Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00485/11.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/12/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:INEXISTÊNCIA DE ACTO ADMINISTRATIVO; ACTO ADMINISTRATIVO INEXISTENTE; ACTO ESTRITAMENTE VINCULADO; PRETERIÇÃO DA AUDIÊNCIA PRÉVIA; FALTA DE COMUNICAÇÃO DO INÍCIO OFICIOSO DO PROCEDIMENTO;
SUBSÍDIO DE DESEMPREGO; SUSPENSÃO, RELAÇÃO LABORAL; EFETIVO RECEBIMENTO DE SALÁRIOS.
Sumário:
1. A inexistência de acto administrativo não se confunde com o acto administrativo inexistente; no primeiro caso há a omissão da prática de um acto administrativo, no segundo verifica-se a prática de um acto a que faltam elementos estruturais que não permitem identificar sequer o tipo legal de acto que foi praticado.
2. Tendo em conta o princípio do aproveitamento do acto administrativo, impõe-se manter o acto impugnado, apesar da verificação do apontado vício formal, a falta de audiência prévia, se o acto foi praticado no exercício de um poder estritamente vinculado, ou seja, quando a decisão teria de ser sempre a mesma por ser a única legalmente permitida.
3. O mesmo princípio, do aproveitamento do acto, aplica-se ao caso de ter sido omitida a comunicação do início oficioso do procedimento e o acto final ser estritamente vinculado.
4. A existência de uma relação laboral implica a imediata suspensão do pagamento do subsídio de desemprego, independentemente do efetivo pagamento de salários, como contrapartida do trabalho.
5. Não se verifica a violação do conteúdo essencial de um direito fundamental na suspensão do subsídio de desemprego pois o visado não fica privado de qualquer rendimento mas apenas, temporariamente, deste subsídio. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MJAG
Recorrido 1:Instituto de Segurança Social, IP.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

MJAG veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença de 28.10.2011 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgada improcedente a acção administrativa especial intentada pelo Recorrente contra o Instituto de Segurança Social, IP e em consequência foi a Entidade Demandada absolvida dos pedidos formulados, de que seja declarada a inexistência jurídica dos actos de revogação do seu direito ao subsídio de desemprego e de anulação das contribuições auferidas a partir de 23.01.2004; de que sejam declarados nulos os aludidos actos, bem como o acto de suspensão da prestação de desemprego a partir de 23.01.2004 com o consequente acto de reposição dos montantes recebidos, por meio de compensação; de que, em qualquer caso, seja suspenso o débito de 159,00 € nas actuais prestações de subsídio de desemprego que vem auferindo; e, de que se proceda à restituição das quantias até agora deduzidas com base nos actos impugnados.
Invocou para tanto a nulidade, por omissão de pronúncia, da decisão recorrida, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil e 95º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e erro de julgamento por incorreta interpretação e aplicação do direito aos factos, com violação da lei, nomeadamente dos artigos 3.º, 4.º, 6.º, 55.º, 56.º, 100.º, 133.º a 136.º do Código de Procedimento Administrativo e artigos 17.º, 18.º, 32.º, 266.º, 267.º, n.ºs 1 e 5, e 268.º da Constituição da República Portuguesa; a inexistência de despacho de revogação ou de declaração de nulidade do acto de concessão das contribuições recebidas; da falta de forma; da falta de audiência de interessados; da falta de comunicação do início oficioso do procedimento, do deficit de instrução procedimental.
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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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O Mmº Juiz a quo pronunciou-se no sentido de não vislumbrar qualquer nulidade da sentença recorrida, máxime por omissão de pronúncia.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
1. O presente recurso vem interposto do douto acórdão ora em crise, que julgou improcedente a presente ação administrativa especial e absolveu o R. dos pedidos formulado, por se imputar à decisão recorrida nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 668.º, n.º 1, al. d) do C.P.C. e erro de julgamento por incorreta interpretação e aplicação do direito ao fatos, com violação da lei, nomeadamente dos arts. 3.º, 4.º, 6.º, 55.º, 56.º, 100.º, 133.º a 136.º do C.P.A. e arts. 17.º, 18.º, 32.º, 266.º, 267.º, n.ºs 1 e 5 e 268.º da C.R.P. e omissão de pronúncia nos termos do art. 95.º do C.P.T.A.
2. Com efeito, não foi proferido qualquer despacho de revogação ou nulidade do ato de concessão do subsídio, enquanto ato constitutivo de direitos, tido por necessário à anulação e suspensão das contribuições recebidas pelo recorrente desde 23.01.2004, bem como à constituição do dever de reposição das quantias recebidas, pelo que deveria ter sido declarada a sua inexistência jurídica; não o fazendo, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, bem como em vício de omissão de pronúncia, com a consequente nulidade do acórdão recorrido, nos termos da al. d) do art. 668.º do C.P.C. e 95.º, n.º 2 do C.P.T.A..
3. O aludido despacho, não tendo sido proferido, não observou a forma legal a que o R. estava vinculado, designadamente a forma escrita, pelo que deveria ter sido declarado pelo Tribunal a quo, enquanto pretensão condenatória subsidiária, a nulidade do mesmo, sob pena de violação do disposto no art. 133.º, n.º 2, al. f) do C.P.A. e omissão de pronúncia nos termos do art. 95.º, n.º 1 do C.P.T.A.
4. Não decorre dos factos provados ter tido lugar a audiência do recorrente antes da decisão, resultando ter sido iniciada a execução do ato aquando do processamento do subsídio do mês de agosto de 2010, em clara violação do direito de audiência prévia dos interessados, previsto no art. 100.º do C.P.A. e concretizado no direito constitucional de participação consagrado no art. 267.º, n.º 1 e 5 da C.R.P., o que constitui uma nulidade que deveria ter sido decretada pelo Tribunal a quo.
5. Não obstante, o Tribunal incorreu em erro de julgamento sobre os pressupostos de fato e de direito, ao lançar mão “do princípio do aproveitamento dos atos administrativos ou da relevância limitada dos vícios de forma”, porquanto da aludida “experiência como vendedor de uma marca espanhola” não podia concluir que o recorrente trabalhava por conta de outrem, ou sequer, antes pelo contrário, que o tenha confessado.
6. A aludida experiência apenas evidencia que o recorrente pretendia arranjar emprego, uma vez que, enquanto beneficiário do R., era sua obrigação disponibilizar-se para trabalhar, através da “procura ativa de emprego pelos seus próprios meios” e “efetuar diligências adequadas à obtenção de novo emprego”, durante o período de concessão dos subsídios (arts. 8.º, n.º 2, alínea d) e 51.º do DL n.º 119/99, de 14/04, na redação do DL n.º 186-B/99, de 31/5).
7. Assim, não podia o Tribunal a quo concluir, com toda a segurança, que ainda que o recorrente tivesse sido ouvido no procedimento administrativo, “a decisão final sempre teria esse sentido…” e mesmo que tivesse esse sentido, nunca poderia ter sido tomada pelo R. sem ouvir previamente o recorrente.
8. Perante a falta de comunicação do início oficioso do procedimento, foi violada mais uma garantia de defesa do recorrente, prevista no art. 55.º do C.P.A., pelo que o Tribunal a quo deveria ter declarado a nulidade do ato, dado que essa falta de comunicação só não originaria tal invalidade se, não obstante isso, o interessado em causa tivesse tido conhecimento do procedimento (e do respectivo objeto) a tempo de nele intervir, o que não ocorreu.
9. Ficou demonstrado “que a prova trazida para o processo administrativo, decorrente de denúncia, peca por defeito, não tendo ficado demonstrado terem sido efetuadas quaisquer averiguações tendo em vista a sua confirmação (…)”.
10. Acresce que a aludida experiência a que o recorrente se refere apenas evidencia a sua disponibilidade para trabalhar, além de que a existência de uma relação laboral implica sempre a perceção de uma remuneração – cfr. art. 12.º do Código de Trabalho -, o que in casu não ocorreu, conforme foi dado como provado (cfr. ponto 3 do II.1 do acórdão).
11. Contrariamente àquilo que o Tribunal a quo concluiu, o deficit de instrução procedimental verificado originou erro sobre os pressupostos de fato da decisão administrativa, invalidante da decisão, uma vez que o pressuposto em que os atos impugnados assentaram – existência de uma relação laboral - não se verificou.
12. Assim, não se mostram verificados os pressupostos para a suspensão do subsídio de desemprego, pelo que os atos impugnados não poderão manter-se, antes se impondo a sua revogação, reconhecendo-se o direito do recorrente às prestações de desemprego auferidas a partir de 23.01.2004.
13. Estamos perante atos nulos, nos termos do art. 133.º, n.º 2, al. d) por vício de violação da lei, designadamente dos arts. 3.º, 4.º e 6.º e 56.º do C.P.A. e por ofensa ao conteúdo dos direitos fundamentais, nomeadamente nos termos conjugados dos arts. 17.º, 18.º, 32.º, 266.º e 268.º da C.R.P.
14. Pelo exposto, a douta decisão recorrida enferma assim de vício de violação da lei, designadamente das normas supra referidas, que importam a nulidade dos atos impugnados.
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II –Matéria de facto.
A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
1. Em 10.12.2002, o Autor requereu junto da Entidade Demandada prestações de desemprego – Cfr. documento de folhas 1-7 do processo administrativo apenso.
2. Em 17.03.2003, os serviços da Entidade Demandada elaboraram informação propondo o deferimento deste requerimento, por um período de 32 meses e o valor mensal de 739,20 €, tendo sobre a mesma sido aposto carimbo com a menção “DEFERIDO” - Cfr. documento de folhas 11 do processo administrativo apenso.
3. Em 2004, o Autor efectuou uma experiência durante cerca de três meses, como vendedor de uma marca espanhola de acessórios de moda, não tendo recebido qualquer remuneração, nem sido ressarcido das despesas de deslocações efectuadas – facto confessado pelo Autor no documento de folhas 61-63 (Cfr. ponto 15) e ainda documentos de folhas 21-23 e 29, todos do processo administrativo.
4. Em 08.11.2005, o Autor apresentou junto da Entidade Demandada requerimento de subsídio social de desemprego subsequente - Cfr. documento de folhas 13 do processo administrativo apenso.
5. Em 22.12.2005, os serviços da Entidade Demandada elaboraram o ofício n.º 175467 dirigido ao Autor, endereçado para a Rua J…, Paranhos, 4200-343 Porto, do qual consta:
“Para que possa ser devidamente apreciado o seu requerimento, torna-se necessário que envie a este Serviço os seguintes documentos (…): declaração de IRS referente ao ano de 2004; declaração, passada pela Repartição de Finanças, comprovativa da não apresentação do Modelo 3 de IRS do ano de 2004; Documento em anexo (Mod. RV1005), devidamente preenchido e assinado/autenticado; Documento do Tribunal, dizendo que tem o filho a cargo – esclarecer quem recebe o abono de família. Estas provas deverão ser efectuadas dentro do prazo de dez dias contados a partir da data da recepção deste ofício.”
- Cfr. documento de folhas 17 e 19 do processo administrativo apenso.
6. Em 05.05.2006, os serviços da Entidade Demandada elaboraram Informação de onde consta “Pedidos documentos ao beneficiário (of. 175567, de 22.12.2005), chegaram a esta secção, enviados pela ex-mulher do beneficiário, documentos comprovativos de existência de relação laboral do beneficiário com a empresa “GD, S.A.”, com sede em Barcelona. A referida senhora informou que o beneficiário se encontra a trabalhar desde Janeiro de 2003, desde o início do subsídio de desemprego. Os elementos anexados ao processo permitem aferir uma data nunca anterior a Janeiro de 2004. Propõe-se a notificação do beneficiário, em sede de audiência prévia, da intenção de suspender o subsídio desde 23.01.2004, por exercício de actividade profissional (al. A) do n.º 1 do artigo 37.º, D.L. 119/99, de 14/04), e da intenção de indeferir o subsídio social subsequente, por precedência de benefício (n.º 2, art. 13.º, D.L. 119/99, de 14/04). Dada a legalidade relativa dos documentos apresentados, se considerados não aceites para efeitos de prova de exercício de actividade profissional, propõe-se comunicar ao Centro de Emprego do Porto que proceda a convocatória a este beneficiário”, tendo sobre a mesma sido emitido parecer de onde consta “A informação constante no processo, nomeadamente as cópias dos faxes (em espanhol) configuram o exercício de actividade profissional por parte do beneficiário em causa. Deste modo, parece-me ser de proceder conforme vem proposto”, e sobre este último lavrado pelo Senhor Director de Núcleo de Desemprego o despacho “Concordo” – Cfr. documento de folhas 45 do processo administrativo apenso.
7. Em 23.05.2006, os serviços da Entidade Demandada elaboraram Informação de onde consta “Requerimento de prestações de desemprego (…), propõe-se o indeferimento com base nos fundamentos a seguir assinalados: - não ter sido atribuída a prestação de desemprego necessária para atribuição do subsídio de desemprego subsequente; - não está a receber subsídio de desemprego (n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 119/99, de 14/04)” – Cfr. documento de folhas 49 do processo administrativo apenso.
8. Em 26.05.2006, os serviços da Entidade Demandada elaboraram os ofícios n.º 076527 e n.º 076528 dirigidos ao Autor, indicando a Rua S…, 4000-515 Porto, ambos sob o assunto “Notificação de Decisão”, constando do primeiro:
“Informa-se V. Ex.ª de que haverá lugar à suspensão do pagamento do subsídio se, no prazo de 10 dias úteis a contar da data de recepção deste ofício, não der entrada nestes serviços, resposta por escrito, da qual constem elementos que possam obstar à referida suspensão, juntando meios de prova se for caso disso. Os fundamentos para a suspensão são os a seguir assinalados: exercer actividade profissional por conta própria ou por conta de outrem (alínea a) do n.º 1 do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 186-B/99, de 31 de Maio). Na falta de resposta, a suspensão considera-se efectuada no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de: 15 dias úteis para reclamar; 3 meses, para recorrer contenciosamente. A suspensão* efectiva-se a partir de 23/01/2004. Mais se informa que o pagamento do subsídio será retomado quando se verificarem as condições para o seu reinício. (*) Sem prejuízo da restituição de prestações indevidas se for caso disso” e do segundo: “Informa-se V. Ex.ª de que o requerimento acima indicado [Requerimento de prestações de desemprego] será indeferido se, no prazo de 10 dias úteis a contar da data de recepção deste ofício, não der entrada nestes serviços, resposta por escrito, da qual constem elementos que possam obstar ao indeferimento, juntando meios de prova se for caso disso. Os fundamentos para o indeferimento são os a seguir assinalados: - Não ter sido atribuída a Prestação de Desemprego necessária para atribuição do Subsídio de Desemprego Subsequente; - Não está a receber subsídio de desemprego (n.º 1 do artigo 6.º do D.L. 119/99, de 14/04). Mais se informa que, na falta de resposta, o indeferimento ocorre no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de: 15 dias úteis para reclamar; 3 meses, para recorrer contenciosamente.”
- Cfr. documentos de folhas 47 e 51 do processo administrativo apenso.
9. Em 22.07.2006, foi emitida pelos Serviços da Entidade Demandada, a nota de reposição n.º 4284091, dirigida ao Autor, indicando a Rua São Vítor, 107, 4 D.to, 4000-515 Porto, indicando o valor a restituir de 13.724,28 € – Cfr. documento de folhas 105 do processo administrativo apenso.
10. Desde Maio de 2010, que o Autor vem auferindo a título de subsídio de desemprego, o montante mensal de 477,00 € – facto admitido por acordo e ainda documento de folhas 89 do processo administrativo apenso.
11. A partir de Agosto de 2010, passou a ser deduzido o valor de 159,00 € à prestação acabada de referir– facto admitido por acordo.
12. Em 17.08.2010, o serviço informativo das Doze Casas Porto da Entidade Demandada elaborou a seguinte nota interna:
“Está presente nos nossos Serviços o beneficiário MJAG 11xxx82 a reclamar o débito de 13724,48 referente a uma suspensão feita por exercício Actividade Profissional por Conta Outrem em 2004-01-23, dado que o mesmo não tem qualificação nem salários no período em causa nem mesmo exerceu actividade profissional. Assim solicita-se a anulação da suspensão para que o débito seja anulado e o actual desemprego seja pago na totalidade.”
– Cfr. documento de folhas 53 do processo administrativo.
13. Em 17.09.2010, o Autor apresentou junto dos serviços da Entidade Demandada exposição dirigida à Senhora Directora do Centro Distrital de Braga, de onde consta:
“Não concordo com o débito de 13.724,48€, referente a uma suspensão feito por exercício de actividade por conta de outrem em 23/01/2004. Uma vez que não exerci nenhuma actividade nem salários no período em causa e nunca fui notificado e apenas tomei conhecimento no dia 17 de Agosto de 2010 na Segurança Social do Porto. Assim, solicito a anulação da suspensão para que seja anulado o débito e o actual subsídio de desemprego seja efectuado na totalidade bem como a reposição dos descontos entretanto efectuados.”
– Cfr. documento de folhas 57 do processo administrativo apenso.
14. Em 22.10.2010, a Senhora Directora de Segurança Social da Entidade Demandada subscreveu o ofício n.º 333727 dirigido ao Autor, sob o assunto “Reclamação de Débito”, do qual consta:
“Na sequência do pedido de informação apresentado em 17/09/2010, relativamente ao débito de 13721,48€ referente a prestações de desemprego recebidas indevidamente, verificamos que o mesmo se encontra correcto. A suspensão diz respeito a exercício de actividade profissional em Espanha, a partir de 23/01/2004 e o débito é relativo ao período de 23/01/2004 a 09/08/2005. Junta-se cópia da notificação enviada (N/ ofício n.º 76527 de 26/05/2006), relativamente à suspensão do subsídio de desemprego.”
– Cfr. documento de folhas 59 do processo administrativo apenso.
15. Em 11.11.2010, deu entrada nos Serviços da Entidade Demandada reclamação do Autor dirigida à Senhora Directora da Segurança Social onde informa do seguinte:
“1- a) A referida notificação endereçada para a morada Rua S…, 4000-515 Porto, nunca a recebi nem tive conhecimento do assunto, apesar de me ter dirigido por diversas vezes aos balcões da Segurança Social do Porto. b) O endereço não se encontra totalmente correcto, à data morava na Rua S… no n.º 197 e não no n.º 107, contudo, além do meu contacto pessoal, a 26/05/2006, já me encontrava a trabalhar na empresa Transfrete, Lda. sendo facilmente contactável. 2- Relativamente aos fundamentos para a suspensão do pagamento do subsídio de desemprego e débito de 13.421,48€ referentes a prestações de desemprego recebidas indevidamente, com base no exercício de actividade profissional em Espanha, a partir de 21/01/2004, cumpre-me informar que: a) na tentativa de resolver a minha situação profissional encetei uma exaustiva procura de trabalho na minha área profissional de Design de Moda, sem qualquer sucesso devido à minha idade e ao período desfavorável que o sector têxtil já então estava a atravessar; b) Assim, efectuei uma experiência durante cerca de três meses, como vendedor de uma marca espanhola de acessório de moda mas que se revelou desastrosa devido a vários factores tais como a minha inexperiência neste ramo, à falta de estruturas logística e financeira para suportar os encargos inerentes ao bom desempenho da actividade, como ainda à pouca receptividade da marca no mercado, aos elevados preços praticados, entre outras. Tendo como resultado final o não recebimento de qualquer remuneração, sem sequer ser ressarcido das despesas de deslocações efectuadas. c) Não efectuei a suspensão do subsídio de desemprego, por não ter havido qualquer recebimento de salários ou outras remunerações, nem vínculo à referida entidade e não me ter colectado nas Finanças para início de actividade como profissional liberal e ainda por não ter sido informado pela Segurança Social do Porto, que nestas circunstâncias, não ser necessário efectuar a suspensão. d) No âmbito do processo de divórcio que à data estava a decorrer, tive conhecimento que a minha ex-mulher efectuou, por retaliação, uma denúncia junto da Segurança Social de Braga tendo apresentado documentos que furtou nos meus aposentos como; notas de encomenda, listagem de clientes e facturas de despesas de viagem efectuada a uma feira internacional de Madrid onde contactei com os responsáveis da mencionada empresa de acessórios de moda. Contudo, não me preocupei pelos motivos acima mencionados. e) Todos estes factos poderão ser confirmados junto da empresa espanhola cujos contactos não possuo, mas que certamente estarão nas notas de encomenda na posse de V.Exa., ou junto da repartição de Finanças da área da minha residência. Assim, em face do exposto, vem solicitar a V. Exa., a reapreciação do processo, a suspensão do débito, bem como a reposição dos descontos efectuados. Pede deferimento.”
– Cfr. documento de folhas 61-63 do processo administrativo apenso.
16. Em 30.11.2010, os serviços da Entidade Demandada elaboraram o ofício n.º 372379 dirigido ao Autor, sob o assunto “Prestações de Desemprego – Débitos”, do qual consta:
“Em resposta à v/comunicação de 11/11/2010, informo V. Exa. que em função de suspensão ocorrida a 23/01/2004, por actividade profissional em Espanha, originou débito no valor de 13.724,48€ de Subsídio Desemprego do período 23/01/2004 a 09/08/2005. Atendendo a que requereu nova prestação o sistema informático efectuou deduções num total de 1.067,31€, pelo que o montante actual a considerar como débito é de 12.657,17€…”.
– Cfr. documento de folhas 65 do processo administrativo apenso.
17. Em 17.01.2011, deu entrada nos Serviços da Entidade Demandada exposição do Autor dirigida à Senhora Directora da Segurança Social onde requer:
“- a revogação do acto de suspensão e cessação da prestação de desemprego referente ao período de 23.01.2004 a 09.08.2005, bem como do acto de reposição dos montantes recebidos, por meio de compensação (…); - a anulação de todos os actos que suspenderam e fizeram cessar o pagamento das prestações de subsídio de desemprego, recuando o procedimento administrativo ao estádio em que se encontrava na data da prolação do acto de suspensão do subsídio de desemprego, com o cumprimento das formalidades previstas na lei, ordenando desde logo a realização da audiência do beneficiário e demais garantias de defesa previstas na lei; e, em qualquer caso, - se proceda à suspensão do débito de € 159,00 nas actuais prestações de subsídio de desemprego que vem auferindo até à devida regularização da situação exposta; - se proceda à restituição das quantias até agora deduzidas com base nos actos impugnados”.
– Cfr. documento de folhas 69-73 do processo administrativo apenso.
18. Em 16.03.2011, foi elaborada pelos Serviços da Entidade Demandada, informação, sob o assunto “Reclamação da nota de Reposição n.º 4284091”, de onde consta:
“Informado de que a nota de reposição teve origem numa suspensão do subsídio de desemprego no período acima referenciado, por exercício de actividade profissional em Espanha, vem contestar alegando não ter sido notificado da decisão de suspensão do subsídio de desemprego, pelo facto de a morada se encontrar incorrectamente registada, designadamente no número de porta – 197 e não 107. Diz ainda não ter recebido qualquer notificação referente à nota de reposição. Com base nestas alegações vem requerer a revogação do acto de suspensão e consequente acto de reposição dos montantes recebidos, recuando o procedimento administrativo ao estádio em que se encontrava na data da prolação do acto de suspensão do subsídio de desemprego “ab initio”. Relativamente à questão do registo da morada em SISS, importa dizer que o beneficiário procedeu a alteração de morada em 22/05/2005 para “Rua S…, 107, 4.º Dto, 4000-515 Porto”. As alterações de morada em SISS, à data dos factos, obedeciam aos critérios estabelecidos pela orientação técnica n.º 14 de 15/11/2004: a participação é sempre feita através do preenchimento do modelo 0107 sendo o mesmo assinado pelo próprio no acto de entrega anexando fotocópia do Bilhete de Identidade. Quanto à produção do documento que originou esta alteração em SISS, já se encontra terminado o prazo de conservação administrativa (1 ano), tendo sido já eliminado (destino final conforme Portaria n.º 1383/2009, de 4 de Novembro – Programa START). Não obstante, face ao rigor que é e sempre foi imposto no registo de alterações de residência, deverá ser considerada a residência efectivamente registada no SISS à data da notificação” tendo, sobre a mesma, sido lavrado o despacho “Concordo. Inexistindo causa determinante de reapreciação do presente processo. Sendo decorrido o prazo legal para exercício dessa faculdade, artigo 138.º do CPA”.
– Cfr. documento de folhas 109-111 do processo administrativo apenso aos autos.
19. Em 17.03.2011, os serviços da Entidade Demandada elaboraram ofício n.º (ilegível) dirigido ao Autor, sob o assunto “Nota de Reposição n.º 4284091”, do qual consta “Serve o presente para informar, face às reclamações apresentadas, que se encontra decorrido o prazo legal para exercício da faculdade de reapreciação do processo nos termos do artigo 138 do CPTA”.
– Cfr. documento de folhas 113 do processo administrativo apenso.
20. Do sistema informático da Entidade Demandada, referente ao Autor, constam os seguintes registos de alteração de morada, com indicação de os dados terem sido confirmados:
- em 2010/05/14, para a R. A… 30 2 Esq 4000-014 Porto;
- em 22/12/2005, para a R. S… 107 4 Dto 4000-515 Porto;
- em 08/11/2005, para a Rua S… 197 4 Dto 4000-516 Porto; e,
- em 30/03/2004, para a R. J… 397 R/C Dto 4200-343 Porto.
- - Cfr. documento de folhas 91 do processo administrativo apenso.
21. Da ordem de serviço n.º 14, emitida pela Entidade Demandada, em 04/11/15 consta “Prazo de conservação administrativa [FASE ACTIVA]: 1 ano” – Cfr. documento de folhas 97 do processo administrativo apenso.
22. Em 10.02.2011, foi intentada a presente acção – Cfr. registo informático no SITAF a folhas 2 dos autos e envio via correio electrónico conforme folhas 3 do processo físico.
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III - Enquadramento jurídico.
A) A nulidade da decisão recorrida.
Determina a alínea d) do n.º1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil de 2013 (alínea d) do n.º1, do artigo 668º, do Código de Processo Civil de 1995), aplicável por força do disposto no artigo 1º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Este preceito deve ser compaginado com a primeira parte do n.º2, do artigo 608º, do mesmo diploma (anterior artigo 660º, com sublinhado nosso): “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Conforme é entendimento pacífico na nossa jurisprudência e na doutrina, só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a que aludem os citados preceitos, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer (cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09).
O erro de direito não se integra no conceito de falta de fundamentação ou omissão de pronúncia.
O erro no enquadramento jurídico leva à revogação da sentença e não à declaração de nulidade, nos termos da invocada norma da alínea d), do n.º1 do artigo 615º do actual Código de Processo Civil.
A nulidade só ocorre quando a sentença ou acórdão não aprecie questões suscitadas e não argumentos apresentados no âmbito de cada questão, face ao disposto nos artigos 697º e 608º do Código de Processo Civil de 2013 (artigos 659º e 660º do Código de Processo Civil de 1995).
Efectivamente, o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas apenas fundamentar suficientemente em termos de facto e de direito a solução do litígio.
Questões para este efeito são todas as pretensões processuais formuladas pelas partes, que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando realmente debatidos entre as partes (Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122º, página 112), não podendo confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões, argumentos e pressupostos em que fundam a respectiva posição na questão (Alberto dos Reis, obra citada, 143, e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, página 228).
No mesmo sentido se orientou a jurisprudência conhecida, em particular os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.10.2003, processo n.º 03B1816, e de 12.05.2005, processo n.º 05B840; os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.02.2002, processo n.º 034852 (Pleno), de 02.06.2004, processo n.º 046570, e de 10.03.2005, processo n.º 046862.
Vejamos.
Ao contrário do invocado pelo Recorrente, a decisão recorrida não omitiu a pronúncia sobre qualquer questão suscitada.
Nem o Recorrente identifica qualquer questão que o Tribunal devesse conhecer e não tenha conhecido.
Pelo contrário, nos pontos em que alude à nulidade da decisão recorrida aponta erros de julgamento, defendendo um entendimento diverso do enquadramento jurídico feito pelo Tribunal recorrido.
A decisão, de resto, mostra-se clara, coerente e suficientemente fundamentada, quer de facto quer de direito.
Pelo que improcede a arguição de nulidade da decisão recorrida.
B) O acerto da decisão.
1. A inexistência de despacho de revogação ou declaração de nulidade do acto de concessão das contribuições recebidas.
A inexistência de acto administrativo não se confunde com o acto administrativo inexistente; no primeiro caso há a omissão da prática de um acto administrativo, no segundo verifica-se a prática de um acto a que faltam elementos estruturais que não permitem identificar sequer o tipo legal de acto que foi praticado (cfr. ponto 3 do sumário do acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 08.01.2016, com o mesmo relator, no processo nº 00902/13.4 CBR, de 08.01.2016.
No caso concreto, a Entidade Demandada praticou actos administrativos – vide factos 6 a 9 dados como provados – a que não faltam elementos estruturais, pelo que se verifica a existência de actos administrativos e estamos perante actos administrativos existentes.
Assim, com este fundamento improcede o presente recurso.
2. A falta de forma.
O Recorrente peticionou, a título subsidiário, a nulidade do acto de revogação ou de declaração de nulidade do acto de concessão das contribuições recebidas, por violação do vício de falta de forma, designadamente da forma escrita, conforme preceituam o artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 119/99 e os artigos 122.º, n.º 1 , 143.º e 144.º do Código de Procedimento Administrativo.
Dos factos 6 a 9 dados como provados resulta que foi observada a forma escrita na prática de tais actos, pelo que também com este fundamento o recurso improcede, não se verificando a nulidade prevista no artigo 133.º, n.º 2, alínea f) do Código de Procedimento Administrativo.
Relativamente à ordem de dedução de 159,00 € à prestação de subsídio de desemprego, executada conforme facto 11, não ficou demonstrado ter sido proferida tal ordem verbalmente no procedimento administrativo em presença.
Não é possível concluir assim sobre se existiu uma ordem que padeça ou não de forma legal, por falta de elementos indispensáveis para o efeito.
Tudo indica que se tratou apenas de um erro informático, posteriormente corrigido com uma dedução no valor a restituir pelo Autor – ver facto provado sob o n.º 16.
Pelo que não pode o Tribunal pronunciar-se no sentido da verificação deste vício.
3. A falta de audiência de interessados.
O Tribunal a quo considerou, e bem, que “não decorre dos factos provados ter tido lugar a audiência do Autor antes da decisão, resultando ter sido iniciada a execução do acto aquando do processamento do subsídio do mês de Agosto de 2010 (cfr. ponto 11), tendo o Autor sido apenas notificado em 22.10.2010”.
A audiência dos interessados é uma formalidade que a Administração, salvo os casos excepcionais previstos na lei, não pode omitir, sob pena de as decisões que vier a tomar ficarem afectadas na sua validade - 267º, nº4, da Constituição da República Portuguesa, artigos 8º, 100º e 103º, n.º3, do Código de Procedimento Administrativo.
Esta formalidade deve ser cumprida sempre que haja um qualquer acto de instrução e imediatamente antes da decisão final (ver o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19.3.2002, recurso 045/03).
O conceito de instrução utilizado no n.º 1 do artigo 100º do Código de Procedimento Administrativo compreende as informações e pareceres, não só porque é esse o sentido literal e sistemático do termo “instrução” usado no Código de Procedimento Administrativo (artigos 94º e seguintes e artigos 98º e seguintes e epígrafe da secção que inicia no artigo 86º), mas também porque as informações e pareceres compreendem os argumentos e fundamentos da decisão final e são, nessa medida, peças essenciais para permitir ao particular que dê um contributo válido para a escolha da melhor decisão (ver neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.1.2003, recurso 046.431).
No caso concreto é inegável que os actos impugnados afectam directamente os interesses do Recorrente, pois se traduziram na revogação do seu direito ao subsídio de desemprego e de anulação das contribuições auferidas a partir de 23.01.2004.
E foram emitidos com base em informações solicitadas e prestadas pelos serviços da Entidade Demandada, ou seja, foram precedidos de “instrução”, nos termos e para o efeito do disposto no artigo 100º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo.
Sucede que depois do último acto de instrução, não foi o Autor ouvido sobre o projecto da decisão que acabou por ser tomada, o acto impugnado.
O que traduz, objectivamente, a violação do direito de audiência prévia.
Mas se é certo que objectivamente não foi cumprida esta formalidade, imposta pelo artigo 100º do Código de Procedimento Administrativo, também sempre se imporia reconhecer carácter não invalidante a este vício formal, dado estarmos perante uma situação de exercício de poderes estritamente vinculados.
Apurada a matéria de facto relevante, tem de se concluir de duas uma: o Requerente ou tem ou não tem o direito que se arroga, o que depende apenas da aplicação estrita da lei aos factos apurados, e não de qualquer margem de discricionariedade da Administração.
Assim, a ser correcta a aplicação da lei ao caso concreto, a audiência do interessado não teria qualquer efeito prático, pelo que, em obediência ao princípio do aproveitamento do acto administrativo, sempre seria de reconhecer a degradação em não essencial da omissão desta formalidade (neste sentido ver, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - Pleno – de 23.05.2006, recurso n.º 1618/02).
No caso a Entidade Demandada não poderia ter decidido de outro modo, tendo-se limitado a interpretar e a aplicar, em termos estritamente vinculados, aquilo que a lei determina para o caso concreto.
À Entidade Demandada não se apresentavam diversas alternativas entre as quais pudesse escolher uma não lesiva ou menos lesiva para os direitos ou interesses do Autor.
Apenas tinha uma opção legal: a de tomar a decisão que tomou.
É que, como se refere na decisão recorrida, o Autor apenas alegou que nunca exerceu qualquer actividade profissional em Espanha (artigo 40.º da petição inicial), e sendo o fundamento da decisão de suspensão tão-somente o “exercício de actividade profissional por conta própria ou por conta de outrem (alínea a) do n.º 1 do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 186-B/99, de 31 de Maio”, os fundamentos essenciais da decisão mostram-se correctos.
Isto sendo certo que a afirmação de que o Autor exerceu actividade profissional assenta em “documentos comprovativos de existência de relação laboral do beneficiário com a empresa “GD, S.A.”, com sede em Barcelona” (cfr. ponto 6 dos factos provados).
O próprio Autor confessou, após a prolação do acto, perante a Entidade Demandada, ter tido uma experiência como vendedor de uma marca espanhola (cfr. ponto 15) dos factos provados).
Pelo que ficou demonstrado que a decisão não teria outro conteúdo, ou seja, que ainda que o Autor tivesse sido ouvido no procedimento administrativo, a decisão final sempre teria esse sentido, pelo que se mostra irrelevante a preterição da audiência prévia.
Isto face ao princípio da legalidade, consignado no artigo 3º do Código de Procedimento Administrativo.
O que significa que o ora Recorrente nenhuma utilidade tiraria da anulação do acto, uma vez que, nessa hipótese, depois de ouvido, a Entidade Demandada apenas se limitaria a repetir o acto, exactamente com o mesmo conteúdo.
Tendo em conta o princípio do aproveitamento do acto administrativo, impõe-se manter o acto impugnado, apesar da verificação do apontado vício formal, a falta de audiência prévia (ver, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.12.1997, 16.6.2005 (Pleno), 26.04.2006 e 10.5.2006, respectivamente, nos recursos 39.307, 01204/03 e 01275/05 e 01035/04).
E como se decidiu nos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 05.06.2003, no processo 05516/01, e de 21.09.2006, processo 04928/00.
Improcede, por isso, também por aqui, o recurso.
4. Da falta de comunicação do início oficioso do procedimento.
A este respeito, pode ler-se na decisão recorrida:
“Alega, ainda, o Autor que não lhe foi comunicado o início oficioso do procedimento em que os seus direitos e interesses legalmente protegidos vieram a ser lesados.
Não resulta, pois, dos factos provados ter sido efectuada tal comunicação.
E prevê o artigo 55.º do CPA o dever de comunicação do início do procedimento oficioso aos interessados, a qual é apenas dispensada nos casos limitados aí previstos, devendo a respectiva forma seguir o disposto no artigo 70.º do mesmo Código”.
Todavia, à semelhança do que se sustentou para o vício de falta de audiência do interessado, também quanto a este vício, se aplica o princípio do aproveitamento dos atos administrativos.
Assim, também com este fundamento o recurso não merece provimento.
5. O deficit de instrução procedimental; a violação do conteúdo essencial de um direito fundamental.
Neste ponto pode ler-se na decisão recorrida:
Cumpre, desde logo, referir que os direitos, liberdades e garantias abrangidos pela previsão legal do artigo 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA abrangem não só os direitos liberdades e garantias do Título II da Parte I da Constituição e direitos de carácter análogo, mas ainda direitos que se encontrem fora da Constituição, em norma de direito internacional ou comunitário ou em lei ordinária (cfr. artigo 16.º, n.º 1 da CRP), como pode ser o caso dos direitos especiais de personalidade, consagrados no Código Civil, sendo mais duvidoso se cabem nesta alínea os direitos económicos, sociais e culturais do Título III da Constituição e os respectivos direitos análogos. Para que o acto administrativo que os viole sofra de nulidade exige-se, no entanto, que essa violação ponha em causa o “conteúdo essencial” do respectivo direito, caso contrário a sanção será a anulabilidade (cfr., neste sentido, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, in “Código do Procedimento Administrativo Comentado”, 2.ª Edição, Almedina, página 646).
É sabido que incumbe à Entidade Demandada o ónus da prova da verificação dos pressupostos constitutivos da decisão administrativa tomada (art. 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Para o efeito, deve a entidade administrativa procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito, de acordo com o princípio do inquisitório (artigos 87.º e 56.º do CPA).
Ora, o deficit de instrução procedimental poderá redundar em erro sobre os pressupostos de facto da decisão administrativa, invalidante da decisão, se o pressuposto em que o acto impugnado assentou – de que o Autor exercera actividade profissional por conta de outrem ou por conta própria, sustentada em “documentos comprovativos de existência de relação laboral do beneficiário com a empresa “GD, S.A.”, com sede em Barcelona” (cfr. ponto 6) dos factos provados) –, apesar dos indícios existentes, não se mostra verificado.
Não poderá, porém, considerar-se que ao dever de averiguação dos factos por parte da Administração (artigo 87.º, n.º 1, 1ª parte do CPA) corresponda um “direito fundamental à instrução”, ou, sequer, um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, pelo que a sua insuficiência não implica a ausência de elemento essencial do acto, não podendo, assim, gerar a nulidade do mesmo, podendo quando muito ser causa de anulabilidade, por aplicação da regra geral contida no artigo 135.º do mesmo Código.
Desde já se adianta que a prova trazida para o processo administrativo, decorrente da denúncia, peca por defeito, não tendo ficado demonstrado terem sido efectuadas quaisquer averiguações tendo em vista a sua confirmação, v.g., ter sido efectuado contacto com a empresa para quem o Autor alegadamente trabalhava, estando a mesma identificada, e isto apesar de se admitir expressamente, na informação elaborada pelos próprios Serviços, “a legalidade relativa dos documentos apresentados, se considerados não aceites para efeitos de prova de exercício de actividade profissional” (Cfr. ponto 6) dos factos provados).
Assiste, assim, ao Autor o direito de questionar a valoração que a Entidade Demandada fez das provas obtidas no procedimento, bem como o direito de apresentar novos elementos probatórios que tornem duvidosos os factos em que assentou o acto impugnado (art. 346.º do Código Civil).
Verifica-se, porém, que além de apenas alegar que nunca exerceu actividade profissional em Espanha (artigo 40.º da petição inicial), o que, em bom rigor, não impede a existência de uma relação laboral com uma empresa espanhola, o Autor até confessou, após a prolação do acto, perante a Entidade Demandada, ter tido uma experiência como vendedor de uma marca espanhola (cfr. ponto 15) dos factos provados), pelo que o deficit instrutório verificado, não originou erro sobre os pressupostos de facto da decisão, não assistindo, também neste ponto, razão ao Autor”.
Com acerto.
O facto de não ter exercido actividade profissional em Espanha não significa que não tenha exercido uma actividade profissional para a empresa espanhola acima referida, tal como, de resto, o próprio confessou.
Por outro lado, a existência de uma relação laboral não significa necessariamente a perceção de uma remuneração, no sentido de que esta seja efectivamente percebida, uma vez que a relação laboral não deixa de existir pelo facto de a entidade patronal não cumprir a sua prestação.
Ora, o exercício de uma actividade laboral conduz à imediata suspensão do subsídio de desemprego – artigo 37º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 119/99, de 14.04.
Deste modo, o Recorrente, uma vez que confessou ter exercido actividade laboral no período em que recebeu subsídio de desemprego, ainda que possa não ter recebido qualquer remuneração, deixou de ter direito a receber o subsídio em questão e, tendo-o recebido, impõe-se que o devolva à Entidade Demandada.
6. A nulidade por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental.
Não se verifica esta nulidade dado que com o acto impugnado o Autor não ficou privado de receber qualquer remuneração.
Apenas ficou privado de receber em simultâneo o subsídio de desemprego e a remuneração por uma actividade profissional.
Também por aqui improcede o recurso e a acção.
***
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 12.07.2019
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Conceição Silvestre