Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00798/05.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/22/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Mário Rebelo
Descritores:FATURAS FALSAS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:1. A sentença é nula por omissão de pronúncia quando deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
2. Só a omissão total dá origem à nulidade da sentença.
3. No âmbito da faturação falsa, a AT está onerada com a prova indiciária de que as operações faturadas não correspondem à realidade.
4. Feita esta prova (indiciária), recai sobre o sujeito passivo o encargo de provar a materialidade das operações faturadas.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:F..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: F…, Lda.
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Braga que julgou totalmente improcedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IRC no valor de € 64.734,45 referentes aos exercícios de 2001 e € 24 955,68 relativa ao exercício de 2002
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
1ª Entende a Recorrente que a douta sentença do Tribunal “a quo” padece de erros de facto e de direito. Em termos de facto não deveria ser dada como provada a matéria constante do ponto nº 4 dos factos provados. Em termos de direito a douta sentença é nula por violação do disposto no artº 668º nº 1 b) e d) do CPC.

2ª De acordo com a douta sentença, as questões a resolver são as seguintes:

a) Da falta (ou não) de fundamento para as correcções à matéria tributável efectuada pela Administração Fiscal;

b) Da necessidade ou não da aplicação de métodos indirectos para a determinação dos custos suportados pela Recorrente para obtenção dos seus rendimentos tributáveis.

3ª Entende a Recorrente que a primeira questão se divide em duas sub-questões, que são:

1ª Saber se a Administração Fiscal (AF) reuniu um conjunto de indícios sérios e credíveis, de natureza objectiva, que levem a crer que as facturas contabilizadas pela Recorrente, emitidas pelos seus fornecedores A..., S..., e Serralharia Mecânica ..., Lda, não correspondem a transacções efectivas.

2ª E se, reunidos esses indícios, a Recorrente conseguiu fazer prova da efectividade dessas transacções.

4ª Para fundamentar a improcedência da impugnação o M. Juiz do Tribunal “a quo” limitou-se a transcrever, no ponto nº 4 da matéria provada, extensas passagens do relatório da Inspecção Tributária, as quais se encontram antecedidas da expressão “a IT detectou os seguintes factos”, sendo certo que algumas dessas passagens não foram transcritas na totalidade, o que desvirtua o verdadeiro sentido das mesmas.

5ª Analisando o aludido relatório constata-se que os factos ali narrados dizem especialmente respeito a vários fornecedores da Recorrente que, segundo a AF, não cumpriam as sua obrigações fiscais.

6ª Conclui, desde logo, a Recorrente, que a verdadeira razão para a AF ter alterado a sua matéria tributável, foi o facto dos seus fornecedores terem problemas fiscais. Todavia, e apesar disso, como melhor se verá infra, nem todas as facturas emitidas pelos referidos fornecedores foram acrescentadas à matéria tributável da Recorrente. Vejamos:
7ª Na sua fundamentação, a douta sentença refere que a acção inspectiva da Administração Fiscal constatou que relativamente a algumas despesas, as tituladas por facturas emitidas pelos fornecedores António..., S..., António..., unipessoal, Lda e Serralharia Mecânica ... Lda, a contabilidade da Recorrente não cumpria as regras de normalização contabilística, revelando omissões, erros, inexactidões e indícios fundados de que não reflectem a sua matéria tributável.

8ª Antes de mais, relativamente aos anos de 2001 e 2002 (em causa nos presentes autos) não existe qualquer factura emitida pelo empresário em nome individual António... (VD mapas das páginas 9 e 10 do Relatório).

9ª Quanto à restante fundamentação o único facto apontado à contabilidade da Recorrente, conforme Relatório, foi o “descontrolo da conta de meios monetários”. Todas as restantes questões constantes do Relatório têm essencialmente a ver com os fornecedores da Recorrente.

10ª Nos mapas das pág. 9 e 10 do Relatório constam todos os fornecedores da Recorrente “com indícios de incumprimento fiscal” (pág. 8 do Relatório – parte final) . Contudo nem todas as facturas constantes desses mapas deixaram de ser aceites pela AF, contrariamente ao que se subentende pela leitura do Relatório da IT e pela fundamentação da douta sentença. Como prova do alegado refira-se o facto do total das facturas contabilizadas pela Recorrente no ano de 2001 ser de Esc. 41.859.832$00 - € 208.795,96 (pág. 9 do Relatório) e o montante não aceite pela AF ser apenas de € 164.402,95 (Pág. 29 do Relatório). O mesmo acontecendo relativamente ao ano de 2002 em que o total das facturas contabilizadas pela Recorrente ser de € 119.221,61 (pág. 10 do Relatório) e o montante não aceite pela AF ser apenas de € 72.684,81 (Pág. 29 do Relatório)

11ª O que, desde logo, demonstra que a existência de “indícios de incumprimento fiscal” por parte de um fornecedor, só por si, não é suficiente para se considerar que as facturas emitidas por esse mesmo fornecedor não titulem transacções efectivas.

12ª Quanto à parte do Relatório que o M. Juiz transcreveu para a douta sentença, no ponto nº 4, sempre a Recorrente dirá o seguinte: O relatório da Inspecção Tributária só por si, desacompanhado de qualquer outro meio de prova, não é suficiente para se dar como provado o quer que seja. O relatório apenas carrega para os autos a posição da AF na perspectiva do funcionário que o elaborou, perspectiva essa que, no entender da Recorrente, é altamente parcial. Além disso o Relatório em causa nos presentes autos limita-se, essencialmente, a elencar uma série de indícios relacionados com os emitentes das facturas.

13ª Ora, é jurisprudência pacífica que os indícios que levam a considerar que determinadas transacções são inexistentes, são indícios de natureza objectiva e não de natureza subjectiva.

14ª No caso dos presentes autos o Tribunal “a quo” baseou-se no Relatório da Inspecção Tributária o qual assenta quase exclusivamente em factos de natureza subjectiva relacionados com situações de irregularidade fiscal por parte dos fornecedores da Recorrente.

15ª E isto porque o que levou a AF a não aceitar como custos para efeitos de IRC as facturas emitidas pelos fornecedores A..., S..., e Serralharia Mecânica ..., Lda, foi o facto de esses fornecedores estarem em situação de incumprimento fiscal. Ou seja, a AF considerou que as facturas são falsas porque os seus emitentes estavam em situação de irregularidade fiscal, designadamente em sede de IVA.

16ª Tais factos, de natureza subjectiva, são completamente alheios à Recorrente que não tinha obrigação de os conhecer.

17ª É certo que, para além da quase totalidade dos indícios serem de natureza subjectiva, a IT também faz referência a factos relacionados com a Recorrente. Entre eles destaque-se o facto de, alegadamente, a Recorrente não ter instalações com capacidade suficiente para armazenar tão grande quantidade de matérias primas.

18ª Ora, ficou devidamente provado na douta sentença que a Recorrente recorria a locais alternativos de armazenagem de materiais, nos anos de 2001 e 2002, designadamente uma garagem de 100 m2 da testemunha C… e uma cave da residência de um dos seus sócios. (facto nº 5)

19ª Apesar desse facto ter sido considerado provado, a douta sentença considerou-o irrelevante tendo em conta nada ter ficado provado quanto às “capacidades de transporte”. Sucede que as “capacidades de transporte” referidas na doutra sentença têm a ver com os meios dos fornecedores (indícios subjectivos) e não com os meios ou a dimensão da empresa Recorrente.

20ª Todavia, contrariamente à fundamentação da douta sentença, a Recorrente fez prova da existência dessas “capacidades de transporte”. Tal prova teve como suporte a inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente, especialmente a testemunha D... que confirmou ter visto várias vezes camiões na sede da Recorrente (porque os motoristas pensavam que ali era a oficina) sendo a própria testemunha quem lhes fornecia informações sobre a localização da oficina onde deveriam descarregar os materiais que transportavam .

21ª No entanto, e apesar disso, a Inspecção Tributária aceitou como boas as facturas de todos os outros fornecedores que não tinham situações de incumprimento fiscal. Neste caso a questão da capacidade de armazenagem ou de transporte foi posta de lado.

22ª Ora, tal atitude demonstra à evidência que toda a actuação da AF se baseou em raciocínios de natureza subjectiva relacionados com as pessoas dos emitentes das facturas.
Até porque a Recorrente fez fornecimentos aos seus clientes, devidamente comprovados no Relatório, tendo, por esse facto, necessitado de matérias primas para o efeito.

23ª Conclui-se assim que, contrariamente ao que consta na douta sentença, a AF não reuniu um conjunto de indícios sérios e credíveis, de natureza objectiva, que levem a afirmar com segurança que as facturas emitidas pelos fornecedores supra mencionados não titulam transacções efectivas.

24ª E sendo certo que o ónus da prova, nesse aspecto, pertence à AF, nada mais a Recorrente tem de provar tendo a conta a presunção legal estabelecida no artº 75º/1 da LGT.

25ª Quanto à segunda questão. Entre outras coisas a Recorrente alegou na petição inicial o seguinte: “Se as facturas que a impugnante registou não fossem reais por as aquisições não terem sido efectuadas aos respectivos emitentes, sempre deveria a AF, ainda que mediante o recurso a métodos indirectos, estimar os custos que, de todo em todo, foram necessários para conseguir os proveitos efectivamente realizados” (Artº 86º)

26ª Na sequência dessa alegação a douta sentença refere que uma das questões a decidir era averiguar “da necessidade ou não da aplicação de métodos indirectos para a determinação dos custos suportados pela Recorrente para obtenção dos seus rendimentos tributáveis”.

27ª No entanto a douta sentença é completamente omissa quanto a essa questão. Com efeito na página 13, depois de transcrever a posição da Recorrente sobre esta questão, apenas é feita referência às taxas de rentabilidade fiscal, o que, com o devido respeito, nada tem a ver com aquilo que a Recorrente alegou.

28ª Na verdade, aquilo que deveria constar na douta sentença é se se encontravam (ou não) reunidos os pressupostos elencados nos artº 87º da LGT para a tributação da Recorrente através dos chamados métodos indirectos. E sobre tais pressupostos nem uma única palavra,

29ª É que, tal como a Recorrente defendeu na petição inicial, se a AF entende que as facturas são falsas, e se a contabilidade da Recorrente revela omissões, erros, inexactidões, e indícios fundados de que não reflecte a matéria tributável real do sujeito passivo (tal como consta na página 10 da douta sentença) então dúvidas não restam que a Recorrente deveria ser tributada através dos chamados métodos indirectos.

30ª Se assim fosse evitar-se-ia o absurdo de tributar a Recorrente com margens de lucro completamente impensáveis e irrealistas de 94,49% !!!, 82,13%!!! e 98,69%!!!! (conforme ponto 8 dos factos provados)

31ª Face a tal omissão de pronúncia, e ausência de fundamentação, entende a Recorrente que a sentença é nula por violação do artº 668º nº 1 b) e d) do CPC.

32ª Por tudo quanto se alegou entende a Recorrente que as liquidações adicionais em causa nos presentes autos são ilegais, devendo as mesmas ser anuladas na totalidade.

33ª Foram violados, deste modo, os artº 668º/1 alíneas b) e d) do CPC, 342º/1, 349º e 350º/1 do Código Civil e 74º/1, 75º/1 e 87º da LGT


TERMOS EM QUE,
Com o mui douto suprimento de V. Excelências, deve a douta sentença do Tribunal “a quo” ser considerada nula por violação do artº 668º nº 1 b) e d) do CPC.

