Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00542/14.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/10/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
Sumário:O “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação”, nos termos do artigo 120º/1/b) CPTA, com toda a incerteza que advém de ser uma projecção sobre factos futuros, não pode ser um cenário ficcional, mas sim uma projecção racional e empírica baseada nos factos dados como assentes na sentença. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:LMSO...
Recorrido 1:Ministério da Educação e Ciência
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
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LMSO veio interpor recurso da sentença do TAF do Porto que julgou improcedente a providência cautelar de suspensão de eficácia interposta contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA, peticionando a suspensão de eficácia do “…despacho de 10.02.2014 do Sr. Director da Administração Escolar por via da qual foi determinada a anulação da colocação atribuída à requerente no Agrupamento de Escolas AS, Porto, (225), em mobilidade interna, resultante da candidatura no âmbito do Concurso Externo Extraordinário 2013/2014 (…) ou, quando assim não se entenda, deverá ser adoptadas outras que repute mais adequadas a permitir à requerente o exercício das funções de docente no Agrupamento de Escolas AS, Porto, (152225), no Grupo de Recrutamento 620 (Educação Física), em mobilidade interna, resultante da candidatura no âmbito do Concurso Externo Extraordinário 2013/2014”.
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Previamente a Recorrente requereu a aplicação de efeito suspensivo ao presente recurso.
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Em alegações a Recorrente formulou as seguintes CONCLUSÕES:
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A. Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a pretensão cautelar da Recorrente e, consequentemente, não decretou a providência cautelar requerida, por considerar que no caso concreto não se verifica o requisito da manifesta ilegalidade (art. 120.º, n.º 1, alínea a)) e, apreciando o pedido subsidiário, por considerar que não se verifica o requisito do periculum in mora (art. 120.º, n.º 1, alínea b)).

B. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por não reconhecer a manifesta ilegalidade por violação do art. 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 7/2013, do acto suspendendo que anulou a colocação da Recorrente em QZP 6, quando esta última preenchia todos os requisitos legalmente previstos nesta mesma norma.

C. Com efeito, o único requisito questionado pelo ora Recorrido foi a qualidade da Recorrente como docente contratada, facto que resulta provado da matéria dada por assente nos pontos v), vi), xi), xii) da matéria dada por assente.

D. Devendo, assim, a sentença recorrida ser substituída por outra que julgue a presente providência cautelar por verificação do requisito da manifesta ilegalidade, constante do art. 120, n.º 1, alínea a) do CPTA.

E. Por outro lado, o Tribunal a quo ao decidir pela não verificação do requisito do periculum in mora proferiu uma decisão em violação da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, sendo inequívoca a verificação do referido requisito no caso concreto pela produção de prejuízos não reparáveis, na sua totalidade, pela reintegração da legalidade e reconstituição da carreira, no caso de procedência da acção principal.

F. A Recorrente tem como única fonte de rendimento o salário que aufere pelo exercício da profissão de docente, o qual responde pelas necessidades do seu agregado familiar, composto por quatro pessoas: a Recorrente, o seu marido e os seus dois filhos menores - cfr. doc. 1 e 2 que ora se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

G. O marido da Recorrente aufere um salário de € 500, dispondo o agregado de um rendimento actual mensal de cerca € 1.890,00 – cfr. doc. 3 que ora se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

H. Só para pagar o empréstimo ao banco para compra de casa, o agregado necessita actualmente de € 340,00, pelo que sem o vencimento da Recorrente é impossível responder pelas necessidades do agregado familiar composto por quatro pessoas - cfr. doc. 4 que se protesta juntar.

I. O risco do retardamento da sentença a proferir no processo principal causará prejuízos de difícil de reparação, na medida em que, na improcedência da presente providência cautelar, a ora Recorrente passará a exercer funções em regime de contratação de escola, ao invés do regime de mobilidade interna.

J. Enquanto que, no regime de mobilidade interna, a Recorrente iria muito provavelmente exercer funções durante 4 anos, auferindo um salário de € 1388,81, durante 14 meses, no regime de contratação de escola a Recorrente (quase) certamente será sequer contratada no próximo ano lectivo.

K. A este propósito, refira-se que a Recorrente, em princípio, está impedida de ser opositora aos concursos internos e externos, em regime de mobilidade especial ou a contratação inicial, apenas podendo ser contratada em regime de reserva de recrutamento e novamente em contratação de escola.

L. O que significa que só voltará a ser contratada a partir de 31 de Dezembro de 2014, ou seja só passará auferir rendimentos a partir de Janeiro de 2015 – cfr. 38, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei 132/2012, de 27 de Junho.

M. Ainda que seja novamente contratada - o que implica ter horário completo (e não apenas 6 horas como no regime de mobilidade interna) e que nenhum docente do quadro se candidate ao seu lugar na escola - a Recorrente ficará sempre sem auferir qualquer rendimento entre o fim do contrato e o início do contrato seguinte.

N. Situação essa que se manterá para os restantes anos lectivos enquanto não for decidida a acção principal, na medida em que a contratação a prazo faz com os contratos se iniciem e terminem com o ano lectivo, ou seja, apenas duram de Setembro a Junho, ficando a Recorrente sem exercer funções e sem auferir qualquer rendimento por 3 meses por ano.

O. Com reflexos nos seus direitos de remuneração (proporcionais de férias, subsídios de férias e de natal), na antiguidade e na posição relativa a ocupar nos concursos, uma vez que quanto maior a antiguidade melhor é o posicionamento na tabela dos concursos já referidos.

P. E, consequentemente, com reflexos na colocação da Recorrente na escola não agrupada ou agrupamento de escolas em que poderá ficar colocada, uma vez que as escolas mais próximas da residência da Recorrente (Porto) são preenchidas pelos docentes que ocupam melhor posição relativa na tabela.

Q. O que se vai necessariamente reflectir em maiores custos (os da deslocação) suportados por rendimentos mais baixos, agravando-se assim a situação financeira do agregado familiar.

