Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00513/10.6BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/26/2015
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Vital Lopes
Descritores:AVALIAÇÃO INDIRECTA.
SUBSIDIARIEDADE.
CUSTOS.
ÓNUS DE PROVA.
Sumário:1. Quando se mostre viável a determinação da matéria tributável de forma directa, é manifestamente ilegítimo o recurso a métodos indirectos para efectivar tal determinação, atento o carácter subsidiário da avaliação indirecta e a clara preferência do legislador pela avaliação directa (art.º81.º, n.º1 e 85.º, n.º1, da LGT);
2. No domínio das correcções técnicas ou meramente aritméticas, a Administração tributária não tem de presumir quaisquer custos associados a valores facturados que não tinham sido levados a proveitos na contabilidade e regularizados;
3. O ónus de prova desses alegados custos recai sobre o contribuinte que se arrogue o direito à sua dedução (art.º23.º do CIRC), nos termos gerais de direito.
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Empreendimentos Turísticos..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

Empreendimentos Turísticos…, Lda., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada das liquidações adicionais de IRC referente aos exercícios de 2004, 2005 e 2006, no montante global de 273.384,82€.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Na sequência do despacho de admissão, os Recorrentes apresentaram alegações e formularam as seguintes «Conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida no processo n.º 513/10.6BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente o pedido formulado pelo Sujeito passivo, que aí pugnava pela anulação dos actos de liquidação adicional de IRC relativos aos vários períodos de tributação de 2003, 2004, 2005 e 2006.

B. A.F. na determinação da matéria tributável, para os exercícios de 2003, 2004, 2005 e 2006, trabalha por amostragem, baseando as suas estimativas nos indícios recolhidos de elementos dos sistema informático da alegante (não sublinhe-se não são parte integrante da contabilidade), sem analisar todos os dados relativos a todas as transmissões processadas nos exercícios em exame, introduzindo assim, uma lógica de extrapolação ou estatística.

C. Os elementos em que A.F. fundou as correcções à matéria tributável, e com base nos quais o tribunal a quo pretendeu fundamentar a decisão posta em crise não permitem a sua quantificação directa e exacta, ou seja, por via da avaliação directa.

D. O itinerário intelectivo do autor do acto tributário, desenvolve-se no campo do procedimento de avaliação indirecta da matéria tributável, subsumível na hipótese da alínea b), do art. 87º da LGT, com concretização expressa no art. 88º do mesmo diploma, já que, em face das correcções efectuadas, a contabilidade da Recorrente (cuja análise, se cingiu ao exame de alguns documentos), se revelou insuficiente e com irregularidades.

E. Durante a acção de inspecção tributária, a A.F., a partir de elementos esparsos da contabilidade da Recorrente, carreou para o procedimento um conjunto de indícios, e presunções, descritos no relatório de fundamentação, os quais indiciam que a contabilidade apresenta irregularidades e insuficiências para possibilitar a quantificação directa e exacta da matéria tributável dos exercícios de 2003, 2004, 2005 e 2006.
F. Emergindo essa impossibilidade da verificação de anomalias e incorrecções tipificadas no art. 88º da LGT, designadamente: i) a inexistência e insuficiência dos elementos de escrituração mercantil da Recorrente; ii) a manifesta discrepância entre o volume de vendas declarados pela Recorrente, com as vendas de negócios apurado pela A.F.; iii) a existência de factos concretos que permitiram à A.F., concluir que a Recorrente, revelou nos exercícios em exame uma capacidade contributiva, significativamente superior à que efectivamente declarou.

G. Á luz do art. 87º da LGT, a detecção de tais anomalias, impõem o recurso à avaliação indirecta inviabilizando a simples correcção técnica, dado que, ao postergar esta obrigação, a A.F.: i) impediu que o contribuinte recorresse ao procedimento de revisão; ii) impediu o escrutínio da decisão por Perito independente; iii) impediu a suspensão automática do processo executivo no caso de coincidência entre o Laudo do Perito independente e do contribuinte; iv) impediu que – mesmo a ser verdade a tese da “omissão dos proveitos” – o contribuinte considerasse os custos da sua actividade.

H. Ao incumprir esta verdadeira “obrigação de procedimento”, a A.F. violou a lei, e preteriu uma formalidade legal, que por integrar meios de tutela dos interesses do contribuinte, é rotulado como “formalidade essencial”.

I. Dito de outro modo: atendendo a que na óptica da A.F., o valor total das vendas efectuadas é superior ao valor das vendas contabilizadas pela Alegante, no montante de € 1.050.333,80, também e correlativamente, o valor dos custos, seria superior, face ao valor efectivamente contabilizado, embora na devida proporção.

J. Assim, se por força das correcções efectuadas pela A.F., como se logrou demonstrar nos Autos, o valor das vendas sofreu um acréscimo de € 1.050.333,80, pela mesma ordem de razões, também o valor contabilizado nos custos suportados deveria ter sofrido um aumento proporcional.

K. Agindo de forma inversa, a A.F., caiu no intolerável erro de na determinação da matéria tributável de IRC apenas considerar os proveitos de cada um dos exercício em exame, sem ponderar os gastos apurados para os mesmos anos económicos, contrariando as mais elementares regras de determinação do lucro tributável para efeito de IRC, com expressão legal nos arts. 17º, 20º e 23º do CIRC.

L. Salvo o devido respeito, a Sentença a quo, incorre em erro de julgamento, por incorrecta apreciação e valoração da prova produzida, com a consequente errada aplicação do direito.

M. Devendo em consequência reapreciar-se a prova testemunhal produzida em sede de Audiência Contraditória, consignada em acata e relativamente aos depoimentos das testemunhas António Ribeiro da Costa, Pedro Rafael, David Baptista e Joaquim Moreira de Sá, constate de registo áudio em uso no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.

N. A sentença em recurso violou, entre outros, os artigos 87º e 88º da LGT e 17º e 23º do CIRC
Julgando-se o Recurso procedente, será feita
JUSTIÇA!».

A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu mui douto parecer no sentido da improcedência do recurso por não assistir razão à impugnante em nenhum dos vícios imputados à sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente, são essencialmente estas as questões que importa conhecer: i) Se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto ao não fazer constar do probatório que os meses em que a base de dados assinala maior volume de facturação correspondem àqueles em que a impugnante regista menor volume de transacções e que a impugnante suportou custos para além dos declarados; ii) Se o método de que a Administração tributária se serviu na quantificação da obrigação de imposto impunha o recurso ao procedimento de avaliação indirecta, incorrendo a sentença em erro de julgamento ao decidir diferentemente; iii) Se tendo a Administração tributária considerado que o valor efectivo das vendas era superior ao declarado impunha-se-lhe considerar na quantificação da obrigação tributária o acréscimo de custos necessários à geração daquela diferença de proveitos.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

«1.º - A ora impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva, decorrente da Ordem de Serviço n°OI200705370, PNAIT 22139, Critério DOA2 - cf. teor de fls.41 verso do Processo de Reclamação Graciosa (PRG), correspondente ao Relatório de Inspecção Tributária (RIT), apenso a este processo.
2.° - A referida inspecção decorreu entre 21.01.2008 a 07.03.2008 - cf. teor de fls. 41 verso do PRG, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
3° - A mesma apresentou como «Motivo»: “SP com omissão de vendas”; o seu «âmbito»: “Parcial - IRC e IVA” e a «Incidência Temporal»: “Período: 2004, 2005, 2006 e 2007” - cf. teor de fls.41 verso do PRG, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
4.° - A ora impugnante exerce a sua actividade desde 07.07.1989 - cf. teor de fls.41 verso do PRG, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
5.º - A actividade exercida pela impugnante enquadra-se no CAE 55406 - Estabelecimento de bebidas com espectáculo, restaurante - cf. teor de fls.41 verso do PRG, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
6.° - São sócios da ora impugnante:
J…, NIF: 1…, sócio-gerente;
O…, Lda., NIF: 5…, sócio;
P…, NIF: 1…, sócio-gerente;
Paulo…, NIF: 2…, sócio-gerente e,
Â…, NIF: 2…, sócio-gerente - cf. teor de fls.41 verso e 42 do PRG, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
7.º - P…, foi sócio gerente desde a constituição da sociedade até 22.11.2005, data da renúncia à gerência e venda da sua quota no valor de 3 750€ a J… - cf. teor de fls. 42 do PRG, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
8.º - J…, foi sócio gerente desde a constituição da sociedade impugnante até 26.05.2005, data da renúncia à gerência e venda da sua quota, no valor de 15000€- cf. teor de fls. 42 do PRG, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
9.º - A sua quota foi vendida, nos seguintes termos:
• O…, Lda. — quota de 5.000€;
• Paulo…— quota de 5.000€;
• — quota de 5.000€ - cf. teor de fls. 42 do PRG, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
10.º - P… e Â, são filhos de J… - cf. teor de fls. 42 do PRG, correspondente ao RIT, apenso a este processo,
11.º - J… é sócio gerente da empresa O…, Lda., juntamente com os filhos - ct teor de fls. 42 do PRG, correspondente ao RIT apenso aos autos, apenso aos autos.
12.° - A empresa O…, Lda., encontra-se com a actividade suspensa a partir de 01.07.2006 (inclusive) - cf. teor de fls. 42 do PRG, correspondente ao RIT apenso aos autos.
13.° - A ora impugnante dedica-se à actividade de restauração - cf. teor de fls. 42 do PRG, correspondente ao RIT, apenso aos autos.
14.° - A empresa O…, Lda., exerce a actividade de Estabelecimentos de bebidas com espetáculo, CAE 55406 e tem como designação comercial, “Discoteca…” - cf. teor de fls. 42 do PRG, correspondente ao RIT apenso aos autos.
15.° - No edifício situado na R…. - Santo Tirso, encontram-se duas empresas a funcionar:
Empreendimentos Turísticos ..., Lda., NIPC: 5…- Restaurante ..., e,
O…, Lda., NIPC: 5…- Discoteca ... - cf. teor de fls. 42 do PRG, correspondente ao RIT, apenso aos autos.
16.º - Os serviços de inspecção tributária verificaram em termos de organização contabilística a falta de apresentação de documentos:
• Livros selados (art.115° do CIRC);
• Inventários das existências de 31/12/2003, 31/12/2004 e 31/12/2006;
• Talões de venda de 01/01/2004 a 31/12/2007.
• Lançamentos contabilísticos dos serviços prestados dos meses de 04/07 até à data da realização da inspecção tributária - cf. teor de fls. 42 verso do PRG, correspondente ao RIT, apenso aos autos.
17.° - No dia e hora designados pelos serviços de inspecção, para a apresentação por parte da ora impugnante dos referidos elementos documentais, foram exibidos os lançamentos contabilísticos dos serviços prestados dos meses de 04/07 até 12/07, através dos Diários de Caixa - cf. teor de fls. 42 verso do PRG, correspondente ao RIT, apenso aos autos.
18.º - Em relação aos livros selados e inventários, os responsáveis pela empresa ora impugnante alegaram que, «o TOC que executava a contabilidade faleceu, e portanto desconhecem o paradeiro dos referidos documentos)) - cf. teor de fls. 42 verso do PRG, correspondente ao RIT, apenso aos autos.
19.º - Quanto aos talões de venda, «referiram que o sistema informático, no qual registavam serviços prestados efectuados, já não se encontrava operacional sendo impossível apresentar os referidos talões constantes da notificação» - cf. teor de fls. 42 verso do PRG, correspondente ao RIT, apenso aos autos.
20.° - A ora impugnante cumpriu em termos declarativos as suas obrigações fiscais - cf. teor de fls. 42 verso do PRG, correspondente ao RIT, apenso aos autos.
21.° - No decurso de uma acção ao local da actividade da ora impugnante, os serviços de inspecção tributária, procederam à cópia da base de dados do sistema informático, tendo constatado que a mesma tinha duas actividades, de restaurante e discoteca, usando para cada dessas actividades software de facturação específico - cf. teor de fls. 43 do PRG, correspondente ao RIT, apenso aos autos.
22.° - Os serviços de inspecção tributária constataram que, os serviços prestados de restaurante estavam a ser contabilizados em Empreendimentos Turísticos ..., Lda, e os serviços prestados da discoteca estavam a ser contabilizados em O…, Lda. – cf. teor de fls. 43 do PRG, correspondente ao RIT, apenso aos autos.
23.° - A partir de Julho de 2006, deu-se a junção das duas actividades, deixando a O…, Lda., de ter movimento e, todo o serviço prestado de restaurante e discoteca, passam a ser registados em Empreendimentos Turísticos ..., Lda, - cf. teor de fls. 43 do PRG, correspondente ao RIT, apenso aos autos.
24.º - Com base na cópia da base de dados do sistema informático, os serviços de inspecção tributária acederam ao registo de facturação dos meses de Janeiro/2004 a Maio de 2001, tendo constatado o seguinte relativamente às duas actividades:
«III.1 - Restaurante
O ficheiro sobre o qual recaiu a análise foi o MOVDIAT.DBF, que se encontrava no Posto Touran-1, dentro do directório “Gestrest”.
Da análise à base de dados verificou-se que a mesma contém as seguintes colunas:
• Referência do serviço/artigo;
• Designação do serviço;
• Quantidade;
• Preço unitário do serviço/artigo;
• Numeração das facturas/recibos;
• Data da factura;
• Hora do processamento da factura/recibo.
As facturas/recibo constantes da base de dados são compostas por linhas que, correspondem à saída de determinado serviço/artigo. Assim, uma factura/recibo poderá ter várias linhas, de acordo com a execução do serviço para as respectivas mesas.
As facturas/recibo apresentam uma numeração sequencial com início no dia 02.01.2004, como n°2667 e terminam no dia 26/05/2007 com o n.°26831.
Contudo nesta base de dados, constam também facturas/recibo, às quais sistematicamente se atribuiu o n.° “zero” e que se vão passar a designar de “facturação/recibo - ZEROS, e cujas linhas indicam serviços/artigos e valores, que correspondem a efectivas prestações de serviços de restaurante, que não foram registadas na contabilidade.
III.2 - Discoteca
O ficheiro sobre o qual recaiu a análise foi o GERALBT.DBF, que se encontrava no Posto Touran-1, dentro do directório “Gesdisco”.
Da análise à base de dados verificou-se que a mesma contém as seguintes colunas:
• Referência do serviço/artigo;
• Designação do serviço;
• Quantidade;
• Preço unitário do serviço/artigo;
• Numeração das facturas/recibos;
• Data da factura;
• Hora do processamento da factura/recibo.
As facturas/recibo constantes da base de dados são compostas por linhas que, correspondem à saída de determinado serviço/artigo. Assim, uma factura/recibo poderá ter várias linhas, de acordo com a execução do serviço para as respectivas mesas.
As facturas/recibo apresentam uma numeração sequencial com início no dia 01.07.2006, com o n.°63805 e terminam no dia 26/05/2007 com o n°137220.
Contudo nesta base de dados, constam também facturas/recibo, às quais sistematicamente se atribuiu o n.° “zero” e que se vão passar a designar de “facturação/recibo - ZEROS”, e cujas linhas indicam serviços/artigos e valores, que correspondem a efectivas prestações de serviços de restaurante, que não foram registadas na contabilidade.
Em face do exposto, foi determinado um volume de serviços prestados superior, (considerando facturas/recibo numerados, mais as facturas/recibo-ZEROS), comparativamente com os valores declarados da base tributável constante das declarações periódicas de IVA do 1°T/2004 até ao 2°T/2007 e dos serviços prestados contabilizados nos referidos meses.
Deste modo, apurou-se os seguintes serviços prestados, omitidos à contabilidade da sociedade Empreendimentos Turísticos ..., Lda., conforme documento anexo - n°1. - cf. teor de fls. 43 a 44 do PRG, correspondente ao RIT, apenso aos autos.
25.° - Assim, tendo em consideração o valor dos serviços prestados omitidos apurados no doei, anexo ao RIT, foram efectuadas as seguintes correcções meramente aritméticas para efeitos de tributação em IRC:
Ano de 2004 - apuramento da correcção para o IRC
1. Vendas Omitidas/Correcção 267.451,99€
2. Resultado fiscal declarado -1.167,67€
3. Resultado fiscal proposto 266.284,32€
Ano de 2005 - apuramento da correcção para o IRC
1. Vendas Omitidas/Correcção 174.11 835€
2. Resultado fiscal declarado 2.372,72€
3. Resultado fiscal proposto 176.491,07€
Ano de 2006 - apuramento da correcção para o IRC
1. Vendas Omitidas/Correcção 504.455,71€
2. Resultado fiscal declarado 13.358,93€
3. Resultado fiscal proposto 517.814,64€ - cf. teor de fls. 44 do PRG, correspondente ao RIT, apenso aos autos.
26.° - A ora impugnante exerceu o seu direito de audição nos termos do art.60°, da LGT e art.60° do RCPIT- cf. teor de fls. 45 do PRG, correspondente ao RIT, apenso aos autos.
27.° - Foram mantidas as correcções efectuadas cf. teor de fls. 46 do PRG, correspondente ao RIT, apenso aos autos.
28.° - Em 31.10.2008 a ora impugnante deduziu Reclamação Graciosa contra as liquidações objecto da presente impugnação judicial - cf. teor de fls. 72 do PRG, apenso aos autos.
29.° - Por despacho de 16.04.2009, a referida reclamação foi indeferida.
30.° - Do qual apresentou Recurso Hierárquico - cf. teor de fls. 102 a 126 do PRG, apenso aos autos.
31.º - O qual foi indeferido, por despacho de 22.03.2010- cf. teor de fls. 143 do PRG, apenso aos autos.
33.° - A presente impugnação deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal em 12.07.2010 - cf. teor do print informático de fls.3 dos autos».

E mais se deixou consignado na sentença:

«Com relevância para a decisão da causa, não existe matéria de facto julgada não provada.
Motivação.
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada do RIT e restantes documentos juntos aos autos e ao processo administrativo apenso ao processo, que não foram impugnados e na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art.74°, da Lei Geral Tributária (LGT)), também se encontram corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76°, n°1, da LGT e 362° e seguintes do Código Civil (CC)), identificados em cada um dos factos.
O Tribunal teve ainda em consideração os depoimentos das testemunhas da Fazenda Pública, J… e P…, inspectores tributários, uma vez, que, os seus depoimentos se revelaram credíveis e isentos, tendo ao longo dos mesmos, descrito a motivação ria realização da acção inspectiva em causa nos presentes autos, a recolha por si efectuada do suporte informático da contabilidade da impugnante e sua análise, reiterando com firmeza as diligências e conclusões descritas no RIT.
A restante matéria de facto alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou pura e simplesmente não apresentar relevância para a decisão da causa.
Relativamente ao depoimento das testemunhas da impugnante, os mesmos não serão valorados, tendo em conta que, não foram invocados pela impugnante factos susceptíveis de prova testemunhal».

A Recorrente assaca à sentença erro de facto.

Pretendia a Recorrente que este tribunal procedesse à reapreciação da prova testemunhal, uma vez que, a seu ver, os depoimentos das testemunhas, cujos segmentos relevantes transcreve nas alegações, são de modo a evidenciar a falta de aderência dos dados registados no seu “software” de facturação à sua realidade económica, nomeadamente, no que aos serviços prestados respeita. E perante essa evidência, nenhuma conclusão se podia retirar quanto à omissão de vendas com base nesses dados, a não ser por inferência, que foi o que a Administração tributária fez.
É certo que as testemunhas – A…, P… e D…– referem menor movimento, ou volume de transacções do estabelecimento comercial nos meses de Verão, sendo que a base de dados reflecte precisamente um maior volume de facturação reportado a esses meses.

Todavia, o depoimento das testemunhas não se revela suficientemente convincente, sobretudo o argumento transversal de que “o pessoal ia para férias”, pois de acordo com as regras da experiência comum, de que o tribunal não se pode alijar na valoração da prova, sabe-se que tal período corresponde àquele em que não só os emigrantes, como também gente da terra a viver noutras paragens, regressa para férias e gera movimento e animação em largos sectores da actividade económica local (Santo Tirso), incluindo a restauração.

Ou seja, à falta de melhor prova, tais depoimentos não são suficientemente convincentes para dar como assente o facto material de que nos meses de Verão, ou durante a época balnear, o estabelecimento da impugnante/ Recorrente regista menos movimento e menor número de transacções, ao contrário do que evidencia a sua base informática de dados, a que recorreu a Administração tributária.

Outrossim, pretendia a Recorrente a consideração de custos reportados ao excesso de proveitos contabilizado, por via correctiva, pela Administração tributária. Sendo certo que para efeitos de IRC, a prova dos custos não está sujeita a limitações de ordem probatória, admitindo-se qualquer meio de prova, a verdade é que, unicamente assente no depoimento de testemunhas desacompanhado de qualquer suporte documental (bem que de documento de despesa se não trate), tal prova dificilmente poderá ser alcançar e nas alegações a Recorrente limita-se a transcrever excertos do depoimento do Sr. Contabilista da empresa opinando sobre o erro e incongruência do resultado decorrente da falta de associação de quaisquer custos aos proveitos que a Administração tributária veio a fixar, sem nada referir de concreto e relevante. Ou seja, nenhum elemento de prova suporta a afirmação da existência de custos (e quais sejam) para além dos contabilizados pela empresa impugnante, pelo que também este facto não pode ser levado ao probatório.

Pelo que não se verifica o apontado erro de julgamento de facto, sendo de manter o probatório da sentença nos termos em que foi fixado.

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Pretende a Recorrente que a método de que a Administração tributária se serviu para quantificar a obrigação de imposto impunha-lhe a abertura do procedimento de avaliação indirecta.

Tal como se prevê no n.º1 do art.º81.º da Lei Geral Tributária, «A matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei».

Por outro lado, decorre disposto no n.º1 do art.º85.º da LGT que “A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa”.

A subsidiariedade da avaliação indirecta e a preferência pelos elementos objectivos de quantificação em detrimento dos subjectivos radicam no princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real (artigo 104.º n.º 2 da Constituição) – cf. Acórdão do STA, de 12/10/2011, proferido no proc.º524/11.

O artigo 87º, nº1 da LGT consagra os casos em que pode ter lugar a avaliação indirecta, dispondo que a mesma só pode efectuar-se, nos termos da sua alínea b) e entre outras hipóteses que para o caso não relevam, perante a constatação da “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”.

No caso vertente e de acordo com o que resulta do probatório é que em acção inspectiva constatou a Administração tributária, partindo dos elementos constantes da base de dados do sistema informático (“software” de facturação) do próprio sujeito passivo, ora Recorrente, a existência de facturas/recibos não lançadas como proveito na contabilidade.

Ou seja, temos que a Recorrente não lançou na contabilidade, nem declarou, como devia, os valores por si apurados no período em causa, no que aos proveitos respeita.

A desconsideração de valores, decorrentes de prestações de serviços reflectidos no “software” de facturação do próprio sujeito passivo e aí perfeitamente identificados (cf. pontos III.1 – Restaurante e III.2 – Discoteca do relatório de inspecção tributária a fls.40 do apenso instrutor), determina que os mesmos não possam deixar de se reflectir positivamente na determinação da respectiva matéria tributável.

Foi nesta linha de raciocínio que a sentença decidiu, tendo deixado consignado o seguinte: “A AT apurou as diferenças entre o valor dos proveitos relevados na contabilidade, obtido através da análise das bases tributáveis declaradas para efeitos do IVA, e o valor dos proveitos obtidos, constante nos registos auxiliares utilizados para a emissão das facturas/recibos, ou sejam, as bases de dados do sistema informático; procedendo deste modo a uma rectificação do resultado líquido que, veio a rer repercussões nos resultados fiscais”.

No caso em apreciação, a recuperação dos valores de facturação constantes do “software” informático do contribuinte reintegrando-os na contabilidade, em proveitos, basta-se com o recurso a meras correcções técnicas, por via das quais tais operações serão relevadas.

Com efeito, no caso, e com base em dados recolhidos junto da própria Recorrente, foi possível autonomizar e delimitar os factos, as operações em causa. Assim sendo, o apuramento da matéria colectável não podia deixar de fazer-se, com base na contabilidade do contribuinte, procedendo-se à relevação de tais operações não contabilizadas, nem declaradas.

Daquilo que se trata é, pois (e ainda), de lançar mão da avaliação directa da matéria tributável, método a que o legislador deu clara preferência no nosso sistema tributário.

Como se salienta no Acórdão do TCA Sul, de 13/03/2014, proferido no proc.º06854/13, «Em bom rigor, não é a verificação de toda e qualquer anomalia na contabilidade que determina, por si só, a aplicação de métodos indirectos. Decisivo, para tal efeito, é que as anomalias e incorrecções detectadas obstaculizem o apuramento directo da matéria tributável, surgindo o recurso à avaliação indirecta como um meio de natureza restrita e excepcional».

No mesmo sentido, pode ver-se o Acórdão deste TCA Norte, de 18/11/10 proferido no proc.º00144/02.TFPRT12, em que se deixou relevantemente consignado: “porque viável se mostra a determinação da matéria tributável de forma directa, seria manifestamente ilegítimo o recurso a métodos indirectos (na terminologia legal anterior, métodos indiciários) para efectivar tal determinação, atento o carácter subsidiário destes últimos que resulta, claramente, da norma do artigo 51º, nº 2 do CIRC na redacção aqui aplicável e dos artigos 81º e 85º, nº 1 da LGT (sublinhe-se que isto mesmo também já resultava do disposto no artigo 81º do CPT)”.

Não se verificando os pressupostos para a utilização de métodos indirectos, a determinação da matéria tributável faz-se de acordo com as regras próprias do imposto em causa, levando a que os valores em falta sejam corrigidos através de correcções técnicas.

Foi o que sucedeu no caso em análise, pelo que, tendo a sentença decidido no mesmo sentido, fê-lo de acordo com a lei, não incorrendo no apontado erro de julgamento.

Outrossim, pretende a Recorrente que tendo a Administração tributária recuperado para a contabilidade os valores de facturação reflectidos no seu “software” informático, impunha-se-lhe também a consideração dos custos necessários para a obtenção daquela diferença de proveitos (contabilizada e recuperada para a contabilidade por via de correcção).

Mas não tem razão. Como vimos, situamo-nos no domínio das correcções técnicas, pelo que a Administração tributária não tem de presumir quaisquer custos associados a valores facturados que não tinham sido levados a proveitos na contabilidade.

Era o contribuinte (ou seja, a Recorrente) que tinha de fazer prova dos custos que alega e que pretenderia ver considerados como componente negativa do lucro tributável por via da correcção dos proveitos. Com efeito, dispõe o n.º1 do art.º16.º do Código do IRC que “a matéria colectável é, em regra, determinada com base na declaração do contribuinte…”. E tais declarações gozam da presunção de veracidade decorrente do disposto no art.º75.º, da LGT.

Se o contribuinte, afinal, incorreu em custos com compras (matéria-prima e fornecimento de serviços externos – cf. art.º23.º, do Código do IRC) que não declarou nem reflectiu na contabilidade, a si incumbe fazer, nos termos gerais de direito (cf. artigos 74.º, n.º1 da LGT e 341º e 342.º, n.º1, do Código Civil), prova desses custos que pretende ver deduzidos ou reflectidos como componente negativa do lucro tributável, nomeadamente, juntando aos autos a documentação relativa a tais despesas (v.g., facturas de compras).

Tal prova – de custos efectivos não levados à contabilidade – não pode alcançar-se unicamente com base no depoimento de testemunhas, tem de ser suportada documentalmente ou, pelo menos, complementada com elementos de prova documental ainda que não tenham a natureza de documentos típicos de despesa.
Ora esse ónus de prova, a Recorrente manifestamente não cumpriu, o que se compreende dentro da sua linha argumentativa no sentido de que a Administração tributária procedeu à quantificação da obrigação de imposto “por inferência”, sem abrir mão do correspondente procedimento de avaliação indirecta. Argumento que, como vimos, caiu por terra.

Improcede também este segmento do recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente.

Porto, 26 de Fevereiro de 2015
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro