Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:001408/21.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/09/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; INSOLVÊNCIA; RECONHECIMENTO DOS CRÉDITOS LABORAIS POR SENTENÇA; PERÍODO DE REFERÊNCIA;
ARTIGO 319.º REGULAMENTO DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário:1. Os créditos tornam-se líquidos e exigíveis, sendo litigiosos, com o trânsito em julgado da decisão judicial que os reconheça.

2. Mas esta afirmação apenas é válida em relação à entidade patronal, devedora, e para efeitos, designadamente, de apreciar se o crédito se encontra prescrito ou não.

3. Não vale em relação ao Fundo de Garantia Salarial. Em relação ao Fundo de Garantia Salarial existem normas específicas que regulam a matéria, as constantes do artigo 319.º Regulamento do Código do Trabalho, que dizem quais os créditos cujo pagamento este Fundo garante, ou seja, os que lhe podem ser exigidos, e que não coincidem, como é evidente, com todos os créditos exigíveis à entidade patronal.

4. Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 319.º Regulamento do Código do Trabalho “Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência”.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Fundo de Garantia Salarial veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 25.02.2022, pela qual foi julgada parcialmente procedente a acção administrativa especial intentada por AA... para a anulação do despacho proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão daquele Fundo que indeferiu o pedido de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho e para a condenação à prática de acto devido, o pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial dos valores correspondente aos créditos emergentes de contrato de trabalho de acordo com o limite máximo legal, nomeadamente no que diz respeito à indemnização por cessação do contrato de trabalho com justa causa, por iniciativa do trabalhador.

Invocou para tanto, em síntese, que os créditos reclamados se venceram fora do período de referência, contrariamente ao decidido na sentença da qual se recorre.

O Recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. Não são todos e quaisquer créditos que o Fundo de Garantia Salarial assegura, na medida em que o n.º 4 do art.º 2.º do Decreto-lei n.º 59/2015, de 21.04, impõe que apenas é assegurado o pagamento de créditos vencidos nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação de insolvência ou da entrada do requerimento do procedimento de conciliação, se for o caso.

2. Na presente situação, e de acordo com a legislação, o Fundo de Garantia Salarial assegura os créditos vencidos entre 29.09.2016 e 29.03.2016.

3. O contrato de trabalho do Recorrido cessou no dia 31.10.2015.

4. Os créditos laborais emergentes da cessação do contrato de trabalho, venceram-se, no limite, na data da cessação do contrato de trabalho.

5. O Recorrido não logrou obter reconhecimento de justa causa na ação laboral intentada, nem fixação de indemnização pela mesma, na medida em que a ação laboral que intentou, foi julgada extinta por inutilidade superveniente da lide.

6. Deste modo, o Recorrido tem os seus créditos reconhecidos na lista de créditos aprovada e homologada no PER em 26.02.2017,

7. Mas não vencidos, pois o vencimento ocorreu com a cessação do contrato de trabalho em 31.10.2015.

8. Desta forma, estão os mesmo vencidos fora do período de referência, contrariamente ao decidido na douta sentença proferida pelo TAF de Braga em 25.02.2022 e da qual se recorre.
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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1) Em 1 de Julho de 1991, o Autor foi admitido como trabalhador da sociedade MM---, Lda (cfr. folhas 37 do processo administrativo).

2) No âmbito do referido contrato, o Autor recebia a retribuição mensal de 1.535,00 euros, acrescida de subsídio de alimentação no valor mensal de 93,94 euros (cfr. documento nº 5 junto com a petição inicial cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

3) Em 2 de Novembro de 2015, o Autor, mediante envio de carta registada com aviso de recepção, comunicou à entidade patronal a rescisão do contrato de trabalho por falta de pagamento de retribuições com efeitos imediatos, a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida (cfr. documento nº 6 junto com a petição inicial).

4) Em 19 de Janeiro de 2016, o Autor intentou uma acção de processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra a empresa “MM---, L.da” que correu termos sob o nº 383/16.0T8VNF no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Famalicão, Juiz 1 (Cfr. documentos n.º 8 e 15 juntos com a petição inicial).

5) Em 27 de Abril de 2017, no processo acabado de referir, foi proferida sentença, já transitada em julgado, declarando a extinção da instância por inutilidade superveniente, a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida (cfr. documento 15 junto com a petição inicial).

6) Em 28 de Setembro de 2016, foi apresentado Processo Especial de Revitalização da sociedade MM---, Lda, o qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Santo Tirso, Juiz 2, sob o nº 2822/16.1T8STS (cfr. documento nº 15 junto com a petição inicial).

7) Em 29 de Setembro de 2016, foi elaborado despacho, no processo acabado de referir, a designar o Administrador Judicial Provisório (cfr. folhas 73 do processo administrativo).

8) O Autor reclamou os créditos laborais neste processo que se dão aqui por inteiramente reproduzidos (cfr. documento nº 10 junto com a petição inicial).

9) Os créditos laborais reclamados pelo Autor foram reconhecidos pelo Administrador Judicial Provisório, nomeadamente a indemnização por cessação do contrato de trabalho com justa causa (cfr. documento nº 12 junto com a petição inicial).

10) Em 14 de Fevereiro de 2017, no processo acima referido, de revitalização da sociedade MM---, foi proferido despacho de homologação do acordo de revitalização, já transitado em julgado, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. documento nº 14 junto com a petição inicial).

11) Em 7 de Novembro de 2017, Autor apresentou, nos serviços da Segurança Social, Requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. folhas 35 e 36 do processo administrativo).

12) Por ofício, datado de 16.03.2020, ao Autor foi comunicado o despacho, proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, em 24 de Fevereiro de 2020, com o seguinte teor:

“ (…) fica notificado de que do requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado por Vª Ex.ª foi indeferido.

(…)

Os fundamentos para o indeferimento é(são) o(s) seguinte(s):

- Em cumprimento de sentença proferida no âmbito da Ação Administrativa Especial nº 2242/18.3BEPRT

- Os créditos requeridos não se encontram abrangidos pelo período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a propositura da ação (Insolvência, falência, Revitalização ou procedimento extrajudicial de recuperação de empresas), nos termos do n.º 4 do artigo 2º do Dec. Lei nº 59/2015, de 21 de Abril, ou após a data da propositura da mesma ação, nos termos do nº 5 do mesmo artigo, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido”.

(cfr. documento nº 3 junto com a petição inicial e folhas 180 do processo administrativo que se dá aqui por reproduzida).

m) O Autor teve conhecimento do acto administrativo proferido pelo Presidente da Entidade Demandada, de 24 de fevereiro de 2020, no dia 7 de Junho de 2021 (cfr. documentos nº 2 e 3 juntos com a petição inicial).
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III - Enquadramento jurídico.

São as seguintes as normas com relevo para apreciação da validade do acto impugnado:

Do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29.07, com a alteração da Lei nº 9/2006, de 20.03, consta, sobre o “Fundo de Garantia Salarial”:

“Artigo 316.º
Âmbito

O presente capítulo regula o artigo 380.º do Código do Trabalho.

Artigo 317.º
Finalidade

O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes.

Artigo 318.º
Situações abrangidas

1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente.
2 - O Fundo de Garantia Salarial assegura igualmente o pagamento dos créditos referidos no número anterior, desde que se tenha iniciado o procedimento de conciliação previsto no Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro.
3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, caso o procedimento de conciliação não tenha sequência, por recusa ou extinção, nos termos dos artigos 4.º e 9.º, respectivamente, do Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro, e tenha sido requerido por trabalhadores da empresa o pagamento de créditos garantidos pelo Fundo de Garantia Salarial, deve este requerer judicialmente a insolvência da empresa.
4 - Para efeito do cumprimento do disposto nos números anteriores, o Fundo de Garantia Salarial deve ser notificado, quando as empresas em causa tenham trabalhadores ao seu serviço:
a) Pelos tribunais judiciais, no que respeita ao requerimento do processo especial de insolvência e respectiva declaração;
b) Pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI), no que respeita ao requerimento do procedimento de conciliação, à sua recusa ou extinção do procedimento.

Artigo 319.º
Créditos abrangidos

1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.
2 - Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.
3 - O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respectiva prescrição.

Artigo 320.º
Limites das importâncias pagas

1 - Os créditos são pagos até ao montante equivalente a seis meses de retribuição, não podendo o montante desta exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida.
2 - Se o trabalhador for titular de créditos correspondentes a prestações diversas, o pagamento é prioritariamente imputado à retribuição.
3 - Às importâncias pagas são deduzidos os valores correspondentes às contribuições para a segurança social e à retenção na fonte de imposto sobre o rendimento que forem devidos.
4 - A satisfação de créditos do trabalhador efectuada pelo Fundo de Garantia Salarial não libera o empregador da obrigação de pagamento do valor correspondente à taxa contributiva por ele devida.”

Na interpretação destes preceitos, reitera-se aqui o entendimento sufragado no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 09.04.2021, proferido no processo n.º 00695/19.1 BRG (sumário):

“1 – O Fundo de Garantia Salarial, assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referidos no artigo 2º anterior – artº 319º/1 da Lei 35/2004.

2 – Resulta do art. 317º da Lei nº 35/2004 (Regulamento do Código do Trabalho) que «O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes». Por outro lado, estabelece o art. 318º, nº1 do mesmo diploma que «O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente». Complementarmente, refere o art.319º que «O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.° que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior (n° 1).

3 - À luz do regime introduzido pelo DL n° 59/2015 (Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial), é exigida a verificação cumulativa dos requisitos estabelecidos para que o FGS possa assegurar o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação e cessação (Cfr. arts. 1º e 2º do DL n° 59/2015). Com efeito, para que o referido regime possa operar importa que se mostrem preenchidos, no caso, os seguintes pressupostos:
a) Seja a entidade empregadora judicialmente declarada insolvente;
b) Que os créditos emergentes do contrato de trabalho se tenham vencido nos seis meses anteriores à data da propositura da ação (Cfr. art° 2°, n°4, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial aprovado pelo DL n° 59/2015).

4 – O FGS assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a data da propositura da ação de insolvência, sendo que para esse efeito, importa, apenas, a data do vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na ação intentada com vista ao seu reconhecimento judicial, ou a data do seu reconhecimento no processo de insolvência.

5 – Em concreto, resultando dos factos dados como provados que os créditos laborais se venceram com a cessação do contrato de trabalho, em 20-11-2016, e que a Ação de insolvência foi proposta em 25-05-2017, é manifesto que os créditos reclamados estão fora do período de referência (seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência - entre 25.11.201

Os créditos tornam-se líquidos e exigíveis, sendo litigiosos, com o trânsito em julgado da decisão judicial que os reconheça.

Mas esta afirmação apenas é válida em relação à entidade patronal, devedora, e para efeitos, designadamente, de apreciar se o crédito se encontra prescrito ou não.

Não vale em relação ao Fundo de Garantia Salarial.

Em relação ao Fundo de Garantia Salarial existem normas específicas que regulam a matéria, as constantes do artigo 319.º Regulamento do Código do Trabalho, que dizem quais os créditos cujo pagamento este Fundo garante, ou seja, os que lhe podem ser exigidos, e que não coincidem, como é evidente, com todos os créditos exigíveis à entidade patronal.

Aí se referem os créditos (vencidos) que são exigíveis ao Fundo de Garantia Salarial, dentro e fora do período de referência.

Não se podendo retirar de outros preceitos uma solução que não tem um mínimo de correspondência com a letra do citado artigo 319.º Regulamento do Código do Trabalho - n.º2 do artigo 9º do Código Civil.

No caso o processo especial de revitalização foi apresentado em 28 de Setembro de 2016, pelo que o período de referência se situa entre esta data e 28 de Março de 2016.

Pelo que os créditos reclamados estão fora do período de referência, tal como defende o Recorrente.
Mas é precisamente desse pressuposto que parte a decisão recorrida, pelo que o recurso no que tem de essencial passa ao largo da decisão recorrida.

Na verdade, é dito na decisão recorrida:

“Em conclusão, tendo o crédito do Autor relativo a indemnização por cessação do contrato de trabalho com justa causa tido vencimento em data posterior ao período de referência, e não havendo créditos laborais vencidos neste período, tem a Entidade Demandada que pagar este crédito ao mesmo no limite máximo legal de €9.090,00, o que significa que a pretensão do Autor nestes autos obtém vencimento parcial”.

O que tem cobertura no disposto no n.º 2 do artigo 319.º Regulamento do Código do Trabalho:

“Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência”.

Neste fundamento, fulcral, da decisão recorrida, o Recorrente não a ataca.

Termos em que se impõe manter a decisão recorrida.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo da isenção de que beneficia.
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Porto, 09.06.2022


Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Nuno Coutinho, em substituição