Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00512/06.2BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/07/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:CONVENÇÃO PARA EVITAR DUPLA TRIBUTAÇÃO PORTUGAL-FRANÇA, CONTRIBUIÇÃO SOCIAL, IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO, ÓNUS DA PROVA, IRS
Sumário:É sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que existem indicadores fundados que legitimam a sua actuação de proceder a correcções às declarações dos contribuintes e provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional; e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – cfr. artigo 74.º da Lei Geral Tributária. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:O e J.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, em 11/09/2016, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por O., NIF (…), e por J., NIF (…), residentes na Rua (…), (…), em (…), contra a liquidação de IRS n.º 2005 5004440405, referente ao ano de 2001, com imposto a pagar de €10.739,13 e juros compensatórios no montante de €1.247,90.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente a impugnação apresentada nos autos, com a consequente anulação do ato de liquidação de IRS impugnado;
b) No caso em apreço, entende a Fazenda Pública que a douta sentença recorrida não valorou a falta de prova solicitada ao impugnante, que se resumia à apresentação de um documento de liquidação emitido e autenticado pelas autoridades fiscais francesas;
c) Tendo privilegiado antes todos os montantes declarados pelos impugnantes, quer a título de rendimentos quer de impostos pagos no estrangeiro (constantes do Anexo J da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2001), atendendo à presunção de veracidade inserto no art.º 75.º da LGT;
d) Com a ressalva do devido respeito, entendemos que cabia aos impugnantes o ónus de apresentar uma liquidação efectuada e autenticada pelos serviços fiscais franceses, onde constasse discriminadamente todos os valores e a natureza dos mesmos, recebidos e pagos no estrangeiro, uma vez que, sendo considerados residentes em Território Nacional, têm o dever de os apresentar no país de residência;
e) Já que, se são os impugnantes que estão a invocar esses montantes como sendo imposto sujeito a crédito em Território Nacional, deverá sobre eles recair o encargo de apresentar os respetivos comprovativos, de acordo com o art.º 342.º do CC;
f) Esta é uma situação que ocorre com frequência, referente a titulares de rendimentos e pensões auferidos no estrangeiro e residentes em Portugal, e que passa por considerar como crédito de imposto o montante pago no estrangeiro, deduzido até à concorrência da parte da coleta proporcional aos rendimentos obtidos, sendo que, existindo convenção para eliminar a dupla tributação, a dedução não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro, cfr. disposto no artigo 81.º do CIRS;
g) Motivo pelo qual tem de existir uma comparação de valores, pagos a título de imposto sobre o rendimento, em presença de um documento idóneo que ateste os montantes envolvidos;
h) Ora, não poderá existir outra interpretação do documento apresentado pelo impugnante no que concerne aos descontos apresentados e que estão devidamente discriminados em imposto sobre o rendimento, taxas prediais, taxa de habitação e contribuição social;
i) Pelo que não deverá relevar o valor pago a título de contribuição social, à semelhança do que acontece no nosso ordenamento fiscal, muito semelhante aliás ao francês no que concerne às liquidações finais de rendimentos;
j) Valor esse que foi indicado na declaração de rendimentos pelos impugnantes como sendo imposto sobre rendimentos prediais e que a douta sentença em análise aceitou como válido para efeitos de crédito de imposto;
k) Não concordamos portanto com o disposto na douta sentença que atribui à existência de dois avisos de pagamento diferentes o facto de a Administração Tributária não ter considerado o montante de contribuição social como imposto sobre o rendimento, pelo simples facto de que não o é efetivamente;
l) Por outro lado, não se vislumbra porque é que a Administração Fiscal deveria ter solicitado a ajuda das autoridades francesas, no sentido de confirmar se as contribuições sociais são ou não imposto sobre o rendimento, pois o que está em causa é a emissão de um documento autenticado pelas autoridades fiscais francesas, imprescindível para o apuramento de todos os valores envolvidos na liquidação a efetuar no Território Nacional;
m) Desta forma, é inequívoco que, à falta de elementos para se proceder ao correto enquadramento e consideração dos valores envolvidos, só se pode valorizar o que foi efetivamente pago e existente nos documentos que foram presentes;
n) Do exposto resulta inequívoco a existência de erro de julgamento de facto e de direito, fundamento do presente recurso;
o) No caso em pauta, mostrou-se portanto provado que os sujeitos passivos impugnantes declararam valores que não são suficientes para aferir do montante do imposto pago no estrangeiro a fim de lhe ser efetuada a dedução relativa à dupla tributação internacional;
p) Em suma, inexiste qualquer vício de violação da lei, por erro na qualificação e quantificação dos rendimentos.
Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente com a consequente revogação da douta sentença recorrida, como será de inteira JUSTIÇA!”

Os Recorridos não contra-alegaram.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter julgado procedente a impugnação judicial, por, na dúvida quanto à natureza da “contribuição social” paga em França poder consubstanciar imposto sobre o rendimento, competir à Administração Tributária proceder à troca de informações com as Autoridades Tributárias Francesas, nos termos do artigo 27.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a França.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Na sentença recorrida foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:

A) Com base na Ordem de Serviço n.º OI200500023, de 11/01/2005, os impugnantes foram objeto de uma ação inspetiva de âmbito parcial (IRS e IVA), que incidiu sobre os anos de 2001, 2002 e 2003. – cfr. fls. 8 do processo administrativo apenso aos autos.
B) Pelo ofício n.º 9569, de 18/05/2005 foram os impugnantes notificados do projeto de relatório de inspeção, para exercer o direito de audição. – cfr. fls. 15 e 18 do processo administrativo apenso aos autos; facto não controvertido.
C) Os impugnantes não exerceram o direito de audição. – cfr. fls. 15 do processo administrativo apenso aos autos; facto não controvertido.
D) Em 01/06/2005 foi elaborado o relatório de inspeção tributária e respetivos anexos, que constam de fls. 6/17 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
[…]
[imagem que aqui se dá por reproduzida]




[…]
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

[…]
E) Pelo ofício n.º 10688, de 08/06/2005, remetido por carta registada com aviso de receção, os impugnantes foram notificados das correções resultantes da ação de inspeção. – cfr. fls. 19/20 do processo administrativo apenso aos autos.
F) Em 28/11/2005 foi emitida a liquidação de IRS n.º 2005 5004440405, referente ao ano de 2001, com imposto a pagar de 10.739,13 € e juros compensatórios no montante de 1.247,90 €. - cfr. fls. 11 dos autos.
Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou do exame crítico dos documentos e informações constantes dos autos e do processo administrativo apenso, os quais não foram impugnados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.”

2. O Direito

A Fazenda Pública não se conforma com a sentença recorrida que julgou procedente a impugnação judicial contra liquidação de IRS, relativa ao ano de 2001.
Os Recorridos acederam ao alerta da AT, apresentando declaração de substituição modelo 3 do IRS, que incluía o anexo J, além do mais, para o ano de 2001, dado terem auferido rendimentos e pago imposto sobre os mesmos em França.
No âmbito da acção inspectiva realizada, referida no probatório, a AT aceitou o rendimento auferido em França declarado pelos Recorridos, mas não aceitou a inclusão da quantia referente a “contribuição social” paga em França, por não consubstanciar um imposto sobre o rendimento.
A AT solicitou aos aqui Recorridos a apresentação das respectivas notas de liquidação devidamente autenticadas pela Administração Fiscal Francesa, com a indicação do montante de rendimento e o imposto sobre esse rendimento pago. No entanto, foi apresentado um certificado emitido pela Direcção-Geral dos Impostos Franceses, onde resulta que “as contribuições sociais pagas pelo s.p. são provenientes de rendimentos sobre o património”.
A sentença recorrida, face ao teor do documento certificado pelas Autoridades Tributárias Francesas, apresentado pelos impugnantes, decidiu competir à Administração Tributária, na dúvida, designadamente quanto à natureza da “contribuição social” proceder à troca de informações com aquelas autoridades, nos termos do artigo 27.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a França, que estabelece a obrigação recíproca de troca de informações úteis entre os Estados Contratantes para assegurar o lançamento e cobrança dos impostos abrangidos pela Convenção.
Em suma, a Administração Tributária podia [e devia] ter aprofundado a sua atividade instrutória, nomeadamente solicitando à sua congénere francesa informações complementares, no sentido de confirmar se as “contribuições sociais” configuram ou não impostos sobre os rendimentos, sendo certo que, no quadro da cooperação administrativa prevista no citado artigo 27.º da CDT, tais diligências estão longe de constituir um ónus excessivo para a Administração Tributária.
A Recorrente imputa à sentença recorrida erro de julgamento de facto e de direito, não concordando, portanto, com o disposto na sentença que atribui à existência de dois avisos de pagamento diferentes o facto de a Administração Tributária não ter considerado o montante de contribuição social como imposto sobre o rendimento, pelo simples facto de que não o é efectivamente.
Por outro lado, a Recorrente não vislumbra porque é que a Administração Fiscal deveria ter solicitado a ajuda das autoridades francesas, no sentido de confirmar se as contribuições sociais são ou não imposto sobre o rendimento, pois o que está em causa é a emissão de um documento autenticado pelas autoridades fiscais francesas, imprescindível para o apuramento de todos os valores envolvidos na liquidação a efectuar no Território Nacional. (…). À falta de elementos para se proceder ao correcto enquadramento e consideração dos valores envolvidos, só se pode valorizar o que foi efectivamente pago e existente nos documentos que foram presentes. (…)
No caso em pauta, mostrou-se portanto provado que os sujeitos passivos impugnantes declararam valores que não são suficientes para aferir do montante do imposto pago no estrangeiro a fim de lhe ser efectuada a dedução relativa à dupla tributação internacional.
Em suma, inexiste qualquer vício de violação da lei, por erro na qualificação e quantificação dos rendimentos.
Impõe-se que a análise se efectue a partir da fundamentação do acto de liquidação em crise, pois somente desta forma se descortinará a motivação subjacente ao acto.
A AT refere que os Recorridos não apresentaram as respectivas notas de liquidação devidamente autenticadas pelas Autoridades Tributárias Francesas, com indicação do montante do rendimento e do imposto sobre o rendimento pago.
Nessa sequência, de forma conclusiva, como se colhe do ponto D do probatório, a AT afirma que o sujeito passivo incluiu indevidamente a contribuição social, que não será dedutível, uma vez que não se trata de imposto sobre o rendimento.
É, portanto, esta a fundamentação do acto de liquidação em apreço e é dela que partiremos para a análise da actuação da AT.
Por imperativo constitucional, artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legitimamente protegidos, pelo que a decisão de correcção da matéria tributável não pode deixar de se mostrar acompanhada da correspondente fundamentação.
Os contornos dessa fundamentação recolhem-se na lei ordinária, artigo 77.º da Lei Geral Tributária que determina que ela se revista de uma sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Do ponto de vista estritamente formal, alcança-se que, não tendo sido apresentadas notas de liquidação devidamente autenticadas pelas autoridades fiscais francesas, contendo a confirmação de todos os elementos exigidos, incluindo o montante de imposto sobre o rendimento pago em França, a AT procedeu à correcção da declaração dos Recorridos, eliminando o crédito de “contribuição social”, por não se tratar de imposto sobre o rendimento; desconsiderando o documento apresentado pelos Recorridos, onde foi certificado pela Direcção-Geral dos Impostos Franceses que as contribuições sociais pagas pelo sujeito passivo são provenientes dos rendimentos sobre o património, que foram objecto de um aviso de pagamento diferente do aviso de pagamento do imposto sobre o rendimento.
A sentença recorrida considerou verificar-se errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, partindo da análise da validade substancial do acto, e tendo concluído que estes motivos não são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
Está, portanto, em causa saber se estas razões suportam uma decisão legítima de correcção do imposto devido.
Efectivamente, sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – cfr. artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
O que verdadeiramente releva no caso vertente é saber se a Administração Tributária bem fundou as correcções em apreço. Isto porque o artigo 75.º da LGT estabelece uma presunção de veracidade das declarações apresentadas pelos contribuintes à Administração Tributária, pelo que é sobre esta que recai o ónus de demonstrar que reúne os pressupostos legais que a autorizam a proceder às correcções da liquidação impugnada, demonstrando factualidade susceptível de abalar a presunção de veracidade de que gozam as declarações dos contribuintes.
Como bem refere a sentença recorrida, «(…) a Administração Tributária não demonstra, como lhe competia, que a “contribuição social” paga em França não constitui, à luz do ordenamento jurídico fiscal francês, um imposto sobre o rendimento, sendo certo que a existência de dois avisos de pagamento diferentes, um para o pagamento da “contribuição social” e outro para pagamento do imposto sobre o rendimento, por si só, não permite concluir que aquela contribuição social não constitui imposto sobre o rendimento e, como tal, não é dedutível para efeitos de apuramento do imposto em Portugal.
Tanto mais que, como resulta do relatório de inspeção, do certificado emitido pela Direção Geral dos Impostos Franceses resulta que “as contribuições sociais pagas pelo s.p. são provenientes de rendimentos sobre o património”. (…)
Assim, face ao teor do documento certificado pelas Autoridades Tributárias Francesas, apresentado pelos impugnantes, competia à Administração Tributária, na dúvida, designadamente quanto à natureza da “contribuição social” proceder à troca de informações com aquelas autoridades, nos termos do artigo 27.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a França, que estabelece a obrigação recíproca de troca de informações úteis entre os Estados Contratantes para assegurar o lançamento e cobrança dos impostos abrangidos pela Convenção. (…)»
Não pode, por isso, colher a posição da Fazenda Pública quando afirma que cabia aos impugnantes o ónus de apresentar uma liquidação efectuada e autenticada pelos serviços fiscais franceses, onde constassem, discriminadamente, todos os valores e a natureza dos mesmos, recebidos e pagos no estrangeiro, uma vez que, sendo os Recorridos considerados residentes em território nacional, têm o dever de declarar os rendimentos no país de residência.
Se fosse como defende a Recorrente, também não deveria a AT ter aceitado o montante de rendimentos declarado. Mas, a verdade é que somente questionou o valor de imposto sobre o rendimento a considerar para efeitos de dedução.
Estando demonstrado (e aceite) que os Recorridos auferiram rendimentos no estrangeiro, onde também pagaram impostos sobre esse rendimento, a AT tem de relevar esse facto, nos termos do disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 81.º do Código de IRS.
Nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 6 do Código IRS, na redacção então vigente, “quando o sujeito passivo aufira rendimentos que dêem direito a crédito de imposto por dupla tributação internacional previsto no artigo 81.º, os correspondentes rendimentos devem ser considerados pelas respectivas importâncias ilíquidas dos impostos sobre o rendimento pagos no estrangeiro.”
Por sua vez, o artigo 81.º do mesmo Código previa o seguinte:
1 - Os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional, dedutível até à concorrência da parte da colecta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponderá à menor das seguintes importâncias:
a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;
b) Fracção da colecta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados.
2 - Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efectuar nos Termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção. […]
Entre a República Portuguesa e a República Francesa foi celebrada uma Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Estabelecer Regras de Assistência Administrativa Recíproca em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, assinada em Paris em 11/01/1971 e aprovada pelo Decreto-Lei n.º 105/71, de 26 de Março [publicada no Diário da República, 1.ª Série, n.º 72, de 26 de Março de 1971], a qual estabelece, além do mais, a metodologia para eliminar a dupla tributação.
Importa salientar que esta Convenção se aplica aos impostos sobre o rendimento exigidos em benefício de um Estado Contratante.
Concretamente, e para o que aqui está em causa, importa chamar à colação o artigo 24.º, n.º 2 da aludida Convenção, que dispõe o seguinte:
“2 - Quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, podem ser tributados em França, Portugal deduzirá do imposto sobre tais rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto francês sobre tais rendimentos.
A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a menor das duas importâncias seguintes:
a) A fracção do imposto francês correspondente à parte do rendimento tributado em Portugal;
b) A fracção do imposto português sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos tributados em França.”
A AT formou convicção que a “contribuição social” paga em França pelos Recorridos não constitui, à luz do ordenamento jurídico fiscal francês, um imposto sobre o rendimento e assim motivou a correcção em causa.
Porém, a AT não carreou factos demonstrativos que a contribuição social não fosse um imposto sobre o rendimento, ficando a ideia de que se tratava de uma conjectura ou de uma conclusão.
Aliás, do relatório de inspecção tributária decorre que os Recorridos são residentes em Portugal desde o ano 2000, mas que auferem rendimentos obtidos no estrangeiro, provenientes de rendas recebidas de dois prédios localizados em França.
Nesta conformidade, tudo indica que os Recorridos, em 2001, somente auferiram rendimentos sobre o património, com origem no estrangeiro – rendas de prédios em França – logo, os impostos que aí pagaram terão, necessariamente, conexão com esse rendimento. Note-se que não se provou que os Recorridos tivessem auferido outro tipo de rendimentos no estrangeiro.
De todo o modo, ainda que cientes de que vamos aludir a uma alteração à Convenção posterior ao ano dos rendimentos em apreço, não deixa de ser elucidativo o facto de se ter incluído, nos impostos actuais a que a Convenção se aplica, no caso da França, as contribuições sociais generalizadas – cfr. n.º 3 do artigo 2.º da Convenção alterada pela Resolução da AR n.º 58/2017, que aprovou o Protocolo que altera a Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento entre Portugal e a França.
Apesar de o documento junto com a declaração de substituição apresentada pelos Recorridos [cfr. anexo 2 ao relatório de inspecção], emitido pela Direcção-Geral dos Impostos Franceses, certificar que as “contribuições sociais” pagas pelos sujeitos passivos em França são provenientes de rendimentos sobre o património, recuperamos, aqui, o entendimento da primeira instância no sentido de que a Administração Tributária podia [e devia] ter aprofundado a sua actividade instrutória, nomeadamente solicitando à sua congénere francesa informações complementares, no sentido de confirmar se as “contribuições sociais” configuram ou não impostos sobre os rendimentos, sendo certo que, no quadro da cooperação administrativa prevista no artigo 27.º da Convenção, tais diligências estão longe de constituir um ónus excessivo para a Administração Tributária.
Efectivamente, dispõe o artigo 27.º desta Convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e França que as autoridades competentes dos Estados contratantes trocarão entre si as informações necessárias para aplicar esta Convenção e as leis internas dos Estados contratantes relativamente aos impostos abrangidos por esta Convenção, na medida em que a tributação nelas prevista for compatível com esta Convenção.
Nestes termos, a AT podia ter pedido informação ao Ministério das Finanças francês, não só acerca dos rendimentos auferidos pelos Recorridos em França, mas essencialmente, pois era essa a divergência entre a AT e os sujeitos passivos, do valor do imposto aí pago (se incluía o montante declarado a título de contribuições sociais), para confirmar os montantes declarados na declaração de rendimentos apresentada em Portugal.
Lembramos que as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei – cfr. artigo 76.º, n.º 1 n.º 4 da Lei Geral Tributária.
Compulsada a motivação do acto tributário, não se detectam factos recolhidos pela Administração Tributária que permitam, ainda que indiciariamente, suportar a conclusão de que os montantes inscritos na declaração de rendimentos não correspondem à realidade ou que o imposto declarado como pago não o tenha sido em França ou que não tivesse a natureza de imposto sobre o rendimento patrimonial.
A Administração Tributária devia ter ido mais longe, investigado mais, eventualmente trocado informações com a autoridade competente francesa, tendo em vista encontrar algum indício no sentido de que o imposto pago em França não era, na totalidade, imposto sobre o rendimento auferido, o que não foi efectuado.
O que quer dizer que a Administração Tributária não fez prova do bem fundado da formação do seu juízo, pelo que a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, confirmando-se a sentença recorrida.
Nesta conformidade, é forçoso negar provimento ao recurso.

Conclusão/Sumário

É sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que existem indicadores fundados que legitimam a sua actuação de proceder a correcções às declarações dos contribuintes e provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional; e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – cfr. artigo 74.º da Lei Geral Tributária.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Notifique-se, sendo que a notificação a efectuar aos Recorridos deverá realizar-se pessoalmente, com a informação do óbito do seu ilustre mandatário e que a instância se suspendeu por esse motivo, nos termos do artigo 269.º, n.º 1, alínea b) e 271.º do Código de Processo Civil.

Porto, 07 de Maio de 2020


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães