Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02155/06.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/21/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:OPOSIÇÃO EXECUÇÃO FISCAL
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
GERÊNCIA DE FACTO
Sumário:I - O n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera a gerência nominal ou de direito.
II - Em síntese, por força da alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, compete à Fazenda Pública, na qualidade de exequente o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do administrador, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da administração ou gerência.
III - Propondo-se o Recorrente na sua petição demonstrar que à data dos factos era somente gerente de direito não exercendo efetivamente funções de administração ou gerência efetivas a sentença recorrida ao rejeitar a prova a produzir e ao não ponderar a produzida no proc. Processo n° 1745/06.7BEPRT, aliado à natureza conclusiva do facto n.º 8 da matéria provada, incorreu em erro de julgamento.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
O Recorrente, A…, NIF 2…, na qualidade de revertido, deduziu oposição à execução fiscal nº execução fiscal n.º 3514200201522426, instaurado do Serviço de Finanças (SF) de Matosinhos-2, contra a sociedade S…, Lda., por dívidas de IRS, IVA e coimas, dos anos de 2001 a 2003, no valor global de €42.895,96

Inconformado com a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto datada de 26.02.2013, que julgou improcedente a oposição interpôs recurso jurisdicional tendo formulado nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

I. A alínea b) do n.° 1 do artigo 24° da LGT preceitua que “os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”;
II. Na realidade, faz sentido que os gerentes não executivos não sejam responsabilizados segundo o mesmo regime que os gerentes executivos, na medida em que têm funções diferentes, ou seja, os pressupostos de responsabilização terão igualmente de ser necessariamente diversos;
III. A definição da gerência de facto/direito é tão mais importante uma vez que a responsabilidade tributária prevista na LGT é uma responsabilidade pessoal e subsidiária;
IV. Um mero gestor de direito não terá qualquer poder de direção do “quando, como e porque caminhos” deve a Sociedade pautar a sua conduta tributária e empresarial;
V. Sem que, nos termos do n.° 1 do artigo 24° da LGT, a Administração Fiscal tem o ónus de provar que o Oponente exerceu, efetivamente, a gerência de facto da sociedade S…, devendo, para o efeito, apresentar indícios sérios, objectivos e suficientes do exercício da gerência;
I. Neste sentido, vide o acórdão de 27 de Março de 2008 do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo n.° 00067103;
II. A Administração Fiscal tinha assim o ónus de demonstrar a gerência de facto por parte do Recorrente, o que não aconteceu, tendo a Sentença do Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento,
III. Uma vez que não basta a mera assinatura de cheques por parte da Recorrente para se poder comprovar o exercício de gestão efetiva pelo mesmo;
IV. Com vista a provar o não exercício da gerência de facto, o Recorrente requereu a produção de prova testemunhal,
V. Porém, o Tribunal a quo ignorou, por completo e em absoluto, a necessidade da prova testemunhal;
VI. O Tribunal a quo não se deveria ter bastado com a mera assinatura dos cheques, mas sim deveria ter realizado um juízo sobre a prova testemunhal aduzida no processo n.° 1745/06.7BEPRT, aliás, como por si referido no Despacho de fls..., de 10 de maio de 2012, não se bastando com a prova documental;
VI. Pela análise da prova testemunhal efetuada no processo n.° 1745/06.7BEPRT, foi o Recorrente que demonstrou que não exerceu a gerência de facto na sociedade S…;
VII. Uma vez que este era reconhecido como assistente técnico da sociedade S… e não como aquele que geria de facto a área comercial, administrativa e financeira, as questões das faturas, recibos, pagamentos, cobranças e reclamações dos clientes;
VIII. Nunca tendo assinado as atas de prestações de contas da sociedade, nem quaisquer outros documentos relativos à sociedade, que não tossem no âmbito exclusivo do exercido das suas funções respeitantes à vertente técnica, revelando completo alheamento das finanças da empresa;
IX. Na realidade, quem assegurava a gestão administrativa, financeira e comercial da sociedade, manifestando a vontade social e obrigando a sociedade perante terceiros, era o gerente Sousa Pacheco;
X. Deste modo podemos concluir que a douta sentença recorrida incorre em erro de julgamento, pois o Tribunal a quo, considerou suficiente e clara a prova documental, nomeadamente considerando como suficiente a assinatura dos cheques em branco por parte do Recorrente,
XI. Quando, pelo contrário, deveria ter tomado em consideração a prova testemunhal apresentada, uma vez que perante esta, o Recorrente fez a prova efetiva do não exercício da gerência de facto na sociedade S…,
XII. E consequentemente deverá excluir-se a responsabilidade subsidiária do Recorrente, em sede de reversão fiscal, por ilegal, dado não se mostrarem preenchidos todos os seus pressupostos, sendo, por isso, parte ilegítima na execução.
XIII. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a douta sentença do Tribunal a quo, e, em consequência, o pedido subjacente à impugnação judicial interposta pelo Recorrente deve ser julgado procedente, com todas as consequências legais. (…)”

O Ministério Público junto deste tribunal teve vista nos autos emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, por verificado erro de julgamento.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao ter decidido que o Recorrente exerceu a gerência efetiva ou de facto na sociedade originária devedora.

3. JULGAMENTO DE FACTO
No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efetuado nos seguintes termos:
“(…)1. No Serviço de Finanças de Matosinhos foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) n.º 3514200201522426, contra a sociedade devedora originária (SDO) S…, com o NIPC 5… (fls. 18 e ss.);
2. Por despacho do Chefe do SF de Matosinhos, de 16.03.2006, foi ordenada a audição prévia do oponente para efeitos da reversão das dívidas daquela SDO (fls. 18 e ss.);
3. O oponente apresentou defesa (fls. 23 e ss.);
4. Por despacho do Chefe do SF de Matosinhos, de 02.05.2006, foi ordenada a reversão daquelas dívidas, referentes a IRS, IVA e coimas, dos anos de 2001 a 2003, no valor global de €42.895,96, contra o oponente A… (fls. 27 e ss.);
5. A sociedade devedora originária encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto (fls. 40 e ss.);
6. O oponente figura como gerente daquela SDO desde a sua constituição em 1986 (fls. 40 e ss.);
7. A forma de obrigar a sociedade era através da assinatura de dois gerentes ou de um gerente e de um procurador (fls. 40 e ss.);
8. O oponente na SDO prestava orientação e execução da vertente técnica da actividade empresarial;
9. O oponente deslocava-se aos escritórios da SDO, sitos na Praceta da Concórdia, uma ou duas vezes por semana;
10. Para entregar as folhas de obra, com vista à emissão da correspondente facturação aos clientes;
11. Ou para a assinatura de cheques;
12. Sendo que na maior parte das vezes o oponente assinava os cheques em branco, por regra um conjunto de cheques.

4. JULGAMENTO DE DIREITO
A principal questão que cumpre a resolver, consiste em apreciar se houve erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida ao ter decidido que o Recorrente exerceu a gerência efetiva ou de facto na sociedade originária devedora.
Importa referir que a execução fiscal tem por objeto a cobrança coerciva por dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e coimas, dos anos de 2001 a 2003.
A responsabilidade dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada pelas dívidas tributárias, responsabilidade está prevista no artigo 24.º da LGT.
Por seu turno, o artigo 24.º da LGT estabelece o seguinte:
“1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
A responsabilidade subsidiária dos administradores / gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efetivo do cargo.
Na Lei Geral Tributária retira-se da interpretação do exórdio do n.º 1 do art.º 24.º, onde se menciona expressamente o exercício de funções. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam […] funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados…”
A responsabilidade subsidiária aí prevista não exige a gerência nominal ou de direito quando refere que “ Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados” (destacado nosso).
