Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00552/10.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/03/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Manuel Escudeiro dos Santos
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO; ÓNUS DA PROVA DA CULPA.
Sumário:I. A responsabilização subsidiária ao abrigo do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, exige a prova da gerência efetiva ou de facto, o efetivo exercício de funções de gerência, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.

II. O facto do Oponente, atuar a “mando” de seu irmão, não deixa de ter poderes para atuar por sua iniciativa, pois é o gerente indicado no registo comercial, pratica de facto atos de gerência e a sua assinatura é suficiente para vincular a sociedade, podendo de um modo geral delinear o rumo da sociedade.

III. Quanto às dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. O ónus da prova da culpa recai, no entanto, sobre a Fazenda Pública, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea a), da LGT.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:A.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1. RELATÓRIO
A Exma. Representante da Fazenda Pública veio interpor recurso da sentença proferida, em 12/06/2016, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a oposição deduzida por A. à execução nº 1821200801133268 e apensos, instaurada pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 contra a executada “G., Lda.” e contra si revertida para cobrança coerciva da quantia global de €161 836. 47, referentes a IVA ano de 2004, IRC do mesmo ano e Coimas de 2002.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a oposição deduzida contra a reversão efetuada contra o aqui oponente nos autos de execução fiscal n.º 1821200801133268 e aps., instaurado pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 para cobrança de dívidas referentes a IVA de 2004, a IRC e coimas fiscais do ano de 2002, no montante de € 161.836,47, em que é executada a devedora originária G.s, Lda., NIPC 504295390.
B. Decidiu o Tribunal a quo pela ilegitimidade do aqui revertido por não se mostrar provado nos autos por parte da AT o exercício, de facto, das funções de gerência da devedora originária no período a que se reportam as dívidas tributárias.
C. Ressalvado o devido respeito por diversa opinião, não concorda a Fazenda Pública com este entendimento, considerando que a sentença sob recurso incorre em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto, da prova carreada nos autos terá, necessariamente, de se concluir que o oponente exerceu, de facto, as funções de gerente na devedora originária no período correspondente ao fim do prazo legal de pagamento da dívida e, em consequência, é parte legítima para execução, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 24º da LGT.
D. Devendo, aliás, ser determinada a ampliação da matéria de facto provada como se explicitará e demonstrará.
Assim sendo,
E. Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, o exercício efetivo da gerência de facto da devedora originária pelo oponente não poderá, salvo o devido respeito por melhor opinião, constituir questão controvertida na presente oposição,
F. Embora o oponente afirme não ter sido gerente de facto da devedora originária, a verdade é que, das declarações prestadas em sede de direito de audição é forçoso concluir que o mesmo assume, ainda que implicitamente, que exerceu tais funções, conforme se poderá constatar nos seguintes excertos:
“O exponente limitou-se a fazer um favor ao gerente de facto e de direito da sociedade, o seu irmão, L., que foi preso nessa altura, e que continuou a gerir a sociedade, por intermédio do exponente, do estabelecimento prisional” (artigo 4º do direito de audição);
“O exponente foi assim e apenas um gerente de favor” (artigo 5.º do direito de audição);
“No período em que o seu nome constou como gerente, limitou-se a fazer as operações determinadas pelo referido Luís de aquisição no mercado nacional de aquisição de serrim e ao seu transporte e venda para Espanha” (artigo 6.º do direito de audição);
“Nesse período, e decorrente dessas operações comerciais, a sociedade executada foi sempre credora de IVA e nunca devedora”, (artigo 7.º do direito de audição).
G. O mesmo sucede com os argumentos esgrimidos em sede de petição inicial de oposição, na medida em que as afirmações produzidas contêm, de forma implícita, a assunção do exercício de funções de gerência da sociedade devedora originária:
“Por causa da situação do L., e da impossibilidade e dificuldades em lidar com o dia a dia da sociedade, nomeadamente, assinar cheques, contactar clientes e fornecedores, proceder a pagamentos, cumprir as obrigações fiscais, aquele pediu ao oponente para figurar como gerente da sociedade enquanto estivesse preso” (artigo 16º da petição inicial);
“No período em que o seu nome constou como gerente, o oponente limitou-se, sempre segundo instruções do L., a comprar, em Portugal, serrim, que depois era exportado para Espanha. Tais operações comerciais, dada a sua natureza intracomunitária, eram geradoras de créditos de IVA sobre o Estado e não débitos. O exponente limitou-se a fazer um favor ao gerente de facto e de direito da sociedade, o seu irmão, L., que foi preso nessa altura, e que continuou a gerir a sociedade, por intermédio do exponente, do estabelecimento prisional” (artigos 28.º e 29.º da petição inicial);
H. O próprio oponente, ao referir no artigo 36.º da PI que “no período em que o oponente figurou como gerente, nenhuma madeira exótica foi comprada pela sociedade”, denota conhecimentos concretos e efetivos sobre o giro comercial da empresa consentâneo com o exercício das funções de gestão da referida entidade.
I. Ressalta ainda da ilustre petição - artigo 38.º - uma outra “manifestação” da gestão da empresa por parte do oponente quando ali se diz que “com exceção de uma pequena quantidade de madeira que se encontrava a secar em Viana do castelo, que foi vendida em Espanha, e emitido o respetivo documento fiscal, nenhuma outra madeira exótica, ou de qualquer outra espécie, foi vendida pela sociedade entre 06.11.2002 e 19.10.2004. Entre aquelas referidas datas, todos os atos comerciais foram praticados na estrita regularidade fiscal, pelo que nenhuma compra ou venda foi feita sem a emissão do respetivo comprovativo fiscal” (cfr. ainda art.º 39.º da PI).
J. Face ao exposto, entende a Fazenda Pública que a douta sentença não poderia ter considerado que a AT não carreou nos autos qualquer prova da gerência efetiva da sociedade devedora originária, porquanto a necessidade de alegação e prova dos factos concretos através dos quais a AT fundamenta a convicção relativa ao exercício efetivo daquelas funções apenas será necessária se, desde logo, esse exercício de facto for posto em causa, de forma perentória, pelo revertido, o que não sucede, como aliás é referido em sede de contestação.
K. Mas ainda que tal pudesse ter ocorrido, o que não se concede, sempre se dirá que as afirmações e considerações do oponente, nas sobreditas peças processuais, constituem uma confissão implícita do efetivo exercício da gerência de facto da devedora originária.
L. A prova por confissão, como prova legalmente admissível nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 115.º do CPPT, supletivamente aplicável por força do art.º 211.º, n.º 1 do mesmo diploma, e ainda no art.º 352.º do Código Civil, deveria ter sido objeto de uma correta e adequada valoração em sede decisória.
M. Não o tendo feito, entende a Fazenda Pública que a douta decisão sob recurso incorreu em erro de julgamento na valoração da prova produzida nos autos.
N. Embora a lei não defina em que é que se substanciam poderes de gerência, face ao disposto nos arts. 259º e 260º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), deve entender-se que serão típicos atos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objeto social, o que sucedeu no caso em apreço.
O. Pese embora a existência de prova por confissão, no que respeito à gerência de facto, a verdade é que não foi incluído na matéria de facto assente na douta sentença sob recurso, a posição assumida pelo oponente nas supra mencionadas peças processuais, pelo que, por se considerar relevante para a boa decisão da causa, requer-se a ampliação da matéria de facto de modo a que da mesma passe a constar:
“6. O oponente assume no exercício do direito de audição, bem como na petição inicial a prática de atos inerentes ao exercício da gerência de facto da sociedade devedora originária.”
P. É, pois, com base nas circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas pelo oponente e pela Fazenda Pública que o Tribunal deve aferir se “há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido” (cf. Acórdão do STA de 02-03-2011, processo 0944/10).
Q. No mesmo sentido, pronunciou-se o douto aresto do TCAN de 18.01.2012, proc. n.º 00022/09.6BEMDL: “Confessada pelo oponente- revertido a sua qualidade de gerente de facto e de direito da sociedade executada durante o período de tempo a que se reportam as dívidas exequendas, não pode o Tribunal, com fundamento na inexistência de prova sobre essa efetiva gerência de facto, julgar procedente a oposição”.
R. O juízo acerca da discussão aqui em causa encontra-se facilitado uma vez que, neste passo, a questão que se põe já não é se o oponente exerceu, de facto, as funções de gerente da devedora originária.
S. Perante a prova produzida e, no limite, a prova por confissão do oponente a mesma terá necessariamente de ser valorada positivamente no sentido de que o oponente exerceu, de facto e de direito, as funções de para que se encontrava nomeado – gerente - na sociedade devedora originária.
T. Assim sendo, uma vez que o oponente não cumpre com o ónus da prova da falta de culpa pelo não pagamento da dívida, apenas podemos concluir que é parte legítima para a presente execução, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 24º da LGT.
U. Pelo que, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto por ter considerado que a AT não provou que o oponente exerceu, de facto, o cargo de gerente da devedora originária no período a que respeitam as dívidas executivas, daí resultando, em consequência, erro de julgamento em matéria de direito, por violação do disposto na al. b), do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.
Termos em que,
deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, por verificação de erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, julgando-se o oponente parte legítima para a execução.

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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Procurador Geral-Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.
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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO ─ Questões a apreciar:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se e saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, por ter concluído que não foi demonstrado que o Recorrido exerceu de facto a gerência da originária devedora.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Matéria de Facto
2.1.1. O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, ipsis verbis:
«Dos Factos:
Com interesse para a decisão da causa resulta apurada a seguinte factualidade:
1. O processo de execução fiscal nº 1821200801133268 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 contra a sociedade “G., Lda.”, tendo-lhe sido apensados aqueles outros com os números 1821200801182595, 1821200801193244 e 1821200801179551, para cobrança coerciva da quantia de €161 836, 47 referente a Imposto sobre o Valor Acrescentado dos, 1º, 2º, 3 e 4º trimestres do ano de 2004, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do exercício de 2004 e coima aplicada no ano de 2004 – cf. informação elaborada pelo Serviço de Finanças de Matosinhos – 1, constante de fls. 213 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico; print de fls. 116 e certidões de dívida de fls. 200 e seguintes dos autos, sempre referente ao processo físico;
2. A 12 de dezembro de 2002, o Oponente, A., passou a constar na matrícula da sociedade identificada em 1., como gerente, tendo renunciado à gerência a 29 de outubro de 2004 – cfr. certidão da conservatória do Registo Comercial de fls. 91 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
3. A 19 de outubro 2009 foi lavrado despacho de reversão, o qual se considera aqui integralmente reproduzido e no qual consta no segmento “Fundamentos da Reversão”, “inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23º, n.º 2 da Lei Geral Tributária. Dos administradores, diretores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art.24º/nº 1/b) LGT]. Inexistência/insuficiência de bens penhoráveis do devedor originário – art. 153º, n.º2 do Código de Procedimento e Processo Tributário; o Contribuinte supra exerceu funções de gerência nos períodos em causa – art. 24º n.º1 a) e b) da Lei Geral Tributária; o direito de audição foi exercido por escrito” – cfr. despacho de reversão e citação para a reversão a 117 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
4. O Oponente foi citado por reversão pelo ofício 19528 em 23.10.2009 – cfr. fls. 118 e 119 dos autos, numeração referente ao processo físico;
5. A petição inicial de oposição, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido, deu entrada a 23 de novembro de 2009 – cfr. fls. 6 e seguintes dos autos.
Factos não provados
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou, nomeadamente, nada consta do despacho de reversão que sirva de fundamento à reversão e que se refira à gerência de facto da sociedade devedora originária.
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Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo.
Atenta a circunstância do Oponente na sua petição inicial ter negado o exercício da gerência de facto da sociedade devedora originaria e o despacho de reversão não conter nenhuma referência ao exercício de atos de gestão na sociedade devedora originária, considera o Tribunal que se mostra inútil fazer uma apreciação crítica da prova testemunhal realizada, uma vez que o ónus da prova recaía sobre a Administração Tributária e nenhuma prova existe no processo de que o Oponente tenha praticado atos de gestão da devedora originária.
De qualquer modo, sempre se dirá que da apreciação da prova testemunhal realizada, resultaria exatamente o mesmo desfecho para a presente ação.

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2.2. Da requerida alteração à matéria de facto.
Invoca a Recorrente que a sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto, da prova carreada nos autos terá, necessariamente, de se concluir que o oponente exerceu, de facto, as funções de gerente na devedora originária no período correspondente ao fim do prazo legal de pagamento da dívida e, em consequência, é parte legítima para execução, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 24º da LGT.
Requer a ampliação da matéria de facto provada por considerar que “[e]mbora o oponente afirme não ter sido gerente de facto da devedora originária, a verdade é que, das declarações prestadas em sede de direito de audição é forçoso concluir que o mesmo assume, ainda que implicitamente, que exerceu tais funções, conforme se poderá constatar nos seguintes excertos:
“O exponente limitou-se a fazer um favor ao gerente de facto e de direito da sociedade, o seu irmão, L., que foi preso nessa altura, e que continuou a gerir a sociedade, por intermédio do exponente, do estabelecimento prisional” (artigo 4º do direito de audição);
“O exponente foi assim e apenas um gerente de favor” (artigo 5.º do direito de audição);
“No período em que o seu nome constou como gerente, limitou-se a fazer as operações determinadas pelo referido Luís de aquisição no mercado nacional de aquisição de serrim e ao seu transporte e venda para Espanha” (artigo 6.º do direito de audição);
“Nesse período, e decorrente dessas operações comerciais, a sociedade executada foi sempre credora de IVA e nunca devedora”, (artigo 7.º do direito de audição).
O mesmo sucede com os argumentos esgrimidos em sede de petição inicial de oposição, na medida em que as afirmações produzidas contêm, de forma implícita, a assunção do exercício de funções de gerência da sociedade devedora originária:
“Por causa da situação do L., e da impossibilidade e dificuldades em lidar com o dia a dia da sociedade, nomeadamente, assinar cheques, contactar clientes e fornecedores, proceder a pagamentos, cumprir as obrigações fiscais, aquele pediu ao oponente para figurar como gerente da sociedade enquanto estivesse preso” (artigo 16º da petição inicial);
“No período em que o seu nome constou como gerente, o oponente limitou-se, sempre segundo instruções do L., a comprar, em Portugal, serrim, que depois era exportado para Espanha. Tais operações comerciais, dada a sua natureza intracomunitária, eram geradoras de créditos de IVA sobre o Estado e não débitos. O exponente limitou-se a fazer um favor ao gerente de facto e de direito da sociedade, o seu irmão, L., que foi preso nessa altura, e que continuou a gerir a sociedade, por intermédio do exponente, do estabelecimento prisional” (artigos 28.º e 29.º da petição inicial);
O próprio oponente, ao referir no artigo 36.º da PI que “no período em que o oponente figurou como gerente, nenhuma madeira exótica foi comprada pela sociedade”, denota conhecimentos concretos e efetivos sobre o giro comercial da empresa consentâneo com o exercício das funções de gestão da referida entidade.
Ressalta ainda da ilustre petição - artigo 38.º - uma outra “manifestação” da gestão da empresa por parte do oponente quando ali se diz que “com exceção de uma pequena quantidade de madeira que se encontrava a secar em Viana do castelo, que foi vendida em Espanha, e emitido o respetivo documento fiscal, nenhuma outra madeira exótica, ou de qualquer outra espécie, foi vendida pela sociedade entre 06.11.2002 e 19.10.2004. Entre aquelas referidas datas, todos os atos comerciais foram praticados na estrita regularidade fiscal, pelo que nenhuma compra ou venda foi feita sem a emissão do respetivo comprovativo fiscal” (cfr. ainda art.º 39.º da PI).
Face ao exposto, entende a Fazenda Pública que a douta sentença não poderia ter considerado que a AT não carreou nos autos qualquer prova da gerência efetiva da sociedade devedora originária, porquanto a necessidade de alegação e prova dos factos concretos através dos quais a AT fundamenta a convicção relativa ao exercício efetivo daquelas funções apenas será necessária se, desde logo, esse exercício de facto for posto em causa, de forma perentória, pelo revertido, o que não sucede, como aliás é referido em sede de contestação.”
Vejamos:
Nos termos do n.º 1, do artigo 712.º (atual artigo 662.º) do Código de Processo Civil (CPC), “[a] a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa (…)
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas. (…)”
Importa, também, considerar o que se determina no artigo 685.º-B do CPC, (atual artigo 640.º):
1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
Da interpretação conjugada das normas referidas ─ artigos 712.º e 685º-B do CPC, (atuais artigos 662.º e 640.º) ─ resulta que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, indique os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
No caso sub judice a Recorrente refere que tendo em consideração as declarações prestadas em sede de direito de audição e a posição assumida na petição inicial é forçoso concluir que o mesmo assume, ainda que implicitamente, que exerceu funções de gerente da Devedora Originária.
Considerando o acima referido resulta que se mostram verificados os pressupostos a que se referem os artigos 712.º e 685º-B do CPC, (atuais artigos 662.º e 640.º), pelo que se adita à matéria de facto o seguinte:
6. Resulta do requerimento apresentado em sede de direito de audição que (conforme resulta de fls. 96 e segs. do processo virtual ─ petição inicial, 1 Parte):
“O exponente limitou-se a fazer um favor ao gerente de facto e de direito da sociedade, o seu irmão, L., que foi preso nessa altura, e que continuou a gerir a sociedade, por intermédio do exponente, do estabelecimento prisional” (artigo 4º do direito de audição);
“O exponente foi assim e apenas um gerente de favor” (artigo 5.º do direito de audição);
“No período em que o seu nome constou como gerente, limitou-se a fazer as operações determinadas pelo referido Luís de aquisição no mercado nacional de aquisição de serrim e ao seu transporte e venda para Espanha” (artigo 6.º do direito de audição);
“Nesse período, e decorrente dessas operações comerciais, a sociedade executada foi sempre credora de IVA e nunca devedora”, (artigo 7.º do direito de audição).
2.3. Ao abrigo do disposto no artigo 662.º do CPC, aditam-se ao probatório os seguintes factos:
7. A Originária Devedora obrigava-se com a assinatura de um gerente (conforme resulta de fls. 90 do processo virtual ─ Petição inicial 1 Parte);
8. Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) procederam a inspeção tributária à atividade da Originária Devedora no exercício de 2002 e 2003 e, em 23/08/2004, elaboraram o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) que constitui fls. 112 do processo virtual ─ Petição inicial II Parte, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
9. A Inspeção Tributária foi iniciada em 28/05/2004 e foi concluída em 23/08/2004 (conforme resulta do RIT);
10. À data da Inspeção era gerente o oponente A. (conforme resulta do RIT);
11. Procederam os Serviços de Inspeção Tributária à determinação da matéria tributável de IRC dos anos de 2002 e 2003, bem como ao apuramento do IVA do primeiro (2002) por métodos indiretos (conforme resulta do RIT).
12. O prazo para pagamento voluntário dos montantes a que se referem as liquidações que serviram de base à extração dos títulos executivos, terminou nas datas que constam do mapa que segue:

N°. PROCESSOPROVENIÊNCIACERTIDÃOID. DOC. ORIGEMPER. TRIB.D. LM. PAG. VOL.TRIBUTO
1821200501111710


1821200601031864



1821200601079077
Imp. Cont. Corr.
Imp. Cont. Corr.
Imp. Cont. Corr.
Imp. Cont. Corr.
Imp. Cont. Corr.
Imp. Cont. Corr.
Imp. Cont. Corr.
IVA
IVA
2005/0270882
2005/0270884
2005/0270887
2006/0334926
2006/0334926
2006/0335031
2006/0335031
2006/0103575
2006/0103576
56102100046580057066604
56102100046080057066736
56102100046580057066957
06102100056200000052573
06102100056200000052573
06102100056100000052985
06102100056I00000052985
06102100026000602848508
06102100026500602848609
2004
2004
2004
2002
2002
2003
2003
2002-10 2002-12
2002-10 2002-12
2005-06-27
2005-06-27
2005-06-27
2006-03-20
2006-03-20
2006-03-20
2006-03-20
2006-04-30
2006-04-30
IRS
IRS
IRS
IRC
IRC
IRC
IRC
IVA
IVA
(conforme resulta de fls. 64 do processo virtual ─ Petição inicial II Parte);

*
2.4. De Direito:
Alega a Recorrente que a sentença não poderia ter considerado que a AT não carreou nos autos qualquer prova da gerência efetiva da sociedade devedora originária, porquanto a necessidade de alegação e prova dos factos concretos através dos quais a AT fundamenta a convicção relativa ao exercício efetivo daquelas funções apenas será necessária se, desde logo, esse exercício de facto for posto em causa, de forma perentória, pelo revertido, o que não sucede, como aliás é referido em sede de contestação.
A este propósito considerou a sentença recorrida:
“Sempre a doutrina entendeu e bem como a jurisprudência, que a responsabilidade dos administradores ou gerentes, apenas impendia sobre quem, efetivamente, exerce os correspondentes cargos, a que se chamavam os gerentes efetivos.
Mas uma vez nomeados para o exercício de tais cargos, presumia-se, o exercício das correspondentes funções. Presunção meramente natural ou judicial, que não legal, assente nas máximas da experiência, de quem é nomeado para um cargo o exerce na realidade.
(…)
[É] à Fazenda Pública, como titular do direito de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, que compete fazer a prova da gerência como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária.
Resulta dos factos considerados provados que o oponente foi nomeado gerente de direito mas não se pode afirmar que ao assumir tal qualidade, exerceu a gerência de facto, uma vez que na petição inicial, tal circunstância é negada pelo oponente e nenhuma prova consta do processo que alguma vez tenha praticado algum ato próprio da gestão da sociedade devedora originária.
O facto do Oponente constar da matrícula da sociedade como gerente de direito da sociedade originária devedora, por si só, é apenas indiciador duma possível gestão de facto mas que é contraditada na íntegra pelo conteúdo da petição inicial.
Ora, cabia à administração tributária a prova e devida fundamentação do despacho de reversão contra o oponente, mas do despacho de reversão nada consta quanto à prática de atos de gestão da devedora originária.”

Vejamos:
É pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos (v. acórdãos do Pleno da SCT do STA de 7/7/2010 e de 24/3/2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, e da SCT do STA de 28/9/2006 e de 11/1/2006, nos recursos n.ºs 488/06 e 717/05, respetivamente)" - Ac. do S.T.A. de 29-06-2011, Proc. n° 0368/11, www.dgsi.pt.
Sendo as dívidas exequendas provenientes Imposto sobre o Valor Acrescentado ano de 2004, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do mesmo ano e coimas aplicadas em 2002, ganha particular acuidade o artigo 24.°, n° 1, da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
"1- Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.".
Ora, em função da inclusão nas disposições apontadas das expressões "exerçam, ainda que somente de facto, funções" e "período de exercício do seu cargo", não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efetivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.
No caso sub judice, quer para a Recorrente, quer para o Recorrido, é ponto assente que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.
Porém, para o Tribunal “a quo” a Fazenda Pública não logrou provar que o Oponente ora Recorrido tenha exercido de facto a gerência e para a Recorrente o exercício efetivo da gerência de facto da devedora originária pelo Oponente não poderá constituir questão controvertida na presente oposição, porquanto tendo em consideração as declarações prestadas em sede de direito de audição e a posição assumida na petição inicial é forçoso concluir que o mesmo assume, ainda que implicitamente, que exerceu funções de gerente da Devedora Originária.
Como se decidiu no recente Ac. deste TCAN, de 25/05/2016, tirado no proc.º 01389/04.8BEPRT, «O problema passa por saber quem exerce de facto a gerência, ou seja, quem está na origem das decisões no seio da sociedade; quem as toma verdadeiramente (…).
«A aferição do “exercício de facto da gerência” é, assim, um processo lógico que envolve sobretudo a identificação de quem ocupa a posição de decisor; o próprio exercício de facto da gerência apresenta-se-nos mais como uma situação do que como um processo.
De acordo com o art. 259º do C.S.C. ao gerente compete praticar os atos que forem necessários ou convenientes para a realização do objeto social, com respeito pelas deliberações dos sócios.
Por sua vez, o art. 260º estatui sobre a vinculação da sociedade, ou seja, que esta se efetiva através dos atos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhe confere, vinculando-a perante terceiros, mediante atos escritos apondo a sua assinatura com a indicação dessa qualidade.
Resulta desde logo, deste quadro legal, que esta gerência é a título de direito, nomeação em escritura pública ou mediante assembleia de sócios, ficando de fora os gerentes de facto a que alude o art. 24º, n.º 1, da LGT “(…) gerentes e outras pessoas que exerçam ainda que somente de facto (…)”
No quadro jurídico-fiscal, de acordo com a norma do art. 24º, o exercício da gerência tem uma maior abrangência, apelando para uma ampla e diversificada panóplia de atos praticados por aqueles, ainda que não estando em condições legais para vincular a sociedade, tomam as rédeas da empresa e são quem, ainda que não possuindo a qualidade jurídica, determinam e vinculam a sociedade.
(…)
Temos também por assente que é à administração fiscal, enquanto exequente, como titular do direito de executar o património do responsável subsidiário, que compete demonstrar os pressupostos da reversão, designadamente o efetivo exercício de facto da gerência [externada em factos da vida real da empresa que permitam concluir que aquela pessoa controlava os desígnios da sociedade de forma clara e consciente].
Por outro lado, é pacífico que não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efetivo exercício dessa função ou que faça inverter o ónus da prova que recai sobre a AT.
Por fim, também não permite sem mais uma presunção judicial, pois esta, assenta sempre em ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido; poderá acontecer, caso a caso, com base na prova produzida, com base nas regras da experiência e em juízos de probabilidade se infira a gerência efetiva de outros factos».
Colocada a questão sob este ângulo, temos então que avaliar se, no caso em apreço, há elementos que permitem concluir que o Oponente, apesar de estar em condições legais para vincular a sociedade, praticou atos que consubstanciam o exercício efetivo dessa gerência.
Ora, resulta do probatório que em sede de direito de audição o Oponente refere:
“O exponente limitou-se a fazer um favor ao gerente de facto e de direito da sociedade, o seu irmão, L., que foi preso nessa altura, e que continuou a gerir a sociedade, por intermédio do exponente, do estabelecimento prisional”;
“O exponente foi assim e apenas um gerente de favor”;
“No período em que o seu nome constou como gerente, limitou-se a fazer as operações determinadas pelo referido Luís de aquisição no mercado nacional de aquisição de serrim e ao seu transporte e venda para Espanha” ;
“Nesse período, e decorrente dessas operações comerciais, a sociedade executada foi sempre credora de IVA e nunca devedora”,
Refere-se na petição inicial que:
“Por causa da situação do L., e da impossibilidade e dificuldades em lidar com o dia a dia da sociedade, nomeadamente, assinar cheques, contactar clientes e fornecedores, proceder a pagamentos, cumprir as obrigações fiscais, aquele pediu ao oponente para figurar como gerente da sociedade enquanto estivesse preso”;
“No período em que o seu nome constou como gerente, o oponente limitou-se, sempre segundo instruções do L., a comprar, em Portugal, serrim, que depois era exportado para Espanha. Tais operações comerciais, dada a sua natureza intracomunitária, eram geradoras de créditos de IVA sobre o Estado e não débitos. O exponente limitou-se a fazer um favor ao gerente de facto e de direito da sociedade, o seu irmão, L., que foi preso nessa altura, e que continuou a gerir a sociedade, por intermédio do exponente, do estabelecimento prisional”;
O Oponente refere no artigo 36.º da PI que “no período em que o oponente figurou como gerente, nenhuma madeira exótica foi comprada pela sociedade”.
No artigo 38.º da petição inicial consta: “com exceção de uma pequena quantidade de madeira que se encontrava a secar em Viana do castelo, que foi vendida em Espanha, e emitido o respetivo documento fiscal, nenhuma outra madeira exótica, ou de qualquer outra espécie, foi vendida pela sociedade entre 06.11.2002 e 19.10.2004. Entre aquelas referidas datas, todos os atos comerciais foram praticados na estrita regularidade fiscal, pelo que nenhuma compra ou venda foi feita sem a emissão do respetivo comprovativo fiscal” (cfr. ainda art.º 39.º da PI).
Ponderou no citado Ac. deste TCAN, de 25/05/2016, «A distinção entre o mero gerente nominal do gerente efetivo reside no poder subjacente à realização dos atos. O gerente nominal, ou «meramente de direito», pode praticar atos aparentes de gerência, mas fá-lo desacompanhado dos inerentes poderes, normalmente a «mando» de alguém que na organização societária se resguarda de «assinar» e comprometer-se, mas que, ainda assim, detém o poder efetivo de controlar os destinos da sociedade incluindo os de «mandar assinar» documentos da sociedade, como gerente, alguém que, de facto, o não é. Estas situações ocorrem na maior parte das vezes num contexto em que, de um lado, está o «gerente efetivo», regra geral o detentor do capital e do poder que lhe subjaz, que oculta essa qualidade (normalmente por dificuldades de financiamento junto da banca devido a antecedentes de incumprimento, ou por restrição do uso de cheques, etc.; do outro lado, está (quase sempre) um sujeito numa relação de dependência (filho, empregado, cônjuge) ou de favor, que por isso aceita «assinar», ou «dar o nome». Quando assim procede, quando «assina» ou «dá o nome», não o faz no uso de qualquer critério de oportunidade ou prossecução de interesse estatutário que não domina, mas sim para satisfazer um interesse pessoal alheio ao qual está vinculado ou subordinado por razões «não estatutárias». Neste cenário, o mero gerente de direito pratica atos formais de gerência; porém, fá-lo na dependência do gerente efetivo que lhe determina a «oportunidade», o «que», o «como» e o «quando» fazer. A sua função «esgota-se» nas assinaturas e não «pode» (porque não tem o poder) ir para além disso».
Regressando aos autos, resulta do probatório que a Originária Devedora se obrigava com a assinatura de um gerente, que o Oponente ora Recorrido se achava inscrito no registo comercial como gerente da sociedade e, como vem invocado pelo Oponente que “limitou-se a fazer um favor ao gerente de facto e de direito da sociedade, o seu irmão, L., que foi preso nessa altura, e que continuou a gerir a sociedade, por intermédio do exponente, do estabelecimento prisional.
Na situação assim configurada o Oponente não se limita a dar o nome e a assinatura a mando de L., a sua função não se esgota na gerência nominal, pois não deixa de estar nas suas mãos controlar a atividade da sociedade, contactar fornecedores, decidir a quem e o que pagar, contratar ou despedir empregados, e, de um modo geral delinear o rumo societário, pois é gerente de direito, exercer de facto a gerência e sua assinatura é bastante para obrigar a Originária Devedora.
O facto de, como invoca Oponente, atuar a “mando” de seu irmão, não deixa de ter poderes para atuar por sua iniciativa: é o gerente indicado no registo, pratica de facto atos de gerência e a sua assinatura é suficiente para vincular a sociedade, podendo de um modo geral delinear o rumo da sociedade.
A sentença recorrida ao não reconhecer esta realidade incorreu em erro de julgamento pelo que, quanto a esta questão o recurso merece provimento.

*
O Tribunal “a quo” julgou procedente a oposição por considerar que “cabia à administração tributária a prova e devida fundamentação do despacho de reversão contra o oponente, mas do despacho de reversão nada consta quanto à prática de atos de gestão da devedora originária”.
E por esse motivo, considerou “inútil apreciar a restante matéria referida pelo Oponente.”
Porém, como se extrai do acima exposto, o Oponente/ Recorrido era o gerente indicado no registo, praticou de facto atos de gerência e a sua assinatura era suficiente para vincular a sociedade, podendo de um modo geral delinear o rumo da sociedade e deu-se por demonstrada a gerência de facto do Recorrido.
Procedendo o recurso, importa conhecer em substituição as demais questões equacionadas, cujo conhecimento foi considerado prejudicado.
Na petição inicial vem invocado que “mesmo admitindo que o oponente foi efetivamente gerente, e que os factos constitutivos verificaram-se nesse período, nenhuma responsabilidade lhe pode ser imputada pela falta de pagamento dos mesmos (…) [n]em qualquer culpa pelo perecimento ou insuficiência do património da sociedade para o pagamento das dividas fiscais que contra si foram revertidas. É manifesta a total e absoluta ausência de culpa na alegada, mas ainda não demonstrada, inexistência/insuficiência do património da sociedade. (…) O oponente é parte ilegítima por não lhe ser imputável a falta de pagamento da dívida exequenda, nem agiu com culpa para que o património da sociedade se tornasse inexistente ou insuficiente para tal pagamento (artigos 23° e 24° da LGT)
Num outro enfoque, na petição inicial também vem invocado que “[a] sociedade foi notificada da liquidação desses impostos e do prazo para o pagamento voluntário das obrigações fiscais já depois da saída do oponente”. “O aludido prazo para o pagamento voluntário foi fixado depois de concluída a inspeção e depois das diligências necessárias após o pedido de revisão, entre as datas 27.05.2005 e 30.04.2006”. “Em 19.10.2004, quando o oponente saiu da sociedade, esta estava em plena atividade, com uma boa carteira de clientes, tinha um bom aviamento e era detentora de avultado património”.
Vejamos:
Importa desde já apurar qual o regime de responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos aplicável.
Referimos acima que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade e que sendo as dívidas exequendas provenientes Imposto sobre o Valor Acrescentado ano de 2004, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do mesmo ano e coimas aplicadas em 2002, ganha particular acuidade o art. 24° n° 1 da LGT, sendo que o citado normativo dispõe que:
"1- Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.".
Importa agora saber se no caso dos autos estamos perante uma situação enquadrável na alínea a) ou uma situação enquadrável na alínea b), ambas do artigo 24.º da LGT.
É que, como se refere no acórdão deste Tribunal de 14/07/2014, recurso n.º 00557/11.0BECBR, consultável em WWW.dgsi.pt, “Quanto às dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. O ónus da prova da culpa recai, no entanto, sobre a Fazenda Pública.
Quanto às dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o administrador ou gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.”
Resulta do probatório que:
Em 12 de dezembro de 2002, o Oponente, A., passou a constar na matrícula da Originária Devedora, como gerente, tendo renunciado à gerência a 29 de outubro de 2004;
─ Os Serviços de Inspeção Tributária procederam a inspeção tributária à atividade da Originária Devedora no exercício de 2002 e 2003 e, em 23/08/2004, elaboraram o Relatório de Inspeção Tributária;
- A Inspeção Tributária foi iniciada em 28/05/2004 e foi concluída em 23/08/2004;
─ À data da Inspeção era gerente o oponente A.;
─ Procederam os Serviços de Inspeção Tributária à determinação da matéria tributável de IRC dos anos de 2002 e 2003, bem como ao apuramento do IVA do primeiro por métodos indireto;
- O prazo para pagamento voluntário dos montantes a que se referem as liquidações que serviram de base à extração dos títulos executivos, terminou em:

N°. PROCESSOPROVENIÊNCIACERTIDÃOID. DOC. ORIGEMPER. TRIB.D. LM. PAG. VOL.TRIBUTO
1821200501111710


1821200601031864



1821200601079077
Imp. Cont. Corr.
Imp. Cont. Corr.
Imp. Cont. Corr.
Imp. Cont. Corr.
Imp. Cont. Corr.
Imp. Cont. Corr.
Imp. Cont. Corr.
IVA
IVA
2005/0270882
2005/0270884
2005/0270887
2006/0334926
2006/0334926
2006/0335031
2006/0335031
2006/0103575
2006/0103576
56102100046580057066604
56102100046080057066736
56102100046580057066957
06102100056200000052573
06102100056200000052573
06102100056100000052985
06102100056I00000052985
06102100026000602848508
06102100026500602848609
2004
2004
2004
2002
2002
2003
2003
2002-10 2002-12
2002-10 2002-12
2005-06-27
2005-06-27
2005-06-27
2006-03-20
2006-03-20
2006-03-20
2006-03-20
2006-04-30
2006-04-30
IRS
IRS
IRS
IRC
IRC
IRC
IRC
IVA
IVA

Constatamos que o prazo para pagamento voluntário, das quantias a que se reportam as liquidações que serviram de base à extração dos títulos executivos, terminaram todos após a renúncia do Oponente à gerência da Originária Devedora em 29/10/2004.
Efetivamente, nos autos estão em causa dívidas tributárias cujo facto constitutivo se verificou no período de exercício do cargo (entre 12/12/2002 e 29/10/2004) ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste (27/06/2005 e 30/04/2006).
Assim, o regime de responsabilidade é o que resulta da alínea a), do n.º 1, do artigo 24.º da LGT e o ónus da prova da culpa cabe à Fazenda Pública.
A este respeito invocou a Fazenda Pública na contestação que “o regime da responsabilidade do oponente pelas dívidas exequendas da sua representada, é o que consta dos art.°s 24° da LGT e 8º do RGIT.”
(…) No âmbito destes regimes, não obstante a presunção judicial de culpa do gerente relativamente à insuficiência do património societário, a sua responsabilidade pode ser por ele afastada, desde que prove que não foi por culpa sua que aquele património se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.
(…) No caso sub judice, o oponente limita-se a invocar a falta de culpa e a afirmar que à data em que renunciou à gerência a sociedade dispunha de avultado património, não logrando provar o que alega.
(…) Não logrou, pois, provar que, no exercício da gerência, usou da diligência de um bonus pater familiae, no sentido de evitar essa situação.
Ou seja, (…) que através de comportamento diligente tomou as providências adequadas e necessárias ao normal exercício da sociedade executada e na prossecução do seu objeto,
(…) evitando com esse comportamento diligente que a sociedade viesse a encontrar-se na situação de insuficiência de patrimônio para cumprir as suas obrigações fiscais.”
Nenhum esforço probatório foi desenvolvido pela Fazenda Pública no sentido de provar que foi por culpa do Oponente que o património da Originária Devedora se tornou insuficiente para a satisfação do crédito tributário.
Não cumprindo a Fazenda Pública o ónus que sobre a mesma impendia, contra a mesma deve ser decidida a suscitada questão.
Com a procedência da invocada questão ficou prejudicado o conhecimento de outras questões.

*
2.6. Nos termos do artigo 667.º, n.º 3, do CPC, formulamos o seguinte sumário:
I. A responsabilização subsidiária ao abrigo do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, exige a prova da gerência efetiva ou de facto, o efetivo exercício de funções de gerência, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
II. O facto do Oponente, atuar a “mando” de seu irmão, não deixa de ter poderes para atuar por sua iniciativa, pois é o gerente indicado no registo comercial, pratica de facto atos de gerência e a sua assinatura é suficiente para vincular a sociedade, podendo de um modo geral delinear o rumo da sociedade.
III. Quanto às dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. O ónus da prova da culpa recai, no entanto, sobre a Fazenda Pública, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea a), da LGT.
*
3. DECISÂO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e em substituição julgar procedente a oposição.
*
Custas a cargo da Fazenda Pública somente em 1.ª instância.
*
Porto, 03 de dezembro de 2020.


Manuel Escudeiro dos Santos
Bárbara Tavares Teles
Paula Maria Dias de Moura Teixeira