R. Tudo isto, quando a Recorrente já havia perspectivado pelo reingresso na carreira e pela colocação em QZP 6, auferir o salário de € 1388,81 por pelo menos 4 anos, o que apenas poderá vir a ocorrer em regime de mobilidade interna…

S. Esta interrupção do exercício de funções e, consequentemente, das remunerações terá impacto na vida familiar e do agregado familiar da Recorrente, que tem dois filhos menores de seis e treze anos, especialmente se considerarmos que o rendimento desta última representa mais de 2/3 do rendimento do agregado familiar que tem como única fonte de rendimento o salário proveniente do trabalho de pai e mãe.

T. E as consequentes privações decorrentes da falta da interrupção do exercício de funções e correspectivos pagamentos de remunerações, no agregado familiar da Recorrente, não poderão ser integralmente reparados pela reintegração da legalidade.

U. Tanto assim é que, o exemplo da interrupção da retribuição, nos casos em que esta é a principal fonte de rendimento, é usado como exemplo padrão ou «de escola», para ilustrar a circunstância de a reintegração da legalidade não reparar os prejuízos sofridos.

V. «Justifica-se a adopção da providência para evitar o risco do retardamento da tutela que deverá ser assegurada pela sentença a proferir no processo principal: pense-se no risco da interrupção do pagamento de vencimentos ou pensões, que podem ser a principal ou mesmo a única fonte de rendimento do interessado» - cfr. Mário Aroso de Almeida in In Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010, pp. 474 a 476.

W. Acresce que, Recorrente exercendo funções em regime de mobilidade interna, aufere rendimentos correspondentes a 14 meses de salário, ou seja de € 19.443,34; já no caso de improcedência da presente providência cautelar, a Recorrente passará para o regime de contratação de escola, auferindo apenas 9 meses de salário: ou seja, € 11.430,63, consubstanciando uma diferença de € 8.012,71.

X. Tratando-se de um agregado familiar de 4 pessoas, em que a única fonte de rendimento é a retribuição pelo trabalho, representando os rendimentos do trabalho da Recorrente, mais de 2/3 do rendimento do agregado, é inequívoco que menos € 8.012,71, por ano, se traduzirá na qualidade de vida do agregado familiar.

Y. Errou o Tribunal ao desconsiderar que a precariedade da carreira de docente e diminuição considerável da remuneração, decorrente do não decretamento da providência cautelar, tem consequências na escolha das necessidades actuais a satisfazer – para quem tem como única fonte do rendimento o trabalho – com projeção no futuro da vida de cada um dos elementos do agregado familiar.

Z. Errou o Tribunal ao ignorar que o DL 132/2012, surge como exigência das políticas da união europeia, para combater o flagelo dos docentes eternamente contratados a termo, como é o caso da Recorrente desde que regressou a Portugal (ano de 2006 até à presente data).

AA. Facto esse que ainda é mais grave se se considerar que a Recorrente é uma docente de carreira com vínculo suspenso e eternamente contratada a termo, ou seja, não se trata de alguém que ainda não ingressou na carreira, mas que tenta a muito custo o seu reingresso que achava ter alcançado até ser proferido o acto suspendendo.

BB. Devendo, por isso, e sem mais considerações, ser a sentença proferida pelo Tribunal a quo substituída por outra que, em obediência ao art. 120.º, n.º 1, primeira parte, julgue verificado o requisito do periculum in mora e decrete a providência requerida.

CC. Tanto mais que, também não se vislumbra qualquer interesse público ou privado relevante que se possa sobrepor ao interesse da Recorrente, não havendo lugar ao acionamento da cláusula de segurança prevista no artigo 120.º, n.º 2 do CPTA.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser a sentença proferida substituída por outra que decrete a requerida providência cautelar, assim se fazendo a habitual Justiça!

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Contra-alegando o Ministério da Educação e Ciência apresentou as seguintes conclusões:
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1. Em primeiro lugar, importa referir que, contrariamente ao pretendido pela Recorrente, a interposição de recurso de decisão judicial que não adopte providência cautelar tem efeito meramente devolutivo nos termos do n.º 2 do art.º 143.º e do n.º 1 do art. 122.º, ambos do CPTA.
2. De resto, conforme já demonstrado, aquelas disposições legais têm tido interpretação uniforme quer pela doutrina quer pela jurisprudência relativamente a esta matéria.

3. Logo, não deverá atribuído ao presente recurso efeito meramente devolutivo.

4. Quanto aos alegados vícios imputados à decisão do tribunal “a quo”, entende-se não assistir razão à Recorrente uma vez que, no caso sub judice, não se encontram preenchidos os requisitos previstos nos art.º 120.º do CPTA para o decretamento de providência cautelar conservatória.

5. Com efeito, desde logo por que não se comprova como sendo evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.

6. Com efeito, conforme a Entidade Recorrida teve a oportunidade de salientar, a matéria de direito suscitada nos presentes autos reveste-se de especial complexidade e exige que sejam conjugadas disposições legais de valor bastante diferenciado, o que não se compadece com uma análise superficial da norma contidas na al. a) do n.º 1 da Lei n.º 7/2013, como agora quer fazer crer a Recorrente.

7. De qualquer modo, realça-se, desde já, que para preenchimento da al. a) do n.º 1 da Lei n.º 7/2013 nunca bastaria dar como facto provado que a Recorrente tinha sido professora contratada nos últimos 6 anos letivos, como parece sustentar a Recorrente.

8. Tanto mais que, desde a entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, por força do disposto no n.º 4 do art.º 88.º, conjugado com o art.º 10.º, a contrario sensu, e o art.º 86.º desse mesmo diploma, os docentes de carreira, à semelhança de muitos outros trabalhadores nomeados transitaram para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado.

9. Ora, nem todos os docentes contratados reuniam os requisitos para serem opositores ao concurso externo extraordinário e ao concurso da mobilidade interna como iremos demonstrar.

10. A conjugação do n.º 5 do art.º 235.º com o disposto nos n.º 1 dos art.ºs 235.º e 231.º do RCTFP, permite-nos considerar que sempre que estejam em causa procedimentos concursais para contratação por tempo indeterminado os trabalhadores em situação de licença sem vencimento de longa duração apenas podem candidatar-se a concursos internos.

11. Ora, a Recorrente foi opositora ao concurso externo extraordinário de docentes regulado pelo Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de janeiro, e, através do mesmo obteve colocação em lugar de quadro de zona pedagógica.

12. De acordo com o preâmbulo daquele diploma, fica claro que o concurso externo extraordinário tem vista a entrada de novos docentes na carreira.

13. Por isso mesmo, os docentes que, desse modo, ingressassem na carreira seriam posicionados no «primeiro escalão da tabela indiciária, ficando sujeitos aos condicionalismos impostos pela Lei do Orçamento do Estado», i.e., o índice 167 (cf. preâmbulo in fine).

14. Por sua vez, o Decreto-Lei nº 132/2012, de 27 de junho, que veio regular os concursos para seleção e recrutamento do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, considerou que os concursos externos se destinavam a recrutar docentes que ainda não estejam integrados na carreira.

15. E o n.º 2 do art.º 22.º do Decreto-Lei nº 132/2012, de 27 de junho, com a redação então em vigor, «Os docentes de carreira na situação de licença sem vencimento de longa duração podem candidatar-se ao concurso interno desde que tenham requerido o regresso ao agrupamento de escolas ou escola não agrupada de origem até ao final do mês de setembro do ano letivo anterior àquele em que pretendem regressar e tenham sido informados de inexistência de vaga» (destacado nosso).

16. De acordo com os pontos 1.1 e 1.3 da Parte II do Aviso n.º 5466-A/2013, publicado no DR, 2.ª série, n.º 78, de 22 de abril de 2013, o qual procedeu à abertura dos concursos interno e externo, mobilidade interna, contratação inicial e reserva de recrutamento 2013/2014, destinados a educadores de infância e a professores dos ensinos básico e secundário, “São opositores ao concurso interno: os docentes de carreira em licença sem vencimento de longa duração” (destacado nosso).

17. Não obstante a especificidade do concurso aberto nos termos do Aviso n.º 1340-A/2013, publicado no DR, 2.ª série, n.º 19, de 28 de janeiro de 2013, o mesmo tratava-se de um concurso externo para efeitos de ingresso na carreira.

18. Por conseguinte, bem diferente dos concursos de contratação inicial previstos nos art.s 32.º a 35.º do Decreto-lei n.º 132/2012, de 27 de junho, aos quais os docentes de carreira na situação de licença sem vencimento de longa duração podem ser opositores por força do disposto no n.º 4 do art.º 34.º daquele mesmo diploma.

19. Assim, encontrando-se a Recorrente abrangida pela previsão do n.º 2 do art.º 22.º daquele diploma para efeitos de obtenção de lugar de quadro só poderia ser opositora ao concurso interno 2013/2014 na qualidade de docente em situação de licença sem vencimento de longa duração.

20. Realce que ao garantir o acesso ao concurso interno a esses docentes para efeitos de obtenção de vaga nos agrupamentos de escolas e em escolas não agrupadas, exclui-os, naturalmente, dos concursos externos,

21. Por conseguinte, face à lei em vigor à data dos factos, a Recorrente deveria ter-se apresentado ao concurso interno na qualidade de docente em situação de licença sem vencimento de longa duração e, caso não tivesse obtido colocação, poderia ter manifestado intenção de ser opositora ao concurso de contratação e de reserva de recrutamento, vindo a indicar as suas preferências por ordem decrescente de prioridade, por agrupamento de escolas ou escola não agrupada, por concelhos e por área geográfica dos quadros de zona pedagógica.

22. Ora, no caso sub judice, a Recorrente não seguiu os procedimentos previstos na lei e apresentou-se ao concurso externo extraordinário, o que veio a perverter por completo todos os procedimentos concursais subsequentes.

23. Com efeito, tendo a Recorrente o vínculo jurídico de docente de carreira apenas suspenso e, na ausência de norma que contemple expressamente a possibilidade de poder ser opositora a concursos externos, não poderia a Administração manter as respetivas colocações.

24. Nos termos do n.º 2 do art.º 266.º da CRP e do n.º 1 do art.º 3.º do CPA, os órgãos da Administração Pública estão sujeitos ao princípio da legalidade.

25. E, além disso, nas suas relações com os particulares, os órgãos da Administração Pública devem reger-se pelo princípio da igualdade, da imparcialidade e da justiça nos termos consignados nos art.ºs 13.º e n.º 2 do art.º 266.º da CRP, no n.º 1 do art.º 5.º e no art.º 6.º, ambos do CPA.

26. De modo a garantir o respeito por aqueles princípios, é facultado à Administração revogar atos administrativos com fundamento na sua anulabilidade.

27. Assim, diagnosticada a prática de ato administrativo anulável, deve a Administração Educativa revogá-lo nos termos previstos no art.º 141.º do CPA.

28. Ora, diferentemente do alegado pela Recorrente aquele ato de revogação não viola o preceito constitucional que consagra o direito a todos os cidadãos «de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso» (n.º 2 do art.º 47.º da CRP), antes bem pelo contrário.

29. De facto, o mesmo veio precisamente garantir que a Recorrente fique, de facto, abrangida pelas mesmas regras legais aplicáveis a outros docentes, deixando, portanto de beneficiar de um tratamento excecional.

30. Além disso, o ato suspendendo não impediu a Recorrente de ser opositora ao concurso de contratação de escola e de obter colocação em horário do Agrupamento de Escola AS, Porto.

31. Logo, é forçoso concluir que aquele ato está conforme à lei e à constituição, não violando quaisquer normas ou princípios constitucionais ou gerais de direito, designadamente da boa fé.