Desde logo, resulta do citado normativo, que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respetivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, no Código do Procedimento e Processo Tributário, (III volume, anotação 24 ao art.º 204.º, pág. 473). “ (…) O mesmo se pode afirmar relativamente ao CPT e à LGT, pois nos citados arts. 13.º e 24.º respectivamente, faz-se referência ao exercício efetivo de funções ou do cargo, o que leva a concluir que não basta a mera qualidade jurídica de administrador ou gerente para servir de base à responsabilização subsidiária.
Se o administrador ou gerente de direito não exercia quaisquer funções de gerência de facto, não se justificava que fosse formulado em relação a ele um juízo de culpa susceptível de basear a responsabilidade subsidiária, já que não era possível a existência de nexo de causalidade entre a sua actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, nem se podia falar em relação a ele de possibilidade de pagar as dívidas fiscais e não o fazer, dívidas essas de que, sem um exercício ao menos parcial da gerência, não poderia ter sequer conhecimento.”(…).
E é esta também a jurisprudência pacífica deste Tribunal espelhada nos acórdãos n.ºs 00349/05.6 BEBRG de 11.03.2010, 00207/07.0 BEBRG de 22.02.2012, 001517/07.1 BEPRT de 13.03.2014, 01944/10.7 BEBRG de 12.06.2014 e 01943/10.9 BEBRG de 12.06.2014 e do Pleno da secção do CT do Supremo Tribunal Administrativo de 28.02.2007, proferido no processo 01132/06 e 0861/08 de 10.12.2008 entre outros.
Assim, o n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a administração ou gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera a gerência nominal ou de direito.
E é jurisprudência pacífica que “(…) presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC).
As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.
As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.”(cfr. Acórdão do STA n.º 0941/10 de 02.03.2011).
Nesta conformidade, não é possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de administrador pode-se presumir a administração de facto.
No entanto é possível efetuar tal presunção se o tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de nesse exercício a gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, não há apenas a ter em conta o facto de o revertido ter a qualidade de direito, pois havendo outros elementos que, em concreto, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram.
Daí que se possa concluir que as presunções influenciam o regime de prova, tal como foi afirmado pelo acórdão proferido no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, no recurso n.º 1132/06 de 28.02.2007. “(…)Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342º nº 1, 350º nº 1 e 344º nº 1 do Código Civil.
Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.
3.3. Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.
Mas, no regime do artigo 13º do CPT, [e também no art.º 24.º da LGT] porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa. Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.
Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova (…)”(sublinhado nosso).
Em síntese, por força da alínea b) do art.º 24.º da LGT, compete à Fazenda Pública, na qualidade de exequente o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do administrador, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da administração ou gerência.
Pese embora nos presentes autos de oposição não conste o processo de execução fiscal (apenas alguns documentos), e deles não resulte claramente que o órgão de execução fiscal tenha carreado para o processo elementos probatórios, com idoneidade para sustentar a gerência de facto, limitando-se a invocar a qualidade de gerente, foram alegados nos autos factos suscetíveis de integrarem o noção de gerência, nomeadamente a assinatura de cheques da sociedade e o desempenho de atividade empresarial ainda que na vertente técnica.
No caso em apreço, e em resumo a Recorrente alega que não exerceu a gerência de facto da sociedade e que não basta a simples assinatura de cheques para se comprovar o exercício efetivo da gestão, e com vista a provar o não exercício das funções requereu a produção de prova testemunhal a qual foi dispensada pelo tribunal a quo considerando prova suficiente a prova documental.
Relativamente a esta questão a sentença recorrida diz(…)Os factos provados resultam ainda da aquisição processual e da confissão, nomeadamente, os factos de 9 a 13 que resultam da confissão do oponente.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa.
O Tribunal dispensou a realização da prova testemunhal, conforme despacho de fls. 96, por entender o seguinte: a produção de prova testemunhal arrolada pelo oponente só poderia implicar a prova de todos os factos alegados pelo oponente, a prova de parte desses factos ou nenhuma prova. Acontece que, ainda que essa prova testemunhal levasse a provar todos os factos alegados pelo oponente na sua petição inicial, o desfecho dos autos não seria outro como adiante se demonstrará. (...)”
Mais á frente prossegue a sentença recorrida:“(…)No caso em apreço, resulta do pacto social da SDO que o oponente foi gerente de direito desde a sua constituição.
Por outro lado, resulta do probatório que o oponente assinou reiteradamente vários cheques em nome e representação da SDO.
Ora, a assinatura de cheques são acto de gestão, pelo que não pode deixar de se concluir, que o mesmo não se encontrou apartado dos destinos da sociedade, antes praticou actos dos que normalmente são praticados pelos gerentes ou administradores, desta forma permitindo que com a sua intervenção em nome e por conta da mesma esta prosseguisse o seu giro comercial, tendo, assim, exercido as correspondentes funções de gerente, ou pelo menos uma parte delas, o que para o caso é irrelevante, razão pela qual é responsável subsidiário pelo pagamento das quantias exequendas, sendo parte legítima na execução fiscal, já que também nada veio articular nem provar, que a falta do pagamento de tais quantias lhe não seja imputável.
Com efeito, a responsabilidade que lhe foi atribuída pela AF foi ao abrigo do disposto no art. 24/1/b, da LGT, pelo que competia ao oponente alegar e demonstrar a sua falta de culpa, não tendo este feito qualquer alegação neste sentido. (…)”
Com efeito, dos autos consta de fls.80, com data de 16.07.2009, emitido pelo MM juiz titular que
“ (…) Em nome do princípio da economia e celeridade processual, querendo, juntar aos autos certidão da ata de inquirição de testemunhas realizada em processo que corra termos neste tribunal em que se verifique a identidade relativamente a(o) oponente, aos factos alegados, e em que tenham sido arroladas as mesmas testemunhas, aproveitando assim, a diligência já efetuada”.
Com efeito dos autos consta despacho datado de 05.04.2011, (fls. 89) com o seguinte teor: “(…) Afigurando-se ser possível o aproveitamento da prova já produzida no processo de oposição n.° 1745/06.7BEPRT, notifique o Oponente para vir aos autos informar se se pretende que sejam inquiridas as testemunhas arroladas N…, J… e F…, as quais não foram inquiridas nestes autos. Notifique ainda as partes para informar se se opõem ao referido aproveitamento”.
Na sequência o Recorrente respondeu que pretendia que fossem ouvidas as testemunhas acima indicadas e que não se opunha ao aproveitamento da prova produzida no Processo n° 1745/06.7BEPRT.
Em 19.12.2012, (fls. 96), foi proferido o seguinte despacho “Compulsados os autos verifico que os mesmos reúnem já todos os elementos necessários à decisão da causa, uma vez que a prova documental por si só se revela suficiente, sendo irrelevante a produção de prova testemunhal, razão pela qual indefiro a sua realização (...)”.
Em 26.02.2013 foi proferida a sentença em recurso.
O Recorrente, negou a gerência de facto, referido a existência de uma gerência de direito pese embora tenha admitido a assinatura de cheques cuja exigência derivava de um imperativo estatutário (assinatura dos dois gerentes).
A sentença recorrida levou ao probatório que “(…) 5. A sociedade devedora originária encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto (fls. 40 e ss.);
6. O oponente figura como gerente daquela SDO desde a sua constituição em 1986 (fls. 40 e ss.);
7. A forma de obrigar a sociedade era através da assinatura de dois gerentes ou de um gerente e de um procurador (fls. 40 e ss.);
8. O oponente na SDO prestava orientação e execução da vertente técnica da actividade empresarial;
9. O oponente deslocava-se aos escritórios da SDO, sitos na Praceta da Concórdia, uma ou duas vezes por semana;
10. Para entregar as folhas de obra, com vista à emissão da correspondente facturação aos clientes;
11. Ou para a assinatura de cheques;
12. Sendo que na maior parte das vezes o oponente assinava os cheques em branco, por regra um conjunto de cheques. (…)”.
Com efeito o ponto n.º 8 é conclusivo na medida em que, um juízo de facto é um julgamento baseado em análise isenta de valores ou interpretações subjetivas identificando somente aquilo que é visível comprovado ou objetivo.
No referido facto, afirma que as funções do Oponente correspondiam a “ orientação e execução da vertente técnica da actividade empresarial” ou seja, não descreve ou decompõe os trabalhos, serviços, cargos que aquele efetivamente desenvolvia dentro da empresa.
O facto foi provado por confissão, sustentando-se na petição inicial (ponto 37.º da petição inicial), no entanto, aí se refere que “…o aqui oponente limitava a sua actividade exclusivamente a orientação e execução da vertente técnica da actividade empresarial, estando completamente ausente de qualquer diligências administrativas, financeiras, ou comerciais relativas à actividade sociedade.”
(…) Ate porque o exercício efectivo das suas funções implicava longos períodos fora da empresa dado que assistência técnica em causa, dada a natureza dos equipamentos tinha de ser essencialmente prestada junto dos cliente (38.º).
Mais à frente alega (art.º 47.º) que “…nunca assinou as actas de prestações de contas das sociedades nem quaisquer outros documentos relativos á sociedade que não fossem de âmbito técnico do exercício das suas funções respeitantes à vertente técnica, revelando completo alheamento das finanças da empresa.
Como supra se referiu a gerência de facto caracteriza-se pela pratica de atos que indiciem que o oponente atuou, no exercício de poderes de gêrencia, sustentadas nas deliberações do administrando e representando a empresa realizando negócios e exteriorizando a vontade daquela perante terceiros.
Que praticou atos, quer interna quer externamente, animada de um espírito de gestão e de administração própria de um responsável por uma sociedade e titulada pelas deliberações da mesma.
Propondo-se o Recorrente na sua petição demonstrar que à data dos factos era somente gerente de direito não exercendo efetivamente funções de administração ou gerência efetivas (art.º 29 da pi), a sentença recorrida ao rejeitar a prova a produzir e ao não ponderar a produzida no proc. Processo n° 1745/06.7BEPRT, aliado à natureza conclusiva do facto n.º 8 da matéria provada, incorreu em erro de julgamento.
É patente que a factualidade que o oponente invocou e planeou demonstrar através de prova testemunhal não é meramente conclusiva nem inócua para a apreciação da causa o que obriga a proceder às diligências probatórias requeridas, de forma a possibilitar-lhe o cumprimento do ónus da prova que lhe incumbe, respeitando os princípios do contraditório e da igualdade das partes no âmbito do processo judicial bem como o princípio da verdade material e da plenitude probatório como invoca o Recorrente.
Assim, sendo, os elementos presentes nos autos não são suficientes para afirmar a prática de atos de gerência efetiva pelo Recorrido, pelo que a decisão incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito.
Nesta conformidade procedem as conclusões do Recorrente ordenando-se a baixa do processo ao Tribunal de 1ª instância para a realização das diligências atinentes ao apuramento da situação real e, após, ser aí proferida decisão em face dos elementos de prova recolhidos, se nada obstar.

E assim formulamos as seguintes conclusões:
I- O n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera a gerência nominal ou de direito.
II- Em síntese, por força da alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, compete à Fazenda Pública, na qualidade de exequente o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do administrador, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da administração ou gerência.
III- Propondo-se o Recorrente na sua petição demonstrar que à data dos factos era somente gerente de direito não exercendo efetivamente funções de administração ou gerência efetivas a sentença recorrida ao rejeitar a prova a produzir e ao não ponderar a produzida no proc. Processo n° 1745/06.7BEPRT, aliado à natureza conclusiva do facto n.º 8 da matéria provada, incorreu em erro de julgamento.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso anular a sentença recorrida, ordenando-se a baixa do processo ao Tribunal de 1ª instância para a realização das diligências atinentes ao apuramento da situação real e, após, ser aí proferida decisão em face dos elementos de prova recolhidos, se nada obstar.

Sem custas.

Porto, 21 de dezembro de 2016
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento