. Facilmente se conclui que o relatório final ou decisão baseia-se nos mesmos factos e argumentos que consubstanciam a acusação, tal como se pode constatar através da sua simples leitura.
6. Nenhum facto imputado à Recorrente resultou provado, ou analisado na decisão punitiva, e bem assim, não se logrou de demonstrar a existência de ilicitude, culpa ou negligência.
7. E, a sentença a quo ao manter na ordem jurídica uma decisão emanada nesses termos viola flagrantemente os princípios da legalidade, (art. 3.º do CPA), da proporcionalidade e da justiça (arts. 266.º da CRP e 3.º, 5.º, n.º 2 e 6.º do CPA).
8. Surge também infringido o princípio in dubio pro reo, já que não resultando provados os factos, a decisão deveria enveredar pela não punição. A este respeito, a título de exemplo o Acórdão do STA, de 14.03.1996, in Rec. n.º 028264: «III - Um non liquet em matéria de prova resolve-se a favor do Arguido, por aplicação dos princípios da presunção da inocência do arguido e do in dubio pro reo».
9. Como já alegado, a sentença a quo não fez um enquadramento legal e jurisprudencial devidamente fundamentado e enquadrado à situação fáctica e jurídica em causa, acerca do princípio da validade e legalidade da prova.
10. Com o devido respeito, no caso sub iudice, a valoração da prova, embora dada a necessária margem de discricionariedade do órgão instrutor, esta liberdade excedeu em muito os seus limites, desrespeitando como desrespeitou princípios constitucionais já evidenciados (Vd. Acórdão desse Venerando Tribunal - Ac. TCAN, de 27.01.2011, in Proc.º 00827/07.2BEPRT).
11. A este respeito a função do Tribunal, de controlo judicial é a de aferir, segundo o mesmo Acórdão se a apreciação das provas tiveram uma base racional, se o valor das provas produzidas foi pesado com um justo critério lógico…. É através da fundamentação da decisão que se deve averiguar se a valoração das provas está racionalmente justificada e se ela é capaz de gerar uma convicção de verdade sobre a prática dos ilícitos disciplinares….
12. Ora, no caso dos autos é bem visível na decisão a desconsideração e análise (necessárias) das provas recolhidas.
13. A sentença a quo, não fez portanto um legal e correto enquadramento fáctico e jurídico da situação sub iudice, atendendo a que as provas produzidas no processo disciplinar, não são efetivamente válidas e idóneas para suportarem a acusação.
14. Outra interpretação não pode ser feita, sob pena de estar irremediavelmente ferida de inconstitucionalidades e vício de Lei.
15. Concluindo, a sentença recorrida terá que ser reanalisada, já que as questões controvertidas não se encontram devidamente fundamentadas, legal e jurisprudencialmente.
16. Entende-se, assim que o Mm.º Juiz a quo não fez uma correta e adequada subsunção dos factos/questões controvertidas ao direito aplicável.
17. Com efeito, a sentença sob recurso padece de erro de direito por violação frontal dos princípios da legalidade, (art. 3.º do CPA), da proporcionalidade, da justiça (arts. 266.º da CRP e 3.º, 5.º, n.º 2 e 6.º do CPA), do in dubio pro reo, e do art. 22.º do ED.
18. Padecendo, por isso, de erro na sua fundamentação jurídica, pelo que se impõe uma reponderação sobre a matéria de direito em causa …”.
Termina no sentido do provimento do recurso e revogação da decisão judicial recorrida.
O R., ora recorrido, notificado apresentou contra-alegações [cfr. fls. 305 e segs.], tendo concluído que:

1 - A douta decisão da primeira instância, não merece qualquer reparo quando concluiu pela não prescrição do procedimento disciplinar que culminou na aplicação da pena de despedimento à Recorrente, pela não violação de qualquer direito fundamental através dos métodos utilizados para a recolha da prova, pela não violação dos princípios do contraditório e da presunção de inocência do arguido, e finalmente, pela inexistência de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, uma vez que os factos dados como provados se encontram totalmente suportados na prova recolhida (tendo sido, por consequência, corretamente valorados) e tendo em conta que a Administração ponderou os argumentos aduzidos pela Recorrente, mesmo não tendo ido de encontro à sua pretensão.
2 - Esta douta sentença a quo encontra-se corretamente fundamentada, recorrendo para tal, não só à jurisprudência, como também aos preceitos de Direito vigentes. Faz também uma correta valoração dos factos e deve, como tal, ser mantida.
3 - Mas ainda que a referida sentença padecesse de deficiente fundamentação, acresce que de há muito que a doutrina e a jurisprudência vêm, pacificamente, fazendo uma interpretação restritiva do invocado art. 668.º, n.º 1, al. b) do CPC, no sentido de que apenas a falta absoluta de fundamentos e não a fundamentação deficiente ou incorreta, integra a nulidade prevista neste artigo.
4 - Os factos que resultaram provados e que culminaram na demissão da Recorrente são graves e falam por si. Na verdade, e tal como todas as testemunhas presentes confirmaram, a Recorrente compareceu na residência da família candidata ao acolhimento, apresentando-se como empreendedora social e propondo que lhe fossem pagas contrapartidas monetárias para praticar determinados atos que deveriam ser da sua competência funcional, e entregando cartões-de-visita alusivos àquela atividade, tendo essa conversa sido escutada por terceiros.
5 - Esta proposta ilegal levada a cabo pela Recorrente, constituiu, simultaneamente, crime e infração disciplinar.
6 - Todos estes factos foram dados como provados de forma inequívoca no decurso do processo disciplinar, não só através da prova testemunhal, como também através de muitos outros indícios - nomeadamente o facto da candidata a família de acolhimento ter na sua posse os cartões entregues pela Recorrente aquando da sua visita.
7 - A testemunha IS..., ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer, esteve presente na segunda reunião agendada pela Recorrente, limitando-se a isso mesmo, estar presente sem qualquer intervenção e nada acrescentando, tendo a conversa ocorrido somente entre a Recorrente, a candidata MLMR... e o seu marido, sem qualquer espécie de intervenção ou provocação por parte daquela testemunha.
8 - Também o facto da conversa ter sido ouvida por uma outra pessoa (a testemunha TF...que não estava em local visível para a Recorrente), em nada afetou a liberdade de determinação desta ou violou qualquer um dos seus direitos, nomeadamente o de defesa, já que a Recorrente formulou à família candidata ao acolhimento as propostas de concessão de contrapartidas financeiras porque quis, de livre vontade, e sem que tal lhe fosse sugerido nem a tal fosse induzida por qualquer dos presentes e visando angariar clientes no âmbito de atividade profissional do seu marido e da sua própria e ilegal atividade, como se apresentava e apresentou àquela família e fazia constar nos seus cartões-de-visita «Assistente Social, Consultora e Empreendedora Social, Formadora na Área de Gerontologia», que entregou à família candidata a «família de acolhimento».
9 - Aquela prova assim recolhida, é, portanto, perfeitamente válida e admissível não só para efeitos de procedimento disciplinar, como também seria válida e admissível, se produzida no âmbito do processo penal e da investigação criminal, não tendo, por conseguinte, sido violados quaisquer princípios jurídicos, nomeadamente o da legalidade e da proporcionalidade.
10 - E nem a suposta animosidade entre a testemunha Dra. TF...e a Recorrente, tal como ela alega, poderia abonar a seu favor, uma vez que esta testemunha se manteve «oculta» durante toda a visita da Recorrente à família de acolhimento, sem qualquer intervenção, e tendo-se limitado a ouvir aquilo que todos os outros que se encontravam presentes também ouviram: uma proposta absolutamente ilegal feita pela Recorrente à D.ª L..., suscetível de punição penal e disciplinar.
11 - A Recorrente apenas invoca esta questão da suposta animosidade, porque nada mais tem a alegar em sua defesa, uma vez que os factos que efetivamente resultaram provados, foram manifestamente conclusivos, não dando nenhuma margem para incorretas valorações.
12 - A acusação elaborada pelo Sr. Instrutor em sede do processo disciplinar, foi pois corretamente elaborada, qualificando os factos provados como ilícitos disciplinares graves, consubstanciados na violação de vários deveres gerais e especiais a cujo cumprimento a Recorrente se encontrava adstrita enquanto funcionária do ISS, IP, e propondo a final, a pena de demissão prevista nos artigos 9.º, n.º 1, al. d), art. 10.º, n.º 5, art. 11.º, n.º 4 e art. 18.º, todos do EDTFP (Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas - Lei n.º 58/2008 de 9 de setembro), uma vez que a gravidade dos factos praticados é inequívoca e eles falam por si.
13 - Com a sua conduta, a Recorrente quebrou, definitivamente, o elo de confiança que existia entre ela e o Instituto, tornando absolutamente inviável a manutenção da sua relação funcional para com o Serviço.
14 - A prova produzida no inquérito e no processo disciplinar, no que aos factos imputados respeita, foi assim produzida com todas as formalidades legais e respeito pelos direitos da Recorrente, sendo como tal perfeitamente válida (quer formal, quer substancialmente), uma vez que foi sujeita ao contraditório, e a sua valoração foi levada a cabo no âmbito do princípio da livre apreciação.
15 - Não choca por isso, que quer o relatório final, quer a decisão que aplicou a pena à Recorrente, e quer a decisão do Tribunal a quo, se baseiem nos mesmos factos que consubstanciaram a nota de culpa, uma vez que esses factos, foram dados como firmemente provados, de forma inequívoca, no decurso do procedimento disciplinar.
16 - O processo da Recorrente foi, por isso, justo, culminando numa acusação e decisão totalmente alicerçadas em provas concretas, sendo que os atos praticados, pela sua gravidade se subsumem, inequivocamente, à pena de demissão. E justa foi também, por conseguinte, a sentença do tribunal a quo que a julgou totalmente válida e a manteve.
17 - Inexistem, in casu, quaisquer circunstâncias dirimentes ou atenuantes (arts. 21.º e 22.º do EDTFP) que pudessem ser atendidas aquando da escolha e medida da pena.
18 - O contraditório e a defesa da Recorrente foram garantidos com a notificação da sua acusação, com a concessão de prazo para a apresentação da sua defesa e com a inquirição das testemunhas por si arroladas, tendo-lhe sido facultado o conhecimento dos factos imputados e das provas que os demonstravam, e tendo-lhe sido dada a possibilidade de as infirmar e contraditar. Aliás, resulta do relatório final, que foram especificamente apreciadas todas as questões que a Recorrente suscitou na sua defesa ”.
O Digno Magistrado do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, não emitiu qualquer parecer [cfr. fls. 350 e segs.].
Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 05.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 e 639.º do CPC/2013 [na redação introduzida pela Lei n.º 41/013, de 26.06 - cfr. arts. 05.º e 07.º, n.º 1 daquele diploma -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC] [anteriores arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 todos do CPC - na redação introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24.08] “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal “ad quem” em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto ainda que a declare nula decide “o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito” reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.
As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida ao julgar totalmente improcedente a pretensão deduzida pela A. incorreu ou não, por um lado, em nulidade [art. 668.º, n.º 1, al. b) do CPC] e, por outro lado, em erro de julgamento por enfermar de violação do disposto, nomeadamente, nos princípios da legalidade [art. 03.º do CPA], da proporcionalidade e da justiça [arts. 266.º da CRP, 03.º, 05.º, n.º 2 e 06.º do CPA] e do “in dubio pro reo” [art. 32.º da CRP], bem como do art. 22.º do ED [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Para a análise do litígio em discussão resultou como assente na decisão judicial recorrida o seguinte quadro factual:
I) Por fax de 30.04.2009 a Dr.ª TF...remeteu à Dr.ª FC..., superior hierárquico da A., a exposição junta a fls. 133/136 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte:

Exm.ª Sr.ª Dr.ª FC...
Assunto: Desempenho profissional da Dr.ª CT...
(…)
Além de tudo isto, o que me levou de uma vez por todas a denunciar formalmente esta situação para que seja avaliado o seu desempenho profissional, foi o último caso que infelizmente me veio parar às mãos e que me deixou perplexa e profissionalmente indignada.
A situação remete-se ao passado dia 3 de abril, quando recebi um telefonema de uma utente (D.ª L..., que também está a fazer um relatório da situação para vos ser enviado) muito preocupada porque o marido não estava a concordar com uma situação e pediu-lhe que me ligasse para saber se era mesmo assim o procedimento obrigatório, além de estar desconfiado que estava a ser «levado».
Resumidamente: relata-me então a senhora que já tinha contactado a Segurança Social tal como lhe tinha indicado e que a Dr.ª C... teria, depois de um primeiro atendimento na Junta de Pedrouços, visitado a sua casa para verificar se haveria condições para que ela pudesse ter três idosos na sua residência. Até aqui não vi nada de anormal, até que a senhora me diz que já sabia quanto ia pagar à Dr.ª C.... Qual não é o meu espanto quando ouvi o relato da situação que justificava esse tal pagamento. Claro que alertei logo a senhora que a Segurança Social não leva dinheiro para que se façam essas visitas muito menos um valor mensal.
A D.ª L... ficou muito admirada e respondeu que então as dúvidas do marido estavam certas disse também que teria que pagar ao marido da Dr.ª C... pois era obrigatório ter contabilista e ele exercia essa profissão. O valor era de 100€ para a Dr.ª C... e 80€ (mensalmente).
No meio da conversa, em que nem queria acreditar no que estava a ouvir, a D.ª L... perguntou-me: «então se eu não tenho que pagar à Dr.ª C... e ao marido como é que eu lhe vou dizer hoje que não pago? Eu tenho medo que ela assim não me aprove as condições da casa e depois o que é que eu faço? Sabe que o que ela me deu a entender é que sem os serviços dela não me aprovavam nada e que assim com ela era tudo mais fácil, pois ela estaria a salvaguardar tudo, eu não tinha que me preocupar».
Foi então que percebi que a Dr.ª C... estaria nesse mesmo dia as 15h30 em sua casa para acertarem os pormenores e verem a questão de pagamento dos seus serviços.
Nessa altura e para me certificar da veracidade de toda a história combinei com a D.ª L... eu e uma estagiária minha estarmos presentes nessa visita, passando a Dr.ª I... por sobrinha da D.ª L... e eu ficaria no corredor a ouvir toda a conversa visto que ela a mim já me conhecia muito bem. Acordamos algumas questões que ela teria que por à Dr.ª C... para que todo o assunto anterior voltasse a ser esclarecido agora já com a nossa presença. Claro que tudo foi confirmado e realmente não há dúvidas que a Dr.ª C... além de estar em horário laboral (visto serem 15h30) fez questão de frisar que se encontrava ali como empreendedora social em nome particular e não ao serviço da Segurança Social.
Quando foi questionada pelo marido da D.ª L... (já que estava muito irritado com a situação) se era obrigado a pagar os seus serviços porque achava que não era, a Dr.ª C... respondeu: «claro que não é obrigado, agora o senhor é que sabe se quer ou não abrir este serviço, já lhe disse como funciona a Segurança Social» e deu um exemplo: «a minha irmã tentou abrir um mini lar e andou dois anos a correr para a Segurança Social até que desistiu porque nunca mais obtinha resposta». Até que a D.ª L... disse: «Dr.ª eu já percebi, vamos lá ser sinceras» e virou-se para o marido e disse: «o que a senhora Dr.ª está a querer dizer é que se queremos andar com isto rápido e sem problemas temos que a ter por trás senão, não vamos a lado nenhum, não é assim senhora Dr.ª?» o marido responde: «mas nós é que vamos fazer tudo só queremos que a Segurança Social nos diga se estamos a fazer bem. E eu quero pagar tudo direitinho que não quero problemas, por isso só tenho que pagar a Segurança Social e às Finanças o que a lei exige, não é?» ao que a Dr.ª C... respondeu: «eu não disse nada, a sua mulher já disse tudo, você é que sabe se quer abrir sem problemas ou não, já sabe como funciona o sistema em Portugal, não já? Sabe que às vezes não basta uma denuncia para começarem os problemas …».
Nesta altura a D. L... diz: «já percebi tudo» e perguntou então o que tinham de fazer para abrir o mais rápido possível.
Foi quando a Dr.ª C... abriu uma pasta e retirou uma série de folhas e começou a falar em abrir futuramente um centro de dia. «Que deviam sonhar grande e começar pequeno». Ao ser questionada com a falta de espaço e da cozinha ser pequena, ela respondeu que já tinha visto lares com coisas bem piores e a funcionar, etc.
A minha surpresa maior foi quando disse que o pagamento teria que ser feito já e que só podia ser em dinheiro, ao que o Sr. J...respondeu que não ia pagar nada até começar a trabalhar pois não sabia quando é que as obras iriam terminar e por isso não teria dinheiro antes de ter os idosos, ao que a Dr.ª C... respondeu: «mas eu já estou a trabalhar convosco não já? E estou a levar muito pouco pelo serviço …» até já tenho aqui as contas que o meu marido fez para vocês não terem que pagar nada às Finanças, para tal vão levar 1000 € aos idosos mas só vão passar recibo ao familiar de 600 € claro que isto tem que ser feito com muito cuidado e só podem dizer isso ao familiar depois de o conhecerem bem e de ver que é de confiança.
Ao que o Sr. J...respondeu: «que isso era ilegal e ele não estaria disposto a fazer tal». Obtendo como resposta da Dr.ª C... que a vida esta difícil e ele tinha que pensar se queria trabalhar para as Finanças ou para ele «quer ganhar dinheiro ou não?» …”.
II) Por deliberação do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP, de 09.06.2009, exarada na Informação n.º 1929/09, de 01.06.2009, foi instaurado processo disciplinar à A. [cfr. doc. de fls. 127/129 do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido].
III) No dia 20.10.2009 a arguida, ora A., prestou depoimento no âmbito do processo disciplinar conforme Auto de Declarações junto a fls. 178/179 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:
… Perguntado sobre se tem conhecimento dos factos que lhe são imputados respondeu que não.
Disse que, inicialmente, teve a ideia que a participação poderia ter vindo de uma funcionária da Câmara Municipal da Maia, concretamente da Assistente Social TF...com a qual tem tido um relacionamento profissional atribulado, dado a forma como aquela a trata.
Mais declarou que não entende tanto ódio por parte daquela funcionária, mas que tal facto poderá ter tido como fundamento conversa que teve com o Presidente da Câmara da Maia, a nível particular, no sentido de esclarecer os rumores que existiam sobre a sua vida particular.
Acrescentando, aliás, que a mesma até já a tentou agredir, mas que nunca participou dessa situação.
Quanto ao teor da participação afirmou que somente pelo nome de L... não consegue identificar de quem se trata, nem mesmo tendo-lhe sido transmitido que se tratava de um processo de acolhimento familiar.
Para tal alegou que somente consultando os processos que lhe estão distribuídos e voltando a prestar declarações é poderia esclarecer essa circunstância, facto que se comprometeu a efetuar e dar conhecimento ao Instrutor do presente processo, por escrito, no prazo de 6 dias úteis.
Confessando, no entanto, que efetivamente uma das áreas de intervenção onde desenvolve as suas funções é em Pedrouços.
(…)
Quando questionada sobre se exerce alguma outra atividade profissional para além da desenvolvida no âmbito do Setor das Redes Sociais e Atendimento, declarou ser formadora em áreas de Gerontologia em horário pós-laboral, com a devida autorização do Conselho Directivo do ISS, IP.
Interpelada sobre se alguma vez se apresentou como empreendedora social, disse que teve um projeto nessa área, que chegou mesmo a efetuar cartões e folhetos informativos, mas que tal processo não teve andamento, porque não foi autorizado pelo Conselho Diretivo do ISS, IP, motivo pelo qual nunca se apresentou como tal.
Depois de confrontada com o teor da participação, mais concretamente com a afirmação «(…) que se encontrava ali como empreendedora social em nome particular e não ao serviço da Segurança Social» manifestou tratar-se de uma mentira, que nunca se apresentou como empreendedora social, clarificando que poderá, eventualmente, alguém ter tido acesso aos aludidos cartões e folhetos por si distribuídos, facto que lamenta …”.
IV) No dia 21.10.2009 prestou depoimento no âmbito do processo disciplinar MFPFR..., Chefe de Setor das Redes Sociais e Atendimento, conforme Auto de Declarações junto a fls. 181/182 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:
… Perguntado sobre se tem conhecimento dos factos imputados à arguida, respondeu que sim, apesar de não os ter presentes com todo o pormenor.
Interpelada quanto à existência de atitudes profissionais menos corretas por parte da arguida disse não ter conhecimento, objetivamente, de nenhum sinal objetivo que isso aconteça.
(…) Perguntado se teve conhecimento da arguida, servindo-se da sua posição no Serviço, alguma vez ter proposto a celebração de algum negócio com particulares disse ter sido a primeira vez que ouviu falar disso …”.
V) A arguida, ora A., dirigiu ao Instrutor do processo disciplinar uma carta datada de 23.10.2009, da qual consta o seguinte [cfr. doc. de fls. 186/187 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]:
… No dia em que prestou declarações foi a técnica questionada sobre se conhecia e o que tinha a declarar sobre a Sra. D.ª L..., candidata a Família de Acolhimento de idosos, que tinha exposto uma queixa sobre si. Só com estes elementos não conseguiu recordar-se sobre a senhora em questão.
Após diligências efetuadas no seu local de trabalho, verificou que existe um processo em nome de MLMR..., moradora na Rua Guerra Junqueiro, ..., em Pedrouços - Maia.
(…) Assim foi efetuada visita domiciliária a 19 de março de 2009, onde estavam presentes a D.ª L..., o seu marido e uma vizinha amiga, que caso a mesma fosse selecionada, esta amiga poderia lhe dar algum apoio nos cuidados aos idosos.
(…) Nesta visita foi novamente abordada a questão dos direitos e deveres duma Família de Acolhimento, assim como os valores de retribuição e manutenção por cada idoso acolhido, ao abrigo da Lei, por parte do nosso organismo (Segurança Social). Neste sentido, foi transmitido pela D.ª L... que estes valores eram insuficientes face ao trabalho e cuidado que um idoso exige. Conclui-se então que apesar desta senhora reunir condições para se constituir Família de Acolhimento, o processo de candidatura cessava, dado a mesma ter demonstrado não querer avançar para se constituir Família de Acolhimento face aos valores retributivos declarados na Lei …”.
VI) No dia 21.10.2009 prestou depoimento no âmbito do processo disciplinar TMVF..., Técnica Superior de Serviço Social, Coordenadora do Projeto Novos Laços da Câmara Municipal da Maia, conforme Auto de Declarações junto a fls. 200/202 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:
… Solicitada a esclarecer quem é a D.ª L..., identificou-a como MLMR..., explanando que teve contacto com a mesma no âmbito dum processo de encerramento relativo ao Lar da Nossa Senhora do A..., onde a D.ª L..., à data, exercia funções como funcionária.
(…) Quando questionada acerca dos factos ocorridos no passado dia 3 de abril de 2009, disse manter na íntegra os factos participados.
Com efeito, confirmou ter recebido um telefonema da D.ª L..., dando-lhe conta das preocupações do marido acerca dos procedimentos inerentes à candidatura destes a família de acolhimento de idosos.
Mais concretamente, revelou-lhe a D.ª L... que já tinha estabelecido contacto com a Ação Social da Maia, designadamente com a Dra. CP..., que depois de um primeiro atendimento na Junta de Freguesia de Pedrouços acordou efetuar uma visita à sua habitação para verificar as condições da mesma.
Posteriormente disse ter recebido um telefonema da D.ª L..., no dia 3 de abril, dando-lhe conta que a Dra. C... visitou a sua habitação para verificar as condições de habitabilidade da mesma, momento em que lhe manifestou as preocupações do marido acerca dos procedimentos inerentes à candidatura destes a família de acolhimento de idosos, porquanto o processo ainda iria envolver o dispêndio de alguns montantes.
Perante este facto, alega a declarante que questionou a D.ª L... acerca dos valores envolvidos, momento em que a D.ª L... lhe comunicou que os valores eram alusivos a custos com a assistente social e com o contabilista, impondo-se a Dra. C... como assistente social no processo.
Refere que a D.ª L... lhe divulgou que a Dra. CP... lhe tinha comunicado que o processo deveria ser encarado como um investimento, que a D.ª L... tinha de pensar em grande, que agora seria um Acolhimento Familiar e posteriormente poderia ser um mini Lar ou um Centro de Dia, mas que para tratar do processo existiam custos tanto para assistente social, como para um contabilista.
Recorda-se que os pagamentos rondavam cerca de 100€ para o contabilista e 80€ para a Dra. C... - de início e que depois os valores seriam atualizados - e que relativamente ao contabilista o marido da Dra. CP... exercia essa profissão e podia tratar dessas contas.
Declarou ainda que perante estes factos combinou com a D.ª L... e com uma estagiária do Projetos Novos Laços, concretamente com a Dra. IAS..., que se faria passar por sobrinha da D.ª L..., para estar presente na visita à habitação da D. L..., que estava agendada com a Dra. CP....
(…) Declarou ainda que dessa visita - na qual estava presente mas escondida, porque a Dra. CP... já a conhece e se a visse não iria expor situação nenhuma - há factos que não consegue narrar com precisão, em virtude da situação anteriormente exposta.
Não obstante declarou que todos os factos que constam da participação que efetuou e anteriormente descreveu, se vieram a confirmar, factos que tanto a D. L... e a Dra. IAS..., também podem confirmar.
Porém, segundo se recorda, na visita efetuada a Dra. CP... apresentou-se como empreendedora social e não enquanto funcionária da Segurança Social - não obstante a aludida visita ter sido efetuada em horário laboral - e que quando questionada pelo marido da D.ª L... sobre se estes eram obrigados a pagar os montantes anteriormente aludidos, concretamente pelos serviços de assistente social e contabilista, a Dra. CP... respondeu que não eram obrigados, mas que eles é que sabiam se queriam abrir aquele serviço ou não e que já sabem como é que funciona a Segurança Social.
Relatou a circunstância de a D.ª L... ter mencionado à Dra. CP... que estava a pensar cobrar 600€, instante em que a Dra. C... lhe disse que ela deveria cobrar 1000€, facto que o marido da D.ª L... a questionou que dessa forma teria que pagar muito às Finanças, momento em que a Dra. C... lhes referiu que o marido tratava de tudo, para eles não se preocuparem.
Inclusivamente que o marido (da Dra. CP...) já tinha feito as contas e que para eles não terem de pagar nada às Finanças vão cobrar os aludidos 1000€ mas só vão passar recibo aos familiares de 600€, mas que isto tinha que ser feito com muito cuidado e que esta situação só poderia ser efetuada com familiares que fossem de confiança.
E que perante a indagação do marido da D.ª L... que isso não era legal a Dra. CP... retorquiu que a vida estava difícil e que eles tinham de decidir que queriam trabalhar para as Finanças ou queriam ganhar dinheiro.
Mais declarou que depois de realizadas estas diligências todos os factos que lhe tinham sido comunicados pela D.ª L..., e que entendeu participar, vieram a comprovar-se …”.
VII) No dia 26.11.2009 prestou depoimento no âmbito do processo disciplinar MLMR..., conforme Auto de Declarações junto a fls. 204/206 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:
… Questionada como teve contacto com a arguida, Dra. CMSTP... e em que âmbito revelou que contactou com a ora arguida, posteriormente a ter sido encaminhada, em 03.11.2008 pelo Dr. HG..., para a Junta de Freguesia de Pedrouços a fim de tratar de se candidatar para Família de Acolhimento.
Recorda-se de nesse primeiro contacto na Junta, em 06.11.2008, ter contactado com a Dra. A... e ter prestado e solicitado, nessa conversa, os esclarecimentos necessários sobre os motivos de tal deslocação, concretamente sobre os requisitos necessários a tal candidatura.
Num segundo contacto na Junta de Pedrouços, passados cerca de dois dias, deparou-se com a circunstância de já não ser atendida pela Dra. A..., mas sim pela Dra. CP..., ficando agendado uma visita à habitação da declarante.
Recebe de seguida, em dia que não consegue precisar, mas ter ideia de ter sido a 19.03.2009, a visita da Dra. CP... na sua habitação. Tiveram uma conversa diversificada, onde estava presente também o marido da ora declarante - entretanto falecido - onde a arguida se apresentou a título pessoal e não como funcionária da Segurança Social, facultando-lhe dois cartões-de-visita (que serão juntos aos autos) e uma série de documentação. Mencionando-lhe que iriam trabalhar em conjunto e que a ora declarante podia receber até 3 idosos, mas que no futuro logo se veria.
Nesse encontro lembra-se que a Dra. CP... lhe ter indicado que o marido era contabilista e que trataria de todas as situações nesse âmbito.
Referiu-lhe nomeadamente que poderiam fazer daquele espaço um Centro de Dia, apresentando-lhe os custos que iria envolver tal procedimento, perfazendo um montante de 100€ para cada um dos envolvidos, ela própria (enquanto assistente social ou empreendedora social) e um contabilista para tratar da contabilidade, indicando logo a empresa do marido para tal.
No entanto, dada a insatisfação patenteada pela D.ª L..., ora declarante, e pelo marido, relativamente aos valores cobrados, a Dra. CP... expressou que para começar acordaria em auferir 70€ para ela, enquanto assistente social, e os aludidos 100€ para a empresa de contabilidade, propriedade do marido, cujos valores seriam retificados depois de tudo já estar em funcionamento.
O marido da ora declarante perante todas essas imposições questionou se era obrigatório ter um contabilista e um assistente social, ao que a Dra. CP... retorquiu que os senhores ainda não tinham percebido bem a situação, relatando mesmo que sem ela, tanto a ora declarante como o marido nunca iriam conseguir nada, porque sem a influência dela não iam conseguir acolher os idosos. Referindo também que já dava apoio a mais 3 ou 4 famílias e estes serviços nada tinham a ver com a Segurança Social, mas sim com a empresa de consulta social da qual era proprietária.
Refere ainda que decorridos alguns momentos e dada a insatisfação do marido da declarante, a Dra. CP... agendou outra reunião, de preferência sem a presença do marido, para o dia 28.03.2009, à qual faltou.
Voltaram a entrar em contacto e ficou então agendado o dia 03.04.2009 para retomar o processo.
Momento em que teve ideia de contactar a Dra. TF...para verificar da veracidade de todos os factos que a Dra. CP... lhe estava a reportar, dada a desconfiança demonstrada pelo marido da ora declarante.
Indagada sobre a sua relação com a Dra. TMVF..., informou que teve contacto com a mesma no âmbito do encerramento do Lar Nossa Senhora do A..., onde a declarante exercia funções como funcionária.
Volvendo à situação dos autos e depois de ter ouvido a Dra. TF...relatar que isso não poderia ser assim, combinaram que nessa reunião a Dra. I... se faria passar por sobrinha da declarante para testemunhar todos os factos e que a Dra. TF...iria permanecer escondida.
Nesse encontro, que decorreu no aludido dia 03.04.2009 - onde estiveram presentes a declarante, o marido, a Dra. I... e a Dra. CP... - lembra-se de se ter falado sobre os assuntos já anteriormente mencionados, relatando nomeadamente que a Dra. CP... já queria receber os montantes, por entender que já estava a trabalhar para eles, facto com o qual a declarante e o marido não aceitaram.
Mais disse que e depois do marido da ora declarante ter perguntado como é que a Dra. CP... se apresentava, dado que a reunião se estava a realizar por volta das 15.30h ou 16h, recorda-se de aquela se apresentar sempre a título individual e nunca como funcionária da Segurança Social.
Relatou também não conseguir precisar os montantes que a Dra. CP... lhe teria indicado como o valor a cobrar por cada idoso, mas que tem ideia de rondar os 1000€ por utente, mas que o valor a constar nos recibos poderia não ser esse, mas essa situação seria tratada pelo contabilista, marido da Dra. CP....
Quando questionada sobre as causas que levaram a que o processo não tivesse andamento confessou que a Dra. CP... após a última reunião nunca mais a contactou e que desconhece o porquê …”.
VIII) Foram juntos ao processo disciplinar os cartões-de-visita referidos por MLMR... no respectivo Auto de Declarações [cfr. doc. de fls. 207 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido].
IX) No dia 21.10.2009 prestou depoimento no âmbito do processo disciplinar MFPFR..., Chefe de Setor das Redes Sociais e Atendimento, conforme Auto de Declarações junto a fls. 181/182 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
X) No dia 21.01.2010 prestou depoimento no âmbito do processo disciplinar MFPPFC..., Diretora do Núcleo de Promoção da Autonomia, conforme Auto de Declarações junto a fls. 287 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
XI) No dia 21.01.2010 prestou depoimento no âmbito do processo disciplinar I..., Técnica de Psicologia no Projeto Novos Laços da Câmara Municipal da Maia, conforme Auto de Declarações junto a fls. 288/289 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:
… Questionada sobra a matéria dos autos disse não conseguir precisar a data em que esteve presente numa reunião/conversa que teve lugar na casa de habitação da D. LR..., mas ter ideia de a mesma ter decorrido em meados de março ou abril de 2009.
Quando questionada sobre os motivos que a levaram a estar presente alegou que à data dos factos estava a estagiar no Projeto Novos Laços, que tem como Coordenadora a Dra. TF... tendo presenciado uma conversa entre a Dra. TF...e a D.ª L..., onde esta última manifestou as suas desconfianças relativamente a um processo que envolvia a Dra. CTP....
Mais disse que depois dessa conversa e dado que a D.ª L... evocava que a Dra. C... que estava a falar que para levar para a frente o processo de candidatura a família de acolhimento estavam envolvidos valores, decidiram que a ora depoente, uma vez que a Dra. C... conhece a Dra. TF...se faria passar por sobrinha da D.ª L... na aludida reunião/conversa que estava agendada.
Recorda-se que naquela reunião/conversa estavam presentes, para além da depoente, a D.ª L..., o seu marido e a Dra. CP..., permanecendo a Dra. TF...noutro local, de forma a não ser vista.
E quando questionada sobre o assunto tratado respondeu tratar-se, segundo lhe foi dado a perceber, de uma reunião/conversa que tinha como finalidade continuar a tratar de matérias que já tinham sido abordadas noutros encontros nos quais não esteve presente.
Nessa reunião/conversa, lembra-se de ter sido abordado vários assuntos, desde o salário da Dra. C... e do marido, as quantias que os idosos teriam de pagar para ir para lá, etc. Recorda-se também de a Dra. CP... lhes ter comunicado que estava disposta a ajudá-los a dar andamento ao projeto e que contassem com ela para esse efeito, apresentando-se como empreendedora social e não como funcionária da Segurança Social, apesar desta reunião ter decorrido em horário laboral, concretamente entre as 14 horas e 30 minutos e as 15 horas e 30 minutos.
Sendo-lhe perguntado o porquê de o marido da Dra. C... também auferir algum valor, informou que, segundo a Dra. C..., como a D. L... e o marido iam necessitar de um contabilista para organizar o processo, e visto que ela iria prestar os seus serviços de empreendedora social e o marido era contabilista, este último trataria de toda essa vertente do processo.
Mais disse que a Dra. CP... naquela reunião/conversa sempre deu entender que se os serviços dela não fossem contratados o processo não iria para a frente, definiu os valores que iriam ser cobrados por si e pelo marido, respetivamente 80€ e 100€, referiu o valor que os idosos teriam de pagar, concretamente 1000€, momento em que o marido da D. L... a questionou acerca das Finanças, momento em que a Dra. C... lhe respondeu para não se preocupar, que eles só tinham de encontrar as pessoas certas e de confiança, porque dessa forma iriam cobrar os 1000€ mas passar só recibo de 600€.
Afirmou ainda que a Dra. C..., naquela reunião, disse que a D.ª L... tinha de pensar em grande, que agora o processo seria iniciado na vertente de Acolhimento Familiar, mas que no futuro, se tudo corresse bem, poderia ser transformado num mini Lar, tendo inclusivamente facultado documentação relativa à admissão de idosos, ementas, listas de idosos, mapas para preenchimento, etc., que deveriam constar do processo de cada idoso, não se aprofundando muito nessas matérias, na medida em que isso seria tratado noutra fase do processo …”.
XII) Foi junto ao processo disciplinar o processo administrativo que correu termos no Núcleo de Promoção e Autonomia da Unidade de Desenvolvimento Social do Instituto de Segurança Social, IP referente a MLMR... enquanto candidata a família de acolhimento [cfr. doc. de fls. 237/275 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido], do qual consta uma folha manuscrita assinada por “CTP…” com o seguinte teor:
… 11/3/2009
Atendimento:
M.ª LMR...
(…)
19/3/2009
Visita domiciliária
(…)
- estavam presentes 3 pessoas: a D.ª L..., marido e uma amiga que … caso seja selecionada irá lhe ajudar …”.
XIII) Em 20.04.2010 foi deduzida a acusação de fls. 299/305 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, da qual consta o seguinte:
4.º
De facto, verificou-se ser verdadeiro que a 11 de março de 2009 foi realizada, pela arguida, uma entrevista social na Junta de Freguesia de Pedrouços, tendo em vista uma avaliação diagnóstica sobre as condições e perfil da candidata MLMR..., como família de acolhimento.
5.º
Prestou-se também, a deslocar-se à habitação da candidata MLMR..., para efetuar uma visita domiciliária, no sentido de avaliar as condições habitacionais e verificar se a família reúne ou não as condições necessárias e básicas para proceder ao acolhimento.
6.º
O que realmente fez no dia 19 de março de 2009, onde estavam presentes, para além da arguida, o marido da candidata e a própria candidata MLMR....
7.º
A arguida, nessa visita, manteve uma conversa com a referida candidata e marido, acerca dos direitos e deveres das famílias de acolhimento tendo-lhes disponibilizado dois cartões-de-visita, identificando CTP... como Assistente Social, Consultora e Empreendedora Social, Formadora na Área da Gerontologia e APP... como Licenciado em Gestão de Empresas, Técnico Oficial de Contas, Formador na Área da Gestão e Contabilidade e alguma documentação.
8.º
Referindo-lhes, então, que inicialmente o processo seria encetado na vertente de acolhimento familiar, mas que no futuro a candidata poderia conceber e/ou desenvolver naquele espaço um Centro de Dia ou um mini Lar de Idosos.
9.º
De seguida a arguida comunicou-lhes que o desenvolvimento do processo seria realizado mediante a contrapartida de 100€ (cem euros) para cada um dos intervenientes, mais concretamente para ela própria enquanto Assistente Social ou Empreendedora Social e para um Contabilista, indicando prontamente a empresa do marido, identificado no cartão-de-visita, para tal.
10.º
Perante o desagrado exibido pelo marido e candidata MLMR..., relativamente aos valores envolvidos, a arguida explanou estar na disponibilidade de desencadear o processo, inicialmente, mediante a contrapartida de 70€ ou 80€ (setenta ou oitenta euros) para ela, enquanto Assistente Social ou Empreendedora Social, mantendo-se os aludidos 100€ (cem euros) para a empresa de contabilidade, propriedade do seu marido, cujos valores seriam retificados depois de encetado o processo.
11.º
O marido da candidata MLMR... diante de todas essas imposições questionou a arguida sobre se era mesmo obrigatório ter um Assistente Social e um Contabilista.
12.º
A partir desse momento, face à insatisfação demonstrada pela candidata e marido, a conversa entre os três presentes começou a desenrolar-se de outro modo, tendo a arguida ripostado que os candidatos não tinham compreendido bem a situação, aludindo, igualmente, que sem a influência dela nunca iriam conseguir encetar o processo de acolhimento familiar.
13.º
A arguida explanou ainda que dava apoio a mais três (3) ou quatro (4) famílias e que estes serviços nada tinham a ver com a Segurança Social, mas sim com a empresa de consultoria social da qual era proprietária.
14.º
Dado o desagrado do marido da candidata e da própria candidata MLMR..., a arguida agendou outra reunião/visita, de preferência sem a presença do marido da candidata, para o dia 28 de março de 2009, à qual não compareceu.
15.º
Voltaram a entrar em contacto em data que não foi possível precisar, ficando, então, agendado o dia 3 de abril de 2009, para retomar o processo.
(…)
19.º
Nessa reunião, que decorreu no dia 03 de abril de 2009, durante o período da tarde, estiveram presentes a arguida, a candidata MLMR... e o seu marido, bem como a Dra. IAS..., fazendo-se passar por sobrinha da candidata a família de acolhimento.
20.º
Ao mesmo tempo que a Dra. TMVF... permaneceu escondida.
21.º
Também nesse dia a arguida reiterou que o desenvolvimento do aludido processo estava dependente da contrapartida financeira de 70€ ou 80€ (setenta ou oitenta euros) para ela, enquanto Assistente Social ou Empreendedora Social e 100€ (cem euros) para a empresa de contabilidade, propriedade do marido.
22.º
Mencionando, no que tange ao valor que os idosos iriam pagar, que a candidata MLMR... deveria cobrar mensalmente o valor de 1000€ (mil euros) por idoso, instante em que a arguida, questionada pelo marido da candidata acerca dos descontos para as Finanças, retorquiu que os candidatos não se deveriam preocupar, que só tinham de encontrar as pessoas certas e de confiança, porquanto, dessa forma, iriam cobrar os aludidos 1000€ (mil euros) por idoso, mas passavam somente recibo de 600€ (seiscentos euros).
23.º
E onde, invocando o âmbito do negócio acima descrito, designadamente nos artigos 6.º a 20.º do presente libelo, manifestou querer já receber os aludidos montantes, por entender que o negócio proposto estava celebrado e que já se encontrava a trabalhar para a candidata MLMR... e seu marido …”.
XIV) A A. apresentou defesa escrita nos termos que constam de fls. 311/331 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui de dá por integralmente reproduzido, na qual arrolou uma testemunha, cujo depoimento acabou por prescindir [cfr. doc. de fls. 351 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido].
XV) Em 19.11.2010 foi elaborado o relatório final, junto a fls. 352/374 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual consta o seguinte:
...
V - Factualismo Provado
Pelo exposto, consideramos provados os seguintes factos
(…)
6. Prestou-se também, a deslocar-se à habitação da candidata MLMR..., para efetuar uma visita domiciliária, no sentido de avaliar as condições habitacionais e verificar se a família reúne ou não as condições necessárias e básicas para proceder ao acolhimento.
7. O que realmente fez no dia 19 de março de 2009, onde estavam presentes, para além da arguida, o marido da candidata e a própria candidata MLMR....
8. A arguida, nessa visita, manteve uma conversa com a referida candidata e marido, acerca dos direitos e deveres das famílias de acolhimento tendo-lhes disponibilizado dois cartões-de-visita, identificando CTP... como Assistente Social, Consultora e Empreendedora Social, Formadora na Área da Gerontologia e APP... como Licenciado em Gestão de Empresas, Técnico Oficial de Contas, Formador na Área da Gestão e Contabilidade e alguma documentação.
9. Referindo-lhes, então, que inicialmente o processo seria encetado na vertente de acolhimento familiar, mas que no futuro a candidata poderia conceber e/ou desenvolver naquele espaço um Centro de Dia ou um mini Lar de Idosos.
10. De seguida a arguida comunicou-lhes que o desenvolvimento do processo seria realizado mediante a contrapartida de 100€ (cem euros) para cada um dos intervenientes, mais concretamente para ela própria enquanto Assistente Social ou Empreendedora Social e para um Contabilista, indicando prontamente a empresa do marido, identificado no cartão-de-visita, para tal.
11. Perante o desagrado exibido pelo marido e candidata MLMR..., relativamente aos valores envolvidos, a arguida explanou estar na disponibilidade de desencadear o processo, inicialmente, mediante a contrapartida de 70€ ou 80€ (setenta ou oitenta euros) para ela, enquanto Assistente Social ou Empreendedora Social, mantendo-se os aludidos 100€ (cem euros) para a empresa de contabilidade, propriedade do seu marido, cujos valores seriam retificados depois de encetado o processo.
(…)
13. A partir desse momento, face à insatisfação demonstrada pela candidata e marido, a conversa entre os três presentes começou a desenrolar-se de outro modo, tendo a arguida ripostado que os candidatos não tinham compreendido bem a situação, aludindo, igualmente, que sem a influência dela nunca iriam conseguir encetar o processo de acolhimento familiar.
14. Dado o desagrado do marido da candidata e da própria candidata MLMR..., a arguida agendou outra reunião/visita, de preferência sem a presença do marido da candidata, para o dia 28 de março de 2009, à qual não compareceu.
(…)
19. Nessa reunião, que decorreu no dia 03 de abril de 2009, durante o período da tarde, estiveram presentes a arguida, a candidata MLMR... e o seu marido, bem como a Dra. IAS..., fazendo-se passar por sobrinha da candidata a família de acolhimento.
(…)
21. Também nesse dia a arguida reiterou que o desenvolvimento do aludido processo estava dependente da contrapartida financeira de 70€ ou 80€ (setenta ou oitenta euros) para ela, enquanto Assistente Social ou Empreendedora Social e 100€ (cem euros) para a empresa de contabilidade, propriedade do marido.
22. Mencionando, no que tange ao valor que os idosos iriam pagar, que a candidata MLMR... deveria cobrar mensalmente o valor de 1000€ (mil euros) por idoso, instante em que a arguida, questionada pelo marido da candidata acerca dos descontos para as Finanças, retorquiu que os candidatos não se deveriam preocupar, que só tinham de encontrar as pessoas certas e de confiança, porquanto, dessa forma, iriam cobrar os aludidos 1000€ (mil euros) por idoso, mas passavam somente recibo de 600€ (seiscentos euros).
23. Para o efeito, invocando o âmbito do negócio acima descrito, designadamente nos artigos 6.º a 20.º, manifestou querer já receber os aludidos montantes, por entender que o negócio proposto estava celebrado e que já se encontrava a trabalhar para a candidata MLMR... e seu marido.
(…)
27.A referida atuação da arguida foi motivada por interesses particulares e, por isso, estranhos à prossecução do interesse público, que devia ser a única motivação da sua atuação como trabalhadora da Administração Pública, concretamente do ISS, IP - C.Dist. do Porto.
28. Ao agir da forma descrita, servindo-se da sua posição no serviço, propôs a celebração de um negócio entre si, enquanto Assistente Social ou Empreendedora Social, a empresa de contabilidade propriedade do seu marido e os candidatos a família de acolhimento, de que adviria para ambos os correspondentes proventos com reflexos no património.
29. A arguida revelou grande desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres profissionais, nomeadamente violando o dever de isenção, previsto na alínea b) do n.º 2 e n.º 4 do artigo 3.º do Estatuto Disciplinar, que lhe impunha não retirar vantagens, diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce.
30. Na verdade, representando embora a possibilidade de em consequência da sua conduta, vir a resultar para ambos os correspondentes proventos com reflexo no seu património, mostrou-se indiferente à sua verificação, postergando, repetida e grosseiramente, o mencionado dever que lhe cabia de não retirar vantagens, independentemente da forma ou tipo, decorrentes do exercício das suas funções.
(…)
32. Com sua conduta, a arguida não violou apenas o dever de isenção, mas também o dever de honestidade (…).
(…)
37. A conduta da arguida é, em termos definitivos, incompatível com a de um elemento da instituição nuclear do Sistema de Segurança Social que é o ISS, IP, entidade que claramente colocou em crise.
(…)
39. Ao agir pela forma descrita a arguida violou ainda o dever de prossecução do interesse público, imparcialidade, em especial no que ao dever geral de criar no público confiança na Administração Pública e lealdade, previstos nas alíneas a), c) e g) do n.º 2 definidos no n.º 3, 5 e 9 todos do artigo 3.º do Estatuto Disciplinar.
(…)
VI - Conclusões
A conduta acima descrita, particularmente nos números 10.º e 11.º; 13.º e 14.º; 19.º; 21.º a 23.º; 27.º a 30.º indicia suficientemente que a arguida praticou factos que consubstanciam infração disciplinar e, em abstrato, poderão vir a constituir crime de corrupção passiva para ato ilícito, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 372.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro.
(…)
A intenção da arguida, fundada na sua determinação de se aproveitar da existência de um processo de acolhimento familiar para dele obter para si ou para terceiro benefício económico ilícito, intenção que manteve ao longo de vários dias e se concretizou mediante vários contactos (…) que é merecedora de incriminação e sanção disciplinar, atento o estatuído no n.º 1 do artigo 3.º do Estatuto Disciplinar, nos termos do qual (…).
É esta a conduta da arguida, de obter para si ou para terceiro benefício económico ilícito, injustificado e ilegítimo, que interpretamos como uma conduta desonesta e desonrosa e, desta forma, violadora do dever de isenção, previsto na alínea b) do n.º 2 e n.º 4 do artigo 3.º do Estatuto Disciplinar, que lhe impunha não retirar vantagens, diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce e dever de prossecução do interesse público, imparcialidade, em especial no que ao dever geral de criar no público confiança na Administração Pública e lealdade previstos nas alíneas a), c) e g) do n.º 2 definidos no n.º 3, 5 e 9 do artigo 3.º todos do Estatuto Disciplinar.
(…)
Assim, entendemos suficientemente indiciado que a arguida praticou infração disciplinar, tipificada na alínea j) do n.º 1 do artigo 18.º do Estatuto Disciplinar, a que corresponde a pena de demissão, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º, com a caraterização do n.º 5 do artigo 10.º, do referido Estatuto.
VII - Proposta
Nestes termos proponho que à Técnica Superior - CMSTP..., (…) seja aplicada a pena de demissão …”.
XVI) Por deliberação de 07.12.2010 do Conselho Diretivo do Instituto de Segurança Social, IP, foi aplicada à A. a pena disciplinar de demissão [cfr. doc. de fls. 123/124 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido].
XVII) A A. interpôs “recurso hierárquico” da deliberação de 07.12.2010 do Conselho Diretivo do Instituto de Segurança Social, IP referida em XVI), nos termos constantes de fls. 61/81 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
XVIII) Com referência ao recurso interposto pela A., a Secretaria-Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social elaborou em 23.05.2011 o parecer n.º 385/2011, junto a fls. 23/38 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual se conclui “… que deve ser negado provimento ao presente recurso gracioso”.
XIX) Em 15.06.2011 foi proferido o seguinte despacho pelo Secretário de Estado da Segurança Social, exarado no parecer referido em XVIII):
… Face ao exposto, nego provimento ...”.
«»
3.2. DE DIREITO
Considerada a factualidade supra fixada importa, então, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.
ð
3.2.1. DA DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA
O TAF do Porto, em apreciação da pretensão formulada pela aqui recorrente, veio a considerar não enfermar o ato impugnado das ilegalidades que lhe foram assacadas pelo que julgou totalmente improcedente a ação.
ð
3.2.2. DA TESE DA RECORRENTE
Contra tal julgamento e face aos termos das alegações e respetivas conclusões se insurge a A. no que tange ao juízo de improcedência efetuado sustentando que, no caso, o tribunal recorrido incorreu não só em nulidade de decisão [art. 668.º, n.º 1, al. b) do CPC] e em erro de julgamento traduzido na ilegal interpretação e aplicação dos princípios da legalidade [art. 03.º do CPA], da proporcionalidade e da justiça [arts. 266.º da CRP, 03.º, 05.º, n.º 2 e 06.º do CPA] e do “in dubio pro reo” [art. 32.º da CRP], bem como do disposto no art. 22.º do ED.
ð
3.2.3. DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.3.1. DA NULIDADE DE DECISÃO
Invoca a recorrente que a decisão judicial ora objeto de impugnação padece de nulidade por ofensa do disposto no art. 668.º, n.º 1, al. b) do CPC [atual art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC/2013].
I. Apreciemos sendo que o faremos à luz do regime processual civil vigente à data da emissão da decisão judicial recorrida e da dedução do recurso jurisdicional face ao necessário e devido respeito quanto à validade e eficácia dos atos praticados no quadro da lei antiga e ao assegurar da sua utilidade [cfr. art. 12.º do CC], bem como ao disposto nos arts. 05.º e 07.º, n.º 1 da Lei n.º 41/013.
II. Estipulava-se no art. 668.º do CPC, sob a epígrafe de “causas de nulidade da sentença” e na parte que ora releva, que é “… nula a sentença quando: … b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ...”.
III. As situações de nulidade da decisão encontravam-se legalmente tipificadas no art. 668.º, n.º 1 do CPC, cuja enumeração era taxativa, comportando causas de nulidade de dois tipos [de caráter formal - art. 668.º, n.º 1, al. a) CPC - e várias causas respeitantes ao conteúdo da decisão - art. 668.º, n.º 1, als. b) a e) CPC], sendo que a qualificação como nulidade de decisão de ilegalidades integradoras de erro de julgamento não impedia o Tribunal “ad quem” de proceder à qualificação jurídica correta e apreciar, nessa base, os fundamentos do recurso.
IV. Caraterizando em que se traduzia a nulidade da decisão por infração ao disposto na al. b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC em questão temos que a mesma só ocorre quando do teor da decisão judicial sindicada em sede de recurso não constem com o mínimo de suficiência e de explicitação os fundamentos de facto e de direito que a justificam.
V. A este respeito, a doutrina [J. Alberto dos Reis in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 140; J. Rodrigues Bastos in: “Notas ao Código de Processo Civil”, 3.ª edição, vol. III, pág. 193; Anselmo de Castro in: "Direito Processual Civil Declaratório", Tomo III, pág. 141; Antunes Varela, M. Bezerra e Sampaio e Nora in: "Manual de Processo Civil", 2.ª edição, pág. 687] e a jurisprudência [cfr., entre outros, Acs. STA de 24.10.2000 (Pleno) - Proc. n.º 037128, de 26.03.2003 - Proc. n.º 047441, de 10.09.2009 - Proc. n.º 0940/08, de 14.04.2010 - Proc. n.º 0442/09, de 26.01.2011 - Proc. n.º 0595/10, de 07.11.2012 - Proc. n.º 01109/12, de 09.01.2013 - Proc. n.º 01076/12, de 06.03.2013 - Proc. n.º 0828/12 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Acs. deste TCAN de 24.04.2008 - Proc. n.º 00507/06.6BEBRG, de 08.05.2008 - Proc. n.º 00222/03-Coimbra, de 02.04.2009 - Proc. n.º 01993/08.5BEPRT, de 18.06.2009 - Proc. n.º 01411/08.9BEBRG-A, de 11.03.2010 - Proc. n.º 00228/08.5BEBRG, de 02.03.2012 - Proc. n.º 2459/07.6BEPRT, de 08.02.2013 - Proc. n.º 02104/11.5BEBRG in: «www.dgsi.pt/jtcn»], tinham feito notar que não devia confundir-se a eventual sumariedade ou erro da fundamentação de facto e de direito com a sua falta absoluta, pois, só a esta última se reportava a alínea em questão.
VI. Afirmou J. Alberto dos Reis que uma ”… decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base. (…) As partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar fundamento ou fundamentos perante o Tribunal superior. Este carece também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso ...” [in: ob. cit., vol. V, pág. 139].
VII. Esta nulidade só existiria, por conseguinte, quando a decisão omita por completo a operação de julgamento da matéria de facto/direito essencial para a apreciação da questão/pretensão analisada e decidida.
VIII. Munidos dos antecedentes considerandos de enquadramento quanto ao conceito de nulidade de decisão judicial e, em particular, da arguida nulidade tendo por fundamento o facto da mesma das “questões relevantes suscitadas pela Recorrente não se encontrar concretamente enquadradas quer do ponto de vista material e formal ou do direito”, discordando do julgado quanto à conclusão pela improcedência dos fundamentos de ilegalidade tanto mais que alegadamente a decisão “não subsume os argumentos a tal conclusão, em normas legais, em jurisprudência e doutrina acerca de matéria”.
IX. Analisada a decisão judicial sindicada temos que a mesma não enferma de qualquer falta absoluta de fundamentação no julgamento de facto e de direito realizado porquanto da mesma consta a motivação suficiente e idónea para estribar o juízo de improcedência da pretensão impugnatória firmado, na certeza que o preenchimento deste fundamento de nulidade não se basta com uma insuficiente, obscura ou mesmo errada fundamentação visto que, nestes casos, esse erro, insuficiência ou obscuridade se traduzem num erro de julgamento que determina a sua revogação ou alteração e não num vício que importe a sua nulidade.
X. De harmonia com tudo o atrás exposto, improcede a arguição da nulidade assacada à decisão judicial em crise, não infringindo o que se dispõe no art. 668.º, n.º 1, al. b) do CPC.
*
3.2.3.2. DO ERRO DE JULGAMENTO
XI. Reconduzindo-nos, agora, ao objeto do recurso no segmento que se prende com o alegado erro de julgamento importa recortar aquilo que constitui o quadro normativo a considerar para a presente decisão.
XII. Assim, temos que deriva do n.º 1 do art. 03.º do ED/2008, aplicável ao caso vertente [cfr. art. 04.º da Lei n.º 58/2008], que se considera “… infração disciplinar o comportamento do trabalhador, por ação ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce …”, decorrendo do n.º 1 do art. 09.º que as “… penas aplicáveis aos trabalhadores pelas infrações que cometam são as seguintes: a) Repreensão escrita; b) Multa; c) Suspensão; d) Demissão ou despedimento por facto imputável ao trabalhador …” e do n.º 5 do art. 10.º que a “… pena de demissão consiste no afastamento definitivo do órgão ou serviço do trabalhador nomeado, cessando a relação jurídica de emprego público …”.
XIII. Prevê-se, ainda, no n.º 1 do art. 18.º do aludido Estatuto que as “… penas de demissão … são aplicáveis em caso de infração que inviabilize a manutenção da relação funcional, nomeadamente aos trabalhadores que: a) Agridam, injuriem ou desrespeitem gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, em serviço ou nos locais de serviço; b) Pratiquem atos de grave insubordinação ou indisciplina ou incitem à sua prática; c) No exercício das suas funções, pratiquem atos manifestamente ofensivos das instituições e princípios consagrados na Constituição; d) Pratiquem ou tentem praticar qualquer ato que lese ou contrarie os superiores interesses do Estado em matéria de relações internacionais; e) Voltem a praticar os factos referidos nas alíneas c), h) e i) do artigo anterior; f) Dolosamente participem infração disciplinar supostamente cometida por outro trabalhador; g) Dentro do mesmo ano civil deem 5 faltas seguidas ou 10 interpoladas sem justificação; h) Sendo nomeados ou, não sendo titulares de cargos dirigentes ou equiparados, exerçam as suas funções em comissão de serviço, cometam reiterada violação do dever de zelo, indiciada em processo de averiguações instaurado após a obtenção de duas avaliações de desempenho negativas consecutivas apesar da frequência de formação adequada aquando da primeira avaliação negativa; i) Divulguem informação que, nos termos legais, não deva ser divulgada; j) Em resultado da função que exercem, solicitem ou aceitem, direta ou indiretamente, dádivas, gratificações, participações em lucros ou outras vantagens patrimoniais, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou procedimento; l) Comparticipem em oferta ou negociação de emprego público; m) Sejam encontrados em alcance ou desvio de dinheiros públicos; n) Tomem parte ou interesse, diretamente ou por interposta pessoa, em qualquer contrato celebrado ou a celebrar por qualquer órgão ou serviço; o) Com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício económico ilícito, faltem aos deveres funcionais, não promovendo atempadamente os procedimentos adequados, ou lesem, em negócio jurídico ou por mero ato material, designadamente por destruição, adulteração ou extravio de documentos ou por viciação de dados para tratamento informático, os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhes cumpre, em razão das suas funções, administrar, fiscalizar, defender ou realizar; p) Autorizem o exercício de qualquer atividade remunerada nas modalidades que estão vedadas aos trabalhadores que, colocados em situação de mobilidade especial, se encontrem no gozo de licença extraordinária …”.
XIV. Resulta, por sua vez, do art. 22.º do referido Estatuto que são “… circunstâncias atenuantes especiais da infração disciplinar: a) A prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo; b) A confissão espontânea da infração; c) A prestação de serviços relevantes ao povo português e a atuação com mérito na defesa da liberdade e da democracia; d) A provocação; e) O acatamento bem intencionado de ordem ou instrução de superior hierárquico, nos casos em que não fosse devida obediência …”.
XV. Extrai-se, por seu turno, do n.º 1 do art. 03.º do CPA que os “… órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos …” e do seu art. 05.º, n.º 2 que as “… decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objetivos a realizar …”, sendo que se estipula no art. 06.º do mesmo Código que no “… exercício da sua atividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação ...”.
XVI. Decorre, ainda, do art. 56.º do CPA que os “… órgãos administrativos, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, podem proceder às diligências que considerem convenientes para a instrução, ainda que sobre matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados, e decidir coisa diferente ou mais ampla do que a pedida, quando o interesse público assim o exigir …”, sendo que no art. 87.º do mesmo Código se estipula que o “… órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito …” (n.º 1) e que não “… carecem de prova nem de alegação os factos notórios, bem como os factos de que o órgão competente tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções …” (n.º 2), prevendo-se no art. 127.º do Código Processo Penal que salvo “… quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente …
XVII. E na nossa Lei Fundamental decorre do seu art. 32.º que todo “… o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação …” (n.º 2) e que nos “… processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa …” (n.º 10) e, mais em concreto, do n.º 3 do art. 269.º que em “… processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa …”, para além de que nos termos do n.º 2 do art. 266.º os “… órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé …”.
XVIII. Fixado o quadro normativo tido por pertinente e a considerar na apreciação das questões suscitadas nos autos importa, então, aferir da valia e procedência da argumentação expendida pela recorrente.
XIX. No quadro da responsabilidade disciplinar administrativa o poder sancionatório conferido à Administração é reconhecido, por lei, para garantia do bom funcionamento dos seus serviços, constituindo um poder de auto-organização ou de autodisciplina e que só pode ser exercido sobre pessoas que se encontrem numa especial situação de sujeição perante a mesma e que, por causa dela, ficam vinculados à observância de certos deveres garantísticos do bom funcionamento do serviço.
XX. A responsabilidade disciplinar corresponde, pois, a uma garantia dum modelo/padrão de comportamento que é exigível a determinada pessoa no quadro duma relação jurídica de emprego público em que a mesma é um dos seus sujeitos.
XXI. Ao arguido assiste, no âmbito do processo disciplinar, o direito a um «processo justo», direito esse que, passa, designadamente, pela aplicação de algumas das regras e princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal na certeza de que a tendência que se tem verificado para a progressiva autonomização do direito disciplinar relativamente ao direito penal “… é contrabalançada pelo progressivo alargamento das garantias do direito penal ao direito disciplinar …” [cfr., entre outros, Ac. do TC n.º 59/95 de 16.02.1995 consultável in: «www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos» e publicado no DR I Série, de 10.03.1995]. Fala-se ainda a este propósito que as “… garantias de processo penal surgirão como o «magma» das garantias de um processo sancionatório público …” [cfr. Ana Fernandes Neves in: “Direito Disciplinar da Função Pública”, vol. I, pág. 34 - consultado na «web»].
XXII. No processo disciplinar, à semelhança do que sucede no processo penal, o ónus da prova dos factos constitutivos da infração cabe ao titular do poder disciplinar, sendo que nele o arguido assume uma posição de sujeito processual e não dum seu mero objeto.
XXIII. É que o arguido não tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada dado o ónus da prova dos factos constitutivos da infração impender sobre o titular do poder disciplinar, sendo que um “non liquet” em matéria de prova terá de ser resolvido em favor do arguido por efeito da aplicação dos princípios da presunção de inocência do arguido e do “in dubio pro reo”.
XXIV. Além disso a condenação deve assentar ou estribar-se em provas que permitam um juízo de certeza, uma convicção segura que esteja para além de toda a dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados.
XXV. É que no processo sancionador a prova da prática da infração que é exigida deve ser conclusiva e inequívoca no sentido de que o sancionado é o autor responsável, não podendo impor-se uma sanção com base em simples indícios, presunções ou conjeturas subjetivas.
XXVI. O processo disciplinar é, ao invés do que acontece nos processos civil e penal, um processo simples e dúctil que não se mostra estruturado em formas rígidas e solenes, sendo que em termos da sua instrução importa ter em presença o que se mostra previsto no art. 48.º do ED/2008, na certeza de que nos casos omissos de natureza processual o instrutor pode adotar as providências que se afigurarem convenientes para a descoberta da verdade em conformidade com os princípios gerais de direito processual penal [art. 36.º do ED/2008].
XXVII. Por outro lado, na fixação dos factos que funcionam como pressupostos de aplicação das penas disciplinares a Administração não detém um poder insindicável em sede contenciosa, porquanto nada obsta a que o julgador administrativo sobreponha o seu juízo de avaliação àquele que foi adotado pela Administração, mormente, por reputar existir uma situação de insuficiência probatória [cfr., entre outros, os Acs. do STA de 24.01.2002 - Proc. n.º 048147, de 07.10.2004 - Proc. n.º 0148/03, de 07.06.2005 - Proc. n.º 0374/05, de 14.04.2010 - Proc. n.º 0803/09, de 28.06.2011 - Proc. n.º 0900/10 in: «www.dgsi.pt/jsta»].
XXVIII. Na verdade, e citando acórdão do STA de 07.06.2005 (Proc. n.º 0374/05) a “… «prova dos factos integrantes da infração disciplinar cujo ónus impende sobre a entidade administrativa que exerce o poder disciplinar, através do instrutor do processo, tem de atingir um grau de certeza que permita desferir um juízo de censura baseado em provas convincentes para um apreciador arguto e experiente, de modo a ficar garantida a segurança na aplicação do direito sancionatório», segurança essa que, …, não se encontra garantida, dado a prova coligida no processo disciplinar não legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputados ao arguido, pelo que, assim não sucedendo … a deliberação impugnada deve ser anulada …”.
XXIX. Cientes dos considerandos acabados de desenvolver e presente o lastro factual que se mostra apurado nos autos constitui nosso juízo o de que a decisão judicial aqui sindicada não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados.
XXX. Como se afirmou supra a prova coligida no processo disciplinar deve legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputados ao arguido, para além de toda a dúvida razoável, podendo e devendo concluir-se que, no caso vertente, a decisão disciplinar punitiva não se mostra inquinada, mormente, de erro sobre os pressupostos de facto tal como se considerou com acerto na decisão judicial sob impugnação.
XXXI. Essa é a convicção que no caso emerge e se deve extrair do acervo factual dos autos disciplinares em referência no que tange à prova da aludida factualidade essencial integradora da imputação à A., ali arguida, que está em causa, já que a prova coligida no processo disciplinar permite-nos fundar ou formular, para além de toda a dúvida razoável, uma convicção segura, de certeza, apodítica da prática dos factos que à mesma são imputados.
XXXII. O juízo/convicção formulado pelo instrutor e no qual se louvou a decisão disciplinar punitiva não enferma das ilegalidades que lhe foram assacadas e assim foi considerado na decisão judicial recorrida, porquanto a prova tida por relevante para considerar apurados/provados os factos da acusação [testemunhal e documental - cfr., para além dos factos apurados sob os n.ºs III), IV), VI), VII), VIII), XI), XII) da matéria fixada supra, o «P.A.» apenso] mostra-se, por um lado, como idónea, suficiente, consistente e cabal para sustentar o juízo de imputação daqueles factos à arguida, aqui recorrente, sem que seja legítima a tese sustentada por esta quanto à inexistência de prova sustentada e segura no processo disciplinar a ponto de fazer surgir a dúvida razoável ou o apelo ao princípio do “in dubio por reo” que, assim, não resultam minimamente infringidos, na certeza de que a arguida, gozando de todos os poderes e direitos de defesa que a lei lhe confere, não abalou minimamente a credibilidade da prova consistente obtida no procedimento disciplinar e/ou não carreou qualquer prova que infirmasse ou criasse uma dúvida razoável quanto à autoria dos factos que lhe eram e são imputados.
XXXIII. A prova testemunhal e documental produzida no processo disciplinar e na qual se funda a decisão punitiva mostram-se dotadas do grau de certeza e de segurança exigidos nesta matéria para além de toda a dúvida razoável, permitindo formar uma convicção segura para a sustentação da imputação/efetivação de responsabilidade disciplinar à arguida.
XXXIV. O juízo que é imposto e se exige nesta sede mostra-se dotado de objetividade e encontra justificação cabal e idónea nos elementos probatórios recolhidos, os quais, “de per si”, são suscetíveis de afastar toda a dúvida razoável na veracidade da imputação do ilícito disciplinar à arguida/recorrente, pelo que deve concluir-se que, no caso vertente, a decisão disciplinar punitiva não se mostra inquinada de erro sobre os pressupostos de facto tal como foi considerado com acerto pela decisão judicial impugnada.
XXXV. Por outro lado, não se descortina que a prova obtida e produzida no processo disciplinar não o haja sido de forma válida, legal e legítima, não se vislumbrando, no caso, o recurso a qualquer das figuras do “agente provocador”, do “agente encoberto” ou do “instigador”.
XXXVI. Não se constata estarmos em presença daquelas figuras tanto mais que as testemunhas em questão, pelo que se revela claramente dos autos, limitaram-se a ter um papel totalmente passivo, de meros ouvintes/assistentes da conversa que veio a ocorrer ou a estabelecer-se apenas entre a arguida e os então candidatos a eventual família de acolhimento, sem terem qualquer influência naquilo que foi a vontade livremente manifestada, a conduta e/ou a atuação desenvolvida pela arguida, ora recorrente, tendente à materialização dos seus objetivos.
XXXVII. Assim, tem-se como totalmente acertado o juízo firmado na decisão judicial recorrida quando se sustenta no segmento sob apreciação o seguinte: “… Estatui o n.º 8 do artigo 32.º da CRP que «são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações». (…) Concretizando este preceito constitucional, determina o artigo 126.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe «Métodos proibidos de prova», o seguinte: «1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas. 2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante: a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos; b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação; c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei; d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto; e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível. 3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular. 4 - Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo». (…) Resulta do disposto nestes preceitos a proibição de utilização das provas obtidas através de tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral das pessoas. (…) É que, «a eficácia da Justiça é também um valor que deve ser perseguido, mas, porque numa sociedade livre os fins nunca justificam os meios, só é aceitável quando alcançada lealmente, pelo engenho e arte, nunca pela força bruta, pelo artifício ou pela mentira, que degradam quem os sofre, mas não menos quem os usa» (in: Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Jorge Miranda, Rui Medeiros, pág. 361). (…) A proibição da utilização de provas obtidas por aqueles meios coloca a questão da admissibilidade das figuras do agente provocador, do agente infiltrado e do agente encoberto como meios de obtenção de prova. (…) O agente provocador é aquele que «convence» outrem à prática do crime, isto é determina a sua vontade para o ato ilícito tendo em vista facilitar a recolha da prova do ato criminoso. (…) Como ensina o Prof. Germano Marques da Silva, «a provocação não é apenas informativa, mas sobretudo formativa, não revela o crime e o criminoso, mas cria o próprio crime e o próprio criminoso e, por isso, é contrária à própria finalidade da investigação criminal, uma vez que gera o seu próprio objeto» («Bufos, Infiltrados, Provocadores e Arrependidos», in Direito e Justiça, F.D.U. Católica, Vol. VIII, T. 2, 1994, p. 29). (…) Deste modo, para que se possa falar em «provocação», assim caraterizando a ação policial para efeitos de inclusão nos «métodos de prova proibidos», é necessário que a vontade do arguido para a prática do facto ilícito seja determinada pelo «agente provocador», isto é, tenha sido por este convencido (cfr. Acórdão do STJ de 12/07/2000, proc. 0092752). (…) Diversa da figura do agente provocador é a do agente infiltrado que «está atualmente consagrada em praticamente todos os ordenamentos jurídicos, designadamente europeus, como v.g., França, Itália, Alemanha ...», como se refere em «Lei e Crime, O Agente Infiltrado versus Agente Provocador» de Fernando Gonçalves, Manuel João Alves e Manuel Monteiro Guedes Valente, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 262 e segs.. (…) O agente infiltrado distingue-se do agente provocador na medida em que «O agente provocador cria o próprio crime e o próprio criminoso, porque induz o suspeito à prática de atos ilícitos, instigando-o e alimentando o crime, agindo, nomeadamente, como comprador ou fornecedor de bens ou serviços ilícitos. O agente infiltrado, por sua vez, através da sua atuação limita-se, apenas, a obter a confiança do(s) suspeito(s), tornando-se aparentemente num deles para (…) desta forma, ter acesso a informações, planos, processos, confidências... que, de acordo com o seu plano, constituirão as provas necessárias à condenação», sem nunca assumir o papel de instigador. (…) Ora, ao contrário do que pretende a autora, a situação dos autos não permite qualificar a atuação da Dr.ª TF...e da Dr.ª I... Apolinário como tratando-se de agentes provocadores ou infiltrados. (…) Com efeito, não há provocação porque o ilícito não foi determinado por nenhuma das duas, mas antes única e exclusivamente pela própria autora, a qual, por sua iniciativa e sem ter sido a isso induzida pela Dr.ª TF...e da Dr.ª I... Apolinário, resolveu aproveitar-se das suas funções para obter para si vantagens patrimoniais que não lhe era lícito usufruir. (…) Nesse seu propósito não foi pré-determinada ou influenciada por nenhuma delas, tanto mais que a sua primeira abordagem junto da D.ª L... Rodrigues, enquanto candidata a família de acolhimento, foi feita antes da intervenção daquelas. A Dr.ª TF...e a Dr.ª I... Apolinário só aparecem num momento posterior, quando a autora já havia pré-determinado a sua vontade no sentido da prática do ilícito disciplinar. (…) E também não estamos perante a figura do agente infiltrado, pois que nenhuma das duas se aproveitou de uma qualquer relação de proximidade ou confiança com a autora que perturbasse a sua liberdade de determinação, levando-a a praticar o ilícito, ou seja, não utilizaram «meios enganosos». (…) Importa ainda referir que a prova da infração disciplinar pela qual a autora foi punida não resultou somente dos depoimentos das referidas testemunhas - Dr.ª TF...e Dr.ª I... Apolinário - mas também do depoimento da D.ª L... Rodrigues e dos documentos juntos ao processo, designadamente os dois cartões de visita que a autora entregou durante a visita domiciliária que efetuou à família de acolhimento. (…) Cumpre, por fim, referir que os métodos utilizados para a recolha da prova não traduziram qualquer violação do direito fundamental invocado da autora pela simples razão de que não está aqui em causa a intimidade da sua vida privada. (…) Note-se que a atuação da mesma teve lugar no âmbito e em virtude do exercício das suas funções como técnica do Instituto da Segurança Social e durante o horário laboral, pelo que não é a sua vida privada que está aqui em causa e que foi devassada …”.
XXXVIII. Daí que não se vislumbra que a decisão judicial recorrida enferme do erro de julgamento por efeito de incorreta interpretação e aplicação dos princípios da legalidade [art. 03.º do CPA], da justiça [arts. 266.º da CRP, 03.º, 05.º, n.º 2 e 06.º do CPA] e do “in dubio pro reo” [art. 32.º da CRP], bem como do art. 22.º do ED/08 [não se mostra no caso preenchida qualquer das alíneas, mormente, a relativa à “provocação” que manifestamente inexiste], ou ainda que haja incorrido em qualquer interpretação normativa ferida de inconstitucionalidade por ofensa dos citados comandos constitucionais.
XXXIX. Revertendo, por fim, à desproporção da pena disciplinar imposta em alegada infração do princípio da proporcionalidade temos para nós que a decisão disciplinar em crise não foi proferida em infração do mesmo, não se vislumbrando, assim, que a mesma se mostre desadequada e desproporcionada.
XL. Explicitando nosso entendimento temos que o princípio da proporcionalidade, nos seus primórdios, afirmou-se como limite que se revelava necessário ao controlo da atuação do poder executivo, enquanto medida aferidora das restrições administrativas às liberdades individuais dos cidadãos administrados.
XLI. Com a evolução e o desenvolvimento tendente à construção/afirmação do Estado de Direito tal princípio veio, entretanto, a adquirir contornos mais amplos a ponto de hoje se aplicar a todas as espécies de atos emanados dos poderes públicos (legislativo, executivo e judicial), sendo inclusive erigido como princípio com dignidade constitucional e que vem sendo afirmado e consagrado ao nível do direito internacional e supranacional [v.g., cfr., arts. 05.º TUE e Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidariedade e da proporcionalidade anexo, 69.º, 296.º TFUE todos na versão decorrente do Tratado de Lisboa, e ainda arts. 08.º e 11.º da CEDH, sendo que o controlo da razoabilidade, da razoabilidade-adequação, proporcionalidade-necessidade é, hoje, uma imposição que recai sobre o julgador].
XLII. Atente-se, por outro lado, que o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público, pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito, impondo limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado-administrador adequar a sua projetada ação aos fins pretendidos, e não configurar as medidas que tomam como desnecessária ou excessivamente restritivas.
XLIII. Este princípio considerado em sentido lato pode, além disso, desdobrar-se analiticamente em três exigências da relação entre os atos e os fins prosseguidos. Assim, importa considerar, enquanto subprincípios do mesmo constitutivos, a adequação dos atos aos fins [princípio da conformidade ou adequação de meios], a necessidade ou exigibilidade dos atos [princípio da exigibilidade ou da necessidade] e a proporcionalidade em sentido estrito ou «justa medida» [princípio da proporcionalidade em sentido estrito].
XLIV. O mesmo princípio mostra-se ainda enunciado, como vimos, nos arts. 266.º da CRP e 05.º, n.º 2 do CPA.
XLV. Aplicado à matéria em causa nestes autos tal princípio prende-se com a adequação da pena imposta à gravidade dos factos reputados como ilícitos, constituindo, como o princípio da justiça, um limite interno ao poder discricionário da Administração na fixação da medida da pena disciplinar.
XLVI. Tem constituído entendimento jurisprudencial constante o de que se ao tribunal é possível analisar da existência material dos factos imputados ao arguido e averiguar se os mesmos constituem infrações disciplinares, já lhe não cabe apreciar a medida concreta da pena, salvo se for invocado, nomeadamente, desvio de poder, erro sobre os pressupostos, “erro grosseiro e manifesto”, violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, porquanto é uma tarefa da Administração que se insere na chamada “discricionariedade técnica ou administrativa”.
XLVII. Atente-se a este propósito a argumentação expendida no acórdão do STA de 03.11.2004 [Proc. n.º 0329/04 in: «www.dgsi.pt/jsta»], que aqui se acolhe, é “… verdade, em primeiro lugar, que no domínio da fixação concreta de uma sanção disciplinar, variável (com um limite máximo e um limite mínimo) …, a Administração age no exercício do poder discricionário. (…) a graduação da pena … - questão concretamente levantada nestes autos - cabe no poder discricionário (discricionariedade imprópria, ou justiça burocrática) da Administração. (…) É verdade … que o exercício de tal poder só pode ser sindicado, pelos vícios típicos de tal exercício. É certo que a fiscalização contenciosa da atividade jurisdicional, devido ao aumento do número de vinculações legais que a jurisprudência e a doutrina têm assinalado, tem vindo também a aumentar. É o caso da (i) admissão do erro de facto, (ii) da existência ou inexistência de pressupostos de facto, (iii) da fundamentação, (iii) da sujeição aos princípios gerais de direito - audiência prévia, igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade. (…) Em todos estes casos, porém, não se põe em causa o núcleo de autonomia ou de reserva administrativa insindicável jurisdicionalmente, uma vez que previamente são definidas as vinculações legais. Como se disse, …, seguindo jurisprudência uniforme «os tribunais não podem substituir-se à Administração na fixação concreta da pena, pelo que a graduação da pena disciplinar, não sendo posta em causa a qualificação jurídico-disciplinar das infrações, não é contenciosamente sindicável, salvo erro grosseiro ou manifesto, ou seja, se a medida da pena for ostensivamente desproporcionada, uma vez que tal atividade se insere na chamada atividade discricionária da Administração». Erro grosseiro (..) que pode consistir na manifesta desproporção entre a sanção e a falta cometida, com violação clara do princípio da proporcionalidade (art. 266.º, n.º 2 da CRP), princípio que funciona como limite intrínseco ao exercício de poderes discricionários …” [sublinhados nossos].
XLVIII. Para além disso constitui dado adquirido que em sede das penas disciplinares o princípio da proporcionalidade postula a adequação da pena imposta à gravidade dos factos apurados, de molde a que a medida punitiva a aplicar seja aquela que, sendo idónea aos fins a atingir, se apresente como a menos gravosa para o arguido, em decorrência também do princípio da intervenção mínima ligado ao princípio do "favor libertatis".
XLIX. Daí que presentes os considerandos ora expendidos e retomando, agora, a conclusão que supra fomos avançando dúvidas não se nos colocam que, na situação concreta sob apreciação, vistos os factos apurados nos autos, improcede o fundamento de ilegalidade em questão já que, desde logo, uma alegada violação ou desrespeito ao princípio da proporcionalidade por incorreta escolha, definição ou aplicação da pena disciplinar ao caso mercê do facto ilícito dever ser sancionado com outra pena disciplinar não se traduz ou integra ilegalidade por desrespeito ao princípio da proporcionalidade, antes envolvendo outra ilegalidade por violação de lei que se traduz na infração de cada um dos normativos que define, regula e integra as penas em confronto.
L. Não integra, igualmente, a infração ao aludido princípio um pretenso erro sobre os pressupostos de facto decorrentes duma alegada ausência de factos praticados pela A. que integrem ou preencham os tipos de ilícitos disciplinares em crise, na certeza de que dos factos invocados/apurados não se vislumbra qualquer realidade material na qual se possa fundar um juízo manifesto e de grosseira desproporcionalidade ou desadequação quanto à decisão disciplinar punitiva em apreciação.
LI. Com efeito, vista a matéria de facto relevante para a ponderação e graduação da pena aplicada não se vislumbra demonstrado, no caso, face aos elementos alegados e provados, que exista qualquer erro, e muito menos que o mesmo seja manifesto.
LII. Nessa medida e sem necessidade de outros desenvolvimentos temos que improcedem na totalidade os fundamentos do recurso jurisdicional inexistindo, no caso, qualquer erro de julgamento por infração ou violação dos princípios e normativos invocados.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar total provimento ao recurso jurisdicional “sub judice” e, consequentemente, pela motivação antecedente confirmar a decisão judicial recorrida com todas as legais consequências.
Custas nesta instância a cargo da recorrente, sendo que na fixação da taxa de justiça, não revelando os autos especial complexidade, se atenderá ao valor decorrente da secção B) da tabela I anexa ao Regulamento Custas Processuais (doravante RCP) [cfr. arts. 446.º, 447.º, 447.º-A, 447.º-D, do CPC/07 - atuais arts. 527.º, 529.º, 530.º, 531.º e 533.º do CPC/2013 -, 04.º “a contrario”, 06.º, 12.º, n.º 2, 25.º e 26.º todos do RCP - tendo em consideração as alterações introduzidas ao referido RCP -, 189.º do CPTA].
Valor para efeitos tributários: 30.000,01 € [cfr. fls. 31 e decisão de fls. 229 dos autos - art. 12.º, n.º 2 do RCP].
Notifique-se. D.N..
Restituam-se, oportunamente, os suportes informáticos que hajam sido gentilmente disponibilizados.
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator [cfr. art. 131.º, n.º 5 do CPC/2013 “ex vi” art. 01.º do CPTA].
Porto, 28 de março de 2014
Ass.: Carlos Carvalho
Ass.: Ana Paula Portela
Ass.: Fernanda Brandão