32. Quanto ao requisitos previstos na al. b) do n.º do art.º 120.º do CPTA, não logrou a Recorrente comprovar a impossibilidade de reconstituição da situação jurídica e de facto da Recorrente existente à data da prática do ato suspendendo.

33. E, também não foi acarreado aos autos qualquer comprovativo da subsistência de componente letiva com a duração mínima de 6 horas no Agrupamento de Escolas AS, o que é condição «sine qua non» para que pudesse ser assegurada a renovação da colocação da Recorrente naquele agrupamento até ao limite de 4 anos e a desejável continuidade pedagógica (cf. n.º 4 do art.º 28.º do Decreto-Lei 132/2012, de 27 de junho, com a redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 83-A/2014, de 23 de maio, que o republicou).

34. Ora, não havendo, pelo menos 6 horas letivas para distribuir no grupo de recrutamento de Educação Física para o próximo ano, o docente é obrigado a apresentar-se ao concurso da mobilidade interna e a manifestar preferências por outros agrupamentos de escolas ou de escolas não agrupadas.

35. Assim, mesmo que se viesse a entender que a colocação da Recorrente no concurso de mobilidade interna não padecia de qualquer vício, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, a posteriori, facilmente se verificaria da suscetibilidade ou não de garantir a continuidade pedagógica da mesma naquele agrupamento, sendo de fácil reconstituição a situação hipotética daí resultante, mormente ao nível do pagamento das diferenças remuneratórias que a mesma deixou de auferir durante aquele período de tempo ou da contagem de tempo de serviço.

36. Quanto à alegada instabilidade resultante da necessidade de a Recorrente ver-se na necessidade de ser opositora aos procedimentos concursais da contratação inicial, reserva de recrutamento e contratação de escola em consequência do ato suspendendo, é importante realçar que aqueles procedimentos, à semelhança do da mobilidade interna, têm uma periodicidade anual (n.º 2 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho) e, contrariamente ao alegado pela Recorrente, uma vez obtida colocação, a lei permite a sua renovação e a do contrato nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 42.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, republicado pelo Decreto-Lei n.º 83-A/2014, de 23 de maio.

37. Quanto à alegada perda de remunerações durante vários meses, importa esclarecer que a Recorrente veio a celebrar com o Agrupamento de Escolas AS contrato de trabalho a termo resolutivo certo, resultando do n.º 2 da sua cláusula primeira que o mesmo apenas cessará a sua vigência em 31/08/2014 (fls. 101 a 105 do PA).

38. De resto, a Recorrente veio a auferir as respetivas remunerações de acordo com o índice remuneratório 167 nos meses de junho e julho de 2014 (fls. 106 a 110).

39. Refira-se, ainda, que na sequência da cessação do contrato de trabalho a termo resolutivo, se a mesma não for imputável ao trabalhador, este tem direito a auferir a correspondente compensação pela caducidade do contrato.

40. E, mesmo na eventualidade de a Recorrente não obter de imediato nova colocação, ser-lhe-á sempre reconhecido o direito a auferir o respetivo subsídio de desemprego.

41. Realce-se, contudo, que nos últimos 5 anos letivos em que a Recorrente foi opositora aos concursos para satisfação das necessidades transitórias obteve colocação logo no início de setembro (doc. 8 e 9 do Requerimento Inicial e fls. 8 e 9 do PA).

42. De resto, como já fizemos prova na ação principal, no dia 03/06/2014, a Recorrente apresentou a sua candidatura aos concursos da contratação inicial e reserva de recrutamento para o ano letivo de 2014/2015 na qualidade de docente em situação de licença sem vencimento de longa duração (fls. 89 a 100 do PA).

43. Além disso, não existe qualquer disposição legal que impossibilite os docentes na situação de licenças sem vencimento de longa duração de se serem opositores aos concursos para contratação a termo resolutivo (contratação inicial, reserva de recrutamento e contratação de escola).

44. Logo, cai por terra o razoado pela Recorrente a propósito de uma eventual perda de rendimentos em virtude de lhe estar vedado o acesso ao exercício das funções docente durante largo período de tempo mantendo-se a eficácia do ato suspendendo.

45. Quanto à alegada carência económica que a Recorrente veio invocar em virtude de passar a ser remunerada pelo índice 151, de ter 2 filhos menores e a prestação mensal de um contrato de mútuo celebrado em 21 de setembro de 2009, importa realçar que esses factos não impediram a Recorrente de assegurar a manutenção do agregado familiar durante os anos letivos em que celebrou contrato de trabalho a trabalho a termo resolutivo e auferiu remuneração pelo índice 151.

46. Efetivamente, dos presentes autos não existe qualquer evidência de que nesses anos letivos a Recorrente tivesse estado impossibilitada de manter o seu agregado familiar ou numa grave situação de carência económica.

47. Por conseguinte, e conforme muito bem entendeu o douto tribunal “a quo”, o facto de a Recorrente passar a auferir remunerações correspondentes ao índice 151 não permite concluir pela impossibilidade de manutenção do seu agregado familiar ou classificar a sua situação como de grave carência económica.

48. Também não se acompanha as preocupações evidenciadas pela Recorrente relativamente ao próximo concurso interno, uma vez que nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, com a redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 83-A/2014, de 23 de maio, aqueles concursos têm uma periodicidade quadrienal, a não ser que por despacho do membro do Governo responsável pela área da educação aquele prazo seja antecipado (al. c) do n.º1 desse mesmo artigo).

49. Com efeito, segundo notícias veiculadas pela comunicação social, a antecipação do concurso interno apenas irá permitir colocar docentes para satisfação das necessidades permanentes de docentes no ano letivo 2015/2016

(cf. http://economico.sapo.pt/noticias/crato-antecipa-concurso-interno-de-professores-para-2015_188268.html).

50. Com efeito, face à decisão desfavorável à Recorrente pelo tribunal “a quo”, esta mantém-se na situação de licença sem vencimento de longa duração, pelo que não está impedida de requerer o regresso ao agrupamento de escola ou escola não agrupada de origem até final do mês de setembro do ano letivo anterior àquele em que pretenda regressar e de vir a poder candidatar-se ao concurso interno nos termos do n.º 3 do art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, com a redação do Decreto-Lei n.º 83-A/2014, de 23 de maio.

51. Por conseguinte, a suscetibilidade de a Recorrente poder vir a ser opositora a futuros concursos internos, a manter-se em vigor aquela disposição legal, dependerá basicamente das diligências que a mesma desenvolva nessa matéria.

52. Pelo exposto, se conclui que a Recorrente não logrou comprovar, ainda que de forma indiciária, factos que demonstrem prejuízos reais e efetivos de difícil reparação resultantes para os interesses que a mesma pretende assegurar no processo principal, nem tão pouco a constituição de uma situação de facto consumado.

53. Por outro lado, a adoção da providência permitiria perpetuar durante mais algum tempo uma situação de vantagem da Recorrente perante outros docentes que, nas mesmas circunstâncias, não puderam obter colocação no concurso externo extraordinário e no concurso da mobilidade interna, desrespeitando-se, assim, os princípios da legalidade e da igualdade constitucionalmente consagrados.

54. Nesta conformidade, permitir que a Recorrente se mantenha numa situação ilegal, significaria dar-lhe um tratamento manifestamente desigual, em seu benefício, em relação aos demais docentes que nas mesmas circunstâncias não tiveram a possibilidade de obter lugar de quadro de zona pedagógica no concurso externo extraordinário e colocação no concurso da mobilidade interna.

55. Assim, ponderados os interesses particulares da Recorrente na adoção da providência e o interesse público associado à necessidade de se garantir, com a maior celeridade possível, o respeito pelo princípios da legalidade, da justiça e da igualdade, este assume-se manifestamente superior àqueles, pelo que deverá ser mantido o ato suspendendo nos termos do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA.

Nestes termos e nos mais de Direito, que muito doutamente serão supridos por V. Exas., deverão Ser julgados improcedentes, por não provados, os pedidos da Recorrente, e, em consequência, ser confirmado o acórdão recorrido, como é de JUSTIÇA.

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O Ministério Público apresentou o douto parecer de folhas 285 e seguintes no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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Na sentença fixou-se a seguinte factualidade:
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i) A Requerente é docente de carreira do grupo de recrutamento 620, tendo transitado ao antigo 5.° escalão, índice 188, em 1/0812001, conforme emerge da análise de fls. 7 a 10 e 85 e 86 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
ii) Por despacho do Senhor Subdiretor-Geral da Direcção-Geral da Administração Educativa de 31/0812001, foi autorizada à Requerente licença sem vencimento de longa duração nos termos do n.°1 do art. 78.° do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31/03, e do art. 107.° do ECD, com efeitos a 1 de Setembro de 2001, conforme emerge da análise de fls. 39 dos autos e 8 a 9 e 86 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

iii) Em 21/09/2006, a Requerente solicitou suspensão da licença sem vencimento de longa duração ao Director dos Recursos Humanos da Direcção-geral dos Recursos Humanos da Educação, conforme emerge da análise de fls. 40 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

iv) Aquele pedido de regresso ao serviço não foi autorizado por motivo de «inexistência de vaga no quadro de origem», conforme emerge da análise de fls. 41 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

v) No ano lectivo de 2006/2007, exerceu funções como docente contratada, na Escola Secundária de S. PC, conforme emerge da análise de fls. 37 dos autos e 8 e seguintes do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

vi) No ano lectivo de 2007/2008, a Requerente foi contratada, pelo Requerido, com vista ao exercício de funções de docência no grupo 620, Educação Física, no Agrupamento Vertical de Escolas de P, conforme emerge da análise de fls. 37 dos autos e 8 e seguintes do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

vii) Em Setembro de 2007, a Requerente voltou a solicitar o regresso ao quadro de origem, para exercício de funções de docência no ano lectivo seguinte, facto que resulta admitido em face do posicionamento das partes nos respectivos articulados.

viii) Por oficio do Ministério demandado, datado de 09.04.2008, foi a requerente notificada do indeferimento do seu pedido por inexistência de vaga, assim como, que, por despacho da Subdirectora-Geral de 08.04.2008, poderia exercer funções docentes como contratada e que poderia formalizar candidatura ao Concurso de Educadores de Infância e de Professores dos Ensinos Básico e Secundário, para o ano escolar de 2008/2009, aberto por via do Aviso n.º 10680/2008, de 7 de Abril, conforme emerge da análise de fls. 42 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

ix) Em Setembro de 2008, a Requerente voltou a solicitar o regresso ao quadro, conforme emerge da análise de fls. 43 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

x) Na sequência de tal, a Requerente foi notificada da inexistência de vaga no quadro de origem, facto que resulta admitido em face do posicionamento das partes nos respectivos articulados.

xi) No ano de 2009/2010, a requerente foi contratada pelo Requerido, como docente do grupo 620, em exercício de funções na ES/3 AS, Porto, conforme emerge da análise de fls. 37 dos autos e 8 e seguintes do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

xii) O mesmo sucedeu nos anos lectivos de 2010/2011, 2011/2012 e 2012/2013: isto é, a Requerente tem exercido ao longo destes anos funções como docente contratada, do grupo 620, no Agrupamento de Escolas JSD [anos lectivos de 2010/2011 e 2011/2012] e no Agrupamento de Escolas das D [ano lectivo de 2012/2013], conforme emerge da análise de fls. 37 dos autos e 8 e seguintes do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

xiii) Em 3/09/2012, deu entrada na Direcção-geral da Administração Escolar novo pedido da Requerente a solicitar a suspensão da licença sem vencimento, conforme emerge da análise de fls. 55 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

xiv) Por ofício datado de 12/0312012, a Requerente foi informada de que por despacho de 10/0312013, o Senhor Diretor-Geral da Administração Escolar «indeferiu o pedido de regresso à actividade docente, no ano escolar 2013/2014, atendendo à inexistência de vaga», conforme emerge da análise de fls. 19 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

xv) Em Janeiro de 2013, por via do Aviso n.º 1340-A/2013, publicado no Diário da República, 2.ª Serie, n.º 19, de 28 de Janeiro, foi aberto concurso externo extraordinário de selecção e recrutamento de pessoal docente nos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, para o ano lectivo 2013/2014, legalmente previsto no Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17 de Janeiro, conforme emerge da análise de fls. 58 60 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

xvi) A Requerente submeteu a sua candidatura ao Concurso Externo Extraordinário em 1/02/2013, conforme emerge da análise de fls. 11 a 14 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

xvii) De acordo com a lista definitiva de colocação do Concurso Externo Extraordinário, publicitada a 10/04/2013, a Requerente obteve colocação no Quadro de Zona Lezíria e Médio Tejo, código 14, conforme emerge da análise de fls. 20 a 22 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

xviii) A Requerente foi opositora ao concurso nacional interno 2013/2014, não tendo obtido colocação no mesmo, conforme emerge da análise de fls. 23 a 47 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

xix) A Requerente foi opositora ao Concurso da Mobilidade Interna 2013/2014 na qualidade de professora do quadro de zona pedagógica, conforme emerge da análise de fls. 48 a 60 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

xx) Nesse concurso, a Requerente obteve colocação em horário completo no Agrupamento de Escolas de AS, Porto, conforme emerge da análise de fls. 60 a 63 dos PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

xxi) Por despacho do Director-Geral da Administração Escolar, datado de 10.02.2014, e notificado à Requerente por oficio datado de 13.02.2014, foi determinada a anulação da requerente referida em xx), conforme emerge da análise de fls. 36 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

xxii) Por via da colocação da Requerente em Mobilidade Interna (entretanto anulada), a Requerente passou a estar, desde 01.09.2013, no índice 167, do 1º Escalão, o que corresponde ao vencimento mensal ilíquido de € 1.388,81, facto que resulta admitido em face do posicionamento das partes nos respectivos articulados e, bem assim, emerge da análise de fls. 97 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

xxiii) Já ao abrigo da contratação de escola, a Requerente passa a estar no índice 151, conforme disposto no artigo 43° do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de Junho, o que determina um vencimento mensal de ilíquido de € 1.270,07, facto que resulta admitido em face do posicionamento das partes nos respectivos articulados.

xxiv) Dá-se por reproduzido todo o teor dos documentos que integram os autos [inclusive o PA apenso].

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DE DIREITO
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As questões a decidir são a questão prévia referente ao pedido de atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso e, entrando no objecto do recurso, saber se, ao contrário do decidido em 1ª instância devem reputar-se preenchidos os “critérios de decisão” consistentes na “evidente procedência da pretensão” e do “periculum in mora”, previstos no artigo 120º/1/a)/b) CPTA, sempre tendo em conta as razões alegadas pela Recorrente e sintetizadas nas suas conclusões.
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Questão prévia
Na tese da Recorrente a parte final do artigo 143º/2 CPTA exclui da regra do efeito suspensivo dos recursos, estabelecida no nº1 do mesmo artigo, estritamente os casos de decisões que determinem a adopção de providências cautelares, não abrangendo os casos como o vertente em que foi recusada a providência, devendo por isso admitir-se o presente recurso com efeito suspensivo.

Pelo despacho de fls. 275 o TAF fixou ao recurso o efeito meramente devolutivo.

E decidiu bem.

Tanto as decisões que determinam como as que negam a adopção da providência são em rigor “respeitantes à adopção da providência”, por outras palavras, são decisões relativas ao objecto da pretensão cautelar.

Só presumindo alguma inépcia do legislador (atitude que o artigo 9º/3 do C. Civil não encoraja) seria possível “ler” a expressão “decisões respeitantes à adopção de providências cautelares” num sentido restritivo que abrangesse apenas as decisões de deferimento, pois se este fosse realmente o intuito legislativo teria sido extremamente fácil expressá-lo de modo claro e inequívoco, escrevendo-se por exemplo “decisões que determinem a adopção de providências cautelares”.

O entendimento que se acolhe respalda-se confortavelmente na doutrina e jurisprudência dominantes, de que se dá nota no referido despacho do TAF.

Mesmo admitindo que o texto é objectivamente ambíguo e que nos limites da interpretação literal pode comportar o sentido proposto pela Recorrente, a solução correcta é ainda a sustentada pelo TAF, como pode ver-se no Acordão da 1ª Subs do CA do STA de 31-10-2012, Rec. 0850/12, nestes termos:

«O art. 143º, n.º 2, do CPTA estabelece que «os recursos (…) respeitantes à adopção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo» norma que tem sido reputada de equívoca, uma vez que permite ligar o efeito devolutivo à «adopção» das providências e o efeito suspensivo, que é a regra (vd. seu n.º 1), à denegação delas. Todavia, tanto a doutrina como a jurisprudência deste STA tem dito que o conceito de «adopção» abrange a concessão ou a denegação das providências (Cfr. o Comentário ao CPTA, de A. Almeida e F. Cadilha, em anotação ao dito preceito).

O presente recurso é interposto de uma sentença que indeferiu as providências cautelares requeridas - de suspensão de eficácia e de intimação à abstenção de conduta – razão pela qual não restam dúvidas que ao mesmo caberá, ao abrigo do n.° 2 do citado art.° 143° do CPTA, o efeito meramente devolutivo.

Daí que atribuamos à revista o efeito meramente devolutivo.»

E assim fica resolvida a questão no sentido da atribuição ao recurso do efeito meramente devolutivo.

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Segue-se para o conhecimento do objecto do recurso.
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Critério da “evidente procedência da pretensão
Nas suas conclusões A. a D., supra reproduzidas, a Recorrente sintetiza a crítica dirigida contra a sentença por, a seu ver indevidamente, não ter considerado verificado o pressuposto da manifesta ilegalidade do acto previsto no artigo 120º/1/a) CPTA.

É útil transcrever a fundamentação elaborada na sentença a este respeito, onde se lê:

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«Reportando-nos à situação dos autos, temos que as questões essenciais que a requerente quer ver discutidas são a de saber se o acto suspendendo ofende o conteúdo essencial do direito fundamental da requerente de exercício da sua profissão, em condições de igualdade e liberdade, consagrado no artigo 47º, nº.2, da Lei fundamental; se viola o disposto no artigo 2º, n.º1, do Decreto-Lei nº. 7/2013, de 17 de Janeiro; se ofende o disposto no artigo 107º, nº. 5, do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 139-A/90, de 28 de Abril; se enferma de erro nos pressupostos de facto; e, bem assim, se viola o princípio da boa-fé previsto no artigo 6º-A do C.P.A.
Tais questões, como se pode verificar dos argumentos aduzidos pelas partes, estão longe de apresentar uma solução evidente, pelo que devem os fundamentos de facto e de direito relativamente à ilegalidade e à legalidade dos actos em referência, agora aduzidos, na medida em que implicam exegese e cognição plena, de facto e de direito, só admissível na acção principal, constituir matéria do processo principal e nele ser conhecidos.

Com efeito, considerando os contornos da questão que se pretende ver resolvida, que se mostram fixados nos termos e com o alcance atrás explicitados, temos que, em termos perfunctórios e sumários, não se pode mostrar minimamente demonstrada a situação de manifesta ilegalidade que permita fundar a decretação das medidas cautelares nos termos do art. 120º nº 1 al. a) do C.P.T.A.

Acresce que nada foi alegado ou provado quanto ao acto em crise assentar em norma já anteriormente anulada ou que tenha havido acto idêntico anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente.

Daí que seja forçoso concluir que, no caso sub juditio, está afastada a aplicação da alínea a) do nº.1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.»

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Como se vê, a Recorrente veio em sede de recurso “simplificar” esta questão, obliterando a imputação ao acto de diversos vícios que invocara no requerimento inicial, para se concentrar apenas num deles, “a violação do art. 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 7/2013, do acto suspendendo que anulou a colocação da Recorrente em QZP 6, quando esta última preenchia todos os requisitos legalmente previstos nesta mesma norma.”
Fê-lo provavelmente com o intuito de neutralizar a complexidade impugnatória veiculada no requerimento inicial, que poderia ser contraproducente face ao objectivo de demonstrar a “evidência” da pretensão a formular no processo principal.

Mas esta mudança de estratégia continua a ser infrutífera.

Desde logo, poderia questionar-se se as conclusões agora em análise, ao referirem-se apenas a uma parcela daquilo que fundou a decisão recorrida, têm potencial para “desmentir” o juízo valorativo globalmente feito pelo TAF nesta matéria.

Mas – e sobretudo - ainda que o foco do debate se concentre no pretenso erro de julgamento referente à violação do art. 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 7/2013, continua a não ser “evidente” que o acto padeça deste vício, porquanto, de acordo com a tese do Recorrido, a Recorrente não poderia ser considerada para efeitos daquele concurso como “professora contratada” mas sim como “docente de carreira na situação de licença sem vencimento de longa duração”, existindo portanto outros diplomas e normativos legais aplicáveis à situação, mormente a Lei 12-A/2008, de 27/2, que seriam impeditivos da sua participação e graduação nesse concurso.

Cfr. neste sentido a contestação e a contra-alegação do MEC, designadamente as suas conclusões 6 e seguintes, supra transcritas.

Mais. Mesmo que a fundamentação do acto pudesse ser qualificada de insuficiente por omitir referência àqueles obstáculos legais ao deferimento da pretensão da Recorrente (aquém da desejável qualidade de “sucinta” que o artigo 125º/1 CPA preconiza), padeceria então de mero vício de forma e não evidenciaria o vício de violação de lei que lhe é apontado.

De resto, a própria Recorrente indica que teve dúvidas quanto à possibilidade de participar no dito concurso, ao alegar no art. 65º c) do seu requerimento inicial: “Aberto o concurso extraordinário em Janeiro de 2013, a Requerente solicitou, expressamente e com carácter urgente, ao Requerido, informação no sentido de saber se podia ser opositora ao concurso, não tendo obtido qualquer resposta do Requerido”.

Confirma-se pois a decisão recorrida nesta questão.

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Periculum in mora
Sobre esta questão lê-se na sentença:
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«No caso dos autos, para justificar o preenchimento do requisito de periculum in mora, alega a requerente, no essencial, que, i) no caso de a acção principal ser julgada procedente, será irremediavelmente lesado o seu direito, liberdade e garantia de acesso e livre escolha de profissão, na vertente do exercício, previsto no nº. 1 do artigo 47º da Lei Fundamental; ii) que verá hipotecada a sua carreira profissional, na medida em que ficará numa situação ainda mais precária, vendo-se forçada a ter que concorrer, após o termo do presente ano escolar, a outros métodos de selecção e recrutamento ainda mais precários ao nível do tempo em exercício de funções, sujeitando-se a colocação(ões) com duração inferior a quatro anos, ou, no limite, a não ficar sequer colocada; iii) e que ficará, igualmente, numa situação também mais precária a nível retributivo, passando do índice 167 para o índice 151.
(…)

…importa que se comece por sublinhar que a tutela cautelar existe sobretudo para garantir a execução do efeito repristinatório da anulação, ou seja, o dever de reconstituir a situação de facto que existia no momento em que o acto ilegal foi praticado e, portanto, a reintegração específica ou in natura.

Quer isto dizer que, se não for possível garantir a execução do efeito repristinatório da anulação, deve ser concedida a suspensão da eficácia do acto durante a pendência do processo principal.

A reconstituição da situação hipotética resultante da anulação judicial do acto suspendendo, que determinou a anulação da colocação atribuída à requerente no Agrupamento de Escolas AS, Porto, (225), em mobilidade interna, resultante da candidatura no âmbito do Concurso Externo Extraordinário 2013/2014, é um acto que respeita à execução do efeito repristinatório da sentença e que se impõe levar a efeito em consequência da anulação.

No plano dos factos, não se pode dizer que seja impossível proceder à reconstituição da situação [jurídica e de facto] da requerente existente à data da actuação da entidade requerida.

É certo que, nos termos do disposto no nº.3 do artigo 28º do Decreto-Lei 132/2012, de 27 de Junho, “A colocação de docentes de carreira referidos no n.º 1 mantém-se até ao limite de quatro anos, de modo a garantir a continuidade pedagógica (…)”.

Todavia, tal só é assim “ (…) se no agrupamento de escolas ou escola não agrupada em que o docente foi colocado, até ao final do primeiro período em horário anual, subsistir componente lectiva com a duração mínima de seis horas (…)” [cfr. parte final do citado nº.3 do artigo 28º].

Neste domínio, porém, a requerente nada alegou, sendo que o ónus de alegação e prova compete a ela, pelo que temos que concluir pela inverificação desta hipótese.

Ainda que assim não fosse, o que seguramente não é o caso, está em crer que do preceituado no nº.3 do artigo 28º do citado DL nº. 132/2012 não decorre a conclusão lógica e necessária da impossibilidade de reconstituição da situação da Autora, até porque existe sempre a possibilidade de haver lugares não preenchidos no Agrupamento em causa, ou mesmo das colocações concretizadas em mobilidade interna não se manterem até ao limite de 4 anos.

Por outra banda, refira-se que não se vislumbra que o facto de a requerente eventualmente ver-se forçada a recorrer a outros métodos de recrutamento mais precários acarrete qualquer impossibilidade de reconstituição da sua carreira, nem tal vem alegado nesses termos.

Logo, e por tudo o quanto ficou exposto, não se pode concluir que, na perspectiva em apreço, a não adopção da presente providência cautelar impossibilite a execução do efeito repristinatório da anulação.

Assim sendo, não se pode acompanhar a alegação em análise para efeitos de verificação do requisito de periculum in mora.

Prosseguindo [na apreciação do periculum in mora], importa, agora, analisar a alegação de que a requerente ficará, igualmente, numa situação também mais precária a nível retributivo, passando do índice 167 para o índice 151.

Neste domínio, cabe notar que se mostra provado que, por via da colocação da Requerente em Mobilidade Interna [entretanto anulada], a Requerente passou a estar, desde 01.09.2013, no índice 167, do 1º Escalão, a que corresponde um vencimento mensal ilíquido de € 1.388,81.

Cabe notar ainda, ao abrigo da contratação de escola, a Requerente passa a estar no índice 151, conforme disposto no artigo 43° do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de Junho, o que determina um vencimento mensal de ilíquido de € 1.270,07.

Ora, estes factos por si só não são susceptíveis de indiciar uma situação de grave carência económica, que põe em risco a satisfação de necessidades pessoais elementares, ou que determina um drástico abaixamento do nível de vida do requerente e seu agregado familiar [cfr. Ac. STA de 27.02.02, rec. 174/02, de 13.01.05, rec. 1273/04, de 6/02/97, rec. 41.453, de ac. de 30/10/96, rec. 40.915, de 11.7.02, rec. 955/02-11, de 16.5.95, rec. 37542, de 1.6.95, 37630, de 12.10.95, rec. 38552A e 6.2.97, rec. 41453], que justificaria a verificação do requisito de periculum in mora.

Portanto, e também na perspectiva em apreço, não deve considerar-se considerado verificado o requisito do “periculum in mora”.»

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Antes de mais cumpre dizer que a verificação sobre um “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação”, com toda a incerteza que advém de ser uma projecção sobre factos futuros, não legitima devaneios de pensamento ficcionais.
Pelo contrário, a construção dos cenários prováveis tem forçosamente que ser uma projecção racional e empírica baseada nos factos dados como assentes na sentença, muito embora estes factos sejam também eles fruto de um julgamento perfuntório e provisório, susceptível de reformulação na causa principal.

Sendo certo que, no caso, não nos confrontamos com a impugnação do julgamento em matéria de facto.

Ora, neste recurso a Recorrente vem “pintar” um quadro de empobrecimento provável do seu agregado familiar, em função da execução do acto impugnado, muito mais negro e severo do que aquele que é permitido extrapolar dos factos assentes.

Na verdade, de acordo com a evolução normal das coisas, tendo em conta os anos pretéritos e como se apurou na sentença, o nível retributivo da Recorrente baixará do índice 167 para o índice 151, ou seja, do valor mensal ilíquido de € 1.388,81 para € 1.270,07.

Por outro lado, o risco do facto consumado consistente na impossibilidade de reparação integral dos prejuízos, por retardamento da tutela definitiva a assegurar no processo principal, só se coloca em casos de perda total ou muito significativa da remuneração, situação que não se verifica no caso vertente, atenta a relativamente pouco expressiva diminuição dos rendimentos disponíveis do agregado familiar da Recorrente.

E mesmo considerando que a situação profissional da Recorrente será menos estável em termos de colocações, estes prejuízos não são de difícil reparação nem o desconforto da Recorrente atingirá o limiar de gravidade justificativo a concessão da providência requerida.

Em suma, o TAF fez também nesta matéria uma avaliação sensata e equilibrada, pelo que a sentença é de confirmar.

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DECISÃO
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Pelo exposto acordam em negar provimento ao recurso.
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Custas pela Recorrente.
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Porto, 10 de Outubro de 2014
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Hélder Vieira