Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01710/05.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/29/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
Sumário:I - Em face da previsão normativa contida no artigo 297.° do Código Civil, a aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos de prescrição de obrigações tributárias não determina a aplicação de um ou outro regime em bloco, pois o preceito só se refere à lei que altere o prazo, e não a tudo o mais que releva para o seu curso.
II - Para determinar se o prazo de prescrição aplicável é o do CPT ou o da LGT apenas há que verificar se, no caso concreto, em 1 de Janeiro de 1999, faltava menos tempo para se completar o prazo de prescrição de 10 anos previsto na lei antiga comparado com o de 8 anos previsto na lei nova.
III - Definido o prazo de prescrição aplicável, há que apurar se ele já decorreu perante a verificação de factos com efeito interruptivo ou suspensivo previstos na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com a regra contida no artigo 12.º do Código Civil.
IV - No domínio da LGT a instauração da execução deixou de constituir facto interruptivo da prescrição (artigo 49.º), passando a relevar, como acto interruptivo, a citação dos executados.
V - A citação do executado interrompe o decurso do prazo prescricional, revestindo, todavia, um efeito meramente suspensivo no caso de paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à autuação da execução, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 49.º da LGT, antes da entrada em vigor da Lei n.º53-A/2006, de 29 de Dezembro que o revogou.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:Z...
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
1. Relatório
A Fazenda Pública, não se conformando com a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente, com fundamento na prescrição da obrigação tributária, a oposição que foi deduzida por Z… contra a execução fiscal nº 3379-01/100201.5 e apensos, a correr termos no Serviço de Finanças do Porto 4, instaurada para cobrança coerciva de dívidas de IVA dos anos de 1995, 1996, 1997 e 1998, dela veio interpor o presente recurso.
A culminar as respectivas alegações, formulou a Recorrente as seguintes conclusões:
“A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a oposição deduzida por prescrição das dívidas de IVA relativas aos exercícios de 1995 a 1998.
B. A douta decisão recorrida não valorou devidamente elementos de facto absolutamente necessários para a boa solução da causa, determinantes da interrupção e da suspensão do prazo de prescrição em crise.
C. Ao não considerar essa factualidade, não tomou em conta, nomeadamente, dados relevantes para ponderar o efeito suspensivo autónomo do prazo prescricional que opera por via do art° 49°, n°3 da LGT, na redacção aplicável, dada pela Lei n° 100/99, de 26/07.
D. Este normativo tem aplicação por ser a lei em vigor à data do surgimento do efeito suspensivo nele previsto, dimanado da instauração de impugnação judicial deduzida pela ora reclamante, em conformidade com art° 12°, n°2 do CC
E. De igual modo não valorou devidamente a douta sentença os acontecimentos do PEF em crise, nem a contagem do prazo para efeitos dessa prescrição, não atendendo ao facto de, mau grado o efeito interruptivo da instauração do processo de execução fiscal, da prestação da garantia ter cessado, ainda que se considerasse por paragem desses processos por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, subsistir o efeito suspensivo do prazo prescricional determinado pelo mencionado n°3 do art° 49° da LGT.
F. Caso assim não fosse, teria constatado o Tribunal a que que ainda não foi atingido o limite previsto no artº 34°, n° 1 do CPT.
G. Em conclusão, não se verificando a prescrição da dívida, a douta decisão recorrida padece de erro no julgamento da matéria de facto, porquanto errou na selecção da factualidade relevante para decidir da questão prejudicial da prescrição, não valorando correctamente a matéria de facto dada como provada e resultante dos elementos constantes dos autos.
H. E errou ainda na aplicação do direito, pois, decidindo como decidiu, fez errada interpretação das normas aplicáveis in casu, nomeadamente as que regem a aplicação das normas tributárias que se sucedem no tempo, no atinente ao instituto da prescrição das obrigações tributárias, ou seja, os art°s 12° da LGT e, subsidiariamente, 12° do CC.
Nestes termos,
Deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências”.
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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Norte emitiu parecer no sentido de “o recurso apenas procederá relativa à decisão da prescrição dos tributos em execução, caso se entenda que deve ser aceite pela pretensa violação de todos os normativos que regulam a prescrição dos tributos”.
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Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.
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Como é sabido, o objecto do recurso é balizado pelas conclusões das alegações do recurso, com ressalva das questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração.
A Recorrente põe em causa, desde logo, o julgamento da matéria de facto, por considerar que o Tribunal recorrido errou na selecção da factualidade relevante para decidir da questão prejudicial da prescrição, não valorando correctamente a matéria de facto dada como provada e resultante dos elementos constantes dos autos.
Mau grado a pouca clareza das alegações e conclusões do recurso, ainda assim, da sua leitura se pode perceber que a Recorrente pretende que o Tribunal faça incluir na matéria de facto a circunstância de ter sido prestada, em 11/08/05, uma garantia na execução fiscal a que respeita a presente oposição – cfr. pontos 10 e 25 das alegações e conclusão E. Será esta, pois, a primeira questão a apreciar e decidir.
Como segunda questão a decidir importará saber se a sentença recorrida errou no julgamento ao ter considerado prescrita a obrigação tributária correspondente à dívida exequenda e, consequentemente, ao ter julgado procedente a oposição deduzida com a inerente extinção da execução fiscal nº 3379-01/100201.5 e apensos.
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2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.
1 - Em 02/02/2001, foi instaurada execução fiscal contra o ora oponente, sob o n.º 3379-01/100201.5, por dívidas relativas a IVA, referentes aos anos de 1995, 1996, 1997 e 1998.
2 - Em 07/03/2005, o ora oponente foi citado no âmbito deste processo de execução fiscal – cfr. fls. 230 do processo apenso.
3 - Neste processo de execução fiscal não foram promovidas quaisquer diligências desde a citação até 01/02/2007 – cfr. fls. 284 do processo de execução fiscal.
4 - O processo de execução fiscal n.º 3379-01/100829.3, instaurado em 23/07/2001 contra o ora oponente, por dívida de IVA, relativa ao ano de 1997, mostra-se apensado ao processo n.º 3379-01/100201.5.
5 - A entrada da presente oposição foi registada no serviço de finanças de Porto – 4 em 07/04/2005 – cfr. carimbo aposto no rosto da petição inicial a fls. 2 dos autos.
Resultou a convicção do Tribunal da análise dos documentos juntos autos, sendo os factos relativos à execução de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 514.º do Código de Processo Civil (CPC), resultando da análise dos processos executivos juntos aos autos”.
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Ao abrigo do disposto no artigo 712° do CPC, por a entendermos pertinente para a decisão a proferir, adita-se, ainda, a seguinte matéria de facto resultante da análise do PEF apenso:
6 – Em 07/02/07, foi o executado notificado para prestar garantia no processo de execução, no prazo de 15 dias (cfr. fls. 294 e 295 do PEF apenso).
7 - Em 22/06/10, o SF do Porto-4 lavrou informação no processo executivo nº 3379-01/100201.5 e apensos com o seguinte teor (cfr. fls. 305 do PEF apenso):
“Em 17/06/10 foram os presentes autos remetidos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a este serviço para efeitos de consulta.
Verificou-se assim que estes se encontravam indevidamente suspensos, uma vez que não foi prestada qualquer garantia nem solicitada a sua dispensa (o sublinhado é nosso).
Consultados os diversos sistemas informáticos verificou-se não existirem bens penhoráveis em nome da executada, e o rendimento proveniente do trabalho dependente já se encontra penhorado à ordem do Serviço de Finanças de Gondomar 1”.
8 - O processo de execução fiscal nº 3379-01/100829.3, a que se reporta o ponto 4 supra, foi apensado ao processo nº 3379-01/100201.5 em 13/10/04 (cfr. fls. 236 do PEF apenso).
9 - As liquidações subjacentes à dívida exequenda não foram objecto de reclamação graciosa ou impugnação judicial (cfr. informação oficial do SF do Porto-4, a fls. 235 a 237 do PEF apenso).
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Importa, desde já, apreciar a primeira questão que deixámos enunciada e que se prende com o invocado erro no julgamento da matéria de facto. Em causa está a não consideração pelo Tribunal a quo do facto de ter sido prestada uma garantia em 11/08/05.
Vejamos.
Este facto que a Recorrente pretende ver considerado não se mostra minimamente comprovado. Pelo contrário, e tal como resulta da matéria de facto que aditámos ao probatório (concretamente no ponto 7), o que se extrai do PEF (cfr. informação de fls. 305) é que os autos de execução fiscal, conforme informação do SF, se encontravam indevidamente suspensos, uma vez que não foi prestada qualquer garantia nem solicitada a sua dispensa.
De resto, a análise dos autos de execução permite concluir, sem margem para dúvidas, que nenhuma garantia foi prestada na execução, apesar de o executado ter sido notificado do seu valor e para a prestar. Igualmente se conclui que não foi requerida a dispensa de prestação da garantia.
Para mais, percebe-se mal a indicação da Recorrente quanto à data em que a garantia foi alegadamente prestada - 11/08/05 - quando, de acordo com os factos provados, a notificação relativa à fixação do montante da garantia a prestar só ocorreu em 07/02/07, bastante tempo depois, portanto.
Em suma, tanto basta, pois, para concluir que não se verifica o apontado erro no julgamento da matéria de facto, não se verificando a invocada insuficiência da matéria fáctica para decidir da prescrição.
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2.2. O direito
Estabilizada a matéria de facto, passemos à análise do direito.
Importa, então, apreciar e decidir quanto ao acerto do entendimento sufragado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto para julgar verificada a prescrição das obrigações tributárias correspondentes à dívida exequenda.
Já vimos que, em sede de recurso jurisdicional, a Recorrente insurge-se contra o assim decidido, defendendo que não se verificou, in casu, a prescrição da dívida em cobrança coerciva, pelo que a oposição não podia, como foi, ter sido julgada procedente.
Vejamos, tendo presente, como dissemos, que estão em causa dívidas de IVA dos anos de 1995 a 1998.
A lei reguladora da prescrição da dívida tributária é a que vigorar à data da sua constituição. Todavia, nos termos do disposto no artigo 297º do CC, a lei que estabelece um prazo mais curto que o fixado em lei anterior é, também, aplicável aos prazos que já estejam em curso, salvo se segundo a lei anterior faltar menos tempo para o prazo se completar, contando-se, então, o prazo a partir da entrada em vigor da nova lei.
Ora, o Código de Processo Tributário (CPT) previa, no seu artigo 34º, nº1, um prazo de prescrição de dez anos (nº 1), cujo termo inicial se contava a partir do início do ano seguinte àquele em que os factos tributários tivessem ocorrido (nº 2). Porém, com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária (LGT), em 1 de Janeiro de 1999, esse artigo do CPT foi expressamente revogado e a matéria da prescrição passou a estar regulada na LGT, sofrendo o prazo de prescrição um encurtamento para oito anos (art.º 48.º). O Dec.Lei n.º 398/98, de 17.12, diploma que aprovou a LGT, estabeleceu, no artigo 5.º, que, com excepção dos impostos abolidos, se aplicava ao novo prazo de prescrição o disposto no referido artigo 297.º do Código Civil.
Tal significa que, embora o regime da prescrição previsto na lei nova (LGT) seja o aplicável a partir da vigência desse diploma, o prazo aí previsto pode não o ser, pois que havendo concorrência temporal de dois prazos com a virtualidade de se aplicarem, há que aplicar aquele que em primeiro lugar se completar, embora a aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais não determine a aplicação de um ou outro regime em bloco.
Assim sendo, o que importa verificar é se, no caso concreto, em 1 de Janeiro de 1999, faltava menos tempo para se completar o prazo de prescrição de 10 anos previsto na lei antiga em comparação com o de 8 anos previsto na lei nova, caso em que se deixará de aplicar este novo prazo previsto na LGT.
Respeitando as obrigações tributárias a IVA dos anos de 1995, 1996, 1997 e 1998, o prazo prescricional iniciou-se em 01/01/96, 01/01/97, 01/01/98 e em 1/01/99, respectivamente, e decorreu sem detenção até à data da entrada em vigor da LGT, em 1/01/99, dada a inexistência de qualquer facto interruptivo ou suspensivo até essa altura.
Assim, temos que:
- quanto ao IVA do ano de 1995, cujo prazo de prescrição se iniciava em 1/01/96 (início do ano civil seguinte aquele em que ocorreu o facto tributário), constata-se que em 1 Janeiro 1999 (data do início da vigência da LGT) faltava menos tempo para se completar o prazo de prescrição da lei antiga relativamente à lei nova, pois que, nessa data, já haviam decorrido 3 dos 10 anos do prazo prescricional. Os 7 anos restantes são, pois, um período menor que os 8 anos previstos na LGT.
- no que respeita ao IVA do ano 1996, cujo prazo começou a correr em 1/01/97, constata-se que, em 1 Janeiro 1999, faltava o mesmo tempo para se completar o prazo de prescrição da lei nova e da lei antiga.
- no que se refere ao IVA dos anos 1997 e 1998 faltava, segundo o regime da LGT menos tempo para se completar esse prazo prescricional.
Assim, à excepção do IVA de 1995, a que se aplicará o prazo de 10 anos do CPT, tem-se por a assente que será aplicável às dívidas em cobrança – de 1996, 1997 e 1998 - o prazo de prescrição de oito anos previsto na LGT.
Definido que o prazo de prescrição aplicável (o de oito anos previsto na LGT, no caso das dívidas de 1996 a 1998 contado a partir da entrada em vigor desta Lei - e o de dez anos previsto no CPT, no caso da dívida de 1995), vejamos, então, se ele já decorreu perante a ocorrência de factos com efeito interruptivo ou suspensivo previstos na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com a regra contida no artigo 12º do Código Civil.
Como vem decidindo a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Administrativo as causas de interrupção ou suspensão da prescrição atendíveis para o cômputo em concreto do prazo de prescrição são as previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, e não, as previstas na lei cujo prazo for aplicável, independentemente do momento em que tais factos se tenham efectivamente verificado.
Para facilitar a exposição, tenhamos presente, desde já, o teor dos artigos 48º e 49º da LGT, dando conta das diversas alterações sofridas até à redacção actual.
Os artigos 48º e 49º da LGT, na sua redacção inicial, dispunham:
Artigo 48º
«Prescrição
1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
2 - As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.
3 - A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5º ano posterior ao da liquidação.»
Artigo 49º
«Interrupção e suspensão da prescrição
1 - A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso.»
A Lei nº 100/99, de 26/6, alterou os nºs. 1 e 3 deste artigo 49º, os quais ficaram a ter a seguinte redacção:
«1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.»
Posteriormente, a Lei nº 55-B/2004, de 30/12, alterou o nº 1 daquele artigo 48º da LGT, o qual ficou com a redacção seguinte:
«1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.»
Por fim, a Lei nº 53º-A/2006, de 29/12, veio alterar o citado artigo 49º da LGT, tendo sido revogado o seu nº 2, alterada a redacção do seu nº 3 e aditado o actual nº 4.
Assim, a actual redacção desse preceito é a seguinte:
«1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 – Revogado
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
4 - O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.»
Visto que está o período a que as dívidas respeitam e o quadro normativo, há que aplicar a lei aos factos para, assim, podermos concluir sobre o acerto, ou desacerto, da decisão recorrida.
Assim, e retomando o caso, o prazo de prescrição iniciou-se em 01/01/1996 (IVA de 1995) e em 1/01/99 (IVA de 1996, 1997 e 1998). Deste modo, em princípio, o termo do prazo de prescrição ocorreria, respectivamente, em 01/01/06 e em 01/01/07.
No entanto, há que ponderar a eventual ocorrência de factos interruptivos e/ou suspensivos da prescrição, se forem susceptíveis de influir no decurso do prazo. Por força do disposto no nº 2 do artigo 12º do CC, e como se referiu, serão de aplicar os factos (interruptivos/ suspensivos) previstos na lei vigente à data que tiverem ocorrido.
Na sentença recorrida considerou-se, e bem, como único facto interruptivo da prescrição a citação do executado, ocorrida em 07/03/05. Com efeito, contrariamente ao que defende a Recorrente na conclusão E das alegações de recurso, não há aqui a considerar qualquer efeito interruptivo decorrente da instauração da execução fiscal, ocorrida em 2001, porquanto no domínio da LGT a instauração da execução deixou de constituir facto interruptivo da prescrição (artigo 49.º da LGT). Também não se alcança o pretendido na conclusão D das alegações do recurso com a referência à instauração de impugnação judicial deduzida pela ora reclamante, posto que não foi deduzida qualquer impugnação pelo oponente (e não reclamante), como resulta da factualidade assente.
No caso, em 07/03/05 o executado, ora Recorrente, foi citado para a execução fiscal nº nº 3379-01/100201.5 e aps. A citação é, nos termos do artigo 49º, nº1 da LGT (na redacção dada pela Lei nº 100/99, de 26/07), facto interruptivo da prescrição das dívidas, daí decorrendo a inutilização de todo o período de prescrição anteriormente decorrido (nº 1 do artigo 326º do CC), começando a partir desta data a contagem de um novo prazo.
Sucede, porém, como se retira do probatório, que o processo de execução fiscal nº 3379-01/100201.5 e aps esteve parado, por facto não imputável ao executado, entre 07/03/05 e 01/02/07, ou seja, o processo parou por mais de um ano.
Ora, em face do n.º 2 do artigo 49º da LGT (na redacção inicial), “A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.
Portanto, nos termos do artigo 49º, nº1 da LGT, a citação interrompe a prescrição; porém, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, na redacção inicial, este efeito cessava se o processo estivesse parado por mais de um ano por facto não imputável ao sujeito passivo.
É certo que a Lei nº 53-A/2006, de 29/12 (Lei do Orçamento do Estado para 2007), revogou o mencionado nº 2 do artigo 49º da LGT, pelo que ficaram arredadas as consequências da paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte e, como tal, a transformação do efeito interruptivo em suspensivo que, nos termos vistos, decorria do apontado nº 2 do artigo 49º da LGT.
No entanto, de acordo com o artigo 91º da Lei nº 53-A/2006, a “revogação do nº 2 do artigo 49º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo (sublinhado nosso). Tal diploma legal entrou em vigor no dia 01/01/07, tal como resulta do seu artigo 163º.
Quer isto dizer, pois, que “se tal paragem não ocorreu até 31-12-06, nos processos a que se aplica este novo regime, a interrupção da prescrição tem sempre o seu efeito próprio de inutilizar o tempo já decorrido e esse efeito não é destruído por eventual paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte”vide, Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2ª ed., 2010, p. 70.
Ora, no caso, a paragem do processo de execução fiscal por mais de um ano ocorreu até 31/12/06, em concreto o termo desse ano completou-se em 07/03/06.
Assim sendo, como resulta daquilo que ficou dito, a interrupção da prescrição “degradou-se” em mera suspensão do respectivo prazo (ex vi nº 2 do artigo 49º da LGT, então vigente), voltando este a correr uma vez completado um ano após a paragem e somando-se ao prazo posteriormente decorrido o que tiver decorrido entre o termo inicial do prazo (01/01/96 ou 01/01/99, conforme os casos) e a data da autuação dos processos de execução Ainda que, como no caso, o facto interruptivo da prescrição tenha sido a citação, a letra do artigo 49º, nº2 da LGT era clara ao definir que no caso de paragem do processo por período superior a um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo, o facto com potencialidade interruptiva, qualquer que ele seja, passa a ter um efeito meramente suspensivo, contando-se o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à autuação (e não até à citação, como, por vezes, se vê defendido) – vide, neste sentido, o acórdão do STA, de 14/04/10, proferido no processo 0167/10. (note-se que, neste ponto, não acompanhamos a sentença recorrida que, para estes efeitos, considerou relevante o tempo decorrido entre o termo inicial do prazo de prescrição e a data do facto interruptivo, a citação ocorrida em 07/03/05. Seja como for, como se constatará, esta divergência não altera a conclusão quanto à verificação, in casu, da prescrição).
Como se vê e como, aliás, já tínhamos avançado anteriormente, não há aqui que considerar que a execução esteve parada por facto imputável ao executado, designadamente por ter sido prestada garantia com vista à suspensão da execução. Contrariamente àquilo que a Recorrente pretendia ver aqui considerado, os factos mostram que os autos execução fiscal se encontravam indevidamente suspensos, uma vez que não foi prestada qualquer garantia nem solicitada a sua dispensa. Portanto, repete-se, no caso, a paragem do processo de execução não é imputável ao executado, não sendo aqui de aplicar o disposto no artigo 49º, nº3 da LGT quanto ao efeito suspensivo, como pretende a Recorrente.
Tudo isto visto e caminhando para uma conclusão, dir-se-á, quanto a cada uma das dívidas em cobrança coerciva no processo de execução fiscal nº 3379-01/100201.5 e apensos, que:
IVA de 1995
- Entre 1.1.96 (termo inicial de contagem do prazo de prescrição, de 10 anos) e 02/02/01 (data da instauração da execução fiscal nº 3379-01/100201.5), decorreram 5 anos, 1 mês e 1 dia. Se a tal somarmos o tempo decorrido a partir de 7/03/06 (data em que se completou um ano de paragem do processo executivo) e até à presente data, temos que decorreu um período superior a 6 anos. A soma desses dois períodos excede largamente 10 anos (o prazo de prescrição aqui aplicável é o do CPT), donde se conclui ter já decorrido o prazo de prescrição aplicável.
IVA de 1997 a 1999
- Entre 1/01/99 (termo inicial de contagem do prazo de prescrição previsto na LGT) e 02/02/01 (data da instauração da execução fiscal nº 3379-01/100201.5), decorreram 2 anos, 1 mês e 1 dia. Se a tal somarmos o tempo decorrido a partir de 7/03/06 (data em que se completou um ano de paragem do processo executivo) e até à presente data, temos que decorreram mais 6 anos e 22 dias. A soma dos períodos assinalados perfaz mais de 8 anos, donde se conclui ter decorrido o prazo de prescrição previsto na LGT.
Por último, o IVA de 1997 exigido no processo 3379-01/100829.3 (posteriormente apensado ao processo 3379-01/100201.5), temos que:
- Entre 1/01/99 (termo inicial de contagem do prazo de prescrição previsto na LGT) e 23/07/01 (data da instauração da execução fiscal nº 3379-01/100829.3), decorreram 2 anos, 6 meses e 23 dias. Se a tal somarmos o tempo decorrido a partir de 7/03/06 (data em que se completou um ano de paragem do processo executivo nº 3379-01/100201.5) e até à presente data, temos que decorreram mais 6 anos e 22 dias. A soma dos períodos assinalados perfaz mais de 8 anos, donde se conclui ter decorrido o prazo de prescrição.
Portanto, e face ao que fica dito, conclui-se que as dívidas em cobrança coerciva no processo de execução fiscal nº 3379-01/100201.5 e aps estão efectivamente prescritas, o que, como se decidiu no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, teve como consequência a procedência da oposição e extinção da execução fiscal.
A sentença recorrida, que assim decidiu, não merece censura quanto ao sentido da decisão, sendo a mesma de manter.
3. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 29 de Março de 2012
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos
Ass. Irene Neves