Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00507/20.3BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/08/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA/CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES/ALEGAÇÃO DE SOFRIMENTO DE PERTURBAÇÃO DE STRESS PÓS-TRAUMÁTICO DE GUERRA,
EM CONSEQUÊNCIA DIRETA E EXCLUSIVA DO CUMPRIMENTO DO SERVIÇO MILITAR - NÃO VERIFICAÇÃO DE TAL CONDICIONALISMO - IMPROCEDÊNCIA DA ACÇÃO - PROVIMENTO DO RECURSO DA CGA;
Recorrente:CGA
Recorrido 1:J.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
J. propôs acção administrativa contra a Caixa Geral de Aposentações, ambos melhor identificados nos autos, pedindo a anulação da decisão impugnada, com as consequências legais; cumulativamente pediu que a Ré seja condenada a reconhecer-lhe que sofre de Perturbação de Stress Pós-Traumático de Guerra, em consequência direta e exclusiva do cumprimento do serviço militar.
Por sentença proferida pelo TAF de Penafiel foi julgada parcialmente procedente a acção e anulado o acto impugnado.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Ré formulou as seguintes conclusões:
A- Entende a Recorrente que o Tribunal “a quo” não interpretou nem aplicou corretamente a lei, ao considerar que o ato impugnado que recusou ao autor/recorrido a sua submissão a Junta médica de recurso de forma a decidir sobre a eventual atribuição de pensão ao autor por incapacidade - carece de fundamentação e de análise.
B- O direito à junta médica de recurso não é um direito absoluto e, como se encontra previsto no nº 4 do artigo 119.º do EA, conforme redação dada pelo Decreto-Lei n.º 241/98 de 7 de agosto, depende de determinados pressupostos, nomeadamente, a entrega do requerimento no prazo de 90 dias o qual deve ser devidamente fundamentado.
C- A verificação destes pressupostos é cumulativa, bastando a não verificação de um deles para não ser autorizada a junta de revisão, sendo que a apreciação da fundamentação do pedido é discricionária.
D- O ato praticado pela Direção da CGA, encontra-se devidamente fundamentado conforme resulta dos nº 1 e 2 do artigo 153.º do Código do Procedimento Administrativo, a fundamentação dos atos administrativos deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.
E- O parecer da junta médica encontra-se devidamente fundamentando, como exige o nº 3 do artigo 91.º do EA, que após análise da decisão emitida pela junta médica da CGA, em consonância com os novos elementos apresentados decidiu que a informação fornecida era semelhante à inicial, não existindo fundamentos que justificassem nova reapreciação.
F- O núcleo médico da CGA elaborou parecer, no qual se encontram fundamentadas as motivações que conduziram ao indeferimento da junta médica de recurso, onde foi decidido que os elementos apresentados não traziam factos novos suscetíveis de reapreciação do estado clínico e, considerado que as lesões apresentadas pelo A. não resultaram de acidente/doença ocorrido(a) no exercício das suas funções e por motivo do seu desempenho, de acordo com vários pareceres de Psiquiatria e avaliação psicológica no próprio exército.
G- A fundamentação nos pareceres quer da Junta Médica Única Militar, quer do médico psiquiatra Dr. R., são conformes à decisão da Junta Médica da CGA, considerando não existir nexo de causalidade com o serviço militar. (sublinhado nosso)
H- A junta médica da CGA (composta por três médicos um dos quais das Forças Armadas) é a entidade competente, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 38.º, n.º 1, al, c), 118.º e 119.º do Estatuto da Aposentação, para estabelecer o nexo causal entre a doença ou as lesões de que padecem os sinistrados e o serviço militar.
I- O nexo de causalidade não foi estabelecido, mesmo após realização de exame ao A. por médico especialista da área de psiquiatria, conforme requerido pela junta médica da CGA.
J- Os exames que são efetuados pela junta médica da CGA correspondem a uma atividade inserida na chamada discricionariedade técnica, uma vez que traduzem a aplicação dos princípios e critérios extrajurídicos, de natureza técnica, próprios das ciências médicas. Assim, os pareceres médicos são insuscetíveis de controlo jurisdicional, exigindo conhecimento especializado que o tribunal não possui.
K- Em sede jurisdicional, a anulação dos atos administrativos que, à semelhança do ato
impugnado, repousam em juízos de discricionariedade técnica só pode ser feita em casos extremos, quando o erro de apreciação se impõe de todo manifesto o que não é de modo algum o caso vertente.
Nestes termos, e com o suprimento, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a decisão recorrida (apenas em relação ao primeiro ponto da decisão), com as legais consequências.
O Autor não juntou contra-alegações.
O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
1) O autor foi incorporado em 1966-08-02 como recruta, tendo cumprido uma comissão militar na Guiné, entre 18.01.1967 e 14.02.1969, onde foi integrado na Companhia de Artilharia e posteriormente na Companhia de Caçadores, com a especialidade de atirador;
P.A., fls. 11 e ss.
2) Em 25.09.2013, o autor foi presente a Junta Médica do Hospital Militar que o considerou «incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 60% de desvalorização»;
P.A., fls. 11 e ss.
3) Em 11.09.2015, o autor solicitou a reanálise do seu processo, com o objetivo de ver reconhecido que doença do foro psíquico que padece, seja considerada como ocorrida em serviço de campanha e atento o grau de desvalorização atribuído, seja qualificado como Deficiente das Forças Armadas, baseando-se para tal no «nexo de causal entre a doença diagnosticada e o cumprimento do serviço militar»;
P.A., fls. 11
4) Em 20.10.2017, e após ter sido presente à Junta Médica Única/HFAR do Porto (dos serviços militares), o autor foi considerado «incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 60% de desvalorização, sem nexo de causalidade com o serviço militar»;
P.A., fls. 19
5) O autor solicitou Junta Médica de Recurso (JMR), por requerimento dirigido ao Chefe do Estado-Maior do Exército, - a qual foi deferida e realizada em 08.05.2018;
P.A., fls. 27 e ss.
6) A JMR, por parecer homologado em 2018-06-21, considerou que o autor sofria de “Perturbação de Stress Pós-Traumático” desde 2000, atribuindo 50% de desvalorização com nexo de causalidade com o serviço militar;
P.A., fls. 27 e ss.
7) Após o processo foi remetido para o Ministério da Defesa Nacional, tendo sido elaborado parecer a 05.02.2019 propondo que o autor não fosse qualificado como DFA «na medida em que não se encontra preenchido o requisito previsto no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de20 de janeiro»;
P.A., fls. 10 e ss.
8) Sobre o parecer referido recaiu o seguinte despacho em 05.02.2019:
P.A., fls. 10
Tendo presentes os fundamentos de facto de direito constantes no presente Parecer, não qualifico o ex-Soldado NIM (…) J. como deficiente das Forças Armadas (…).
9) O processo foi enviado para a Caixa Geral de Aposentações para atribuição de uma eventual pensão de reforma por invalidez;
P.A., fls. 29
10) Da junta médica da CGA realizada em 09.07.2019 concluiu-se que o autor deveria ser observado por um médico especialista em psiquiatria;
P.A., fls. 32
11) Após observação pelo Dr. R., médico especialista em Psiquiatria, foi emitido parecer médico e o autor foi convocado para nova data para realização da junta médica;
P.A., fls. 40 e ss.
12) A qual, foi realizada em 29.10.2019, onde foi considerado que as lesões apresentadas não resultaram de acidente/doença ocorrido(a) no exercício das suas funções e por motivo do seu desempenho;
P.A., fls. 43
13) Do resultado da junta médica realizada foi dado conhecimento ao autor, por ofício de 31.10.2019, tendo sido indeferido o requerimento de pensão de invalidez do autor e arquivado o respetivo processo;
P.A., fls. 47
14) A 03.01.2020 o autor apresentou requerimento solicitando junta médica de recurso, juntando para o efeito documentação clínica;
P.A., fls. 49 e ss.
15) Foi elaborado Parecer Médico da Área de Verificação de Incapacidades da CGA, emitido em 20.01.2020, onde se refere o seguinte:
P.A., fls. 78
Atribuição de IPP de 50% por alterações mentais orgânicas relacionadas com alcoolismo pela JSS.
Sem estabelecimento de nexo de causalidade com serviço militar de acordo com vários pareceres de Psiquiatria e avaliação psicológica no próprio exército.
Avaliado por consultor de Psiquiatria da CGA para estabelecimento de diagnóstico e eventual nexo de causalidade.
Sem critérios de SSPT.
Sem novas informações que justifiquem Junta Médica de recurso.
16) O requerimento do autor foi indeferido por despacho de 10.02.2020 da Direção da CGA, com fundamento que «a nova documentação clínica confirma o analisado e decidido pela Junta Médica anteriormente realizada».
P.A., fls. 83
O Tribunal consignou:
Factos não provados - Inexistem factos com interesse para a decisão da causa, que importe dar como não provados.
E continuou: Fundamentação da matéria de facto -
A convicção baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos, bem como junto ao P.A.. Os documentos em causa não foram impugnados e são especificados em cada um dos pontos.
DE DIREITO
Está posta em causa a sentença que acolheu, em parte, a leitura do Autor.
Atente-se no seu discurso fundamentador, na parte que ora releva:
Entende o autor que o ato impugnado não se encontra fundamentado.
Vejamos.
Nos termos do artigo 268.º, n.º 3 da CRP os atos administrativos “carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.
No desenvolvimento deste preceito constitucional, o legislador consagrou no artigo 152.º do CPA que, salvo exceções expressamente elencadas, os atos administrativos devem ser sempre fundamentados.
Por sua vez o artigo 153.º, n.º 1 do CPA estabelece que “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato.
E o número 2 do mesmo artigo refere que “equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
Deste modo, os atos administrativos só se consideram fundamentados quando a fundamentação que acompanha a decisão é: expressa, ainda que traduzida numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito, podendo esta consistir na remissão para anteriores pareceres, informações ou propostas; clara, permitindo a apreensão precisa dos factos e normas jurídicas que a sustentam; suficiente, na medida em que permita a um normal destinatário, de acordo com o critério do homem médio, conhecer, em concreto, a motivação da decisão; e congruente, devendo a decisão ser uma conclusão lógica e necessária dos motivos invocados – cfr. Acórdão do STA de 14.09.2011, Proc. 0255/11.
Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, pela sua obscuridade, contradição ou insuficiência não permitam em concreto esclarecer o destinatário do ato acerca dos motivos da decisão.
Deve considerar-se como fundamentado um ato quando complementado com um parecer, informação ou documento para que remeta ou sobre o qual foi exarado, seja possível a um destinatário normal perceber as razões pelas quais o autor do ato decidiu num determinado sentido, de modo a reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo, e poder assim, de forma voluntária e esclarecida, acatar ou reagir contra o ato – cfr. Acórdão do STA de 10.02.2010, Proc. 01122/09.
A fundamentação consiste num critério relativo, com uma função instrumental, a aferir casuisticamente em função do tipo concreto de ato e as específicas circunstâncias em que o mesmo é praticado – cfr. Acórdãos do STA de 16.12.2009, Proc. 0882/09; e do TCA Norte de 16.12.2010, Proc. 00206/08.4BEPNF.
Impõe-se ao autor do ato administrativo a exteriorização das razões ou motivos determinantes do sentido da decisão, de modo a habilitar o destinatário a conscientemente se conformar com a mesma ou reagir, expondo a sua discordância, de modo eficaz – cfr. Acórdão do STA de 23.10.2008, Proc. 0827/07.
A fundamentação reveste assim um papel instrumental relativamente ao ato, com uma dupla função de garantia: garantia (direito) do destinatário do ato de conhecer as razões subjacentes ao sentido da decisão; e garantia de transparência e legalidade.
Na vertente de garantia de transparência e legalidade da atuação administrativa, está impresso um interesse geral da comunidade de que a administração atue na prossecução do interesse público, a que está, constitucional e legalmente, obrigada nos termos do disposto nos artigos 266.º, nº 1 da CRP e 4.º do CPA.
Impõe-se, neste aspeto, à Administração a consideração das diversas normas legais e interesses, públicos e privados, subjacentes ao caso em concreto de modo a que o decisor realize uma ponderação efetiva de interesses, factos e elementos oferecidos pelos interessados e outros que sejam do seu conhecimento.
Esta ponderação deve ser tanto mais exigente quanto maior for o grau de poder discricionário ao dispor da Administração. É que quando o legislador atribui poderes decisórios à Administração, fá-lo no pressuposto de que esta, estando mais próxima dos elementos variáveis dos casos concretos, está melhor situada para realizar uma efetiva ponderação dos interesses em jogo, de modo a poder optar pela prossecução do interesse público, no respeito dos direitos e interesses dos particulares, o que nem sempre é possível pela via legislativa.
Importa então aferir se, in casu, o ato impugnado carece de fundamentação e, em caso afirmativo, se está fundamentado.
Nos termos do artigo 152.º, n.º 1, al. a) do CPA devem ser fundamentados os atos que total ou parcialmente “neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções” (sublinhado nosso).
No caso em apreço a decisão impugnada recusou ao autor a sua submissão a Junta médica de recurso de forma a decidir sobre a eventual atribuição de pensão ao autor por incapacidade.
Assim, dúvidas não há de que a decisão carece de fundamentação, por ser desfavorável à autora.
Analisada a decisão impugnada, afigura-se assistir ao autor razão quanto a este ponto.
Em primeiro lugar, porque nem no ato impugnado nem em nenhum parecer para que remeta se demonstra a realização de uma análise à documentação clínica apresentada pelo autor. Afigura-se que a entidade demandada não pode limitar-se a afirmar que a documentação não permite alterar a decisão sem que analise essa documentação.
E o parecer médico de 20.01.2020 é meramente genérico, apenas se retirando que se suportou na anterior decisão da entidade demandada, mas não se apreendendo aí qualquer análise dos elementos clínicos trazidos pelo autor.
Em segundo lugar, porque existe nos autos um elemento de fundamental relevância que contraria, absolutamente, a conclusão da junta médica da CGA e que a entidade demandada não explicada: é que o parecer técnico elaborado pelos serviços militares aponta no sentido de que o autor tem ima incapacidade permanente parcial sendo 50% dessa incapacidade atribuível ao serviço militar.
Ora, afigura-se do mais essencial e básico que a entidade demandada explicasse essa aparente contradição: a junta médica militar reconhece a existência de um nexo causal parcial entre a incapacidade e o serviço militar e a entidade demandada imputa a totalidade desse nexo causal a problemas relacionados com o alcoolismo.
De qualquer forma, a mera existência deste elemento é suficiente para demonstrar a falta de fundamentação da decisão, já que existe nos autos elemento que só por si demonstra a falta de análise e fundamentação da decisão impugnada.
Assim, é de anular o ato impugnado.

IV.2.2 – Atribuível ao autor de uma desvalorização total
Entende o autor que a doença diagnosticada ao autor deriva diretamente do cumprimento do serviço militar obrigatório.
Vejamos.
É importante desde já realçar que a decisão impugnada recusou a submissão do autor a junta médica de recurso.
Na verdade, como resulta dos factos provados, em momento algum a entidade demandada reconheceu ser de atribuir ao autor qualquer desvalorização. Portanto, ao contrário do que resulta da p.i., não é imputável à entidade demandada a alegação constante do artigo 22º da p.i.
A desvalorização de 50% referida pelo autor foi, na verdade, atribuída pelos serviços militares no âmbito do procedimento administrativo relativo à eventual qualificação do autor como DFA, o que foi indeferido, e não foi impugnado pelo autor.
Ora, não pode imputar-se à entidade demandada uma alegada ilegalidade relativa a um ato que não foi praticado por ela, mas pelos serviços militares, no âmbito de um procedimento administrativo diverso daquele em que foi praticado o ato impugnado, tanto mais que o autor nem sequer impugnou essa desvalorização que os serviços militares reconheceram com nexo causal com o serviço militar.
Assim, é de indeferir o pedido do autor quanto a este ponto.
(…).
X
Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
No caso é imputado à sentença erro de julgamento de direito.
Cremos que tem razão a Recorrente.
A sentença, como se viu, julgou parcialmente procedente a ação e anulou o ato impugnado proferido pela CGA - que recusou ao Autor a submissão a Junta médica de recurso de forma a decidir sobre a eventual atribuição de pensão ao mesmo por incapacidade - imputando-lhe o vício de falta de fundamentação e de análise.
Como alegado, o Tribunal a quo, neste ponto, não fez a melhor interpretação e aplicação da lei.

Relativamente ao segundo pedido do Autor/Recorrido - o de condenação da Ré/Recorrente a reconhecer-lhe que sofre de Perturbação de Stress Pós-Traumático de Guerra, em consequência direta e exclusiva do cumprimento do serviço militar -, foi decidido indeferi-lo, baseado, em suma, no seguinte: “não pode imputar-se à entidade demandada uma alegada ilegalidade relativa a um ato que não foi praticado por ela”, considerando a CGA/Recorrente que esta decisão não merece censura.
Ora, no que tange ao segmento objecto de recurso, apurou-se o seguinte:
- O A./Recorrido foi incorporado em 1966-08-02 como recruta, tendo cumprido comissão militar na Guiné, entre 18.01.1967 e 14.02.1969, onde foi integrado na Companhia de Artilharia e posteriormente na Companhia de Caçadores, com a especialidade de atirador;
- Em 2013-09-25, o A. foi presente a Junta Médica do Hospital Militar que o considerou “incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 60% de desvalorização”;
- A Comissão Permanente para Informações e Pareceres da Direção de Saúde - através do seu parecer n.º 450/2014, considerou que as razões expostas pela JHI “não se relacionam com o serviço militar nem são devidas ao seu desempenho”;
- Em 2015-09-11, o A. solicitou a reanálise do seu processo, com o objetivo de ver reconhecido que doença do foro psíquico que padece, seja considerada como ocorrida em serviço de campanha e atento o grau de desvalorização atribuído, seja qualificado como Deficiente das Forças Armadas, baseando-se para tal no “nexo de causal entre a doença diagnosticada e o cumprimento do serviço militar”;
- Em 2017-10-20 e após ter sido presente à Junta Médica Única/HFAR do Porto (dos serviços militares), o A. foi considerado “incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 60% de desvalorização, sem nexo de causalidade com o serviço militar”;
- O A. por não se conformar com o Parecer da JMU de 2017-11-28 solicitou Junta Médica de Recurso (JMR), por requerimento dirigido ao Chefe do Estado-Maior do Exército, - a qual foi deferida e realizada em 2018-05-08;
- A JMR por parecer homologado em 2018-06-21, considerou que o A. sofria de “Perturbação de Stress Pós-Traumático” desde 2000, atribuindo 50% de desvalorização com nexo de causalidade com o serviço militar;
- Após as diligências acima descritas, o parecer emitido pelo Ministério da Defesa Nacional, no sentido de não qualificar o A. como DFA, o processo foi remetido para esta Caixa, em 2019-05-09, para atribuição de uma eventual pensão de reforma por invalidez, nos termos do n.º 1 do art.º 119.º do Estatuto da Aposentação, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 241/98 de 7 de agosto;
- Da junta médica da CGA realizada em 2019-07-09, concluiu-se que o A. deveria ser observado por um médico especialista em psiquiatria - desta decisão o A. foi notificado em 2019-07-16;
- Após observação pelo Dr. R., médico especialista em psiquiatria, foi emitido parecer médico e o A. foi convocado para nova data para realização da junta médica;
- Da junta médica realizada em 2019-10-29, foi considerado que as lesões apresentadas não resultaram de acidente/doença ocorrido(a) no exercício das suas funções e por motivo do seu desempenho;
- O A. por requerimento de 2020-01-03 requereu junta médica de recurso, juntando para o efeito documentação clínica;
- Por Parecer Médico da Área de Verificação de Incapacidades da CGA, emitido em 2020-01-20, foi decidido não realizar junta médica de recurso com o seguinte fundamento: “Atribuição de IPP de 50% por alterações mentais orgânicas relacionadas com alcoolismo pela JSS. Sem estabelecimento de nexo de causalidade com serviço militar de acordo com vários pareceres de Psiquiatria e avaliação psicológica no próprio exército. Avaliado por consultor de Psiquiatria da CGA para estabelecimento de diagnóstico e eventual nexo de causalidade. Sem critérios de SSPT.
Sem novas informações que justifiquem Junta Médica de recurso”.
- Com base neste parecer, e após cumprimento do procedimento da audiência prévia, o pedido de junta médica de recurso formulado pelo A., foi indeferido por despacho de 2020-02-10 por delegação de poderes publicada no Diário da República, II Série, n.º 244 de 2019-12-19, com base no fundamento de que a nova documentação clínica confirma o analisado e decidido pela Junta Médica anteriormente realizada.
x
Temos assim, no que respeita ao Parecer emitido pela Médica Chefe da CGA que serviu de base ao indeferimento do pedido de Junta de Recurso formulado pelo A./Recorrido, que se verifica que o ato praticado se encontra devidamente fundamentado, conforme resulta dos nºs 1 e 2 do artigo 153º do Código do Procedimento Administrativo que dispõem que a fundamentação dos atos administrativos “deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato”.
E, note-se que a junta médica de recurso não é um direito absoluto e, como alude o n.º 4 do artigo 119.º do Estatuto da Aposentação (conforme redação aprovada pelo Decreto-Lei n.º 241/98 de 7 de agosto,) depende de determinados pressupostos, nomeadamente a entrega do requerimento no prazo de 90 dias devidamente fundamentado, com a indicação de novos factos suscetíveis de ser analisados. Sendo que, a sua apreciação e fundamentação pertencem a um campo discricionário da administração, podendo naturalmente o pedido ser recusado, não constituindo por isso qualquer ilegalidade o ato praticado.
No presente caso, o núcleo médico da CGA elaborou parecer, no qual se encontram fundamentadas as motivações que conduziram ao indeferimento da junta médica de recurso, onde foi decidido que os elementos apresentados não traziam factos novos suscetíveis de reapreciação do estado clínico e, considerado que as lesões apresentadas pelo A. não resultaram de acidente/doença ocorrido(a) no exercício das suas funções e por motivo do seu desempenho, de acordo com vários pareceres de Psiquiatria e avaliação psicológica no próprio exército.
E, analisado o parecer médico emitido no sentido de não se justificar junta médica de recurso, verifica-se nada nele existir de desrazoável, arbitrário ou inadmissível nos juízos efetuados, sendo certo que a fundamentação dos pareceres quer da Junta Médica Única Militar, quer do médico psiquiatra Dr. R., são conformes à decisão da Junta Médica da CGA que considerou inexistir nexo causal com o serviço militar.
Veja-se neste sentido o parecer da JMRM, ao verificar-se que apesar de ter sido proposto um grau de incapacidade, também considerou “que não foi possível apurar, com certeza, a existência de uma perturbação psiquiátrica relacionadas com os acontecimentos descritos, tendo em conta a existência de um processo de deterioração cognitiva, eventualmente decorrente do consumo excessivo de álcool durante vários anos (…)”.
Os exames que são efetuados pela junta médica da CGA correspondem a uma atividade inserida na chamada discricionariedade técnica, uma vez que traduzem a aplicação dos princípios e critérios extrajurídicos, de natureza técnica, próprios das ciências médicas. Assim, os pareceres médicos são insuscetíveis de controlo jurisdicional, na medida em que se situam no domínio da chamada discricionariedade técnica, exigindo conhecimento especializado que o tribunal não possui.
Em sede jurisdicional, a anulação dos atos administrativos que, à semelhança do ato impugnado, repousam em juízos de discricionariedade técnica só pode ser feita em casos extremos, quando o erro de apreciação se apresenta e exibe de todo manifesto - o que, de modo algum, é o caso concreto.
Conforme decorre expressamente da lei, cabe à junta médica da CGA (composta por três médicos um dos quais das Forças Armadas), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 38.º, n.º 1, al, c), 118.º e 119.º do Estatuto da Aposentação, estabelecer o nexo de causalidade entre a doença ou as lesões de que padecem os sinistrados e o serviço militar.
E, no caso, tal nexo não foi estabelecido, mesmo após realização - requerida pela junta médica da CGA - de exame do Autor por médico especialista da área de psiquiatria.
Impõe-se, assim, concluir que o ato impugnado não violou qualquer normativo, tendo antes observado todos os pressupostos legais. Tal equivale a dizer que não existe qualquer vício que deva ser suprido por gerador de qualquer invalidade, devendo por isso manter-se.
Em suma:
-Os pareceres elaborados pelas Comissões Médicas são insindicáveis, situando-se no domínio da “discricionariedade técnica”, não podendo o tribunal substituir-se aos peritos médicos, a não ser que se verifique um erro grosseiro ou manifesto. Além disso, como se refere no Acórdão do STA de 07/03/2002, no âmbito do proc. nº 048335, “os pareceres médicos constituem juízos periciais complexos, expressos em linguagem ultrasintética, precisa e de carácter técnico (...) sendo adequada a fundamentação que para eles remeta, mesmo que o concreto destinatário do acto os não entenda, mas desde que as respectivas conclusões possam ser conferidas por especialistas na matéria”. Também assim decidimos em 03/6/2016 no âmbito do proc. 1485/09.5BEPRT cujo sumário reza assim:
I-Os médicos relatores, os peritos que integram as comissões de verificação, de reavaliação e de recurso, bem como os assessores técnicos de coordenação, actuam com a independência técnica exigida pela sua própria função.
II-As deliberações das comissões são actos médicos, produzidos ao abrigo da discricionariedade técnica, e são relativamente insindicáveis pelo tribunal, que só pode controlar os aspectos externos e formais do acto sob pena de violar as competências próprias dos médicos e assim, o princípio da separação de poderes.
III-A tecnicidade e especialização dos conhecimentos aplicados conduz a que a fiscalização jurisdicional sobre o conteúdo das soluções se restrinja a casos - limite, a situações excepcionais em que se torna patente, mesmo a um leigo, o carácter grosseiramente erróneo dos resultados que a Administração afirma estarem fundados em regras técnicas;
III.1-só em casos extremos, de erros e desacertos manifestos, critérios ou juízos ostensivamente inconsistentes ou arbitrários, é que o Tribunal se imiscuirá no exercício da discricionariedade técnica da Administração.
-A fundamentação do acto administrativo, no que toca à clareza e suficiência, deve ter como padrão um destinatário normal, de modo a ficar habilitado a defender conscientemente os seus direitos e interesses legítimos/legalmente protegidos;
-A fundamentado não tem que ser prolixa, basta que seja suficiente;
-Dito de outro modo, é de considerar suficiente a fundamentação do acto quando o seu destinatário demonstra bem ter compreendido os motivos determinantes daquele, dos quais se limita a discordar, isto é, a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação - cfr. o Prof. Vieira de Andrade, em “O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos”, pág. 138;
-O grau de fundamentação há de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado;
-No caso posto procedem todas as conclusões da alegação;
-Efetivamente, ao ter decidido como o fez, o aresto recorrido invadiu área de discricionariedade técnica da Administração e do campo da medicina;
-É que, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, o ato impugnado - que recusou ao Autor/Recorrido a sua submissão a Junta Médica de recurso de forma a decidir sobre a eventual atribuição de pensão por incapacidade - não carece de fundamentação e/ou de análise.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença e julga-se improcedente a acção.
Custas pelo Autor (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário) e, nesta sede, sem custas, atenta a ausência de contra-alegações.
Notifique e DN.
Porto, 08/10/2021
Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Nuno Coutinho