Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00748/12.7BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/13/2014
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
LEGITIMIDADE PASSIVA
RELAÇÃO CONTRATUAL
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
ARTIGO 10.º, N.º2 E 11.º, N.º2 DO CPTA
CADUCIDADE
Sumário:I-A personalidade e a capacidade judiciárias, são “qualidades pessoais das partes”, ao passo que a legitimidade tem a ver com a posição relativa das partes face à relação material controvertida tal como a mesma é configurada pelo autor na petição inicial.
II- O art.º 10.º, n.º2 do CPTA atribui personalidade judiciária às pessoas coletivas de direito público, estabelecendo, porém, no que à pessoa coletiva Estado respeita, uma importante restrição ao princípio da coincidência, atribuindo personalidade judiciária aos ministérios a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.
III- Para as ações que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade em que seja parte o Estado, só este detém personalidade judiciária para ser demandado como réu, atento o disposto no art.º 11.º, n.º2 do CPTA.
IV- Nas ações baseadas em contratos, o núcleo essencial da causa de pedir é constituído pela celebração de certo contrato gerador de direitos.
V- Está-se perante uma ação que tem por objeto relações contratuais quando as pretensões cuja tutela as autoras pretendam ver judicialmente reconhecidas, emergem da celebração de contratos de trabalho a termo e da sua cessação por caducidade.
VI- Em tais situações, a competente ação administrativa comum deve ser instaurada contra a pessoa coletiva Estado e não contra um seu ministério.
VII- Verificada a falta de personalidade judiciária do réu, o mesmo tem de ser absolvido da instância.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério da Educação e Ciência
Recorrido 1:ICSS... e Outro(s)....
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido que deverá ser concedido parcial provimento ao presente recurso.
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO DO NORTE.
I. RELATÓRIO
Ministério da educação e da ciência, com os sinais dos autos, inconformado, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (doravante TAF de Aveiro), proferida em 13/02/2013 que julgou procedente a ação administrativa comum que ICSS..., residente na Rua …, VA..., Anadia; MAVT..., residente na Rua …, A...; MSSP..., residente na Travessa …, V..., e, VCRVG..., residente na Rua …, E…, intentaram contra si, condenando-o a pagar às autoras, ora Recorridas, as seguintes quantias, acrescidas de juros de mora desde a citação até integral pagamento:
«a) € 4.561,20 (quatro mil quinhentos e sessenta e um euros e vinte cêntimos) a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho e, € 2.746,23 (dois mil setecentos quarenta e seis euros e vinte e três cêntimos) a título de direito a férias, subsídio de férias, e subsídio de Natal, totalizando o valor de € 7.307,43 (sete mil trezentos e sete euros e quarenta e três cêntimos), à Autora ICSS...;
b) € 4.561,20 (quatro mil quinhentos e sessenta e um euros e vinte cêntimos) a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho e, € 2.746,23 (dois mil setecentos quarenta e seis euros e vinte e três euros) a título de direito a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, totalizando o valor de € 7.307,43 (sete mil trezentos e sete euros e quarenta e três cêntimos), à Autora MAVT...;
c) € 4.561,20 (quatro mil quinhentos e sessenta e um euros e vinte cêntimos) a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho e, € 2.746,23 (dois mil setecentos quarenta e seis euros e vinte e três cêntimos) a título de direito a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, totalizando o valor € 7.307,43 (sete mil trezentos e sete euros e quarenta e três cêntimos), à Autora MSSP...;
d) € 2.027,20 (dois e vinte e sete euros e vinte cêntimos) a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho e, € 2.746,23 (dois mil setecentos quarenta e seis euros e vinte e três cêntimos) a título de direito a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, totalizando o valor € 4.773,43 (quatro mil setecentos e setenta e sete euros e quarenta e três cêntimos), à Autora VCRVG...».
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Por despacho de fls. 163 [processo físico], de 30/10/2013, o Recorrente foi convidado, nos termos do n.º4 do art.º 146.º do C.P.T.A e do n.º3 do art.º 685.º -A do C.P.C. a apresentar conclusões das alegações de recurso que observem o desiderato imposto pelos referidos dispositivos legais.
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Nessa sequência, o RECORRENTE, apresentou as seguintes conclusões de recurso:
1 – Como o Tribunal de recurso, em sede de apelação, não se limita a analisar a decisão judicial recorrida, pois, ainda que declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”, assim se deverá proceder nos presentes autos.
2 - A regra constante do nº 2, do artº 10º, do CPTA, reporta-se às situações de legitimidade processual passiva quer nas Ações Administrativas Especiais, quer nos processos que seguem a forma da Ação Administrativa Comum, com ressalva daqueles que digam respeito a relações contratuais e de responsabilidade civil extracontratual, casos em que, de acordo com a regra que se extrai do artº 11º- 2, as ações devem ser interpostas contra o Estado.
3 – Na presente lide, tudo reverte de um contrato cuja relação se diz uma relação jurídica administrativa e é, exclusivamente, a propósito do que nela e dessa relação contratual resulta na esfera jurídica das partes que se fundamenta a pretensão da presente ação - tem por objeto uma relação contratual da qual resulta a ilegitimidade/falta de personalidade judiciária do MEC, por força das disposições conjugadas dos arts 11º, nº 2, e nº 2, do artº 10º, do CPTA.
4 - Como o objeto da presente relação material controvertida se reporta a relações contratuais, nos termos do artº 11º, nº 2, do CPTA e de harmonia, ainda, com o artigo 24º do CPC, parte legítima é o Estado representado pelo Ministério Público, e não o MEC.
5 – A decisão recorrida ao considerar o MEC portador de personalidade e de capacidade judiciárias, e ao considerá-lo parte legítima (cfr. fls. 9 da sentença) e não o Estado, violou o disposto no art 11º, nº 2, do CPTA, pois, tal previsão legal estatui que nos processos que tenham por objeto relações contratuais demandado é o Estado representado, para o efeito pelo M. Público, e não os Ministérios.
6 – Atento ao consignado no nº 2, do artº 11º, do CPTA, primeira parte, o tribunal recorrido deveria ter considerado, ainda, que a ilegitimidade e a falta de personalidade processual do MEC é insuprível, e determinar a absolvição da instância e, não o tendo feito (cfr. fls. 9 da sentença), violou tal preceito legal.
7 – Apenas é suprível a exceção de ilegitimidade passiva nas situações de preterição de litisconsórcio necessário, da ilegitimidade passiva plural, mas não no caso de ilegitimidade passiva singular, o que se verifica nos presentes autos.
8 – Não é na forma de ação que reside o pressuposto conducente à apreciação da questão da ilegitimidade é, sim, efetivamente, em função do objeto que esteja subjacente na relação jurídica, seja qual for a forma perfilhada como adequada (ou não) para efeitos do processamento da causa.
9 - Nos termos do artº 577º, alíneas c) e e), do CPC a falta de personalidade ou de capacidade judiciária, assim como a ilegitimidade, constituem exceções dilatórias insanáveis e insupríveis, as quais ex vi artº 576º, nº 2, do CPC (cfr., ainda, artºs 8º e 590º-1, alínea a), do CPC) determinam a absolvição da instância, - a decisão recorrida ao não ter entendido desse modo, violou os aludidos preceitos legais.
10 – A ilegitimidade da Entidade Demandada, por força das disposições conjugadas dos arts 11º, nº 2, e nº 2, do artº 10º, do CPTA, é um dos “…fundamentos que obstam ao prosseguimento do processo…” – Cfr. art.º 89º nº 1 d) do CPTA – o que a não ter sucedido fez com que o tribunal recorrido tivesse violado tais disposições legais.
11 – A decisão recorrida tendo admitido (cfr. fls. 9 da sentença) que o MEC é parte legítima, tem capacidade e personalidades judiciárias, violou o disposto nos preceitos legais aduzidos nas conclusões anteriores.
12 – Considerando as razões de facto e de direito constantes das conclusões anteriores, deve considerar-se o MEC, atento ao objeto do processo, parte legítima, e sem de capacidade e personalidades judiciárias para ações em que esteja subjacente qualquer relação contratual.
13 – Quando a caducidade do contrato a termo certo ocorrer por esgotamento do prazo máximo legal previsto no artº 103º do RCTFP e não por falta de comunicação da vontade de renovação da entidade empregadora pública, o trabalhador não tem direito à compensação, pois a situação de facto não entronca na hipótese legal plasmada no artº 252º, nº 3, RCTFP – cfr. Ac do TCA Sul, processo nº 09330/12, do 2.º Juizo do CA, de 20-12-2012.
14 – Nos presentes autos a caducidade sucedeu por esgotamento do prazo máximo legal previsto no artº 103º do RCTFP e não por falta de comunicação da vontade de renovação da entidade empregadora.
15 – Quando a caducidade decorre do esgotamento do prazo máximo legal, a declaração que reverte do 252º, nº 3, do regime do RCTFP é despicienda e de irrelevante, pois, está juridicamente vedada à entidade empregadora pública prorrogar o contrato, considerando que se esgotou a duração máxima legalmente admitida para os contratos a termo certo.
16 – Tal significa que significa que o Recorrido não tem direito à compensação, pelo facto de a situação de facto não se enquadrar na hipótese legal do artº 252º nº 3 RCTFP.
17 – Nesta conformidade a decisão recorrida, ao condenar o Recorrente no pagamento da compensação por caducidade, violou o disposto nos arts. artº 103º e 252º, nº 3, ambos do regime do RCTFP
18 - A decisão ora impugnada, em nosso entendimento, ao decidir da forma como o fez postergou a legalidade resultante do artº 10º do CPTA; artº 11º do CPTA; art.º 89º nº 1 d) do CPTA; artºs 11º, 24º, 278º, nº 1, alíneas c) e d), 576º-2 e 577º-c) todos do CPC; artºs 20º e 268º nº 4 da CRP; artº artº 103º, artº 104º, nº 2, artº 92º, nº 2, artº 252º, nº 3, todos do RCTFP, aprovado pela Lei 58/2009 de 11/09.”