Caso seja outro o douto entendimento de V. Exas.,

Deve a douta sentença da 1ª Instância, após reapreciação da prova gravada e documental, ser revogada, proferindo-se douto acórdão onde seja dado provimento ao presente recurso, anulando-se, em consequência, as liquidações adicionais de IRC dos anos de 2001 e 2002 que se questiona nos presentes autos, como é de inteira JUSTIÇA

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
Não houve.
II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença é nula por omissão de pronúncia e se errou no julgamento da matéria de facto e de direito ao julgar improcedente a impugnação contra as liquidação adicionais de IRC, relativas a 2001 e 2002, por indiciação de faturação falsa.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1 - A impugnante foi notificada das liquidações adicionais de IRC e respectivas liquidações de juros compensatórios, referentes aos seus exercícios de 2001 e 2002, no montante global de €64.734,45 e de €24.955,68, as quais indicavam como termo do prazo de pagamento voluntário o dia 2005/04/20 e 2005/04/27.
2 - As liquidações supra referidas resultam de correcções à matéria tributável, de natureza meramente aritmética, efectuadas na sequência de um procedimento inspectivo, cuja credencial foi a ordem de serviço que, com o n,° 18303, foi emitida em 04/12/03.
3 - A acção de inspecção foi iniciada em 11 de Dezembro de 2003 e concluída em 11 de Maio de 2004.
4 - Na sequência dos actos de inspecção a IT detectou os seguintes factos:
a. «o espaço onde o sujeito passivo desenvolve a sua actividade económica é bastante exíguo, ainda que repartido por três reduzidos espaços, o que é insuficiente e demasiado limitado, tendo em conta o volume de aquisições efectuadas; o logradouro da habitação também é reduzido e incapaz de “armazenar” tão grandes quantidades de matérias ou mercadorias, como foram os casos concretos das aquisições ao fornecedor A....»
b. «a empresa apresentava, no seu quadro de pessoal, apenas a inscrição de três trabalhadores ao seu serviço, sendo dois deles os próprios sócios gerentes, Entretanto, um dos trabalhadores deixou de fazer parte dos quadros de pessoal passando, desse modo, a firma a laborar com os referidos sócios-gerentes.»
c. «foi emitida uma factura com o n.° 223, em 01/01/16, respeitante ao fornecimento de dois conjuntos de peças para máquinas de bobinar, no valor total de 9.036.000$00, sem inclusão de IVA. Todavia, no período em questão, não existiam na empresa, ora Impugnante, matérias primas necessárias à sua execução.»
d. Através de cruzamento dos elementos recolhidos na F…, junto da empresa R…, com quem foram estabelecidas relações comerciais, e mediante contactos com a responsável administrativa desta empresa, foi possível apurar que inexistem, nesta empresa, procedimentos administrativos, nomeadamente a emissão de notas de encomenda na aquisição de bens e serviços pela F….
e. «uma divergência significativa nos valores constantes no original e no duplicado de uma factura emitida pelo seu fornecedor Serralharia Mecânica…, Lda. ( ... ) e no triplicado existente na contabilidade do emitente da factura.»
f. Relativamente ao fornecedor da ora impugnante, A..., constatou-se pela análise da factura n.º 423, referente a 5700Kg de matérias primas adquiridas e transportadas de S. Félix da Marinha (local de carga) até Vila Nova de Famalicão (local de descarga) numa viatura ligeira de mercadorias de marca Toyota, modelo Dyna 250;
g. «a mercadoria transportada, com o peso total de 5700kg, não podia ser efectuado com um veículo com as características atrás descritas, tendo em conta o facto de não haver na contabilidade do contribuinte qualquer guia de transporte para além da factura.»
h. Atenta a manifesta incapacidade da referida viatura para transportar o material mencionado, o facto de os preços facturados pelo alegado fornecedor aos seus clientes dos materiais serem superiores no caso da F..., de o espaço onde o sujeito passivo desenvolve a sua actividade ser bastante exíguo, insuficiente e demasiado limitado, considerando o volume de aquisições facturadas à firma A... e, ainda, «o facto de as vendas de A... para a F... estarem suportadas com aquisições fictícias»;
i. Inexistência de correspondência nas contabilidades das duas firmas;
j. Os preços de venda de materiais à “F...” eram superiores em cerca do dobro em relação dos restantes clientes de A…;
k. as facturas emitidas por A... para a F... e contabilizadas por este como custo não titulam qualquer transacção comercial realizada entre ambos, pelo que os montantes de Esc. 11.869.832$00 e €38094,50 não foram aceites como custo, nos exercícios de 2001 e 2002,
l. o fornecedor S... admitiu expressamente aos serviços de IT que a exagerada discrepância, existente na sua contabilidade, entre o valor constante das facturas recolhidas nos clientes e aquilo que foi efectivamente declarado resultava da emissão de elevado volume de facturação que não titulava qualquer transacção e que lhe era solicitado a troco do pagamento do IVA.
m. Em 1996/11/11, este sujeito passivo requisitou, na Gráfica “Ad…”, 6 livros de facturas numeradas de 251 a 550; em 1999/04/16 voltou a requisitar, na mesma gráfica, mais 8 livros de facturas com a numeração de 551 a 950; em 1999/10/23 requisitou, na G… ou Atelier…”, 5 livros de facturas com a numeração de 701 a 950; em 200 1/07/19 requisitou novamente na Gráfica “Ad…” três livros de facturas com a numeração de 910 a 1050; pelo que o sujeito passivo utilizou 2 grupos de livros de facturas com a numeração de 701 a 909 e três grupos de livros de facturas com a numeração de 910 a 950.
n. Os documentos recolhidos na contabilidade da impugnante estão nas condições referidas, ou seja, foram contabilizados documentos impressos nas duas tipografias supra identificadas, inferindo-se, deste modo, que as mesmas não titulam qualquer transacção real, não podendo, assim, ser fiscalmente aceites como custo os montantes referidos no Relatório, a páginas 18.
o. Este sujeito passivo trabalhava sozinho na sua garagem e as suas aquisições/consumos de mercadorias eram insuficientes para o volume de facturação por si declarado;
p. Relativamente ao fornecedor SERRALHARIA MECÂNICA ..., LDA., na sua escrita foi contabilizado, com data de 02/03/30, o triplicado da factura n.° 52, pelo valor de €5.490,00, acrescida de IVA no montante de €933,30, elementos que, quando comparados com os constantes da factura original na posse da F... evidenciam diferenças significativas quanto ao valor e à data, situação que configura falta de veracidade das transacções subjacentes.
q. Por outro lado, a descrição dos dois documentos supra referidos não é coincidente: enquanto uma refere “execução de peças”, conforme original e duplicado existente nos arquivos da firma, a outra refere “execução de trabalhos”, conforme triplicado do documento constante dos arquivos da firma emitente, situação que permite concluir que o sujeito passivo emitente, na sua actividade, utiliza mais do que uma série de facturas, com a mesma numeração.
r. Solicitadas as cópias dos cheques utilizados no pagamento das facturas supra citadas ao sujeito passivo F..., constatou a IT que a Factura n.° 52, já referida, foi liquidada com o cheque n.° 5656296865, do BPA, no montante de € 14 414,76, emitido em nome de SERRALHARIA MECÂNICA ..., LDA., apresentado a desconto e endossado pelo sócio R…, e levantado por S…; a Factura n.° 146 foi liquidada com o cheque n.° 2956296965, do BPA, emitido ao portador, no montante de €14.637,00, apresentado a desconto e levantado pelo sócio F…; a Factura n.° 202, considerada na contabilidade da F... como liquidada aquando da emissão do cheque n.° 56300160, do BPA, no montante de €14.637,00, foi, considerada indevida pelo facto de o referido cheque nunca ter sido apresentado a desconto na instituição bancária, não constando dos arquivos da mesma.
5 - A impugnante recorria a locais alternativos de armazenagem de materiais, nos anos de 2001 e 2002, designadamente uma garagem de 100 m2 da testemunha C… Costa e uma cave da residência de um dos seus sócios.
6 - As declarações fiscais relativas a IRC, para os anos de 2000, 2001 e 2002, feitas pelas impugnante, depois de efectuados ao ajustamentos referidos na alínea b) do art°. 37º, a assumem uma margem bruta de 57,58% para o exercício de 2000, de 37,18% para o exercício de 2001, e de 3 1,69% para o exercício de 2002.
7 - Quanto à rentabilidade fiscal das vendas e nas mesmas condições, aquelas declarações apuram valores de 4,61% para o exercício de 2000, de 2,21% para o exercício de 2001 e de 3,6% para o exercício de 2002.
8 - As correcções aplicadas pela Administração Tributária, que serviram de base às liquidações impugnadas, correspondes, respectivamente, a 94,49%, 82,13% e 98,69% para as margens de lucro bruto, e 41,53%, 47,16% e 70,60% para a rentabilidade fiscal das vendas.
*
Matéria de facto não provada:

1. Que os valores de margem bruta e rentabilidade fiscal referidos em 6 e 7 dos factos dados como provados sejam razoáveis.
2. Que os valores de margem bruta e rentabilidade fiscal referidos em 8 dos factos dados como provados no se verifiquem em Famalicão no sector de actividade da impugnante, nem em qualquer outro sector de actividade em qualquer parte do país.
*
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:

A matéria de facto dada como provada, genericamente aceite ou não contestada
pelas partes, assenta fundamentalmente na prova documental disponível, designadamente relatório da inspecção tributária.

Os factos referidos no ponto 5 da matéria assente, resultam da prova testemunhal
produzida, sendo certo que nesse aspecto depuseram de forma clara e inequívoca.

A matéria de facto dada como não provada assenta na ausência de qualquer
prova produzida a seu respeito.


IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
F... , Lda. foi sujeita a fiscalização externa relativa aos anos de 2000, 2001 e 2002, abrangendo IVA e IRC, que culminou com a liquidação adicional (IVA e IRC) por indiciação de facturação falsa, referente a vários fornecedores.

A Impugnante não se conformou e deduziu impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IRC - neste caso relativa aos exercícios de 2001 e 2002 no valor de € 64 734,46 e 24 955,68 respetivamente-, alegando que o critério para a AT considerar que as aquisições eram falsas foi simplesmente a circunstância dos respetivos fornecedores serem ou não, habituais infractores fiscais, especialmente em matéria de IVA, porque em relação a outros fornecedores a AT reconheceu que as facturas titulavam efetivas transações. Mas a impugnante não pode ser responsabilizada pelo comportamento fiscal dos seus fornecedores sendo certo que no que respeita à capacidade para armazenar mercadoria adquirida tinha efetiva capacidade recorrendo a espaço emprestado.

Acrescenta que as vendas foram efetivamente realizadas e sem as compras não as poderia ter efetuado. Não há razões para por em causa a presunção de verdade da escrita. Além disso, o IRC deve incidir sobre os lucros reais, e se a as facturas que a impugnante registou não fossem reais por as aquisições não terem sido efetuadas aos respetivos emitentes, sempre a AF deveria estimar os custos que foram necessários para obter os proveitos realizados ainda que mediante recurso a avaliação indireta.

Efetuado o julgamento, o MMº juiz proferiu sentença julgando totalmente improcedente a impugnação.

Com esta decisão não se conforma a Recorrente, apontando à sentença erro de julgamento de facto e de direito e bem assim nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Começaremos a nossa análise do recurso pelo erro de julgamento de facto e de direito e concluiremos com a nulidade da sentença, em benefício de melhor compreensão e articulação lógica da reflexão/fundamentação que nos propomos realizar.

Quanto ao erro de julgamento de facto, defende a RECORRENTE que o ponto n.º 4 da matéria de facto não deveria ter sido provado, impugnando a respetiva matéria com base nos depoimentos das testemunhas C… e D…, identificando as “rotações” onde se encontra gravado os depoimentos, e bem assim as páginas 4, 6, 7, 8, 9, 10, 21 a 25 e 29 do relatório da Inspeção Tributária, dando cumprimento satisfatório ao ónus previsto no art. 685º-B n.º 1 e 2 do CPC - actual art. 640 do NCPC.

Reapreciando a prova testemunhal, nos termos já referidos no acórdão nº 1344/04.8BEBRG de 14 de Maio de 2015, com as mesmas partes e idênticas questões, mas relativas a IVA dos anos de 2000, 2001 e 2002, o depoimento das testemunhas referidas afigura-se-nos vago e completamente inócuo para a prova da materialidade das operações. Senão vejamos.

A primeira testemunha, C…, irmão de um dos sócios da recorrente, é vizinho da parte fabril desta. Emprestou-lhe a cave de uma casa que andava a construir para poderem armazenar material (placas de alumínio). Por vezes, a cave estava quase cheia de tal modo que chegava a ajudava a arrumar o material para lá poder estacionar a sua viatura. Mas desconhece os nomes dos fornecedores e até nunca os viu porque chegava sempre (a testemunha) ao fim do dia.

A segunda testemunha residia perto da sede da recorrente. Verificava que vinha mercadoria para a Recorrente e chegou mesmo a ajudar a descarregar material, composto de peças pequenas, já que as maiores iam para a oficina. Não sabe quem eram os fornecedores porque a mercadoria vinha em «transportadoras».

Por seu turno, o conteúdo das páginas 4, 6, 7, 8, 9, 10, 21 a 25 e 29 do Relatório da Inspecção Tributária, articulados com a prova testemunhal impunham - na opinião da recorrente – que o facto n.º 4 não fosse provado.

As páginas 4 a 10 descrevem a análise das contas, a actividade da impugnante e os seus múltiplos fornecedores e clientes (sendo a sociedade R… a principal cliente da recorrente) pelo que nada de relevante para a tese da recorrente se descortina.

Nas páginas 21 a 25 alude-se a várias irregularidades contabilísticas da impugnante (divergência entre o original da factura n.º 52 de 30/3/02 e o triplicado contabilizado na impugnante; pagamento da factura n.º 202 através de um cheque que nunca foi apresentado a desconto; pagamento de uma factura (n.º 146) por meio de cheque sobre o BPA levantado pelo sócio (da recorrente).

Nas páginas seguintes, mencionam-se as relações comerciais mantidas com António..., irmão do responsável pelas compras da R..., o Engº M…, tendo a AT concluído que «… é nossa opinião e para além de outras razões, que a intermediação da F... nas transacções realizadas com a R..., serviu como forma de contornar junto da Administração desta, o nome do fornecedor António... associado ao responsável pelas compras.» (fls. 23 do relatório), prosseguindo nas páginas seguintes a análise das relações entre a recorrente e António... Sociedade Unipessoal, Lda, tendo concluído de forma idêntica. Ou seja, «…que a intermediação da F... nas transacções realizadas com a R..., serviu como forma de contornar junto da Administração desta, o nome do fornecedor António...-Sociedade Unipessoal, Lda associado ao responsável pelas compras» (fls. 25 do relatório).

Em face do exposto (a página 29 do relatório contém os quadros resumo das correcções), não descortinamos que a matéria de facto (facto provado n.º 4) fixada na douta sentença mereça qualquer censura.

No que respeita à questão de direito, o ponto de partida na análise jurídica da facturação falsa reside na repartição da carga probatória que recai sobre ambos os sujeitos da relação.

A lei presume verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal (art. 75º/1 LGT).

Esta presunção cessa nas situações previstas no n.º 2 do mesmo preceito. Designadamente, cessa quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável rela do sujeito passivo (alínea a) do n.º 2 do art. 75º da LGT).

A designada “facturação falsa” constitui a documentação formal de prestações de serviços ou fornecimento de bens, que o utilizador contabiliza como gastos (cfr. art.º 23º do CIRC), mas cuja materialidade subjacente a AT recolheu indícios de que não se verificou, não aceitando a dedução dos respetivos custos para efeitos fiscais.

Pela própria natureza da operação, os simuladores tentam que a aparência documental seja o mais aproximada possível da que existe nas operações reais. Por isso, não faltam no «universo das facturas falsas» os respectivos «contratos» nem as facturas preenchidas com todos (ou quase) os elementos que a lei exige (art.º 36º do CIVA); no mesmo contexto, emitem-se recibos, cheques (normalmente, mas nem sempre, descontados ao balcão) etc. para que toda a «aparência» com as operações reais seja mantida e os objectivos tributários visados não sejam defraudados.

Como é jurisprudência pacífica, quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, compete-lhe provar os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade (artigo 74º da LGT).

Não se exige que a Administração faça a prova direta da falsidade, o que salvo raras exceções, seria praticamente impossível. Poderá, efetivamente, recorrer-se à prova indirecta, isto é, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).

A AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, basta-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos, indícios, que revelem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem falsas, para assim abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.

E indícios são os factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (Castro Mendes, citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2 edição, pág. 311).

Para recolha de tais indícios, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes. Não se exige que os indicadores de falsidade das facturas provenham, necessariamente, de elementos privativos do próprio contribuinte fiscalizado (1).

Em todo o caso, os indícios sempre devem ser analisados de forma contextualizada e articulada entre si, nunca de forma isolada ou atomística. Mais do que considerados isoladamente, os elementos fáctico-jurídicos devem ser enunciados de forma a construírem um quadro global, sólido e coerente, capaz de permitir com razoável certeza concluir pela falsidade das declarações dos contribuintes.

Por fim, a adequação formal da contabilidade não é garantia nem indício seguro da existência material das operações documentadas, porque uma coisa é a aparência formal da documentação, outra muito diferente é a materialidade das operações que lhe subjazem.

Feita esta prova, recai sobre o sujeito passivo o ónus de provar a veracidade da transação – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Neste contexto normativo e jurisprudencial vejamos agora, em concreto, recuperando alguns dos factos provados por cada emitente, se a AT cumpriu satisfatoriamente o seu encargo probatório na recolha de indícios fortes de falsidade da faturação, capazes de abalar a presunção de veracidade da contabilidade da Impugnante/Recorrente.

Quanto ao fornecedor A...:
Constatou-se pela análise da factura n.º 423, referente a 5700Kg de matérias primas adquiridas e transportadas de S. Félix da Marinha (local de carga) até Vila Nova de Famalicão (local de descarga) numa viatura ligeira de mercadorias de marca Toyota, modelo Dyna 250 (alínea f) no n.º 4 dos factos provados);
«a mercadoria transportada, com o peso total de 5700kg, não podia ser efectuado com um veículo com as características atrás descritas, tendo em conta o facto de não haver na contabilidade do contribuinte qualquer guia de transporte para além da factura.» (alínea g) do n.º 4 dos factos provados)
Atenta a manifesta incapacidade da referida viatura para transportar o material mencionado, o facto de os preços facturados pelo alegado fornecedor aos seus clientes dos materiais serem superiores no caso da F..., de o espaço onde o sujeito passivo desenvolve a sua actividade ser bastante exíguo, insuficiente e demasiado limitado, considerando o volume de aquisições facturadas à firma A......» (alínea h) do n.º 4 dos factos provados);
Inexistência de correspondência nas contabilidades das duas firmas (alínea i) do n.º 4 dos factos provados);
Os preços de venda de materiais à “F...” eram superiores em cerca do dobro em relação dos restantes clientes de A… (alínea j) do n.º 4 dos factos provados);

Quanto ao fornecedor S...:
Este fornecedor admitiu expressamente aos serviços de IT que a exagerada discrepância, existente na sua contabilidade, entre o valor constante das facturas recolhidas nos clientes e aquilo que foi efectivamente declarado resultava da emissão de elevado volume de facturação que não titulava qualquer transacção e que lhe era solicitado a troco do pagamento do IVA (alínea l) do n.º 4 dos factos provados).
Em 1996/11/11, este sujeito passivo requisitou, na Gráfica “Ad…”, 6 livros de facturas numeradas de 251 a 550; em 1999/04/16 voltou a requisitar, na mesma gráfica, mais 8 livros de facturas com a numeração de 551 a 950; em 1999/10/23 requisitou, na G… ou Atelier…”, 5 livros de facturas com a numeração de 701 a 950; em 200 1/07/19 requisitou novamente na Gráfica “Ad…” três livros de facturas com a numeração de 910 a 1050; pelo que o sujeito passivo utilizou 2 grupos de livros de facturas com a numeração de 701 a 909 e três grupos de livros de facturas com a numeração de 910 a 950 (alínea m) do n.º 4 dos factos provados).
Os documentos recolhidos na contabilidade da impugnante estão nas condições referidas, ou seja, foram contabilizados documentos impressos nas duas tipografias supra identificadas, inferindo-se, deste modo, que as mesmas não titulam qualquer transacção real, não podendo, assim, ser fiscalmente aceites como custo os montantes referidos no Relatório, a páginas 18 (alínea n) do n.º 4 dos factos provados).
Este sujeito passivo trabalhava sozinho na sua garagem e as suas aquisições/consumos de mercadorias eram insuficientes para o volume de facturação por si declarado (alínea o) do n.º 4 dos factos provados) (2).

Quanto ao fornecedor “Serralharia Mecânica ..., Lda”

Na escrita deste fornecedor foi contabilizado, com data de 02/03/30, o triplicado da factura n.° 52, pelo valor de €5.490,00, acrescida de IVA no montante de €933,30, elementos que, quando comparados com os constantes da factura original na posse da F... evidenciam diferenças significativas quanto ao valor e à data, situação que configura falta de veracidade das transacções subjacentes (alínea p) do n.º 4 dos factos provados).
Por outro lado, a descrição dos dois documentos supra referidos não é coincidente: enquanto uma refere “execução de peças”, conforme original e duplicado existente nos arquivos da firma, a outra refere “execução de trabalhos”, conforme triplicado do documento constante dos arquivos da firma emitente, situação que permite concluir que o sujeito passivo emitente, na sua actividade, utiliza mais do que uma série de facturas, com a mesma numeração (alínea q) do n.º 4 dos factos provados).
Solicitadas as cópias dos cheques utilizados no pagamento das facturas supra citadas ao sujeito passivo F..., constatou a IT que a Factura n.° 52, já referida, foi liquidada com o cheque n.° 5656296865, do BPA, no montante de € 14 414,76, emitido em nome de SERRALHARIA MECÂNICA ..., LDA., apresentado a desconto e endossado pelo sócio Rui Manuel Nogueira Torres, e levantado por S...; a Factura n.° 146 foi liquidada com o cheque n.° 2956296965, do BPA, emitido ao portador, no montante de €14.637,00, apresentado a desconto e levantado pelo sócio F...; a Factura n.° 202, considerada na contabilidade da F... como liquidada aquando da emissão do cheque n.° 56300160, do BPA, no montante de €14.637,00, foi, considerada indevida pelo facto de o referido cheque nunca ter sido apresentado a desconto na instituição bancária, não constando dos arquivos da mesma (alínea r) do n.º 4 dos factos provados).

Sendo este o quadro factual que a AT apurou, e que resulta provado, facilmente se conclui que se desembaraçou satisfatoriamente do seu ónus probatório, recolhendo prova factual, que analisada à luz da experiência comum, revela fundados indícios de que a facturação destes emitentes, contabilizada pela Impugnante, não corresponde a transações efetivas.

E como também retiramos dos factos expostos, os indícios não resultam apenas “dos seus fornecedores terem problemas fiscais”, como sustenta a Recorrente na conclusão 6ª, ou factos de natureza subjectiva relacionados com situações de irregularidade fiscal dos fornecedores (conclusão 14ª e segs).

É certo que a Impugnante/Recorrente provou recorrer “a locais alternativos de armazenagem de materiais, nos anos de 2001 e 2002, designadamente uma garagem de 100m2 propriedade da testemunha C… e uma cave da residência dos sócios” (facto provado n.º 5) mas que o MMº juiz considerou não ser “... por si suficiente, para conferir verosimilhança à situação em causa.
Com efeito, para além de não se demonstrar que a área em questão seja suficiente para armazenamento de várias toneladas de metal, nada se provou quanto às capacidades de transporte (antes se confirmou que se circunscreve a uma “Toyota Dyna”).
Acresce que, a própria dimensão humana da empresa é incongruente com a
aquisição e processamento de tais quantidades de material.”


A Recorrente discorda desta conclusão por entender que :
17ª É certo que, para além da quase totalidade dos indícios serem de natureza subjectiva, a IT também faz referência a factos relacionados com a Recorrente. Entre eles destaque-se o facto de, alegadamente, a Recorrente não ter instalações com capacidade suficiente para armazenar tão grande quantidade de matérias primas.

18ª Ora, ficou devidamente provado na douta sentença que a Recorrente recorria a locais alternativos de armazenagem de materiais, nos anos de 2001 e 2002, designadamente uma garagem de 100 m2 da testemunha C… e uma cave da residência de um dos seus sócios. (facto nº 5)

19ª Apesar desse facto ter sido considerado provado, a douta sentença considerou-o irrelevante tendo em conta nada ter ficado provado quanto às “capacidades de transporte”. Sucede que as “capacidades de transporte” referidas na doutra sentença têm a ver com os meios dos fornecedores (indícios subjectivos) e não com os meios ou a dimensão da empresa Recorrente.

20ª Todavia, contrariamente à fundamentação da douta sentença, a Recorrente fez prova da existência dessas “capacidades de transporte”. Tal prova teve como suporte a inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente, especialmente a testemunha D... que confirmou ter visto várias vezes camiões na sede da Recorrente (porque os motoristas pensavam que ali era a oficina) sendo a própria testemunha quem lhes fornecia informações sobre a localização da oficina onde deveriam descarregar os materiais que transportavam .

Como vemos da passagem transcrita da sentença, não corresponde à verdade que o MMº juiz tenha considerado irrelevante os locais alternativos de armazenagem da Impugnante/Recorrente por “nada ter ficado provado quanto às capacidades de transporte”. Isso não é verdade, como o demonstra a simples leitura da passagem da sentença, não podendo a Recorrente pretender o reexame da sentença com base em fundamentação deliberadamente amputada.

Por outro lado, o facto de o MMº juiz na sentença aludir a facturas emitidas pelo fornecedor António... quando em relação a este sujeito não foi registada qualquer factura por si emitida, constitui um mero erro de facto que não contamina o valor da sentença (3). Nos factos provados e na (restante) fundamentação da sentença, nomeadamente quanto aos indícios recolhidos pela AT não faz mais qualquer referência a este fornecedor, pelo que, concluímos, trata-se de um mero erro sem quaisquer consequências na decisão final.

Assim, tendo sido demonstrada a falsidade indiciária da faturação, e abalada a presunção de veracidade da escrita da Impugnante/Recorrente, cabia-lhe fazer a prova de que os factos apurados no relatório são falsos. Ou que, sendo verdadeiros, adquiriu efectivamente as mercadorias a estes emitentes, designadamente demonstrando quando se iniciaram os contactos, como e onde eram feitos, como era estabelecido o preço, como eram feitas as entregas, os pagamentos e os meios utilizados, bem como quaisquer outras particularidades da relação que apenas quem nela esteve poderá descrever com propriedade.

Mas a impugnante, ora recorrente, não logrou provar a materialidade das operações facturadas, pelo que não pode reclamar a sua contabilização, improcedendo as conclusões 1 a 24.

Por fim, a questão da nulidade da sentença por omissão de pronúncia (conclusões 25 e segs).

Na douta petição inicial a Impugnante alega factos com base nos quais pretende demonstrar a realidade das operações faturadas, entre os quais as margens brutas por si apuradas com base na contabilidade, bem como a rentabilidade fiscal, cujos valores defende serem os razoáveis, ao contrário das taxas de lucro e de rentabilidade fiscal apuradas pela AT e que constituem um “nível verdadeiramente inacreditável” (artigos 36 e segs. da petição inicial), revelador de que as compras (desconsideradas) são imprescindíveis para os fornecimentos efetuados à R.... Por outro lado, a não existência de suporte documental adequado não pode implicar a recusa da relevância fiscal dos custos, apenas devendo determinar que a avaliação dos mesmos seja efetuada por via do recurso a métodos indiretos (4).

Por fim, conclui que “Se as facturas que a impugnante registou não fossem reais por as aquisições não terem sido efectuadas aos respetivos emitentes, sempre deveria a AF, ainda que mediante o recurso a métodos indiretos, estimar os custos que, de todo em todo, foram necessários para conseguir os proveitos efetivamente realizados” (art. 86º da petição inicial).

No enunciado das questões a decidir o MMº juiz propôs-se analisar “da necessidade ou não da aplicação de métodos indirectos para a determinação dos custos suportados pela impugnante para a obtenção dos seus rendimentos tributáveis” e na fundamentação da sentença pronunciou-se da seguinte forma:
“Alega a impugnante que, mesmo considerando, como se considera, que assiste razão à Administração Fiscal para corrigir as suas declarações, eliminando as despesas em causa, deveria, então, recorrer-se a métodos indirectos para determinar as suas despesas.
Para fundamentar a sua argumentação, apresenta a impugnante vários quadros onde apresenta as taxas de rendimento bruto e rentabilidade fiscal, antes e depois da correcção levada a cabo pela Administração Tributaria.
Alega a impugnante que as referidas taxas correspondentes à sua declaração original são aceitáveis enquanto que as resultantes das alterações levadas a cabo pela Administração Tributária seriam exorbitantes.
Desde logo, diga-se que as taxas de rentabilidade fiscal apresentadas pelas declarações originais da impugnante, estão muito longe de ser razoáveis, conseguindo, inclusive, ser inferiores à dos depósitos a prazo.
Independentemente de tudo o mais, o certo é que nem de uma nem de outra coisa foi produzida qualquer prova e, por isso, face à ausência de pressupostos de facto, não se pode concluir pela razão da impugnante no que a esta alegação diz respeito”.

A Recorrente considera ter havido omissão de pronúncia, pois no seu entender,
28ª aquilo que deveria constar na douta sentença é se se encontravam (ou não) reunidos os pressupostos elencados nos artº 87º da LGT para a tributação da Recorrente através dos chamados métodos indirectos. E sobre tais pressupostos nem uma única palavra,

29ª É que, tal como a Recorrente defendeu na petição inicial, se a AF entende que as facturas são falsas, e se a contabilidade da Recorrente revela omissões, erros, inexactidões, e indícios fundados de que não reflecte a matéria tributável real do sujeito passivo (tal como consta na página 10 da douta sentença) então dúvidas não restam que a Recorrente deveria ser tributada através dos chamados métodos indirectos.

30ª Se assim fosse evitar-se-ia o absurdo de tributar a Recorrente com margens de lucro completamente impensáveis e irrealistas de 94,49%!!!, 82,13%!!! e 98,69%!!!! (conforme ponto 8 dos factos provados)

Ora, a liquidação impugnada não teve como suporte factual ou jurídico a alegação de que a contabilidade da Impugnante impossibilitava a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, nem o MMº juiz diz isso. O que afirma, é que a AT constatou que em relação a algumas despesas “...a contabilidade da impugnante não cumpria as regras de normalização contabilística revelando omissões, erros inexactidões e indícios fundados de que não reflecetm a matéria tributável real do sujeito passivo”.

Tais erros ou inexatidões resultaram efetivamente provados. Mas considerou-se também que não impediam a comprovação e exacta quantificação da matéria tributável (bastava suprimir os respetivos custos) pelo que não estavam reunidos os requisitos para lançar mão da avaliação indireta (que a existirem, deveriam ter sido provados pela AT, nos termos do art. 74º/3 LGT. (5))

O Impugnante na petição inicial também não advoga que a sua contabilidade impedia a comprovação e exacta quantificação da matéria tributável. Pelo contrário, defende sempre que a facturação contabilizada correspondia a transações reais e efetivas e que não há razões para por em causa a presunção de verdade da escrita (art.º 85º da pi). Assim, foi neste contexto que o MMº juiz se pronunciou, em moldes que não configuram omissão de pronúncia (art. 668º/1,d) do CPC, correspondente ao actual art.º 615º/1,d) do NCPC), sendo certo que esta para existir deverá configurar uma omissão total (6), o que também não é o caso.

Mas a questão não poderá deixar de ser enfrentada, não como nulidade da sentença, mas sim como um erro de julgamento.

Ou seja, sabemos que a contabilidade da Impugnante não apresentava erros ou inexatidões que impossibilitassem a quantificação exacta da matéria tributável, limitando-se a AT a desconsiderar determinados gastos titulados pelas facturas “indiciadas”, sem necessidade de enveredar pela avaliação indireta para quantificar a matéria tributável.

Mas na tese da Recorrente, assim deixaram de ser contabilizados (todos) os custos em que a Impugnante incorreu para obter os lucros realizados. E acabou por tributar-se “...a Recorrente com margens de lucro completamente impensáveis e irrealistas de 94,49%, 82,13% e 98,69%, conforme ponto 8 dos factos provados” (Conclusão 30ª).

Ora a margem de lucro bruta poderá efetivamente apresentar-se elevada. Mas ainda assim não há qualquer justificação, factual ou legal, para a reclamada tributação por métodos indiretos porque a aplicação deste método constitui um meio excepcional de tributação do rendimento que só é legalmente possível quando o recurso a correcções técnicas se revele, de todo, impraticável.

Para isso, seria necessário que o contribuinte alegasse, e provasse que, afinal, a contabilidade em que a AT se baseou para efetuar as correções não era fiel e não permitia a quantificação direta e exata da matéria tributável.

A elevada margem bruta poderia até constituir um princípio de prova nesse sentido, mas não basta. Deveria ter sido contextualizada com a alegação de factos que demonstrassem inequivocamente haver gastos não refletidos na contabilidade, mas que foram realizados por serem imprescindíveis para a realização dos proveitos sujeitos a tributação.

Mas isso a impugnante, ora recorrente, não faz. Pelo contrário, defende a materialidade das operações faturadas e a correta escrituração da sua contabilidade. Nestas circunstâncias, não pode pretender que se considerem provados factos demonstrativos de que a sua contabilidade, é afinal, imprestável para apurar, direta e exatamente, a matéria tributável e que a tributação pelo rendimento real só poderia ter sido alcançada pela avaliação indireta.

Não pode, por isso, proceder a pretensão da Recorrente de ser tributada por métodos indiretos.


V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso, e com a presente fundamentação, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 22 de Março de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles

(1) Cfr. ac. do TCAS 08097/14 de 05-02-2015 Relator: CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Sumário: I - Quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
II - Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.
III - Não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova”.
IV – Neste desiderato, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado. ao contrario do que também defende a Recorrente, indiciam claramente que as facturas não correspondem a qualquer transação.
(2) Temos presente que a solução dada à decisão quanto ao fornecedor S...é distinta da que foi proferida no acórdão n.º 1344/04.8BEBRG de 14 de maio de 2015 (que incidiu sobre as liquidações adicionais de IVA dos anos de 2000, 2001 e 2002). Porém, sendo diferente o acervo factual provado nos dois processos em relação a este fornecedor, não poderá estranhar-se a diferente solução preconizada neste processo.
(3) A fls. 96 dos autos e fls. 10 da sentença, diz o MMº juiz: “Todavia, através de acção inspectiva a Administração Fiscal constatou que, relativamente a algumas despesas - as tituladas por facturas emitidas pelos fornecedores António..., S..., António...- Unipessoal, e Serralharia Mecânica ..., Ld.a - a contabilidade da impugnante não cumpria as regras de normalização contabilística, revelando omissões, erros, inexactidões e indícios fundados de que não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo”.
(4) Que sustenta com base em parecer publicado na CTF 365, pp. 343/352
(5) Ac. do TCAN n.º 00255/05.4BEBRG de 27-11-2014 Relator: Fernanda Esteves
Sumário:1. A tributação por métodos indirectos só é admitida nos casos e condições expressamente previstos na lei.
2. À administração tributária cabe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indirectos, demonstrando nomeadamente que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou excesso na quantificação (artigo 74º, nº 3 da LGT).
(6) Ac. do STA n.º 0167/15 de 18-03-2015 Relator: CASIMIRO GONÇALVES
Sumário: I – A omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.