Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00650/08.7BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2011
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro
Descritores:IRC
FIXAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
MÉTODOS INDIRECTOS
Sumário:A avaliação indirecta tem carácter excepcional – artigo 81.º, n.º 1 da LGT – e subsidiário em relação à avaliação directa – artigo 85.º, n.º 1 da LGT –, cabendo à administração tributária a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:A..., Lda.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – Relatório
A Fazenda Pública não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A… – Sociedade de Construções Unipessoal, pessoa colectiva n.º 5…, com sede …, contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do exercício de 2003, a qual resultou da aplicação dos métodos indirectos na determinação da matéria colectável, interpôs o presente recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
«1ª - No caso concreto dos presentes autos (IRC, de 2003) também se verificam os pressupostos que justificam o recurso a métodos indirectos, para determinação da matéria colectável da recorrida, concretamente, os pressupostos enunciados nas alíneas a) e d), do artigo 88°, da LGT — cfr. recurso deste Tribunal n° 422/09, relativo a IRC, de 2002.
2ª - Por contrato particular reduzido a escrito, designado por «Contrato Promessa de Permuta”, a recorrida ficou obrigada a executar obra de construção civil, recebendo - e passe-se a transcrever fls. 2 desse contrato, na parte que aqui interessa - “em pagamento (...) a propriedade de 60% de toda a construção efectuada em cada piso.”
3ª - O pagamento ou preço acordado entre a recorrida e a sociedade Arcada foi a propriedade de 60% de toda a construção de cada piso do prédio e, em consequência, a entrega de certos e determinados bens à recorrida ou a entrega desses bens a quem a recorrida viesse a indicar, mediante celebração das respectivas Escrituras Públicas de Compra e Venda - atenta a cláusula nona do referido escrito particular.
4ª - Na sequência de adiantamento de 300 mil contos, ficou acordado que a recorrida não receberia a propriedade de 60% da construção ao nível do rés do chão e 4º andar, ficando-lhe a pertencer um total de 32 fracções autónomas do prédio em pagamento da obra.
5ª - Da certidão remetida pelo Tribunal Judicial de Braga à Direcção de Finanças de Braga constava que a fracção M, do prédio objecto do referido contrato particular e afecta à recorrida em pagamento da obra executada, tinha sido vendida pela recorrida e pelo preço de 30 mil contos, tendo sido celebrado contrato promessa, entregue sinal e reforços.
6ª - Da contabilidade da recorrida não constava quer o adiantamento de 300 mil contos, quer a propriedade das fracções (32) afectas à recorrida em pagamento da obra executada, quer os contratos promessas relativos às 32 fracções (fracção M incluída), pagamentos dos respectivos sinais, reforços e remanescente do preço, bem como, o contrato definitivo de venda dessas fracções pela recorrida aos promitentes vendedores (Escritura Pública de Compra e Venda).
7ª - A contabilidade da recorrida não reflectia nem espelhava, por qualquer forma, o pagamento fixado pelo contrato particular e, em consequência, os proveitos.
8ª - Conforme já foi referido em douto parecer do Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, em sede do recurso n°422/09 “ (...) a decisão recorrida parece ter confundido o preço da empreitada, estabelecido, inequivocamente como sendo 60% de toda a construção efectuada em cada piso com um valor de facturação que a recorrente se obrigou contratualmente a apresentar à outra outorgante.
9ª - As Escrituras Públicas de Compra e Venda das fracções pertença da recorrida por força do contrato particular celebrado demonstram tão só que os seus intervenientes declararam certo e determinado valor perante o Notário, não provam o valor real e efectivamente recebido e pago.
10ª - Atenta a localização do prédio e demais informação recolhida junto de operadores do mercado imobiliário “ (...) as fracções autónomas habitacionais do prédio terão sido negociadas por valores na casa dos 40 mil contos (actualmente equivalente a cerca de € 200 000,00) para apartamentos T3, na época de 1999 - 2000”.
11ª - O valor (declarado) nas Escrituras Públicas de Compra e Venda das fracções tipo T3, afectas à recorrida em pagamento da obra que executou oscila entre o mínimo 69 830,00 euros e o máximo 124 699,47 euros.
12ª - A omissão ao nível da contabilidade da recorrida, quer quanto ao contrato particular, quer quanto aos contratos de venda das fracções; a impossibilidade de confirmação dos valores das Escrituras Públicas de Compra e Venda das fracções; a manifesta discrepância entre valores das fracções declarados naquelas Escrituras Publicas e os seus valores de mercado; e outros factos mencionadas no Relatório de Inspecção demonstram que, no caso concreto dos autos, verificam-se os pressupostos que justificam o recurso a métodos indirectos para fixação da matéria colectável da recorrida.
13ª - A douta decisão em recurso violou o artigos 87°, alínea b), 88° alíneas a) e d), da LGT e artigos».
Contra-alegou a impugnante pugnando pela improcedência do recurso, concluindo da seguinte forma:
A) A AT não demonstrou que a contabilidade da recorrida continha vícios, erros ou omissões que impediam a comprovação e quantificação dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto.
B) A recorrida registou na sua contabilidade e declarou fiscalmente proveitos relativos à empreitada no montante de 5,565 milhões de euros.
C) Proveitos que registou no período de 1998 a 2003 período durante a qual prestou os serviços de empreitada.
D) E registou os valores recebidos de 5,565 milhões de euros, uma parte (1,5 milhões de euros), directamente, do dono da obra e outra parte (4 milhões de euros) indirectamente, por conta e em nome deste, dos promitentes compradores das 32 fracções cujo preço foi consignado ao pagamento de parte do preço acordado para a empreitada;
E) Os proveitos relativos à vendas das 32 fracções mandadas construir pelo dono da obra são deste e não da impugnante.
F) A impugnante registou os valores facturados no âmbito do contrato de empreitada e registou os valores recebidos por conta e em nome do dono da obra.
G) Os valores registados como proveitos pela impugnante são de montante superior ao valor presumido pela IT.
H) A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de: (a) as declarações, a contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria colectável real do sujeito passivo (alínea a) do n.° 2 do art.° 75.° da LGT); (b) impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto (alínea b) do art.° 87.° da LGT);
I) Considerando que; (a) a matéria colectável da impugnante relativa à empreitada em causa é superior ao valor presumido pela IT; (b) estando registadas as facturas e os recebimentos não existe impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta.
J) A fls 9 do relatório de inspecção a AT alega que os proveitos das vendas das 32 fracções se presumem ter sido de 4065 milhões de euros,
K) A recorrida registou recebimentos, que por conta dos valores dos contratos de promessa das 32 fracções, de 4,068 milhões de euros.
L) Ou seja, a recorrida declarou que através dos valores entregues pelos promitentes compradores das 32 fracções recebeu mais, cerca de 3 mil euros, que o valor presumido pela AT.
M) Valores que tendo sido facturados à dona da obra – S…, Lda - foram por essa via registados e declarados como proveitos.
N) Bem decidiu o Tribunal “a quo” ao dar como provado que a contabilidade da impugnante já reflecte aquilo que a administração considerou que não reflectia.».
Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir já que a tal nada obsta.
A questão a decidir, delimitada pelas alegações de recurso, é a seguinte:
- Saber se estão verificados os pressupostos de aplicação dos métodos indirectos.
II – Fundamentação
II-1. De facto
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga deu como provados os seguintes factos:
1. A Impugnante exerce a actividade de indústria de construção civil, de edifícios residenciais e comerciais, em regime de empreitada;
2. Entre 16.11.2006 e 21.08.2007, a Impugnante foi submetida a uma inspecção tributária, abrangendo os anos de 2002 e 2003;
3. A Inspecção Tributária apurou que a contabilidade da referida sociedade evidenciava diversas irregularidades, as quais se encontram descritas no relatório de inspecção, constante de fls. 13 a 19 dos processo administrativo apenso autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. Com relevância paro a decisão transcreve-se o seguinte:
(…)
IV- Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
Em síntese, dada a:
- Omissão de registos dos factos relacionados quer com a concretização do contrato de permuta quer com os contratos de venda das fracções;
Impossibilidade de confirmação dos valores declarados nas escrituras por inexistência de documentação bancária de suporte, quando às vendas das fracções autónomas; Manifesta discrepância entre os valores declarados nas escrituras públicas de compra e venda das fracções autónomas transmitidas e o seu valor de mercado;
Existência de movimentos bancários do próprio gerente a dar quitação a pagamentos efectuados a terceiros (o promotor da “Arcada”);
Existência de indícios confirmados da prática de crime em matéria tributária e existência de factos concretamente identificados gravemente indiciadores de falta de veracidade do declarado, ocorridos em 2002 e 2003 (Processo de Inquérito n.° 447/04.3 IDBRG;
Verifica-se a impossibilidade de comprovação directa e exacta da matéria tributável, nos termos da alínea a) e b) do art.° 88.° da LGT:
(...)
5. A Impugnante em 05.02.2009 apresentou o pedido de revisão o qual não obteve acordo dos peritos;
6. Através do ofício no 50211982, datado de 07.08.2007 foi fixada a matéria tributável, relativa ao ano de 2003, no valor de 145 714.46 € e o relatório da Inspecção tributário;
7. A Administração Fiscal procedeu à liquidação do IRC n° 2007 7204146, no valor de 31 868.55 €, cuja data limite de pagamento terminou em 14.01.2008 (fls. 24 dos autos);
8. Em 18.02.21998, a Impugnante e a Sociedade …, Lda., celebraram um contrato que designaram por “Contrato Promessa de Permuta” cujo teor consta de fls. 26 a 31 dos autos e que se dá por integralmente reproduzido;
9. No decurso da empreitada, a Sociedade …, Lda., pagou ao Impugnante o valor de 300 mil contos (1 496 393.69€)
10. Entre os anos de 1998 a 2003 a Impugnante facturou à S…, Lda., o valor de 5 565 260.06 €.».
II-2. De direito
A questão que se coloca no presente recurso é saber se estão reunidos os pressupostos para aplicação dos métodos indirectos na determinação da matéria tributável do exercício de 2003.
A administração fiscal entendeu estarem reunidos os pressupostos de aplicação dos métodos indirectos, sintetizando-os no relatório da inspecção da seguinte forma:
«-Omissão de registo dos factos tributários relacionados quer com a concretização do contrato de permuta quer com os contratos de venda das fracções;
- impossibilidade de confirmação dos valores declarados nas escrituras por inexistência de documentação bancária de suporte, quanto à venda das fracções autónomas;
- Manifesta discrepância entre os valores declarados nas escrituras públicas de compra e venda das fracções autónomas transmitidas e o seu valor de mercado;
- Inexistência de movimentos bancários do próprio sócio gerente a dar quitação a pagamentos efectuados a terceiros (o promotor “Arcada”);
- Existência de indícios confirmados da prática de crime em matéria tributária e existência de factos concretamente identificados gravemente indiciadores de falta de veracidade do declarado, ocorridos em 2002 e 2003 (Processo de Inquérito nº 447/04.3IDBRG).».
O tribunal recorrido entendeu não estarem reunidos os pressupostos da aplicação dos métodos indirectos, assim fundamentando (transcreve-se a sentença parcialmente):
«No referido contrato, no seu intróito refere que a Impugnante recebe em pagamento da primeira outorgante (Sociedade …, Lda.) a propriedade de 60% de toda a construção efectuada em cada piso.
Admitindo-se que a Impugnante, no final da obra recebia, 60% das fracções construídas, não estaríamos perante um contrato de permuta, mas sim perante uma cláusula em que se acordava o modo de pagamento por parte da Sociedade Arcada os serviços prestados no âmbito do contrato de empreitada.
Resulta ainda da matéria assente que no decurso do contrato de empreitada verificaram alterações, tendo sido pago parte do valor acordado em dinheiro, 300 mil contos (1 496 393.69€).
Como resulta do relatório, ao longo do contrato de execução, a Impugnante recebeu ainda dos promitentes compradores das respectivas fracções, parte dos pagamentos.
O facto de os valores não serem coincidentes entre os valores das vendas e os valores registados, não são indiciadores de omissão de proveitos, pois a Impugnante, não teria de registar na sua contabilidade o valor que a sociedade Arcada contratou com o comprador final.
Não se pode concluir que a Impugnante omitiu proveitos, através da comparação entre os preços declarados das fracções e os preços reais uma vez, que os proveitos da Impugnante resultam da prestação de serviços de uma empreitada e não da venda das fracções aí construídas e vendidas pela Sociedade Arcadas aos clientes finais.
Resulta do relatório que a Impugnante facturou à Sociedade … o preço de 5 565 260,09€ e que os proveitos declarados pela Impugnante relativamente à empreitada é de 4 068 897.00€, ou seja, subtraído a 5 565 260,09€ o valor de 1 496 393.69€ (300 mil contos) perfaz o valor de 4 068 897.00€, o qual é um valor superior ao de 2 544 964, valor declarado nas escrituras.
Face ao exposto ter-se-á de concluir que a contabilidade, embora não prima pela melhor técnica contabilística, reflecte os proveitos provenientes do contrato de empreitada.
Face ao exposto julgo não verificados os pressupostos de aplicação dos métodos indirectos por ilegalidade na sua aplicação.».
Concorda-se com a conclusão a que chegou o tribunal recorrido, embora se entenda que a administração fiscal não pretendeu pôr em causa os proveitos da impugnante resultantes da realização da empreitada, mas antes os proveitos resultantes da venda das fracções que lhe teriam cabido nos termos do contrato (muito embora se tenha de referir que o relatório da fiscalização não seja claro quanto a esse aspecto, pois ao pretender justificar que o produto da venda das fracções são proveitos da impugnante, invocando para tanto o contrato celebrado pelas partes, acaba por misturar os proveitos que para ela resultaram da realização da empreitada com os que resultariam da venda das fracções).
Vejamos.
A tributação das empresas recai fundamentalmente sobre o seu rendimento real - artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa – pelo que os casos em que é lícito à administração tributária a utilização dos métodos indirectos na determinação da matéria tributável, são excepcionais e obedecem a tipificação legal, em especial a prevista no artigo 87.º da LGT.
Dispõem os artigos 87.º, n.º 1, alínea b) e 88.º alíneas a) e d) da LGT:
Artigo 87.º
Realização da avaliação indirecta
1 – A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de:
a) …
b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável de qualquer imposto;
(…)
Artigo 88.º
Impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável
A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referidos na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso na escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
(…)
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior que a declarada.
Tendo a avaliação indirecta, como se disse, carácter excepcional - artigo 81.º, n.º 1 da LGT - e subsidiário em relação à avaliação directa - artigo 85.º, n.º 1 da LGT -, cabe à administração tributária a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável.
Os factos constantes do probatório fixado na sentença recorrida, designadamente os referidos no relatório de fiscalização, aí parcialmente reproduzidos, não sustentam, na nossa perspectiva, e como decidiu o tribunal recorrido, o recurso à avaliação indirecta.
A impugnante celebrou com a Sociedade … um contrato a que as partes denominaram de contrato de permuta.
Nesse contrato, datado de 18 de Fevereiro de 1998, foi clausulado que o impugnante edificaria para o promotor “Arcada” o prédio sobre o lote H, sito na Rua …. Ficou acordado que, como contrapartida, o construtor receberia a propriedade de 60% de toda a construção efectuada em cada piso. Ficou o promotor obrigado a efectuar as escrituras públicas correspondentes às fracções adjudicadas ao construtor “A…”, na concretização do previsto no contrato, para o construtor ou a quem ele indicar. E obrigou-se a impugnante a apresentar ao promotor a facturação no valor de Esc. 1.000.000.000$00, IVA incluído.
Por necessidades de tesouraria o contrato foi alterado, o que é relatado no relatório da inspecção: «Contudo, foi apurado, durante as diligências efectuadas que por necessidades de tesouraria houve alterações ao inicialmente acordado. // Assim, em contrapartida de um adiantamento global de 300.000.000$00 por parte do Sr. AA…, sócio gerente da “Sociedade…, Lda”, o construtor “A…” já não receberá os 60% previstos do piso de R/C nem os 60% do 4º piso para habitação. Aquele adiantamento foi gradualmente transferido para o construtor à medida que a obra evoluía, tendo sido concretizado entre fins de 1998 e fins de 2001, data em que se iniciaram as escrituras públicas.».
Atentas as cláusulas contratuais, desde logo se conclui que o contrato, apesar de denominado pelos contraentes de permuta, é antes um contrato misto de empreitada – artigo 1207.º do Código Civil (CC), - na parte em que o impugnante se obrigou a construir um edifício – realizar uma obra – e de dação em cumprimento - o promotor “Arcada” entrega 60% das fracções – Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol II, Coimbra editora, p. 798.
A dação em cumprimento consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida, com o fim de, mediante acordo do credor, extinguir imediatamente a obrigação – artigo 837º do CC. Em vez de entregar a entregar a quantia pecuniária (o preço consiste sempre numa quantia em dinheiro, caso contrário a lei falaria em retribuição – Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela Pires de Lima, ob. cit., p. 798), o devedor entrega a coisa.
Se o contrato celebrado pelas partes tivesse sido cumprido tal e qual como foi acordado, o preço da empreitada seria de Esc. 1.000.000.000$00 (correspondente ao valor que a impugnante se obrigou a facturar ao promotor da obra), facturação que deveria ser emitida à medida e na medida em que a obra avançava, e que se traduzia para o impugnante em proveitos do respectivo exercício. O promotor da obra pagaria esse valor com 60% das fracções construídas em cada piso celebrando para o efeito as escrituras públicas.
O contrato de empreitada e dação em cumprimento ficaria, assim cumprido, devendo tais operações serem traduzidas contabilisticamente por ambos os intervenientes.
Se assim tivesse acontecido, a venda das fracções pelo impugnante que lhe caberiam nos termos do contrato (60% das fracções construídas em cada piso, com as alterações posteriores) já nada teriam a ver com o contrato celebrado com a “Arcada” e o produto da venda deveria ser considerado proveitos da impugnante e como tais levados à contabilidade.
O mesmo aconteceria se a escritura pública não fosse celebrada com a impugnante mas com pessoa que ela indicasse, hipótese prevista no contrato. Mesmo nesta situação o produto da venda teria de ser imputado à impugnante como proveitos.
Se o produto da venda das fracções não estivesse contabilizado na impugnante, ou se o valor da venda contabilizado não correspondesse ao valor real da transacção, haveria omissão de proveitos a justificar a aplicação dos métodos indirectos, nos termos das normas supra transcritas.
Foi com base nesta última hipótese – o produto da venda dos bens não corresponder ao valor real da transacção -, que a administração tributária aplicou os métodos indirectos na determinação da matéria tributável da impugnante.
Acontece que a administração tributária não demonstra que o contrato tenha sido cumprido pelas partes nos termos que dele resultam, isto é, que as fracções que caberiam por força do contrato à impugnante, alguma vez tivessem sido transferidas para esfera jurídica da impugnante ou que tivessem sido vendidas a pessoas por ela indicadas.
Pelo contrário, resulta do relatório da inspecção que quem vendeu as fracções, todas as fracções, mesmo aquelas que caberiam nos termos do contrato à impugnante, foi o promotor da obra, a “A…”, contabilizando o produto da venda como proveitos seus. E que tratando-se da venda das fracções que couberam à impugnante, a “A…” pagava à impugnante a percentagem acordada.
Suporta esta conclusão as seguintes afirmações constantes do relatório da inspecção:
«Na contabilidade do SEP. “A…” não se encontra registado qualquer facto relacionado com a permuta das fracções com o promotor “A…”, no cumprimento do contrato de empreitada com permuta de imóveis celebrado.»
«Não se encontra igualmente registado qualquer facto relacionado com as vendas efectuadas das fracções cujo produto de venda foi recebido pela “A…».
«Quanto às fracções cujo produto de venda reverteu a favor do construtor “A…”, foram de igual modo registadas na contabilidade do promotor “A”.
«No S.P. “A…” regista na contabilidade, no diário diversos, no mês da escritura pública outorgada, todas as vendas por escrituras públicas celebradas no Cartório Notarial.»
«O registo contabilístico efectuado foi 21-Clientes a 71-Vendas e subsequentemente 11-Caixa a 21 –Clientes.»
A omissão na contabilidade da impugnante de registo de «qualquer facto relacionado com a permuta das fracções com o promotor “A…”, no cumprimento do contrato de empreitada com permuta de imóveis celebrado» só poderia constituir fundamento de aplicação de métodos indirectos caso ficasse demonstrado que houve “permuta” das fracções (a administração chama de permuta ao pagamento acordado do preço da empreitada com 60% das fracções a construir em cada piso).
Ora, é a própria administração fiscal que acaba por dizer que tal “permuta” não existiu ao dizer que a “A… registou na sua contabilidade todas as vendas”. E porque a “A…” registou todas as vendas não é de estranhar que a impugnante não tenha registado qualquer facto relacionado com as vendas efectuadas das fracções cujo produto de venda foi recebido pela A….
A administração fiscal não pode tributar partindo do pressuposto que o contratado foi cumprido pelos contraentes, quando acaba por arrolar factos que demonstram o contrário, e que apontam para que, tal como a impugnante refere na petição inicial, o objectivo último do contrato não era a entrega ao empreiteiro pelo dono da obra das fracções a construir, mas a consignação do preço da venda dessas fracções ao pagamento da parte do preço que excedia a entrega em dinheiro pelo dono da obra (artigo 14º da petição inicial).
Deste modo, a eventual desconformidade do valor real das transacções das fracções com o valor constante das escrituras não serve para aplicar à impugnante os métodos indirectos, visto que não está demonstrado pela administração que foi efectivamente a impugnante a transaccionar as fracções. E não estando demonstrado que tenha sido a impugnante a transaccionar as fracções, também não põe em causa a contabilidade da impugnante a inexistência de registos referentes às vendas e contratos-promessa.
Por último, refira-se que no relatório da fiscalização aponta-se também como fundamento da aplicação dos métodos indirectos a «Existência de indícios confirmados da prática de crime em matéria tributária e existência de factos concretamente identificados gravemente indiciadores de falta de veracidade do declarado, ocorridos em 2002 e 2003 (Processo de Inquérito nº 447/04.3IDBRG)», mas nada mais para além disso é dito, isto é, não são enumerados esses indícios.
Conclui-se, pois, pela inexistência de fundamentos para o recurso aos métodos indirectos, pelo que a sentença recorrida, que assim decidiu, não merece, como já acima referimos, censura.
III- Decisão
Em conformidade com exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Fazenda Pública.
Porto, 23 de Novembro de 2011
Paula Ribeiro
Fernanda Esteves
Álvaro Dantas