Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:0009/03.2BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/21/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:IVA; BENS EM SEGUNDA MÃO; REGIME ESPECIAL; MATÉRIA COLETÁVEL; IMPOSTO AUTOMÓVEL;
Sumário:I- Embora respeite à exigibilidade da dívida tributária e não à sua legalidade, a prescrição pode ser apreciada em processo de impugnação, mesmo em sede de recurso jurisdicional, para efeito de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, desde que os autos reúnam os elementos documentais necessários a esse fim.

II- Se a questão da prescrição da dívida não foi submetida à apreciação da primeira instância, o seu não conhecimento não integra qualquer nulidade, mas, antes, eventual erro de julgamento.

III- Tendo a ATA evidenciado factualidade que permite concluir que o valor de compra das viaturas em segunda mão não está devidamente justificado, afastando a presunção de veracidade creditada às declarações do contribuinte, nos termos do artigo 75.º, n.º 2, alínea a) da LGT, passa a incidir sobre este o ónus da prova da veracidade do por si declarado.

IV- O IA é uma imposição interna e quando o mesmo foi pago já as viaturas pertenciam ao sujeito passivo, ora Recorrente, daí que tal imposição deva acrescer ao preço de venda (por força do 16.º, n.º 5, alínea a), do CIVA, para onde remete o n.º 1 do artigo 4.º do DL n.º 199/96), pois não é um custo inerente à compra. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

1. RELATÓRIO

1.1. C., devidamente identificado nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo TAF do Porto, em 26.06.2014, que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida contra as liquidações de IVA e juros compensatórios dos anos de 1997, 1998 e 1999 e determinou a anulação integral da liquidação adicional de IVA de 1997 (de € 1.150,65) e as liquidações de juros compensatórios do 2.º trimestre de 1997 (de € 642,57) e do 3.º trimestre de 1998 (de € 1.617,38), bem como a anulação parcial da liquidação de IVA de 1998 (de € 7.658,14) e da liquidação de juros compensatórios do 4.º trimestre de 1998 (de € 758,07).
1.2. O Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«A — Não obstante a prescrição da obrigação tributária não constitua, em si, fundamento de impugnação judicial, deve conhecer-se da mesma, oficiosamente, nesse meio processual, conforme estipula o artigo 175° do C.P.P.T., para aferir da eventual inutilidade superveniente da lide, determinante da extinção da instância nos termos do artigo 277°, alínea e) do N.C.P.C.;

B — Respeitando os actos tributários impugnados a IVA de 1997, 1998 e 1999 e respectivos juros compensatórios, por força da paragem do processo de impugnação judicial durante mais de cinco anos, ocorreu a prescrição das obrigações tributárias que lhe estão subjacentes, com a consequente inutilidade da lide impugnatória — artigos 297°, do Código Civil, 48°, n° 1 e 49°, n°s 1 e 2, da L.G.T.;

C — Este facto devia ter sido declarado na sentença recorrida, motivo por que se verifica erro de julgamento;

Sem prescindir,

D — A sentença recorrida não fez, a nosso ver, uma correcta interpretação do regime especial de tributação dos bens em segunda mão, aprovado pelo DL n° 199/96, de 18.10, quer no respeita às aquisições de veículos em segunda mão a particulares, quer em relação à questão da não inclusão do Imposto Automóvel para o cálculo da margem de comercialização;
E Na verdade, a sentença recorrida considerou que, não obstante o regime especial de tributação dos bens em segunda mão seja aplicável às aquisições de bens usados a particulares, a falta de factura da qual conste o preço de compra dos bens impede o apuramento da base tributável, inviabilizando a adopção deste regime;
F Ora, se fosse imprescindível que o preço de compra constasse de factura ou de documento equivalente, essa exigência constaria da própria lei, o que não acontece, sendo certo que os particulares, não sendo sujeitos passivos, não emitem factura, pelo que, quando a aquisição tenha sido efectuada a um particular, está excluída, à partida, a possibilidade de existência de factura para apuramento da base tributável do IVA;
G Deste modo, a inexistência de factura não pode ser impeditiva da aplicação do regime especial de tributação dos bens em segunda mão, como se considerou na sentença recorrida, pois que no caso de a aquisição dos bens ter sido efectuada a particulares, está excluída, desde logo, a possibilidade de emissão desse documento;
H No caso dos autos, o impugnante declarou o preço de compra na Declaração de Veículo Ligeiro (DVL) apresentada da Alfandega para legalização das viaturas no território nacional, tendo o mesmo sido aceite para efeitos de liquidação do Imposto Automóvel, pelo que, na falta de outro elemento, a Declaração de Veículo Ligeiro é a prova de compra dos veículos, devendo retirar-se da mesma todos os efeitos necessários e legalmente previstos, designadamente para liquidação do Imposto Automóvel e para base de cálculo do IVA ao abrigo do regime especial de tributação dos bens em segunda mão;
I — Nos casos em que o impugnante adquiriu veículos usados a outros sujeitos passivos, o preço de compra que consta da DVL é mesmo que está expresso na factura e não difere substancialmente do preço declarado nas compras a particulares, pelo que não há qualquer fundamento para considerar que o mesmo não corresponde ao preço de compra efectivo;
J Pelo exposto, consideramos ter sido incorrecto o julgamento feito a este respeito na sentença aqui em causa;
K — E em relação à questão da inclusão, ou não, do Imposto Automóvel para o cálculo da margem de comercialização, a sentença considera que o Imposto Automóvel não deve acrescer ao preço de compra para cálculo do valor tributável das transmissões efectuadas ao abrigo do regime especial de tributação dos bens em segunda mão;
L - Porém, a AT fundamenta as liquidações de IVA impugnadas, na falta de inclusão do Imposto Automóvel no preço de venda, e a sentença não se pronunciou a este respeito, quando devia ter-se pronunciado dado que o impugnante contestou este entendimento e o mesmo está expresso no relatório da inspecção tributária;
M - Ou seja, enquanto o impugnante acresceu o Imposto Automóvel ao preço de compra e não ao preço de venda, a AT fez precisamente o contrário;
N - E a este respeito a sentença apenas se pronunciou, pela negativa, quanto à legitimidade de inclusão do Imposto Automóvel no preço de compra, omitindo qualquer pronúncia sobre a legitimidade da inclusão deste imposto no preço de venda, quando é este o fundamento da correcção introduzida pela AT;
O - Pelo que, não sendo correcto o fundamento invocado pela AT para a correcção do IVA apurado pelo impugnante ao abrigo do regime especial de tributação dos bens em segunda mão, devia ter sido julgada procedente a impugnação judicial.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, ASSIM FAZENDO VOSSAS EXCELÊNCIAS SÃ, SERENA E OBJECTIVA JUSTIÇA.».

1.3. A Recorrida não contra-alegou.

1.4. o Meritíssimo Juiz a quo pronúnciou-se sobre a arguida nulidade por omissão de pronúncia quanto à prescrição das dívidas impugnadas, no seu despacho de 24.05.2016 (fls. 176 do suporte físico dos autos).

1.5. Os autos foram com vista ao DMMP junto deste Tribunal que, em 5.07.2016, emitiu o seu douto parecer concluindo que o recurso deve improceder, mantendo-se a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais junto dos Exm.ºs Senhores Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.

2. QUESTÕES A APRECIAR
Tendo presente que as conclusões das alegações balizam o objeto do recurso e que não existem questões que oficiosamente importe conhecer, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida:
- devia ter conhecido da prescrição das dívidas impugnadas e, julgando a mesma verificada, declarado extinta a instância por inutilidade superveniente da lide impugnatória;
- errou no julgamento de direito ao considerar que o preço de aquisição deve constar constar orbiatoriamente de fatura e se
- omitiu pronúncia quanto à inclusão do Imposto Automóvel no preço de venda.
3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1. A sentença recorrida contém o seguinte julgamento de facto:
«Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
A) O Impugnante exerce a atividade de comércio de viaturas automóveis - cfr. fls. 24 do processo administrativo (PA) apenso aos autos.
B) De acordo com o relatório de inspeção, no exercício da atividade referida na alínea antecedente, o Impugnante adquiriu viaturas em segunda mão no espaço da União Europeia (Alemanha), tendo, posteriormente, transmitido essas viaturas no território nacional, utilizando, para efeitos de apuramento do IVA devido, o regime especial de tributação pela margem, previsto no D.L. n.° 199/96, de 18 de outubro - cfr. relatório de inspeção tributária, inserto a fls. 22 a 33 do PA apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
C) Da ação inspetiva de que o ora Impugnante foi alvo, resultaram correções de natureza meramente aritmética à matéria tributável do IVA, com referência aos anos de 1997, 1998 e 1999, nos montantes de € 1 150,65, € 20 380,65 e € 30 469,30, respetivamente — cfr. fls. 23 do PA apenso aos autos.
D) Na sequência das correções mencionadas na alínea antecedente, foram emitidas liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios para os anos de 1997, 1998 e 1999, no valor global de € 64 241,23, com data limite de pagamento em 30/11/2002 — cfr. fls. 56 a 72 dos autos e fls. 40 a 51 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
E) A liquidação adicional de IVA de 1999 e as liquidações dos respetivos juros compensatórios foram notificadas ao aqui Impugnante em 14/10/2002, tendo as restantes liquidações (de 1997 e 1998) sido notificadas em 18/10/2002 — cfr. fls. 56 a 60 dos autos e fls. 40 a 51 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
F) A presente impugnação deu entrada no Serviço de Finanças da Maia 2 em 28/02/2003 — cfr. fls. 2 dos autos.
G) Dá-se por reproduzido o teor do anexo 1 ao relatório de inspeção, inserto a fls. 34 e 35 do PA apenso aos autos.

2. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem, com relevância para a decisão da causa.

Motivação:
A convicção do tribunal quanto aos factos dados como provados resultou da análise dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados.».

4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Da prescrição das dívidas impugnadas

Vem sendo uniformemente aceite que, pese embora respeite à exigibilidade da dívida tributária e não à sua legalidade, a prescrição pode ser apreciada em processo de impugnação, mesmo em sede de recurso jurisdicional, para efeito de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Os artigos 615.º do CPC e 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário, expressam que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar, o que está em correspondência direta com o dever que lhe é imposto – cfr. artigo 608.º, n.º 2 daquele primeiro diploma legal -, de resolver todas as questões que tiverem sido submetidas à sua apreciação, excetuadas apenas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, por tal modo que é a omissão ou infração a esse dever, que concretiza a dita nulidade.
Ora, a questão da prescrição da dívida não foi submetida à apreciação da primeira instância pelo que o seu não conhecimento não integra qualquer nulidade, mas, antes, eventual erro de julgamento – cfr., neste sentido o acórdão do STA de 23.05.2007, rec. 0128/07, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/48ac5f3286b69cde802572f1003b791b?OpenDocument&ExpandSection=1%2C1%23_Section1#_Section1.
Como já adiantámos, tal não impede a apreciação da agora invocada prescrição nesta 2.ª instância, conquanto que os autos reúnam todos os elementos documentais necessários para esse efeito, designadamente para averiguar da existência de alguma causa de suspensão ou interrupção do prazo prescricional. Se assim não acontecer, o Tribunal deve abster-se de conhecer de tal questão, a qual poderá sempre ser invocada e conhecida pela AT, que disporá de toda a informação necessária para o dito efeito.
No caso em análise, para apreciação da prescrição da dívida exequenda, para além das vicissitudes inerentes ao processo de impugnação, apenas constam dos autos a nota de citação do Recorrente para a execução fiscal n.º 3506200301003704 e respetivas certidões de dívida (cfr. fls. 61 a 72 do suporte físico dos autos) e uma garantia bancária «destinada a caucionar o “PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL N.º 3506200301003704 – IVA” (cfr. fls. 166 do suporte físico dos autos).
Sucede que, por um lado, a nota de citação e as certidões de dívida que a acompanham não permitem determinar a data em que ocorreu a citação, a qual é relevante, uma vez que a citação terá ocorrido em 2003, antes, portanto, da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, que alterou o artigo 49.º da LGT, passando a prever que «(…) a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.». Ou seja, à data da citação do Recorrente para a execução fiscal, a citação, ainda que ocorrida após a instauração da impugnação judicial, tinha a virtualidade de interromper o prazo de prescrição em curso, pelo que é imperioso conhecer a data da sua ocorrência.
Por outro lado, sendo sabido a prestação de garantia tem por efeito a suspensão, não só da execução fiscal, mas também do prazo de prescrição da dívida exequenda (cfr. artigo 49.º, n.º 4 da LGT), a sua existência indicia que o prazo de prescrição ainda não terá decorrido; contudo, não podemos afirmar que assim seja no caso em apreço uma vez que desconhecemos se tal garantia se mantém ou, na negativa, até quando foi mantida.
É, pois, manifesto que os autos não reúnem os elementos necessários ao conhecimento da alegada prescrição das dívidas impugnadas de IVA dos anos de 1998 e 1999, pelo que nos abstemos de apreciar tal questão.

4.2. Da exigibilidade de fatura de compra para aplicação do regime especial de bens em 2.ª mão
Vejamos, antes do mais, qual foi o julgamento da 1.ª instância quanto a esta questão:
«Passemos, agora, à apreciação da suposta utilização indevida do regime especial de tributação pela margem nas transmissões das viaturas relativamente às quais não foram exibidas as faturas de compra.
Cumpre aqui apreciar se o revendedor, ora Impugnante, podia ter utilizado o método da margem nas situações em que não dispunha de faturas de aquisição das viaturas adquiridas na Alemanha (tendo documentado essas compras com as declarações de veículos ligeiros [DVL's] entregues na Alfândega do (...)).
A resposta, desde já se adianta, não pode deixar de ser negativa.
Conforme resulta do art.° 3°, n.° 1, alínea d), do D.L. n.° 199/96, de 18 de outubro, na determinação do valor tributável das transmissões de bens em segunda mão efetuadas no território nacional, só podem aplicar o método da margem os sujeitos passivos revendedores que tenham adquirido as viaturas usadas no interior da União Europeia, além do mais, a sujeitos passivos revendedores, desde que à transmissão feita por estes tenha sido aplicado o regime especial de tributação da margem vigente no Estado membro onde tiver sido efetuada a transmissão. Ou seja, a aplicação do regime da margem nas transmissões efetuadas em território nacional está dependente de as viaturas em causa terem sido adquiridas na União Europeia a revendedores que também tenham aplicado o regime especial da margem vigente no seu país, sendo certo que as faturas emitidas por estes revendedores deverão conter uma menção similar a "IVA — Bens em segunda mão", exigência essa que constará da legislação desse Estado membro, da mesma forma que consta do art.° 6°, n.° 1, do nosso D.L. n.° 199/96, de 18 de outubro, que, como é sabido, transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.° 94/05/CE, do Conselho, de 14/02/1994. Assim sendo, a fatura de compra das viaturas usadas adquiridas na União Europeia permite aferir se a essa transação foi aplicado o regime especial da margem vigente no país de origem do bem, o que constitui um pressuposto essencial para a aplicação do regime da margem nas transmissões efetuadas em território nacional.
Para além disso, uma vez que o valor tributável das transmissões de bens em segunda mão, efetuadas pelo sujeito passivo revendedor, é constituído pela diferença, devidamente justificada, entre a contraprestação obtida ou a obter do cliente e o preço de compra dos mesmos bens, com inclusão do IVA (cfr. art.os 16°, n.° 2, alínea f), do CIVA e 4°, n.° 1, do D.L. n.° 199/96, de 18 de outubro), a fatura de compra permite justificar/explicitar a forma de apuramento da base tributável e do imposto, ou seja, a diferença entre o valor da venda (efetuada em território nacional) e o valor da compra (efetuada na União Europeia).
Face ao exposto, impõe-se concluir que a inexistência das faturas de compra das viaturas usadas (ou documento equivalente) inviabiliza a adoção do regime de tributação dos bens em segunda mão pelo método da margem, determinando a aplicação, como sucedeu, do regime geral do IVA.
Cumpre ainda salientar que não é pelo facto de o Impugnante exercer a atividade de comercialização de viaturas usadas, que todas as transmissões por ele efetuadas têm de ficar sujeitas ao regime da tributação pela margem, uma vez que só estarão sujeitas a esse regime desde que preencham os condicionalismos vertidos no já citado art.° 3°, n.° 1, do D.L. n.° 199/96, de 18 de outubro.
Assim sendo, as liquidações em crise não padecem do vício que lhes é apontado, improcedendo, nesta parte, a presente impugnação.».
Neste recurso, o Recorrente alega que, se fosse imprescindível que o preço de compra constasse da fatura ou documento equivalente, essa exigência constaria da própria lei, sendo certo que os particulares a quem comprou viaturas, não sendo sujeitos passivos, não emitem fatura, daí que, nestes casos, está excluída à partida a possibilidade de existência de fatura para apuramento da base tributável.
O DL n.º 199/96, de 18/10, procedeu à transposição para a ordem jurídica nacional da Diretiva n.º 94/5/CE, do Conselho, de 14 de fevereiro de 1994, relativa à tributação, em imposto sobre o valor acrescentado, das transmissões de bens em segunda mão, objetos de arte, de coleção e antiguidades, que completou o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado e alterou a Diretiva 77/388/CEE que instituiu o regime especial de tributação da margem.
De acordo com o artigo 3.º deste decreto-lei:
«1 - As transmissões de bens em segunda mão, de objectos de arte, de colecção ou de antiguidades, efectuadas por um sujeito passivo revendedor, são sujeitas ao regime especial de tributação da margem, desde que este tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade, em qualquer uma das seguintes condições:

a) A uma pessoa que não seja sujeito passivo;

b) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha sido isenta de imposto, ao abrigo do n.º 33 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efectuada a transmissão;
c) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha tido por objecto um bem de investimento e tenha sido isenta de imposto, ao abrigo do artigo 53.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efectuada a transmissão;
d) A outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão dos bens por esse outro sujeito passivo revendedor tenha sido efectuada ao abrigo do disposto neste diploma, ou de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efectuada.».
Não há dúvida, portanto, em como o sujeito passivo revendedor pode adquirir os bens sujeitos a este regime especial a uma pessoa que não seja sujeito passivo.
Relativamente à forma de determinação do valor tributável ou margem, determinava o artigo 4.º do mesmo diploma que «(…) é constituído pela diferença, devidamente justificada, entre a contraprestação obtida ou a obter do cliente, determinada nos termos do artigo 16.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, e o preço de compra dos mesmos bens, com inclusão do imposto sobre o valor acrescentado, caso este tenha sido liquidado e venha expresso na factura ou documento equivalente.»
No caso, a AT apurou, em ação inspetiva, o seguinte:
«(…)
B. Documentos comprovativos das compras
O sujeito passivo documentou as compras, dos veículos adquiridos na Alemanha, com as Declarações de Veículos Ligeiros (DVL’s) entregues na Alfândega do (...), alegando que teria entregue nesta os originais das facturas.
Junto desta Alfândega, obtivemos cópias das facturas entregues, relativamente à compra de quatro viaturas, com matrículas (…).
Do mapa anexo consta o valor da compra das viaturas (coluna “ValorCMP”) em Marcos Alemães (DM). Na mesma coluna, para as viaturas com valor 0 (zero), não foi entregue qualquer factura, mas sim declaração de valor, na qual o sujeito passivo declara que o valor de aquisição é o constante da DVL (coluna “valorDcl”).
Da análise dos valores declarados, das viaturas de que não foram apresentadas facturas, verificou-se:
Parte desses valores declarados foram por números inteiros até à dezena ou centena de contos;
Dos restantes, da soma do valor declarado com o imposto automóvel resultava também números inteiros até à dezena ou centena de contos.
Como todas as viaturas foram adquiridas na Alemanha, sendo as compras em Marcos alemães, só por mero acaso tal poderia ocorrer, pelo que estes valores não correspondem aos valores reais.
(…)
b) Regime geral
Caso aos bens em segunda mão, não tenha sido aplicado pelo vendedor o regime de tributação pela margem, cai no âmbito do regime geral, sendo o valor tributável na venda o preconizado pelo n.º 1 do artigo 16.º do CIVA, ou seja, o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.
2. Cálculo do imposto
a) Regime de bens em segunda mão
Face ao regime aplicável, (…), o imposto deverá incidir não só sobre a margem de lucro, conforme o sujeito passivo fez, mas também sobre o imposto automóvel, pelo que deverá ser aplicada a fórmula: (Preço de venda com IVA incluído – Preço de compra) /117*17.
O preço de compra será o constante da factura de compra, por ser essa a contrapartida obtida pelo fornecedor do sujeito passivo, quando existe factura.
b) Regime geral
Quanto aos veículos relativamente aos quais não foi exibida factura, e por não ser conhecida qual o regime aplicável, será de aplicar o regime geral, pelo que se deverá aplicar a fórmula: Face ao regime aplicável, descrito no ponto III.D.1.a), o imposto deverá incidir não só sobre a margem de lucro, como o sujeito passivo fez, mas também sobre o imposto automóvel, pelo que deverá ser aplicada a fórmula: Preço de venda com IVA incluído / 117 * 17.
(…)».

Mais consta do relatório inspetivo, em sede de resposta ao direito de audição exercido pelo ora Recorrente, o seguinte:
«(…)
Em parte alguma do projeto de relatório da inspecção tributária se pode inferir correcções por métodos directos com metodologia de métodos indirectos. Nunca se concluiu que se tratavam de aquisições intracomunitárias dado que as correcções são por nós efectuadas no momento da venda e não do da compra das viaturas, (…).
Efectivamente não existe qualquer informação relevante do sistema do VIES, o que não significa por si só que as viaturas adquiridas e vendidas pelo sujeito passivo não constem do sistema do VIES. E de facto constam 16 viaturas, só que tendo como destinatários não o sujeito passivo mas sim uma outra empresa nacional, que até nem vende automóveis. E nada nos garante que tal não suceda com as restantes 13 viaturas adquiridas na Alemanha pelo sujeito passivo. A constatação destes factos são o resultado de cruzamento de informação com as autoridades fiscais alemãs, o que releva o facto de se ter aprofundado os procedimentos de auditoria (…).
No mapa em anexo (ANEXO 2) constam por fornecedor alemão, a data de compra, as matrículas, nº do quadro, nº da factura e o valor (sempre superior ao constante da factura original) o valor declarado pelo sujeito passivo na DVL e o IA pago. O valor da venda constante do VIES para as 16 viaturas é de cerca de 29.000 contos e o valor declarado pelo sujeito passivo foi de 41.905 contos (mais de 12.000 contos do que o valor pelo qual foram vendidas as viaturas).
A viatura XX-XX-XX, que o sujeito passivo diz ter sido comprada a um particular, foi vendida pelo sujeito passivo alemão com o NIPC (...), que emitiu factura a um outro sujeito passivo português e garantias e licenças de circulação internacionais em nome do sujeito passivo C..
Se existiu presunção por parte da Inspecção Tributária, foi em relação à conclusão de que o sujeito passivo não terá nada a ver com o esquema montado para o não pagamento do IVA nas aquisições comunitárias (que poderão ser), ou para a retenção indevida do imposto por sujeito(s) passivo(s) alemão(ães).
(…)
Os particulares não são obrigados a emitir factura é um facto.
Os revendedores de viaturas usadas não estão qualificados em nenhum regime especial (também é um facto). O que estará qualificado em regime especial é a venda de viaturas usadas, dentro de determinados condicionalismos: o regime de bens em segunda mão. Para a tributação ser efectuada por este regime, não basta os bens serem em segunda mão, tem de obedecer aos condicionalismos impostos pelo DL nº 199/96 de 18 de Outubro (…).
Ora, quanto ao valor tributável, o artigo 4.º desse diploma legal estabelece que “é constituído pela diferença, devidamente justificada, entre a contraprestação obtida ou a obter pelo cliente, determinada nos termos do artigo 16º do CIVA, e o preço de compra dos mesmos bens, com inclusão do imposto sobre o valor acrescentado, caso tenha sido liquidado e venha expresso na factura ou documento equivalente.
Ora, a diferença só se encontrará devidamente justificada, quando se conhecer qual o valor da contraprestação a pagar ao vendedor, que será conhecida mediante a apresentação da factura ou documento equivalente, o que o sujeito passivo não fez relativamente à maior parte das viaturas.
Relativamente às compras a particulares, tais compras deveriam ser comprovadas por contractos de compra e venda (como os apresentados para as compras a diversos fornecedores) e os cheques que serviram para pagamento, dado que não é crível que o sujeito passivo tenha pago a dinheiro todas as compras efectuadas na Alemanha.
C. Documentos apresentados
O sujeito passivo apresenta documentos relativos à aquisição de várias viaturas a revendedores agindo como tal, e que terão aposto no contracto de compra venda que o mesmo é efectuado no regime de bens em segunda mão.
Em relação a essas viaturas será de corrigir o imposto devido em função do preço de aquisição que é comprovado pelo sujeito passivo.
Em relação às viaturas que o sujeito passivo diz terem sido adquiridas a particulares (XX-XX-XX e XX-XX-XX), o sujeito passivo não comprova que tal tenha sucedido, o que também o não inibiria de ter de apresentar comprovação do valor da compra. Em relação à segunda destas viaturas está comprovado que a mesma não foi adquirida a particular, dado existir factura para um outro sujeito passivo português (no regime geral – sem IVA).
(…)».
Em suma, a ATA considerou que, relativamente a 16 viaturas, não se encontrava devidamente justificado o valor da diferença entre os respetivos preços de aquisição e de venda declarados pelo Recorrente, conforme exigido pelo n.º 1 do artigo 4.º do decreto-lei em referência. E entendeu assim baseando-se, essencialmente, na falta de credibilidade dos valores de compra declarados, bem como no facto de uma das viaturas, pretensamente adquirida pelo Recorrente a um particular na Alemanha, constar na fatura como tendo sido vendida a outro sujeito passivo português.
O Recorrente nada contrapõe à factualidade evidenciada pela ATA, pelo que a temos por adquirida e, com base nela, podemos concluir, em sintonia com a ATA, que a diferença entre a contraprestação obtida e o preço de compra das viaturas em causa não se encontra devidamente justificada, mostrando-se afastada a presunção de veracidade creditada às declarações do Recorrente, por força do artigo 75.º, n.º 2, alínea a) ,da LGT.
Por assim ser, passou a impender sobre o Recorrente a prova da veracidade dos valores de compra por ele declarados – para o que serviriam as faturas passadas nos termos legais ou, tratando-se de compras a particulares, por exemplo, os contratos de compra e venda, como bem se refere no relatório inspetivo.
Uma vez que tal prova não se mostra efetuada, deve ser mantida a sentença recorrida nesta parte, improcedendo as conclusões D) a J) das alegações de recurso.

4.3. Inclusão do IA no preço de venda
Por último, o Recorrente sustenta que o Meritíssimo Juiz a quo não se pronunciou sobre a inclusão do IA no preço de venda, apenas tendo reconhecido que aquele imposto não deve ser incluído no preço de compra.
Para concluir que o IA não pode ser incluído no preço de compra, o Meritíssimo Juiz a quo acolheu a fundamentação do acórdão do STA de 14/11/2007, proc. 0507/07, que transcreveu na parte relevante.
Ora, como bem se refere naquele aresto, o IA é uma imposição interna e quando o mesmo foi pago já as viaturas pertenciam ao sujeito passivo, ora Recorrente, daí que tal imposto deva acrescer ao preço de venda, pois não é um custo inerente à compra.
E o artigo 16.º do CIVA, para onde remete o n.º 1 do artigo 4.º do DL n.º 199/96, expressava, na alínea a) do seu n.º 5, que o valor das transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto, incluirá os impostos, direitos, taxas e outras imposições, com exceção do próprio imposto sobre o valor acrescentado.
Nesta perspetiva, não subsistem dúvidas em como o IA respeitante às viaturas adquiridas na Alemanha deve ser incluído no respetivo preço de venda.
Assim e sem necessidade de outros considerandos, improcedem também as conclusões K) a O) das alegações de recurso.

5. Decisão
Em face do exposto, acordam em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida, com a presente fundamentação.

Custas a cargo do Recorrente.

Porto, 21 de maio de 2020


Maria do Rosário Pais
António Patkoczy
Ana Patrocínio