Termina pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso e revogada a sentença recorrida.
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As RECORRIDAS não apresentaram contra-alegações de recurso.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para o efeito nos termos do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer de fls. 153/155, no qual propugna que deverá ser concedido parcial provimento ao presente recurso jurisdicional e consequentemente:
«1- Confirmar-se a douta sentença recorrida, no segmento decisório que julgou parte legítima o R. Recorrente;
E sem prejuízo e sem conceder,
2) Revogar-se a mesma, no que tange à condenação do R. nos pedidos formulados pelos AA.».
Na sequência da notificação decorrente da apresentação de novas conclusões de recurso, por parte do Recorrente, o Ministério Público reiterou o sobredito parecer.
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II.FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
II.1 MATERIA DE FACTO
A sentença recorrida deu como assentes, com relevância para a decisão proferida, os seguintes factos:
A) A Autora ICSS... celebrou com a Escola Secundária de E... um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, ao abrigo do disposto nas alíneas g) e i) do artigo 9.º da Lei n.° 23/2004, de 22 de Junho, com início no dia 1 de Setembro de 2008 e termo em 31 de Agosto de 2011 (cláusula primeira) – cfr. doc. n.º 1 anexo à PI e constante do PA.
B) A Autora MAVT... celebrou com a Escola Secundária de E... um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, ao abrigo do disposto nas alíneas g) e i) do artigo 9.º da Lei n.° 23/2004, de 22 de Junho, com início no dia 1 de Setembro de 2008 e termo em 31 de Agosto de 2011 (cláusula primeira). – cfr. doc. n.º 2 anexo à PI e constante do PA.
C) A Autora MSSP... celebrou com a Escola Secundária de E... um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, ao abrigo do disposto nas alíneas g) e i) do artigo 9.º da Lei n.° 23/2004, de 22 de Junho, com início no dia 1 de Setembro de 2008 e termo em 31 de Agosto de 2011 (cláusula primeira) – cfr. doc. n.º 3 anexo à PI e constante do PA.
D) A Autora VCRVG... celebrou com a Escola Secundária de E... um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, ao abrigo do disposto nas alíneas g) e i) do artigo 9.º da Lei n.° 23/2004, de 22 de Junho, com início no dia 1 de Maio de 2010 e termo em 31 de Agosto de 2011 (cláusula primeira) – cfr. doc. n.º 4 anexo à PI e constante do PA.
E) Conforme o prescrito na cláusula segunda e terceira dos respectivos contratos de trabalho, as Autoras prestavam serviço no Centro Novas Oportunidades do Antuã, sito na Rua do Conde Peneira, 3860 E..., exercendo as funções de técnicas de diagnóstico e encaminhamento (ou profissional de Reconhecimento e Validação de Competências).
F) O período normal de trabalho consubstanciava-se em 35 (trinta e cinco) horas de trabalho semanais e 7 (sete) diárias (cláusula quinta do contrato de trabalho).
G) A retribuição pelo trabalho prestado correspondia ao índice 400 da tabela de remunerações dos funcionários e agentes da Administração Pública, acrescida dos subsídios de refeição, férias, natal (cláusula quarta do contrato de trabalho).
H) À data do termo do contrato, as Autoras auferiam mensalmente a quantia de € 1.373,12 (mil trezentos e setenta e três euros e doze cêntimos), cada – cfr. doc. n.° 5, 6, 7 e 8 anexos à PI e PA.
I) Nos termos da cláusula oitava dos contratos de trabalho previa-se que “em tudo o que não estiver previsto no presente contrato de trabalho, aplicam-se subsidiariamente as disposições legais contidas nas Leis 23/2004, de 22 de Junho, n.° 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, n.° 35/2004, de 29 de Julho, no Código de Trabalho, Portaria nº 370/2008 de 21 de Maio e demais legislação complementar”.
J) Após o termo aposto nos contratos, os mesmos não foram renovados.
K) Não consta dos recibos relativos à remuneração de Agosto de 2011 das Autoras quaisquer quantias referentes a proporcionais de férias não gozadas, subsídio de férias e subsídio de Natal vencidos – cfr. doc.s n.° 5, 6, 7 e 8 anexos à PI e PA.
L) Igualmente não consta do Processo Administrativo qualquer documento comprovativo do pagamento às Autoras das referidas quantias.
M) As Autoras solicitaram ao Director da Escola Secundária de E... o pagamento da compensação por caducidade do contrato de trabalho a termo certo, bem como, as quantias referidas no número anterior proporcionais de férias não gozadas, subsídio de férias e subsídio de Natal vencidos, nos moldes e montantes constantes dos doc.s n.ºs 9, 10, 11 e 12, anexos à PI e constantes do PA.
N) Até à data não obtiveram qualquer resposta à referida interpelação.
O) Em 01.09.2011, as Autoras celebraram com a Escola Secundária de E..., na sequência de outro processo de selecção, novos contratos nos termos das alíneas g) e i) do artigo 93.º do RCTFP, com início em 01 de Setembro de 2011 e termo no dia 31 de Dezembro de 2013, conforme documentos constantes do PA cujo teor se dá como integralmente reproduzidos.
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II. 2 DO DIREITO
QUESTÕES DECIDENDAS
(1) Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora recorrente, o que deverá ser efetuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redação conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda artigo 149º do CPTA.
(2) De acordo com as conclusões apresentadas pelo Recorrente, as questões a decidir reconduzem-se a saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, decorrente de (i) ter considerado que o Ministério da Educação e Ciência detém personalidade judiciária/legitimidade passiva e da (ii) interpretação que efetuou sobre os pressupostos do direito do trabalhador à compensação pela caducidade do contrato de trabalho regulada no art.º 252.º do RCTFP.
DA FALTA DE PERSONALIDADE/LEGITIMIDADE PASSIVA DO RECORRENTE
(3) Nas conclusões 1.ª a 12.ª, o Recorrente insurge-se contra a circunstância da decisão in crisis ter considerado o Ministério da Educação e Ciência dotado de legitimidade passiva, porquanto, a presente ação tem por objeto uma relação contratual e como tal, atento o disposto no art.º 11.º, n.º2 e 10.º, n.º2 do C.P.T.A a mesma devia ter julgado que parte legítima é o Estado representado pelo Ministério Público, e não o MEC, pelo que, deveria ter considerado, ainda, que a ilegitimidade e a falta de personalidade processual do MEC é insuprível, e determinar a sua absolvição da instância.
Sublinha que, ao assim não ter considerado, o tribunal recorrido violou as disposições conjugadas dos art.ºs 11º, nº 2, e do art.º 10º, n.º2 do CPTA.
4) No tocante à questão a decidir, e para um seu melhor enquadramento, importa considerar, prima facie, a decisão recorrida, na qual se escreveu, que « in casu, resulta da causa de pedir e pedido formulados na presente acção que a mesma tem por objecto omissões imputadas a entidade pública (o Réu Ministério da Educação) reputadas por ilegais por violação da lei (no caso, entre outros, dos artigos 252.º e 253.º do RCTF . Para assim ter concluído, afirma a senhora juíz a quo que «Como referem as Autoras, a falta de pagamento da compensação pela caducidade dos contratos, celebrados com a Escola Secundária de E..., por parte do Réu, bem como das férias, subsídio de férias e Natal constituem créditos laborais legalmente exigíveis pela Autoras nesta sede enquanto contratadas pelo Ministério da Educação, conforme o disposto nos artigos invocados. Ou seja, a presente acção tem por objecto a omissão do dever legal de prestar directamente resultante da lei (por efeito da cessação dos contratos em causa nos autos).
Por conseguinte, tal omissão de prestar (falta de pagamento dos referidos créditos laborais) é, nos termos do artigo 37.º do CPTA, legitimador da utilização do presente meio processual (sendo a forma do processo a adequada pela aplicação conjugada dos artigos 35.º e 37.º do CPTA), tendo as Autoras, enquanto titulares de interesse pessoal e directo, legitimidade para demandar judicialmente o Réu Ministério da Educação.
(…)
Por outras palavras, a relação jurídica subjacente aos presentes autos não é puramente de responsabilidade contratual, antes se ancora, em primeira linha, no alegado incumprimento de normas legais, enquanto normas jurídico-administrativas, das quais as Autoras consideram resultar directamente a sua pretensão, delas se retirando um dever de prestar imputável ao Réu, e consequentemente, dos contratos em causa, por considerarem que elas são aplicáveis à cessação do mesmos.
Assim sendo, in casu, a parte legalmente a demandar, no caso do Estado, é o Ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos (n.º 2 artigo 10.º).
Pelo que, o Réu Ministério da Educação, enquanto demandado constitui a entidade que legalmente deve estar em juízo para se defender.
Improcede assim a alegada excepção de “ilegitimidade processual insuprível” do Ministério da Educação enquanto Demandado”.
(5) O artigo 10.º, n.º 1 do C.P.T.A indica-nos, claramente, um critério para aferirmos da legitimidade, in casu, passiva, afirmando que “cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos autores”.
Já o n.º 2 daquele normativo prevê, por sua vez, que “quando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”, dele não resultando, como melhor infra se demonstrará, a nosso ver, um critério de legitimidade passiva, mas antes a atribuição de personalidade judiciária a quem, veja-se, os Ministérios, não fora essa disposição legal, a não teriam, por não serem pessoas coletivas de direito público, mas meros departamentos da administração central do Estado.
(6) Por seu turno, no n.º2 o artigo 11.º do C.P.T.A. estabelece-se que “ Sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objecto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas colectivas de direito público ou os ministérios podem ser representadas em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, cuja actuação no âmbito do processo fica vinculada à observância dos mesmos deveres deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da outra parte», existindo firme e abundante jurisprudência, de que infra daremos nota, que dele fazem decorrer a atribuição de personalidade judiciária, unicamente ao Estado, para intervir como parte demandada no âmbito de tais ações.
(7) Note-se, porém, que a jurisprudência dos tribunais superiores desta jurisdição tem reiteradamente afirmado que o regime legal inserto no n.º 2 do art. 10.º do CPTA reporta-se à disciplina ou definição da legitimidade processual passiva nas ações administrativas que tenham por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública- [cfr. Ac. STA de 03.03.2010 - Proc. n.º 0278/09 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Acs. TCA Norte de 11.01.2007 - Proc. n.º 0534/04.8BEPNF, de 24.05.2007 - Proc. n.º 00184/05.1BEPRT, de 19.07.2007 - Proc. n.º 00805/05.6BEPRT, de 11.11.2011 - Proc. n.º 00161/07.8BEBRG, de 25.11.2011 - Proc. n.º 03586/10.8BEPRT in: «www.dgsi.pt/jtc];
(8) E que tal regime apenas respeita às ações administrativas especiais [impugnação de ato, condenação à prática de ato legalmente devido e de impugnação de normas - arts. 50.º e segs., 66.º e segs. e 72.º e segs. CPTA] e, bem assim, às ações de reconhecimento de direito ou de condenação à adoção ou abstenção de comportamentos [v.g., as previstas no art. 37.º, n.º 2, als. a), b), c), d) e e) do CPTA], deixando de fora do seu âmbito de aplicação as ações administrativas comuns que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade.
(9) No tocante a tais ações, como já deixamos sinalizado, a jurisprudência é unânime em afirmar que, atento o disposto no artigo 11.º, n.º2 do C.P.T.A. [quando estejam em causa ações relativas a relações contratuais ou de responsabilidade] parte demandada é o Estado, que deve ser representado, nessas ações, pelo Ministério Público.
(10) E, bem assim, que a instauração de uma ação administrativa comum que tenha por objeto uma relação contratual ou de responsabilidade, no âmbito da pessoa coletiva Estado, contra um seu ministério ou órgão, determina a absolvição da instância da entidade demandada com fundamento na falta do pressuposto processual da personalidade judiciária, exceção dilatória insuprível, tudo alicerçado no entendimento segundo o qual o art.º 11.º, n.º2 do C.P.T.A. não tem a virtualidade de conferir personalidade judiciária a quem não a possui no quadro das referidas ações administrativas comuns.
Em adição a este entendimento, veja-se ainda M. Aroso de Almeida e Carlos A. F. Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3.ª edição revista, págs. 85/86 e M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira in: “Código de Processo nos Tribunais Administrativos … - Anotado”, vol. I, pág. 167.
(11) Pese embora a decisão recorrida tenha enquadrado a questão de saber se a presente ação devia ter sido proposta contra o MEC ou, ao invés, contra o Estado, no âmbito do pressuposto processual da legitimidade passiva, o que está em causa, como melhor se demonstrará, é antes uma questão que tem de ter vista e tratada no âmbito do pressuposto processual da falta, ou não, de personalidade judiciária do Ministério da Educação e da Ciência para ser demandado na presente ação, caso se conclua, como vem defendido pelo ora Recorrente, estar em causa uma ação que tem por objeto uma relação contratual estabelecida entre cada uma das ora Recorridas e o MEC, por via dos contratos de trabalho a termo certo resolutivo que foram outorgados.
(12) Não dispondo o C.P.T.A., de nenhuma norma que proceda à definição do pressuposto processual da personalidade judiciária, importa chamar à colação a definição legal constante do artigo 11.º do CPC/2013, aplicável ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, que sob a epígrafe “ Conceito e medida da personalidade judiciária”, dispõe, no seu n.º1, que “ A personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte”, o mesmo é dizer, de solicitar ou de contra si ser solicitada, em seu nome próprio [ou seja, como titular autónomo de relações jurídicas, máxime, de direitos e deveres, legais ou contratuais] qualquer uma das providências de tutela jurisdicional previstas na Lei.
Nos termos do n.º2 do mesmo preceito [art.º 11.º do CPC/2013] “ Quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária”, pelo que, em regra, a personalidade judiciária afere-se pela personalidade jurídica, o mesmo é dizer, a atribuição de personalidade judiciária, em processo civil, opera segundo o “critério da coincidência”.
Tal não significa, porém, que o inverso seja verdadeiro, posto que situações existem em que a lei atribui personalidade judiciária a quem não detém personalidade jurídica.
Outrossim, detêm personalidade jurídica não só as pessoas singulares, como também as pessoas coletivas, nas quais se integram as associações e as fundações [cfr. artigos 66.º, 68.º e 158.º do Código Civil].
(13) No que concerne à capacidade judiciária, dispõe o n.º1 do artigo 15.º do CPC/2013 que a mesma «consiste na susceptibilidade de estar, por si, em juízo», consagrando-se no n.2 desse preceito, que a mesma tem «por base e por medida a capacidade de exercício de direitos» (n.º2).
(14) Em suma, brota do exposto, que quer a personalidade, quer a capacidade judiciárias, à semelhança da personalidade e capacidades jurídicas, são “qualidades pessoais das partes”, ou no dizer de Antunes Varela/J.Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 131 “ requisitos abstracta ou genericamente exigidos para que a pessoa ou a organização possa estar em juízo ou possa actuar autonomamente em relação à generalidade das acções ou a certa categoria de acções”.
(15) Já no que concerne à legitimidade processual a mesma mais não é do que a “susceptibilidade de ser parte numa ação aferida em função da relação dessa parte com o objecto daquela acção” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lisboa, Lex, 1997, pág. 136 e ss) e tal pressuposto tem em vista garantir “ a coincidência entre os sujeitos que, em nome próprio, conduzem o processo e aqueles em cuja esfera jurídica a decisão judicial vai directamente produzir a sua eficácia” (cfr. Carlos Lopes do Rego, “ Legitimidade das partes e interesse em intervir em processo civil”, in Revista do Ministério Público, Ano 11, n.º 41, 37-86,40.
(16) No tocante, concretamente, à legitimidade passiva e personalidade judiciária das entidades públicas, não pode ignorar-se que o C.P.T.A. adotou uma nova conceção do processo administrativo como um “processo de partes”, o que “permite perspectivar a questão da legitimidade passiva, não a partir do acto, para depois chegar ao seu autor, mas antes encará-la do ponto de vista do sujeito processual e da sua relação com o objeto do processo. E quando nos centramos no sujeito, logo nos surgem, a par da legitimidade, os demais atributos que processualmente são exigidos à entidade pública demandada para que possa estar em juízo” – cfr. Esperança Mealha, “Personalidade Judiciária e Legitimidade Passiva das Entidades Públicas”.
(17) Decorre do quadro legal definido pelo CPTA que, para as ações que tenham por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, se estabeleceu, como regra geral, o princípio da coincidência entre personalidade jurídica e personalidade judiciária, segundo o qual têm personalidade judiciária as pessoas coletivas públicas (art.º 10.º, n.º2, primeira parte do C.P.T.A).
Em sentido concordante, veja-se Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª Ed. Revista, Coimbra, Almedina, 201º, pág. 110, onde salientam que o CPTA elegeu a pessoa coletiva de direito público como sujeito principal do processo administrativo e, assim, “rompeu com o princípio tradicional de atribuir personalidade e capacidade judiciária aos órgãos administrativos”.
Também FREITAS DO AMARAL, in “ Curso de Direito Administrativo”, 2.ª edição, Vol.I, pág. 221, refere de forma assaz muito elucidativa que “…apesar da multiplicidade das atribuições, do pluralismo dos órgãos e serviços, e da divisão em ministérios, o Estado mantém sempre uma personalidade jurídica una”, frisando que “Todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de direito, não são sujeitos de direito distintos: os ministérios e as direcções-gerais não têm personalidade jurídica. Cada órgão do Estado- cada Ministro, cada director-geral,…, cada chefe de repartição, vincula o Estado no seu todo, e não apenas o seu ministério ou o seu serviço…”.
(18) Sucede porém que, o legislador, ciente da complexidade e heterogeneidade das pessoas coletivas de direito publico, mormente do Estado, sobre quem recai uma vastidão de atribuições que são prosseguidas através de uma multiplicidade de órgãos e serviços administrativos, no seio dos quais se incluem os Ministérios, estabeleceu, na segunda parte do n.º2 do art.º 10.º do CPTA uma importante restrição ao princípio da coincidência, “dele retirando a pessoa coletiva Estado, e colocando os ministérios ao lado das pessoas coletivas públicas como sujeitos do processo administrativo”.
Também Vasco Pereira da Silva, in “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Ensaio sobre as Ações no Novo Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2005”, pág. 251, conclui, expressivamente, que “ a noção de pessoa coletiva parece não estar mais em condições de poder continuar a funcionar como único sujeito de imputação de condutas administrativas, em razão da complexidade da organização administrativa e da natureza multifacetada das modernas relações administrativas multilaterais”.
(19) Pese embora, impressivamente, pareça resultar do art.º 10.º, n.º2 do CPTA que o mesmo atribui legitimidade passiva aos ministérios, para o que, em muito contribui, a própria epígrafe do artigo, do que se trata, a nosso ver, e em face das considerações tecidas, designadamente do conceito de personalidade judiciaria versus legitimidade passiva, é que nesse normativo, do que se cuida é antes da atribuição de personalidade judiciária a tais “departamentos da administração central do Estado dirigidos pelos Ministros respectivos”, que por carecerem de “personalidade jurídica”, não deteriam, à partida, a suscetibilidade de ser parte, relevando apenas o pressuposto da legitimidade processual, neste âmbito, para aferir qual o concreto Ministério que tem interesse direto em contradizer a ação.
Sustentando idêntico entendimento, veja-se, Vieira de Andrade, in “ A Justiça Administrativa (Lições)”, 4.ª Ed., Almedina, pág.255, que no seu dizer, a partir do momento em que se constrói o processo administrativo como «processo de partes», passam a ser sujeitos processuais as pessoas colectivas públicas a que pertencem os autores dos atos ou normas, sem deixar porém aquele autor de notar que « No entanto, há ainda a considerar a posição especial já referida do Ministério Público, enquanto parte principal no âmbito da ação pública, bem como a circunstância específica de ser atribuída personalidade judiciária aos Ministérios (artigo 10.º, n.º2, do CPTA) e, embora agora só excepcionalmente, a órgãos administrativos, no caso especial dos litígios entre órgãos administrativos (artigo 10.º, n.º6)”. (subinhado nosso).
(20) Isto dito, importa agora apurar em que medida o disposto no artigo 11.º, n.º2 do CPTA sobre a representação orgânica do Estado pelo Ministério Publico nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, interfere com os critérios de atribuição de personalidade judiciária aos Ministérios, constantes do n.º2 do art.º 10.º do CPTA, e que já supra afloramos ligeiramente.
(21) A este respeito, a jurisprudência dos tribunais superiores da jurisdição administrativa tem sido unânime, reafirma-se, no entendimento segundo o qual o regime inserto no n.º2 do art.º 10.º do C.P.T.A. [que pese embora refiram dizer respeito ao pressuposto da legitimidade, a nosso ver, como deixámos afirmado, se refere, antes, ao pressuposto da personalidade judiciária], vale apenas para as ações administrativas especiais de impugnação de ato, condenação à prática de ato legalmente devido e de impugnação de normas [cfr. arts. 50.º e segs., 66.º e segs. e 72.º e segs. CPTA] e, bem assim, para as ações de reconhecimento de direito ou de condenação à adoção ou abstenção de comportamentos [v.g., as previstas no art. 37.º, n.º 2, als. a), b), c), d) e e) do CPTA], não sendo aplicável às ações administrativas comuns que tenham por objeto relações contratuais ou de responsabilidade civil do Estado, situação em que apenas pode ser demandado como réu o Estado, por só este deter personalidade judiciária, uma vez que., o artigo 11.º, n.º2 do CPTA, pelos seus termos, não tem o alcance de conferir personalidade judiciária a quem não a possui no âmbito das referidas ações.
(22) Tendo em conta que, na senda da sólida jurisprudência que tem sido produzida, as ações administrativas comuns cujo objeto se prenda com relações contratuais e de responsabilidade têm de ser instauradas contra o Estado, por força do disposto no artigo 11.º, n.º2 do CPTA e artigo 11.º, n.º1 do CPC e que a sua instauração contra os Ministérios constitui exceção dilatória insuprível por falta do pressuposto processual da personalidade judiciária, a questão que ora se torna imperiosa resolver é a de saber se a ação instaurada pelas ora Recorridas é uma daquelas que se encontram abrangidas pelo campo de aplicação do artigo 11.º, n.º2 do CPTA, como defende o ora Recorrente, máxime, se se está perante uma ação cujo objeto se prenda com uma relação contratual, ou, diversamente, perante uma ação a que corresponde a forma de processo comum mas cujo objeto não é constituído por uma relação contratual.
Vejamos.
(23) Nos termos do disposto no n.º1 do artigo 9.º da LVCR a relação jurídica de emprego público pode constituir-se “por nomeação ou por contrato de trabalho em funções públicas” e, de acordo com o n.º3 desse mesmo preceito O contrato de trabalho é o acto bilateral celebrado entre uma entidade empregadora pública, com ou sem personalidade jurídica, agindo em nome e em representação do Estado, e um particular, nos termos do qual se constitui uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa”.
(24) Por outro lado, nos termos do art.º 21.º da LVCR, o contrato de trabalho em funções públicas, pode assumir as modalidades de contrato de trabalho por tempo indeterminado ou a termo resolutivo, certo ou incerto, sendo que, em qualquer dessas modalidades, o mesmo é um ato consensual pelo qual se estabelece uma relação de trabalho subordinado, sendo configurado como um contrato administrativo.
(24) Pese embora o contrato de trabalho em funções públicas tenha natureza contratual, a verdade é que por se estar perante um específico contrato, cujo objeto versa sobre uma relação laboral, as partes não são completamente livres de darem a esse contrato o conteúdo que muito bem entenderem, existindo certas normas de direito laboral que não podem ser afastadas, as quais limitam a liberdade de estipulação contratual, impondo, pelo menos, um conteúdo mínimo imperativo. As relações laborais, por se desenvolverem num domínio em que o desequilíbrio entre as partes contratantes é mais acentuado e em que se regista uma maior necessidade de proteger a parte considerada mais fraca (princípio do favor laboratoris), veja-se, o trabalhador, são em larga medida disciplinadas por um conjunto de normas injuntivas, estabelecidas tendo em conta, designadamente, as desigualdades factuais existentes entre o empregador e o prestador de trabalho, com vista a salvaguardar uma efetiva igualdade jurídica.
(25) Deste modo, é inquestionável que o conteúdo da situação jurídica laboral abrange todas as regras que, de origem legal ou contratual, tenham aplicação por força da sua existência, o mesmo é dizer, a situação jurídica laboral apresenta um conteúdo complexo derivado de regras legais e convencionais (fixadas pelas partes através da conclusão do contrato de trabalho), que se aplicam em conjunto, por força da celebração de um contrato de trabalho, independentemente de constarem expressamente ou não do contrato e da existência ou não de expressa remissão para as mesmas.
(26) Em conclusão, a relação administrativa estabelecida através da celebração de um contrato de trabalho entre a Administração Publica e um trabalhador, pela qual o mesmo é afeto à realização de um fim de imediata utilidade pública, é, pois, uma relação contratual.
(27) Posto isto, tendo em conta que o objeto do processo é definido pelo pedido e pela causa de pedir, importa, agora, atentar nos pedidos formulados bem como na causa de pedir em que as ora Recorridas sustentam as pretensões que pretendem ver reconhecidas, de forma a verificar se estamos ou não perante uma ação cujo objeto seja uma relação contratual, embora previamente se nos afigure oportuno tecer umas breves considerações sobre o que se entende por pedido e causa de pedir.
(28) No que concerne ao pedido, e no dizer de Teixeira de Sousa, in “Introdução ao Processo Civil”, pág.23, o mesmo “ consiste na forma de tutela jurisdicional que é requerida para determinada situação subjectiva”. Mas ao autor não basta formular o pedido, tendo ainda de especificar a causa de pedir, o mesmo é dizer, a fonte desse direito, o facto ou ato de que, no seu entender, o direito procede.
(29) No caso presente, os pedidos formulados pelas autoras, ora Recorridas, consubstanciam-se no pedido de condenação do ora Recorrente, a pagar-lhes a compensação pela caducidade do respetivo contrato de trabalho a termo, regulada no artigo 252.º do RJCTFP, a que se arrogam com direito e bem assim a pagar-lhes os créditos salariais que reclamam a título de direito a férias, subsídio de férias, e subsídio de Natal.
(30) No tocante à causa de pedir, a mesma é, a nosso ver, constituída pela relação jurídica complexa emergente do contrato de trabalho a termo que cada uma delas celebrou com o MEC, onde se inclui a cessação do contrato de trabalho por caducidade.
(31) Assim, cremos que o facto jurídico que serve de fundamento à ação, diversamente do afirmado na sentença recorrida, é a relação contratual que foi estabelecida entre as ora Recorridas e o MEC através dos sobreditos contratos individuais de trabalho a termo resolutivo certo que foram outorgados.
Tais contratos de trabalho, não só são condição sine qua non ao exercício do direito à compensação por caducidade e pagamento dos demais créditos salariais reclamados, como lhes servem de enquadramento.
Note-se que, quer o direito à compensação pela caducidade dos sobreditos contratos de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, quer o direito ao pagamento das importâncias reclamadas a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, só estão em discussão e, consequentemente, a norma do artigo 252.º do RJCTFP só é convocada, por terem sido celebrados os mencionados contratos de trabalhos, ou seja, por existir uma relação contratual da qual emergem um conjunto de direitos, como aqueles que são peticionados.
(32) Assim, é imperioso concluir que o facto jurídico que serve de fundamento à presente ação é constituído por cada um dos contratos a termo que foram celebrados com o MEC, ou dito de modo mais adequado, pela relação jurídica complexa emergente dos mesmos, estando em causa a responsabilidade contratual decorrente da caducidade de cada um dos contratos.
(33) Nas ações baseadas em contratos, o núcleo essencial da causa de pedir é, por conseguinte, constituído pela celebração de certo contrato gerador de direitos.
(34) E sendo assim, tendo em conta o disposto no artigo 11.º, n.º2 do CPTA quem tinha personalidade judiciária para ser demandado como réu nos presentes autos de ação administrativa comum era o Estado e não o MEC, como se verifica que sucedeu.
(35) Ora, a falta do pressuposto processual da personalidade judiciária é insanável, pelo que se impõe, em consequência, revogar a decisão recorrida e, em sua substituição, proferir decisão de absolvição do Réu da instância.
(31) Tendo em conta que o conhecimento do primeiro fundamento de recurso leva a que seja julgada procedente a exceção de falta de personalidade judiciária do Réu, e que a mesma impede o conhecimento do mérito da pretensão formulada pelas autoras, ora Recorridas, o conhecimento das demais questões colocadas encontra-se prejudicado.
*****
IV. DECISÃO
Nestes termos, decidem os Juizes deste Tribunal Central, em conferência:
I. Conceder provimento ao recurso jurisdicional, e revogar a sentença recorrida;
II. Julgar procedente a exceção dilatória da falta de personalidade judiciária do Ministério da Educação e Ciência e absolvê-lo da instância;
III. Custas pelas Recorridas, em ambas as instâncias.
d.n.
Porto, 13/06/2014
Ass.: Helena Ribeiro
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Maria do Céu Neves