Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00354/09.3BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/25/2010
Relator:Francisco Rothes
Descritores:MEIO PROCESSUAL PARA REAGIR CONTRA A REVERSÃO - ERRO NA FORMA DO PROCESSO - CONVOLAÇÃO - INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário:I - O responsável subsidiário pode impugnar a liquidação de imposto cuja responsabilidade lhe é atribuída e/ou opor-se à execução que contra ele reverteu, mas não pode fazê-lo indiferentemente por um ou outro meio consoante o que mais lhe convier, pois a cada direito corresponde o meio processual adequado para o fazer valer em juízo
II - O meio processual adequado para o chamado à execução fiscal por reversão questionar a responsabilidade subsidiária que determinou o seu chamamento é a oposição à execução fiscal (cf. art. 151.º, n.º 1, do CPPT), sendo que tal fundamento integra a previsão do art. 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT.
III - Quando o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo, nulidade de conhecimento oficioso, cognoscível até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo e que, sempre que possível, deve ser sanada mediante convolação para a forma processual adequada.
IV - Para que essa convolação seja possível exige-se que a petição tenha sido apresentada em tempo para efeitos da nova forma processual, que o pedido formulado, devidamente interpretado, bem como a causa de pedir invocada se adeqúem a esta forma processual e que no processo não tenham sido formulados cumulativamente pedidos a que correspondam formas processuais diversas.
V - Se não for possível a sanação da nulidade, o erro na forma do processo determina o indeferimento da petição inicial, se verificada na fase liminar, ou, se já ultrapassada a fase liminar, a anulação de todo o processado, com a absolvição do réu da instância (cf. art. 98.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, art. 97.º, n.º 3, da LGT, e arts. 199.º, n.º 1, 234.º-A, 288.º, n.º 1, alínea b), 493.º, n.ºs 1 e 2, e 494.º, alínea b), do CPC).
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:1. RELATÓRIO

1.1 Foram instaurados pelo 1.º Serviço de Finanças de Guimarães contra a sociedade denominada “JVG – , Lda.” dois processos de execução fiscal para cobrança coerciva de dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), o primeiro, e de dívidas provenientes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), o segundo. A Administração tributária (AT) considerou verificados os requisitos para reverter esses processos contra Marco António (adiante Executado por reversão, Impugnante ou Recorrente), a quem citou como responsável subsidiário.

1.2 O Executado por reversão veio apresentar uma petição inicial na qual, invocando o disposto no art. 97.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), disse vir deduzir impugnação judicial «contra a liquidação efectuadas [sic] pelo 1º Serviço de Finanças de Guimarães e que deu origem» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.) aos processos de execução fiscal acima referidos e pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que sejam «anuladas as liquidações na sua totalidade».
Alegou, em síntese, que a reversão das execuções fiscais contra ele padece de ilegalidade, uma vez que, apesar de constar como presidente do conselho de administração da sociedade originária devedora, nunca nela exerceu efectivas funções de administração ou gerência; ademais, no despacho de reversão não vem alegada, nem foi provada, a sua culpa pela insuficiência do património social da originária devedora para responder pelas dívidas exequendas.

1.3 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga indeferiu liminarmente a petição inicial. Começou por salientar que os fundamentos invocados são típicos da oposição à execução fiscal, sendo subsumíveis à alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, e que o que o Impugnante pretende é reagir contra a execução fiscal e não invocar a ilegalidade da liquidação dos impostos ora em cobrança coerciva, pelo que o meio processual próprio seria a oposição à execução fiscal e não a impugnação judicial. Depois, ponderando a convolação do processo em oposição à execução fiscal, entendeu ser a mesma impossível por estar já ultrapassado o prazo para deduzir oposição quando a petição inicial deu entrada em juízo.

1.4 O Impugnante recorreu dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo Norte e o recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.5 O Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. …, proferida no âmbito dos presentes autos, que rejeitou liminarmente a impugnação por não ter sido alegado nenhum dos fundamentos do artigo 99.º do CPPT e a convolação da presente impugnação em oposição não ser possível por ter sido interposta para além dos 30 dias.
2. No entanto, e salvo o devido respeito, que é muito, o Recorrente não pode conformar-se com esta decisão.
3. O Recorrente foi citado como executado no processo de reversão fiscal, na qualidade de responsável subsidiário.
4. Na referida citação, emitida pelo 1.º Serviço de Finanças de Guimarães, está expressa a possibilidade de o agora Recorrente “… apresentar reclamação graciosa ou deduzir impugnação judicial com base nos fundamentos previstos no art. 99.º e prazos estabelecidos nos artigos 70.º e 102.º do CPPT”.
5. Ora, desde logo há que referir que o citado artigo 99.º não é taxativo.
6. De facto na sua previsão diz-se que constitui “fundamento de impugnação qualquer ilegalidade designadamente: …”
7. Impõe-se, por isso, a conclusão de que, além das indicadas ilegalidades constantes das várias alíneas daquele artigo, outras podem ocorrer, e constituir igualmente fundamento de impugnação judicial, como é certamente aquela que se invocou na petição inicial.
8. Por outro lado, a citação do Serviço de Finanças expressamente permite a possibilidade, ou dá a opção ao agora Recorrente, de escolher por entre os aí referidos meios processuais, a forma para reagir ao processo de reversão fiscal.
9. Ora, prevê o artigo 36.º n.º 2 do CPPT que “as notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado…”, daí decorrendo que, obviamente, tal indicação deve ser correcta e que se o não for, o erro daí decorrente não pode prejudicar o contribuinte.
10. Se foi dada a opção ao contribuinte, ao mesmo deve ser dada a consequente liberdade de escolha.
11. Mais, como se referiu já no douto Acórdão do STA de 15/04/09, no recurso n.º 1108/08, “(…) sendo a lei que faculta ao contribuinte este meio de defesa, não pode a administração tributária pretender coarctar aos contribuintes as garantias que a lei lhes confere, impondo-lhes uma via única de reacção quando a via oferecida pelo legislador é dual”.
12. De igual modo, não pode impor-se ao aqui Recorrente determinada forma de reacção, quando as vias oferecidas quer pelo legislador, quer pela Administração Tributária, são várias, como mostra a citação.
13. Se aquele processo de reversão fiscal não pode ser alvo de impugnação judicial, então estamos perante um claro e grave erro do Serviço de Finanças referido, ou da sua secretaria, que no texto da citação informa e esclarece mal o citado.
14. Ora, a Jurisprudência tem vindo a adoptar o entendimento de que os interessados não devem ser prejudicados por erros das entidades oficiais competentes — neste sentido, conferir, entre outros os Acórdãos do STA de 05/05/87, 24/10/96 e 31/05/05, nos recursos nºs.23.205, 39.578 e 46.544, respectivamente.
15. Acresce ainda que, como estipula o artigo 161º, nº 6 do C.P.C., o Recorrente não possa ser prejudicado, em qualquer caso, por esses erros.
16. Sem prescindir, por último, e quanto à convolação processual, o Tribunal chama à colação o artº 199.º do CPC. Olvida-se, no entanto, do que prevê o artigo 198º/3 do mesmo diploma legal.
17. Assim, salvo melhor opinião, rejeitado aquele processo de impugnação judicial, rejeição com a qual, repita-se, não se concorda, deveria ter-se observado a convolação do processo adaptando o que se diz no nº 3 de artº 198º relativamente ao prazo e à forma de defesa admitida. ­Confirmado está o acto de não ter existido qualquer nova citação em termos regulares.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. no que o patrocínio se revelar insuficiente, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser admitida a impugnação judicial deduzida, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!!».

1.6 Recebidos neste Tribunal Central Administrativo Norte, os autos foram com vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso.

1.7 Foram dispensados os vistos dos Juízes adjuntos, atenta a simplicidade da questão a dirimir.

1.8 A questão que cumpre apreciar e decidir, tal como a configurou o Recorrente (() Cf. arts. 648.º, n.º 3, e 690.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil (CPC).), é a de saber se a decisão recorrida fez errado julgamento quando indeferiu liminarmente a petição inicial, o que passa por indagar:
– se a factualidade alegada na petição inicial pode integrar fundamento de impugnação judicial (cf. conclusões 3. a 7.) ou, pelo menos,
– se o Executado por reverão podia invocar tal fundamento, indistintamente, em oposição à execução fiscal e em impugnação judicial (cf. conclusões 8. a 12.); ainda que assim não seja,
– se os termos em que foi efectuada a citação do Executado por reversão, designadamente a indicação de que podia deduzir oposição e impugnação judicial, integram erro do órgão da execução fiscal e, nessa medida, não podem desfavorecê-lo, motivo por que se deve admitir que invoque em sede de impugnação judicial fundamentos típicos da oposição à execução fiscal (cf. conclusões 9. e 13. a 15.);
– se deveria ter-se convolado a impugnação judicial em oposição à execução fiscal, atento o disposto no n.º 3 do art. 198.º do Código de Processo Civil (CPC) (cf. conclusões 16. e 17.).

* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
Com interesse para a decisão a proferir, há que ter em conta a seguinte factualidade e circunstâncias processuais, com base nos elementos expressamente referidos, entre parêntesis, a seguir a cada uma das alíneas:
A) O 1.º Serviço de Finanças de Guimarães instaurou contra a sociedade denominada “JVG , Lda.” duas execuções fiscais, a que atribuiu os n.ºs 0411820051003569 e 0411820051066200, para cobrança coerciva das quantias de € 38.134,25, proveniente de IVA de diversos períodos dos anos de 2000 e 2002, e € 5.987,66, proveniente de IRC do ano de 2002, respectivamente (cf. informação de fls. 43/44 e documentos de fls. 45 a 52);
B) O Chefe do 1.º Serviço de Finanças de Guimarães, em cada uma daquelas execuções fiscais, proferiu despacho de reversão contra aqueles que considerou responsáveis subsidiários pelas dívidas exequendas, entre os quais Marco António (cf. a informação de fls. 43/44 e cópia das notas de citação, a fls.73 e 76);
C) Para citação de Marco António , o 1.º Serviço de Finanças de Guimarães remeteu-lhe, em cada uma das referidas execuções fiscais, carta registada com aviso de recepção, que foi devolvido assinado com data de 9 de Dezembro de 2008 (cf. cópia das notas de citação, dos respectivos talões de registo e avisos de recepção, de fls. 73 a 78);
D) Das notas de citação consta, para além do mais, o seguinte:
«[…]
Mais fica citado de que no mesmo prazo [30 dias após a citação] poderá […] deduzir oposição judicial com os fundamentos prescritos no Art.º 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Informa-se ainda que, nos termos do nº 4 do artigo 22º da Lei Geral Tributária a contar da citação, poderá apresentar reclamação graciosa ou deduzir impugnação judicial com base nos fundamentos estabelecidos nos artigos 70º e 102º do C.P.P.T.»
(cf. cópia das notas de citação, a fls.73 e 76);
E) A petição inicial que deu origem ao presente processo deu entrada no 1.º Serviço de Finanças de Guimarães em 4 de Março de 2009 (cf. comprovativo de entrega, a fls. 2);
F) Nessa petição o Executado por reversão disse vir, «ao abrigo do disposto no artigo 97.º, n.º 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deduzir impugnação judicial «contra a liquidação efectuadas [sic] pelo 1º Serviço de Finanças de Guimarães e que deu origem» aos processos de execução fiscal referidos em A) (cf. aquele articulado, maxime a fls. 3);
G) No mesmo articulado, a final, formulou o pedido de que sejam «anuladas as liquidações na sua totalidade» (cf. a petição inicial, maxime a fls. 6).
*
2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Marco António , tendo sido citado na qualidade de responsável subsidiário em duas execuções fiscais, apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga uma petição na qual disse vir deduzir impugnação judicial contra as liquidações que deram origem às dívidas exequendas e pediu a anulação desses actos.
A Juíza daquele Tribunal indeferiu liminarmente a petição inicial com base nos seguintes considerandos: verifica-se o erro na forma do processo porque os fundamentos invocados são típicos da oposição à execução fiscal e o que o Impugnante pretende é reagir contra a execução fiscal e não invocar a ilegalidade da liquidação dos impostos ora em cobrança coerciva, pelo que o meio processual próprio não é a impugnação judicial, mas a oposição à execução fiscal, sendo impossível a convolação por o prazo para deduzir oposição estar já esgotado à data em que a petição inicial deu entrada em juízo.
O Executado por reversão não se conformou com essa decisão e dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Norte. Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, os seus motivos de discordância assentam no seguinte:
· os fundamentos da impugnação judicial previstos no art. 99.º do CPPT não são taxativos, nada obstando a que neles se inclua o fundamento invocado na petição inicial; aliás,
· o esse fundamento pode ser invocado, indistintamente, em oposição à execução fiscal e em impugnação judicial; ainda que assim não seja,
· se houve erro nos termos em que foi efectuada a citação, que lhe indicou a possibilidade de deduzir oposição à execução fiscal e de deduzir impugnação judicial, não pode ele ser penalizado por isso; sempre
· deveria ter-se convolado a impugnação judicial em oposição à execução fiscal, atento o disposto no n.º 3 do art. 198.º do CPC.

Por isso, enunciámos as questões a apreciar e decidir nos termos expostos em 1.8.
2.2.2 DO INDEFERIMENTO LIMINAR
A nosso ver, para que a situação dos autos possa ser qualificada, como o foi no despacho recorrido, como integrando erro na forma do processo, exige-se a interpretação do pedido formulado na petição inicial com o sentido de pedido de extinção da execução fiscal relativamente ao Executado por reversão. Aliás, pensamos que foi assim que também o interpretou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, se bem que disso não tenha deixado nota expressa (() Podendo, no entanto, vislumbrar-se essa referência quando se diz no despacho recorrido «o Impugnante pretende é reagir contra a execução fiscal».). Vejamos:
O erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado. Se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (() Cf. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289.).
No caso, tendo o Executado por reversão pedido expressamente que sejam «anuladas as liquidações» que deram origem às dívidas exequendas, o meio processual de que lançou mão – a impugnação judicial – é o adequado à finalidade visada. Assim, a menos que se interprete o pedido como sendo, não de anulação das liquidações, mas de extinção da execução fiscal, não se poderá concluir pelo erro na forma do processo.
Mas, feito este reparo, logo devemos salientar que nada nos repugna, bem pelo contrário, que o pedido seja interpretado como de extinção da execução fiscal relativamente ao Executado por reversão. Desde logo, porque toda a alegação aduzida na petição inicial, como bem salientou a Juíza do Tribunal a quo, não integra fundamento admissível da impugnação judicial mas de oposição à execução fiscal, como melhor procuraremos demonstrar adiante. Depois, porque tal interpretação logra algum apoio na própria petição inicial, onde o Executado por reversão alega expressamente que «a presente reversão contra o ora Impugnante constitui um manifesto erro, sem qualquer fundamentação, de direito ou de facto» (item 2) e que «in casu, estão ausentes os pressupostos pessoais da responsabilização dos administradores das sociedades anónimas, relativamente aos débitos fiscais da empresa» (item 16), tudo no sentido de que a pretensão do Impugnante é, afinal, de atacar o despacho de reversão e obter decisão de extinção da execução fiscal quanto a si. Finalmente, porque se trata da interpretação mais favorável ao Contribuinte: a admitir-se que o pedido é de extinção da execução fiscal relativamente a ele, sempre se poderá ponderar a possibilidade da convolação da impugnação judicial em oposição à execução fiscal; se entendermos que o pedido é de anulação das liquidações que deram origem às dívidas exequendas, a petição inicial deverá ser indeferida liminarmente, sem mais, por manifesta improcedência, nos termos do art. 234.º-A, n.º 1, do CPC (() No sentido da aplicabilidade deste preceito, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 5.ª edição, I volume, anotação 7 ao art. 110.º, págs. 801/802. ).
Dito isto, passemos a analisar a argumentação do Recorrente:
Começa o Recorrente por sustentar que os fundamentos da impugnação judicial previstos no art. 99.º do CPPT não são taxativos, nada obstando a que neles se inclua o fundamento invocado na petição inicial.
É certo que o elenco de fundamentos do art. 99.º do CPPT não é taxativo, como resulta desde logo da redacção do preceito (() Diz o art. 99.º do CPPT:
«Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente:
a) Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários;
b) Incompetência;
c) Ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida;
d) Preterição de outras formalidades legais» (itálico nosso).), mas, como resulta do art. 124.º do mesmo Código, só são admissíveis como fundamentos da impugnação judicial as ilegalidades que contendem com a validade ou a existência do acto impugnado (() Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., I volume, anotação 3 ao art. 99.º, pág. 706. ). Ora, no caso sub judice os fundamentos invocados respeitam, exclusivamente, à falta de pressupostos da responsabilidade subsidiária ao abrigo da qual a AT chamou à execução fiscal (mediante reversão) o ora Impugnante; mais concretamente, respeitam à falta de exercício de facto das funções de administração para que estava nomeado e à consequente falta de culpa pela insuficiência do património social para o pagamento dos tributos ora em cobrança coerciva.
Ou seja, como bem referiu a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, os factos alegados não integram fundamento de impugnação judicial, mas apenas de oposição à execução fiscal, sendo enquadráveis na alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, na qual se integram os casos de falta de verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária (() Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 14 ao art. 204.º.º, págs. 333/334. ).
Nem se diga, como o Recorrente, que se trata de fundamento que pode ser invocado, indistintamente, em oposição à execução fiscal e em impugnação judicial.
Na verdade, sendo certo que alguns fundamentos podem ser invocados tanto como fundamento de oposição à execução fiscal como de impugnação judicial – designadamente os das alíneas a) e g) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT –, a falta de responsabilidade pela dívida exequenda não é seguramente um desses casos. Note-se que, de acordo com o disposto no art. 151.º, n.º 1, do CPPT, todas as questões relacionadas com os pressupostos da responsabilidade subsidiária devem ser apreciados em sede de oposição.
Sustenta ainda o Recorrente que na citação lhe foi indicada a possibilidade de deduzir impugnação judicial ou oposição à execução fiscal e que, se tal não é possível, não pode ele ser penalizado pelo erro da AT na citação.
É certo que a lei prevê mecanismos de salvaguarda dos interessados para a eventualidade de na comunicação dos actos as entidades competentes incorrerem em erro na indicação do meio judicial adequado à impugnação contenciosa do acto notificado e a pessoa notificada ter feito uso do mesmo. Veja-se o disposto no art. 37.º, n.º 4, do CPPT, no qual se prevê: «No caso de o tribunal vier a reconhecer como estando errado o meio de reacção contra o acto notificado indicado na notificação, poderá o meio de reacção adequado ser ainda exercido no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado».
No entanto, no caso sub judice não houve erro nenhum: na verdade, o executado por reversão pode, na sequência da citação, deduzir impugnação judicial contra a liquidação do tributo que deu origem à dívida exequenda (nos mesmos termos que o devedor principal – art. 22.º, n.º 4, da LGT), bem como pode deduzir oposição à execução fiscal (arts. 189.º, n.º 1, 190.º, n.º 1, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, do CPPT). Ponto é que utilize o meio processual próprio para a finalidade pretendida, sendo até que pode ter que utilizar cumulativamente ambos os meios processuais. Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, se os responsáveis subsidiários pretenderem discutir a legalidade da liquidação da dívida cuja responsabilidade lhes é imputada «com um dos fundamentos não admissíveis em oposição [como uma causa de anulação não enquadrável na alínea a) do n.º 1 do art. 204.º deste Código], […] terão de deduzir impugnação judicial, por ser o processo adequada para a apreciação de tal pedido. Se, cumulativamente, pretenderem invocar qualquer fundamento de oposição à execução fiscal [como a sua ilegitimidade substantiva ou o pagamento, enquadráveis nas alíneas b) e c) do mesmo número], terão também de a deduzir, por ser esse o processo próprio para apreciar esta pretensão» (() Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 5.ª edição, I volume, anotação 7 ao art. 99.º, págs. 710/711.).
Aliás, a citação era bem clara a esse propósito, pois na respectiva nota se dizia: «poderá […] deduzir oposição judicial com os fundamentos prescritos no Art.º 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» e também «poderá apresentar reclamação graciosa ou deduzir impugnação judicial com base nos fundamentos estabelecidos nos artigos 70º e 102º do C.P.P.T.» (cf. alínea D) do ponto 2.1.1).
Ou seja, na citação do Executado por reversão, a AT nunca o informou de que poderia deduzir impugnação judicial com os fundamentos próprios da oposição à execução fiscal ou de que poderia deduzir oposição à execução fiscal com os fundamentos próprios da impugnação judicial. Só essa informação permitiria ao Impugnante valer-se da possibilidade que se arroga.
Finalmente, sustenta o Recorrente que deveria ter-se convolado a impugnação judicial em oposição à execução fiscal, atento o disposto no n.º 3 do art. 198.º do CPC, que dispõe: «Se a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares».
Salvo o devido respeito, a Juíza do Tribunal a quo já ponderou a possibilidade de convolação à luz do disposto no art. 97.º, n.º 3, da LGT e do art. 98.º, n.º 4, do CPPT, normas especiais da jurisdição tributária e que, por isso, são as aqui aplicáveis.
Não há dúvida de que ao ser deduzida impugnação judicial em vez de oposição à execução está-se perante um erro na forma de processo, a corrigir através da convolação da petição respectiva em petição de oposição, se para tal puder ser aproveitada. No entanto, para que a convolação seja possível exige-se que a petição tenha sido apresentada em tempo para efeitos da nova forma processual, que o pedido formulado (ainda que implicitamente), devidamente interpretado, bem como a causa de pedir invocada se adeqúem a esta forma processual e que no processo não tenham sido formulados cumulativamente pedidos a que correspondam formas processuais diversas.
Acontece, porém, que, como refere a decisão recorrida, o Recorrente foi citado em 9 de Dezembro de 2008 para a execução e a petição inicial apenas deu entrada em juízo no dia 4 de Março de 2009, data esta em que já havia expirado o prazo de 30 dias previsto no art. 203.º do CPPT para a dedução de oposição (() Para além disso, devemos ainda ter presente que não é admissível a dedução de uma única oposição relativamente a duas execuções fiscais que não estejam apensadas.).
Pelo que, ocorrendo erro na forma de processo e não sendo a convolação possível, está-se perante uma situação de nulidade de todo o processo, que, verificada em sede liminar, determina o indeferimento da petição inicial (cf. art. 98.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, art. 97.º, n.º 3, da LGT, e arts. 234.º-A, n.º 1, 288.º, n.º 1, alínea b), 493.º, n.ºs 1 e 2, e 494.º, alínea b), do CPC).
É neste sentido que tem vindo a decidir a jurisprudência (() Vide, por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
de 19 de Novembro de 2008, proferido no processo com o n.º 711/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Fevereiro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32240.pdf), págs. 1338 a 1340, com texto integral também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b194ec304637cf31802575080054c75c?OpenDocument;
de 30 de Setembro de 2009, proferido no processo com o n.º 626/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Novembro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32230.pdf), págs. 1413 a 1415, com texto integral também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9876a86ee931e23e802576470033df34?OpenDocument;
de 20 de Janeiro de 2010, proferido no processo com o n.º 814/09, ainda não publicado no jornal oficial, mas com texto integral disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/84365f9731e90311802576b7003bbba3?OpenDocument.) e que decidiu a decisão recorrida que, assim, não merece censura.

2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O responsável subsidiário pode impugnar a liquidação de imposto cuja responsabilidade lhe é atribuída e/ou opor-se à execução que contra ele reverteu, mas não pode fazê-lo indiferentemente por um ou outro meio consoante o que mais lhe convier, pois a cada direito corresponde o meio processual adequado para o fazer valer em juízo
II - O meio processual adequado para o chamado à execução fiscal por reversão questionar a responsabilidade subsidiária que determinou o seu chamamento é a oposição à execução fiscal (cf. art. 151.º, n.º 1, do CPPT), sendo que tal fundamento integra a previsão do art. 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT.
III - Quando o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo, nulidade de conhecimento oficioso, cognoscível até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo e que, sempre que possível, deve ser sanada mediante convolação para a forma processual adequada.
IV - Para que essa convolação seja possível exige-se que a petição tenha sido apresentada em tempo para efeitos da nova forma processual, que o pedido formulado, devidamente interpretado, bem como a causa de pedir invocada se adeqúem a esta forma processual e que no processo não tenham sido formulados cumulativamente pedidos a que correspondam formas processuais diversas.
V - Se não for possível a sanação da nulidade, o erro na forma do processo determina o indeferimento da petição inicial, se verificada na fase liminar, ou, se já ultrapassada a fase liminar, a anulação de todo o processado, com a absolvição do réu da instância (cf. art. 98.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, art. 97.º, n.º 3, da LGT, e arts. 199.º, n.º 1, 234.º-A, 288.º, n.º 1, alínea b), 493.º, n.ºs 1 e 2, e 494.º, alínea b), do CPC).

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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.


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Porto, 25 de Fevereiro de 2010







(Francisco Rothes)




(Fonseca Carvalho)




(Álvaro Dantas)