Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00099/17.0BEVBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/01/2019
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; PERÍODO DE REFERENCIA; DL N° 59/2015
Sumário:
1 – À luz do regime introduzido pelo DL n° 59/2015 (Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial), é exigida a verificação cumulativa dos requisitos estabelecidos para que o FGS possa assegurar o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação e cessação (Cfr. arts. 1º e 2º do DL n° 59/2015).
2. Com efeito, para que o referido regime possa operar importa que se mostrem preenchidos, no caso, os seguintes pressupostos:
a) Seja a entidade empregadora judicialmente declarada insolvente;
b) Que os créditos emergentes do contrato de trabalho se tenham vencido nos seis meses anteriores à data da propositura da ação (Cfr. art° 2°, n°4, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial aprovado pelo DL n° 59/2015).
O período de referência em causa conta-se a partir da data em que foi interposta a ação judicial de insolvência (Cfr. n.º 1 e 2, do art. 318.°, da Lei n.º 35/2004, de 29/07).
3 - A expressão utilizada no nº1 do art. 319º «seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou do requerimento referido no artigo anterior», reporta-se, naturalmente à ação para declaração judicial de insolvência do empregador referida no nº 1 do artigo anterior, não se referindo à eventual ação judicial a intentar pelo trabalhador para verificação dos seus créditos laborais. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:JCSO
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no qual conclui que "deverá ser negado provimento ao recurso"
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
JCSO no âmbito da Ação Administrativa intentada contra o Fundo de Garantia Salarial, tendente à impugnação do despacho de 13 de Setembro de 2016, do Presidente do Conselho de Gestão do Réu, que indeferiu o requerimento por si apresentado, de pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, inconformado com a Sentença proferida no TAF de Coimbra, em 26 de fevereiro de 2018, que julgou a Ação improcedente, veio interpor recurso jurisdicional da mesma.
Assim, no referido Recurso jurisdicional interposto pelo Autor em 17 de abril de 2018, para este TCAN, foram formuladas as seguintes conclusões:
1. A questão central que se discute nos presentes autos girava em torno de saber em que data se venceram os créditos laborais do recorrente assim permitindo aferir se os mesmos, ou alguns deles, se encontravam abrangidos pela previsão do art.º 2.º, n.ºs 4 e 5 do DL n.º 59/2015 de 21/4;
2. Considerou o Tribunal a quo ter a relação laboral cessado em 30 de Abril de 2015, data da comunicação de despedimento por extinção do posto de trabalho enviada pela entidade patronal ao recorrente e, consequentemente, vencidos também, na mesma data, todos os créditos laborais do Recorrente;
3. Salvo o devido respeito, entende o recorrente que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, não merecendo a fundamentação expedida na sentença recorrida colhimento, mormente no que concerne à data em que deve considerar-se cessada a relação laboral;
4. Com efeito, e salvo melhor opinião, entende antes o recorrente, na esteira da doutrina e jurisprudência portuguesa, que, in casu, a comunicação de despedimento por extinção do posto de trabalho só teria colocado termo à relação laboral caso o recorrente não tivesse impugnado judicialmente o seu despedimento, como fez ou não tivesse logrado vencimento;
5. É pacífico que a declaração judicial da ilicitude do despedimento, proferida por Tribunal do Trabalho, implica o reconhecimento da nulidade dessa cessão do contrato, ou seja, torna o ato de despedimento emanado por parte da entidade patronal do recorrente um ato inválido, não se produzindo, por isso, o efeito extintivo do contrato, típico do despedimento, tudo se passando como se o contrato sempre se tivesse mantido em vigor até à data do trânsito em julgado da sentença;
6. Assim, entende o recorrente que a data de cessão do contrato de trabalho não poderia ser outra senão a do trânsito em julgado da sentença do douto Tribunal do Trabalho, ocorrida em 14 de Setembro de 2017, estando por isso os créditos laborais requeridos pelo recorrente abrangidos pelo disposto no art.º 2.º, n.º 5, do DL 59/2015, de 21/4.
7. Em suma, ao concluir como o fez a douta Sentença recorrida, que, com a comunicação do despedimento por extinção do posto de trabalho em 30 de Abril de 2015, cessou o contrato de trabalho e, consequentemente, na mesma data, venceram-se todos os créditos laborais do recorrente, não obstante o não pagamento da compensação devida e a existência de declaração judicial que determinou a ilicitude do despedimento, incorreu o tribunal a quo em erro de julgamento, fazendo errada interpretação e aplicação do Direito, nomeadamente, das normas contidas nos artºs 368.º, n.º5, 384.º, al. d), 388.º e 389.º, n.º 1 e 2, todos do Código do Trabalho e no art.º 2.º, n.º 5 do Decreto-Lei 59/2015, de 21 de Abril.
8. Quando assim não se entenda, sempre se dirá que: Ainda que se concedesse (o que não se concede) que a comunicação da extinção do posto de trabalho promovida pela entidade patronal, em 30 de Abril de 2015, colocou termo à relação laboral, ainda assim, entendemos, que andou a sentença recorrida mal ao considerar que, na mesma data, venceram-se “(…) todos os créditos emergente da cessação do contrato de trabalho.”;
9. Com efeito, como resulta do ponto 12 .º dos factos dados como provados pela douta sentença recorrida, nem todos os créditos (se é que alguns) se venceram com a cessação do contrato de trabalho.
10. Vencendo-se alguns (senão todos) apenas com o trânsito em julgado da decisão laboral ocorrido em 14 de Setembro de 2017, ou seja, depois da ação de insolvência, estando por isso abrangidos pelo disposto no n.º 5 do artigo 2.º do Dec-Lei 59/2015, de 21 de Abril.
11. Concomitantemente, resulta ainda dos factos transcritos existir contradição insanável entre a fundamentação de facto e a fundamentação de direito, nomeadamente, entre os factos dados como provados a 12.º da fundamentação de facto e a fundamentação de direito.
12. Nesta confluência, evidente se torna que lavra a decisão recorrida em contradição insanável.
13. Violou a sentença recorrida, entre outras, as disposições contidas no art.º 2.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 59/2015 de 21 de Abril e artºs 368.º, n.º 5 384.º, al. d), 388.º e 389.º, n.º 1 e 2, todos do Código do Trabalho.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a sentença recorrida, substituindo-a por outra que determine a anulação do despacho proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, em 13/09/2016, e condene o recorrido a proferir novo despacho, em substituição do atrás referido, onde defira o requerimento para pagamento de créditos apresentado pelo recorrente, assim fazendo V.Exas. a costumada JUSTIÇA!”
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O Fundo de Garantia Salarial, não veio apresentar Contra-alegações de Recurso.
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Em 2 de julho de 2018 foi proferido Despacho a admitir o Recurso.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 13 de julho de 2018, veio a emitir Parecer no mesmo dia, no qual conclui que “deverá ser negado provimento ao recurso”.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que é invocada a verificação de “erro de julgamento, de facto e de direito”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:
1.º Em 1 de Junho de 2001, o A. foi admitido ao serviço da sociedade comercial por quotas com o nome de firma “Ec…, Lda.”, NIPC 50…70, para exercer as funções inerentes à categoria de Técnico Informático;
2.º Em 2011, foi o mesmo A. cedido definitivamente à sociedade “TFSI, Lda.”, NIPC 5…25, com garantia prestada por esta quanto à antiguidade, categoria profissional e vencimento adquiridos pelo A, a auferir 650,00 € mensais (cf. doc. 2);
3.º Em 13 de Fevereiro de 2015 aquela empresa remeteu ao A. uma carta comunicando-lhe o seu despedimento por extinção do posto de trabalho, com efeitos a partir de 30 de Abril do mesmo ano (cf. doc. 3);
4.º Chegados ao dia 30 de Abril de 2015, aquela sociedade não colocou à disposição do A. a compensação a que alude o art.º 366.º do Código do Trabalho, ex vi, art.º 372.º, do Código do Trabalho, nem os demais créditos vencidos (cf. art.º 371.º, n.º 4, do Código do Trabalho);
5.º O A., no dia 30 de Junho de 2015, intentou junto da Comarca de Coimbra, Instância Central, 1.ª Secção de Trabalho - J1, uma “Ação Especial de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento” contra aquela sociedade, que deu origem ao processo n.º 5690/15.7T8CBR (cf. doc. 4 da PI);
6.º No dia 22/1/2016 entrou no Juízo de Comércio da Comarca de Coimbra a Petição inicial mediante a qual a EP do Autor pediu a declaração judicial da sua própria insolvência.
Cf. certidão junta em 24/11/2017.
7.º Por sentença de 27 seguinte, a EP foi declarada insolvente. Fls 4 e sgs do P.A.
8.º Citado, o Autor reclamou os seus créditos laborais não pagos pela EP, a saber:
- 7800,00€ de Indemnização;
- 3250,00€ de remunerações vencidas e não pagas de Dezembro de 2014 a Abril de 2015;
- 650,00 € de subsídio de Natal;
- 650,00 €de subsídio de Férias vencido em 01/01/2015;
- 590,91 € de retribuição de férias vencidas em 01/01/2015;
- 216,67 € de proporcionais de férias;
- 216,67 de proporcionais de sub. de férias;
- 216,67 € de proporcionais de subsídio de Natal;
Cf. fs. 11 e 12 do P.A.
9.º Estes créditos foram reconhecidos pelo administrador da insolvência. Cf. fs. 24-A do p.a.
10.º No processo mencionado em 5.º, foi a entidade patronal absolvida da instância e o A. encaminhado para a ação comum laboral, conforme sentença proferida em 15 de Novembro de 2016, junta como doc. 11 da PI);
11º No seguimento dessa decisão o A. propôs, no dia 30 de Janeiro de 2017, junto daquele mesmo Tribunal da Comarca de Coimbra, uma “Ação Declarativa Sob a Forma De Processo Comum”, contra a entidade patronal (cuja insolvência fora limitada por insuficiência do ativo) peticionando o seguinte:
“Nestes termos e nos mais de direito, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência, condenar-se a R. a
a) Reconhecer a ilicitude do despedimento do A;
b) Pagar ao A. a quantia de 16 380,00 €, a título de indemnização em substituição da reintegração, nos termos do Art.º 391.º, do Código do Trabalho;
c) Pagar ao A. as retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença, a título de compensação pelo despedimento ilícito, nos termos do Art.º 390.º, do código do trabalho;
d) Pagar ao A. créditos em dívida à data do termo do aviso prévio de despimento no valor de 5790,92€;
e) Pagar ao A. danos não patrimoniais no valor de €3.000,00;
f) Pagar juros de mora até efetivo e integral pagamento.”
(cf. doc. 12 junto com a PI);
12.º Nessa ação veio a ser proferida em 22/6/2017 e a transitar em julgado a sentença cujo teor na certidão junta aos autos em 14/9/2017 aqui se dá como reproduzida, citando apenas o seguinte excerto final:
“Por todo o atrás exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, e em consequência:
1) Condena-se a Ré "TFSI, LDA" a pagar ao A. - JCSO -, a quantia de 11.050,00 €, a título de indemnização pelo despedimento ilícito, sem prejuízo da que se vier a vencer até ao trânsito em julgado da sentença, acrescida dos juros de mora à taxa legal (4%) vencidos e vincendos desde o dia 20.04.2017 (data da citação da R. ausente), até integral e efetivo pagamento;
2) Mais se condena a Ré a pagar ao A. as retribuições intercalares que o A. deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da ação, 30.10.2016 (o Ao solicitou o beneficio do apoio judiciário na modalidade de nomeação prévia de patrono com data de entrada em 30.11.2016 - vide, fls. 13.° (v) do PP), até trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo da dedução constante na alínea c) do n.º 2 do arte. 390.° do CT, e da dedução constante na alínea a) do nº 2 do citado preceito legal (eventuais retribuições auferidas pela A. após o encerramento da audiência de discussão e julgamento), a liquidar em eventual incidente de execução, acrescida dos juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, desde o dia 20.04.2017 até integral e efetivo pagamento;
3) Condena-se ainda a R. a pagar ao A. a quantia de 5.790,92 € a título de créditos salariais, acrescida dos juros de mora à taxa legal (4%), vencidos e vincendos, desde o dia 20.04.2017 até efetivo e integral pagamento;
4) Mais se condena a R. a pagar ao A. a quantia de 500,00 € a título de indemnização pelos danos morais acrescida de juros de mora à taxa legal (4%), vencidos e vincendos, desde a data da prolação da presente sentença até integral e efetivo pagamento;”
13.º Por carta do Réu, datada de 13/9/2016 e enviada em 15 seguinte, sob registo, o Autor foi Notificado nos seguintes termos (cf. fs. 29 do P.A.):
“Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 13 de Setembro de 2016, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento apresentado por V. Ex." será indeferido.
Nos termos do art° 122° do Código do Procedimento Administrativo, Vª Ex." tem direito a pronunciar-se, antes de ser tomada a decisão final, dispondo de 10 dias úteis, a partir da presente notificação, para apresentar resposta por escrito, da qual constem os elementos que possam obstar ao indeferimento, juntando os meios de prova adequados.
Poderá igualmente, contactar os serviços, na morada indicada e pelos contactos mencionados em rodapé.
O(s) fundamento(s) para o indeferimento é(são) o(s) seguinte(s):
- Os créditos requeridos não se encontram abrangidos pelo período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a propositura da ação (Insolvência, falência, Revitalização ou procedimento extrajudicial de recuperação de empresas), nos termos do nº 4 do artigo 2° do Dec.-Lei 59/2015, de 21 de Abril, ou após a data da propositura da mesma ação, nos termos do n". 5 do mesmo artigo.
Mais se informa, que, na falta de resposta, o indeferimento ocorre no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de:
- 15 dias úteis, para reclamar;
- 3 meses, para impugnar judicialmente.”
14.º O Autor pronunciou-se conforme fs. 32 e sgs do P.A. cujo teor aqui se dá como reproduzido.
15.º Em 13/9/2016 (!) o Presidente do Conselho de gestão do Réu exarou o despacho “concordo” relativamente ao parecer cuja cópia a fs. 27 do PA aqui se dá como reproduzida.
16º Por carta datada de 4/10/2016 e enviada em 6 seguinte sob registo, o Diretor de Segurança Social da delegação de Coimbra do Réu comunicou ao Autor o seguinte:
“Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 13 de Setembro de 2016, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado por va Ex.a foi indeferido.
O(s) fundamento(s) para o indeferimento é(são) o(s) seguinte(s):
- Os créditos requeridos não se encontram abrangidos pelo período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a propositura da ação (Insolvência, falência, Revitalização ou procedimento extrajudicial de recuperação de empresas), nos termos do n°.4 do artigo 2° do Dec-Lei 59/2015, de 21 de Abril, ou após a data da propositura da mesma ação, nos termos do nº. 5 do mesmo artigo.”
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IV – Do Direito
Inconformado com sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou improcedente a presente ação administrativa e, consequentemente, absolveu a Entidade Demandada do pedido, veio o Autor JCSO interpor recurso jurisdicional da sentença proferida.
No que aqui releva, e no que ao direito concerne, discorreu-se em 1ª instância:
“(…) Julga este Tribunal que a data da cessação do contrato e, logo, do vencimento dos créditos emergentes da cessação, para quaisquer efeitos, inclusive para os do artigo 2º nº 4 do DL nº 59/2015 de 21 de Abril, só pode ser aquele dia 30/4. Vejamos porquê:
Do ponto de vista da teoria do Direito Civil o despedimento é um negócio jurídico unilateral que se consuma como a comunicação expressa da EP ao trabalhador, nesse sentido, quer dizer, não carece de qualquer reconhecimento judicial.
A decisão judicial que o declare ilícito não o faz desaparecer da ordem jurídica, antes baseia nele e na sua ilicitude uma pluralidade de sanções, consistentes em obrigações de prestar, pecuniárias e ou de facto, destinadas a reintegrar os direitos lesados, do trabalhador.
Não se diga que o despedimento com alegação de extinção do posto de trabalho só se firma na ordem jurídica se, no devido tempo, a EP puser ao dispor do trabalhador a compensação pecuniária legalmente prevista. Na verdade apenas a licitude do despedimento é que depende dessa condição. Aliás, mesmo que se entenda que sem compensação paga não há, de todo, despedimento por extinção do posto de trabalho, nem por isso deixa de ocorrer um despedimento, na medida em que o empregador deixa de aceitar trabalho ao trabalhador, de o admitir no local de trabalho, enfim, cessa a relação laboral de qualquer modo. De um ponto de vista da caducidade, a ser verdadeira a extinção do posto de trabalho é a própria possibilidade de dar trabalho que se verifica, o que é causa de caducidade do contrato (outra modo de cessação).
Aliás, deixar o momento do vencimento dos créditos laborais para efeito da definição do período de garantia a que se refere o artigo 2º nº 4 do DL nº 59/2015 dependente da aleatoriedade de uma sentença judicial, iria contra todo um princípio de segurança jurídica.
Pode até dizer-se que o Legislador deixa bem claro que o momento da cessação é esse de cessação da relação laboral entre as partes, seja por vontade da EP do trabalhador ou de ambos, antes ou para lá de qualquer decisão judicial ao regular o procedimento administrativo do pedido de pagamento ao Fundo.
Assim, a confirmação, no requerimento dirigido ao Fundo, da existência dos créditos, inclusivamente os da compensação pela cessação do contrato de trabalho – quando devida – é deixada aqui ao Administrador da insolvência, ali ao próprio empregador, ali ao “serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, consoante o caso” - cf.- artigo 5º nº 2 alªs b) e c) do DL nº 59/2015; e não ao poder judicial. Se a cessação relevante fosse apenas a verificada judicialmente não teria sido deixado para entidades não judiciais a confirmação da existência dos créditos a reclamar.
Ad absurdum: A vingar a tese do Autor não teria sentido a caducidade de toda a ação relativa a créditos laborais, inclusive os créditos por despedimento ilícito, no prazo de um ano a contar da cessação do contrato, prevista no artigo 337º do CT. A ação para impugnar a cessação do contrato estaria sempre em tempo, desde que viesse a concluir-se pela ilicitude do despedimento…
Enfim, provado que, embora sem pagamento da compensação devida, ocorreu a comunicação do despedimento por extinção do posto de trabalho; e decorrendo de tudo o provado que a relação laboral jamais foi retomada, não há dúvidas de que a cessação do contrato do A se consumou em 30/4/2015, sendo, portanto, esta a derradeira data de vencimento dos créditos laborais do A e, logo, aquela em que venceram todos os créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho.
Ora, a ação de insolvência teve início, como se viu, em 21/2/2017.
Sendo assim, como é, todos os créditos reclamados ao Réu pelo Autor venceram antes dos seis meses que antecederam a instauração da ação de insolvência, pelo que estão fora do período assegurado pelo Réu, conforme dispõe o artigo 2º nº 4 do DL nº 59/2015, de 21 de Abril. A ação terá, assim, de improceder. (...)”.
Vejamos:
A sentença recorrida adotou o entendimento que tem vindo a ser preconizado pela generalidade da jurisprudência, mormente nos Tribunais Superiores, tendo considerado correspondentemente que os créditos reclamados estão fora do período de referência legalmente estabelecido.
Enquadrando a controvertida questão do ponto de vista normativo, importa verificar se os créditos reclamados estão abrangidos pelo limite temporal estabelecido na Lei nº 35/2004 e pelo DL nº 59/2015 de 21 de Abril.
Com efeito, refere o art. 317º da Lei nº 35/2004 de 29 de Julho (Regulamento do Código do Trabalho) que «O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes».
Por outro lado, estabelece o art. 318º, nº1 do mesmo diploma que «O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente».
Complementarmente, refere o art.319º que «O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.° que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior (n° 1).
À luz do regime introduzido pelo DL n° 59/2015 (Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial), é exigida a verificação cumulativa dos requisitos estabelecidos para que o FGS possa assegurar o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação e cessação (Cfr. arts. 1º e 2º do DL n° 59/2015).
Com efeito, para que o referido regime possa operar importa que se mostrem preenchidos, no caso, os seguintes pressupostos:
a) Seja a entidade empregadora judicialmente declarada insolvente;
b) Que os créditos emergentes do contrato de trabalho se tenham vencido nos seis meses anteriores à data da propositura da ação (Cfr. art° 2°, n°4, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial aprovado pelo DL n° 59/2015).
O período de referência em causa conta-se a partir da data em que foi interposta a ação judicial de insolvência (Cfr. n.º 1 e 2, do art. 318.°, da Lei n.º 35/2004, de 29/07.
A expressão utilizada no nº1 do art. 319º «seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou do requerimento referido no artigo anterior», reporta-se, naturalmente à ação para declaração judicial de insolvência do empregador referida no nº 1 do artigo anterior, não se referindo à eventual ação judicial a intentar pelo trabalhador para verificação dos seus créditos laborais.
Com efeito, o legislador ao mencionar a propositura da ação no nº 1 do art. 319º, não está a referir-se à ação a intentar no Tribunal de Trabalho, pois que esta pode nem chegar a ser proposta.
É pois hoje pacifico que o FGS assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a data da propositura da ação de insolvência, sendo que para esse efeito, importa, apenas, a data do vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na ação intentada com vista ao seu reconhecimento judicial, ou a data do seu reconhecimento no processo de insolvência.
Neste sentido, entre muitos outros, vejam-se os acórdãos do STA nos Processos n.ºs 0705/08, 0704/08, 0780/08, 0920/08. 0703/08. 0728/08, 0712/08, 01110/08, 0858/08 e 01111/08.
Por todos, alude-se ao Acórdão do STA no Proc.º nº 0147/15, no qual se sumariou:
“I- O Fundo de Garantia Salarial, assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referidos no artigo 2º anterior – artº 319º/1 da Lei 35/2004.
II- Para esse efeito importa, apenas, a data de vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na ação intentada com vista ao seu reconhecimento judicial e ao seu pagamento.”
A criação do FGS teve como objetivo predominante garantir o pagamento, em tempo útil, das prestações referidas na lei, o que se não mostraria compatível com a necessidade de esperar pelo trânsito em julgado, designadamente, da Ação de declaração de insolvência.
Aqui chegados, resultando dos factos dados como provados que os créditos laborais se venceram com a cessação do contrato de trabalho, em 30/4/2015 (Facto 3º) e que a Ação de insolvência foi proposta em 22/01/2016 (facto 6º), é manifesto que os créditos reclamados estão fora do período de referência (seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência).
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza
Porto, 1 de fevereiro de 2019
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Nuno Coutinho
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa